“Refletir sobre os impactos dos seus investimentos no regime de bens adotado é de suma importância, porque impacta, inclusive, em seus herdeiros necessários num futuro direito sucessório.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Você já pensou qual será a destinação dos seus investimentos em caso de divórcio ou falecimento? A depender do caminho seguido, as consequências serão diversas. Ainda que não almeje o rompimento conjugal, refletir sobre os impactos dos seus investimentos no regime de bens adotado – no caso do presente artigo, regime de comunhão parcial de bens – é de suma importância, porque impacta, inclusive, em seus herdeiros necessários num futuro direito sucessório.
Para efeitos deste artigo, o que são considerados investimentos?
De forma simplificada, é considerado investimento o capital aplicado com o intuito de obter rendimentos a um certo prazo. Há múltiplas possibilidades de investimentos, por exemplo:
– renda fixa: tesouro direto, CDB, poupança…;
– renda variável: ações, fundos de investimentos…;
– previdência privada aberta: ofertada a qualquer pessoa, como VGBL e o PGBL;
– previdência privada fechada (fundos de pensão): ofertada a uma categoria específica ou a funcionários de uma empresa;
– etc.
Destaca-se que o artigo não tem o condão de conceituar a fundo os tipos de investimentos, uma vez que o foco se trata dos seus impactos jurídicos no âmbito do regime de comunhão parcial de bens.
Reflexos Jurídicos dos Investimentos no Regime de Comunhão Parcial de Bens
A comunicabilidade dos bens no regime de comunhão parcial de bens ocorre, em regra, apenas naqueles adquiridos de forma onerosa, por um ou pelos dois, na constância da união estável ou do casamento[2]. Ou seja, em geral, tudo o que for adquirido antes da conjugalidade se mantém como patrimônio particular. Destaca-se que não compete a este artigo destrinchar o regime em si; caso tenha interesse, recomenda-se a leitura do texto “Regime de bens: o que é, quais os tipos e como funcionam”.
– Divórcio
Regra geral, os investimentos realizados antes da constância do casamento ou da união estável não são partilhados. Entretanto, ressalta-se que os seus frutos sim. Por exemplo, Maria realizou um investimento de R$ 5.000,00 no ano de 2015, com prazo de 10 anos. Em 2016, ela se casou com João e, em 2020, divorciaram-se. Caso eles não tenham realizado pacto antenupcial, João terá direito aos frutos do investimento feito por Maria; ou seja, terá direito à partilha sobre o que renderam os R$ 5.000,00 iniciais.
No entanto, se os investimentos foram realizados durante o casamento ou a união estável deverão integrar a partilha. Por exemplo, Maria, casada com João, realiza um investimento de RS 5.000,00 em 2017. No ano de 2020, os dois se divorciam. No caso concreto, João terá direito a 50% do investimento e de seus frutos, ainda que não seja o titular da aplicação tampouco tenha utilizado quaisquer recursos próprios.
– Direito Sucessório
Após o falecimento do cônjuge, o sobrevivente é meeiro (ou seja, é titular de 50% do patrimônio) dos bens adquirido onerosamente durante a constância do casamento ou da união estável. Contudo, no caso do regime de comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente será somente herdeiro dos bens particulares do falecido, ou seja, o consorte concorrerá com os demais herdeiros.
Caso tenha interesse no aprofundamento do tema, recomenda-se a leitura do artigo “As consequências sucessórias de acordo com cada regime de bens”.
No caso dos investimentos terem sido realizados antes da constância do casamento ou da união estável, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança em concorrência com outros herdeiros necessários, por exemplo, os filhos. Já na situação em que os investimentos foram adquiridos durante o casamento ou a união estável, o cônjuge sobrevivente não terá direito à herança, eis que será meeiro sobre o investimento.
– Previdência Privada (VGBL e PGBL) integra a partilha no caso de divórcio e o direito sucessório?
Até recentemente, o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), em tese, não integravam o direito sucessório e a partilha no caso de divórcio, por terem caráter de seguro de vida[3] e de pensão[4]. No entanto, em setembro de 2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.698.774/RS, entendeu que, durante a fase de acumulação – em que é possível fazer aportes e resgates antecipados -, a previdência privada aberta possui natureza de aplicação financeira e não de pensão, como era entendido. A partir de então, a previdência privada aberta pode ser partilhada quando estiver na fase de acumulação em caso de regime de comunhão parcial de bens e de direito sucessório.
Além disso, registre-se que há seguradoras que vendem os planos como uma espécie de planejamento sucessório. Contudo, alguns podem ser contrários ao Código Civil e, inclusive, corre-se o risco de fraudar a legítima dos herdeiros necessários[5].
Quando isso acontece, existem decisões[6] que entendem que o plano da previdência privada carece de natureza securitária e, assim, pode ser pleiteado judicialmente, porque adquire o caráter de investimento. Portanto, para evitar dor de cabeça, é necessário cautela no momento de adquirir uma previdência privada, pois, a depender do caso concreto, é possível pleiteá-los judicialmente.
Conclusão
Como já mencionado, o artigo teve por objeto a explanação geral acerca dos reflexos dos investimentos no regime de comunhão parcial de bens. Nesse sentido, para que se tenha uma análise minuciosa do seu caso concreto, é importante realizar uma consulta jurídica com advogado ou advogada especialista na área de direito de família e sucessões. Dessa forma, muitas “surpresas desagradáveis” podem ser evitadas na hora da partilha de um inventário ou de um divórcio ou dissolução de união estável.
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/o-regime-de-comunhao-parcial-de-bens-e-o-seu-impacto-nos-investimentos/
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
[3] No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
[4]Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
[5] Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.
[6]AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Determinação de retificação das declarações para inclusão dos valores existentes em nome da inventariante (esposa) em previdência privada (VGBL) – Insurgência da parte sob alegação de que se trata de bem particular, de natureza securitária, excluído da sucessão – Decisão mantida – Afastamento da alegação absoluta do caráter securitário – Necessidade de aferição da natureza da verba, que pode atuar como simples aplicação financeira, caso em que sujeita ao regime geral dos bens comuns, inclusive reconhecimento da meação e partilha. Recurso desprovido. (TJ-SP – AI: 20347284320178260000 SP 2034728-43.2017.8.26.0000, Relator: Enéas Costa Garcia, Data de Julgamento: 18/09/2017, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/09/2017)