Se de um lado a América do Norte e os países Europeus/Asiáticos parecem dar avanços mais consistentes na imunização de seus cidadãos, o Brasil progride, ainda que de maneira mais lenta, no mesmo caminho da utilização da vacina como meio preventivo contra a COVID-19. Com isto, não foi surpresa quando, entre o anseio da vacinação massificada e o receio daquilo que é desconhecido, uma guerra de informações tenha se iniciado, onde muitos passaram a semear a dúvida quanto não apenas sobre a eficácia da vacina, como a idoneidade dos seus provedores.
Sem entrar no mérito de que o cidadão está certo ou errado em rotular a vacina desta ou daquela maneira, podemos afirmar ser questão de tempo até que o empregador venha a lidar com funcionários que se recusam a tomar a vacina, seja por convicção política, religiosa ou qualquer outra de cunho pessoal.
E diante desta situação, diversos questionamentos e direitos serão colocados à mesa para o debate:
O direito individual do empregado deve prevalecer? Sendo uma questão de saúde pública, o interesse coletivo deve se sobrepor às vontades individuais? Sendo dever do empregador a manutenção de um ambiente de trabalho saudável e seguro, pode impor a vacinação de todos os seus colaboradores, independentemente da sua vontade pessoal? O poder diretivo do empregador o autoriza a punir o empregado que recusar a vacina? E os demais empregados que se submeteram a vacinação, podem se recusar a trabalhar caso exista algum empregado não vacinado?
Vejam os senhores a quantidade de questões que decorrem da mesma situação. E, ainda, não há respostas para todas elas.
Em qualquer país onde impera a democracia, o cidadão tem o direito e, porque não, o monopólio, sobre seu corpo. E sendo assim, tem o poder/dever de optar em relação a vacinação. Em legislações mais avançadas é previsto inclusive a escolha, pelo paciente, de optar pelo suicídio assistido (eutanásia), de modo a pôr um fim ao bem mais preciosa dentro de qualquer ordenamento jurídico: a vida.
No Brasil, sabemos que opção é impensável.
Então, voltamos ao questionamento original: O que fazer caso o empregado opte por não ser vacinado?
O Art. 5º da Constituição Federal garante a todo brasileiro “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” e, vai além, “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e “é inviolável a liberdade de consciência e de crença (…)”.
Ora, forçar alguém a tomar uma vacina, por qualquer motivo que seja, não seria uma clara expressão do que se entende por violação a intimidade ou mesmo ‘tratamento degradante’? Ainda que se argumente que a vacinação se dá por um bem maior, isto é, a ‘saúde pública’, ao forçar a vacinação de alguém não estamos exercendo o espírito da democracia, mas sim o peso da imposição estatal (ou ‘patronal’) sobre a individualidade do cidadão, cuja violação se dá apenas em casos excepcionalíssimos.
Se esta análise se dá do ponto de vista ético e moral, temos razões para acreditar que não existe respaldo jurídico a garantir legalidade à eventuais punições e, por que não, a ruptura contratual por justa causa ao empregado que se recusa a se vacinar.
Um dos motivos para este entendimento se deve ao fato de que a dispensa por justa causa em nosso ordenamento somente pode ocorrer nos casos previstos no Art. 482. E o rol de situações é taxativo e, com a devida vênia das interpretações contrárias, em nenhum destes é possível enquadrar tal situação.
Na ação direta de inconstitucionalidade 6586, o Supremo Tribunal Federal entendeu que ainda que o Estado possa aplicar sanções àquele que se recuse a se submeter a imunização, ele não pode forçar esta imunização, devendo ainda, ser respeitado ‘(…) a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas’.
Assim, a não obrigatoriedade do plano de imunização faz com que cada indivíduo seja detentor do direito de escolha, e, sendo assim, nenhuma opção sua pode ser interpretada como qualquer ato que se enquadre nas hipóteses do artigo 482 da CLT.
Em 27/01/2021 o Conselho da Europa aprovou, em assembleia, a Resolução 2361, segundo a qual a vacina não pode ser obrigatória e nem haver discriminação em relação a quem queira tomar. Assim é que, em relação aos países membros, nenhum empregado pode sofrer qualquer tipo de retaliação caso não queira se vacinar.
Aliás, pode-se ir além, ao trazer à mesa de debates a discussão da possibilidade da demissão, ainda que sem justo motivo, ser classificada como dispensa discriminatória.
Certo é que o momento exige dos agentes do contrato uma atuação colaborativa, parcimônia e muita moderação, de modo que o empregador terá importante papel de orientação, informação e coordenação junto a seus colaboradores. E, em caso de manutenção da posição do empregado (recusa à vacina), compreender a fim de não se criar um ambiente de absoluto desconforto. Demitir por justa causa por este motivo não nos parece um ato que tenha amparo legal.
Há sempre a esperança de que, em mais este difícil momento das relações de trabalho, os agentes do direito saiam fortalecidos e determinados a vencerem, juntos, mais esta etapa.
Por Leonardo Jubilut, advogado, especialista em direito do trabalho empresarial, sócio do Jubilut Advogados