Direito da Saúde

Considerações sobre o não vacinar contra Covid-19 no Brasil

Resumo: O não vacinar contra a Covid-19 é conduta antijurídica e sujeita a pessoa às sanções impostas, além de outras responsabilizações.

Palavras-Chave: Direito. Faculdade. Vacinação. Conduta antijurídica. Direito Sanitário.

É efervescente o debate sobre a vacinação contra o coronavírus e os direitos individuais dos cidadãos brasileiros. E, infelizmente, não são feitas adequadas considerações jurídicas. Lendo o artigo de Henrique Abel que foi esclarecedor e, dista de meras considerações de filosofia política para enfocar nas respostas jurídicas a respeito da vacinação.

Ainda que a vacinação não seja obrigatória, no sentido de forçada. Não resta controvérsia quanto ao fato de que não existe lei nem decisão judicial que imponha a vacinação meio por meio da coerção, ou que seja então imunizado sem o seu prévio consentimento ou mesmo à revelia de sua vontade.

Porém, não existe propriamente o direito de não se vacinar. A não vacinação não é um direito e, ainda, se constitui conduta antijurídica posto que viole normas e princípios do direito sanitário[1] presentes no ordenamento jurídico brasileiro que serve de meio de enfrentamento da pandemia em nosso país.

Mesmo as infrações mais leves, presentes em contravenções e crimes de menor potencial ofensivo que são devidamente tipificados na legislação inicialmente a ação discricionária do indivíduo. De certo não é a tipificação penal prévia destas condutas ilícitas nem a cominação de penas possuem o poder de impedir que essas condutas sejam praticadas.

Não se poderia, por exemplo, defender a liberdade individual do cidadão que dirige acima do limite de velocidade permitido, ou mesmo, o direito de roubo, homicídio ou de esbulho.

Enfim, a liberdade que existe não inclui o cometimento de atos antijurídicos e, portanto, não constitui um direito. A não vacinação contra a Covid-19 se não feita de forma injustificada, constitui positivamente uma conduta antijurídica passível de sanção.

Nesse sentido, há entendimento do Supremo Tribunal Federal[2] no julgamento das ADIs 6.586 e 6.587[3], em dezembro de 2020. Não se trata de novidade, pois o STF se limitou a reconhecer a constitucionalidade da possibilidade de realização compulsória de vacinação conforme está expresso no artigo 3º, III, d da Lei 13.979/2020.

A não vacinação não se confunde com o direito à inviolabilidade de consciência e de crença, conforme previsto constitucionalmente. Uma pessoa tem o direito de não ser constrangida a submeter-se a tratamento médico, a intervenção cirúrgica, sendo desnecessária a verificação da existência do risco de vida conforme consta no artigo 15 do Código Civil brasileiro[4]. Enfim, é direito individual que repercute exclusivamente na esfera individual da pessoa.

Lembrando-se que a pessoa contaminada pela Covid-19 pode estar assintomática (ou seja, sem nenhum dos sintomas) mas, é passível de infectar outras pessoas, que materializa o gravame a saúde pública[5].

A respeito do dever jurídico imposto aos cidadãos pelas medidas legais de enfrentamento à pandemia de Covid-19, não há dúvida que o artigo 3º, § 4º que as pessoas deverão sujeitar-se cumprimento das medidas previstas neste artigo e, que o descumprimento destas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.

Portanto, não há direito à não vacinação. Embora a vacinação não seja coercitiva nem forçada, ainda possui caráter compulsório e, a não vacinação institui conduta antijurídica e, passível de sanção. Entre as sanções[6] há um rol não exaustivo[7] como a restrição ao exercício de certas atividades, a frequência de certos lugares, desde que previstas em lei, ou desta decorrentes. Podem ser implementadas as sanções tanto pela União como pelos Estados, Municípios e Distrito Federal, respeitadas as respectivas esferas de competência.

Em outros países[8], o mesmo acontece nos EUA, não se pode fazer muita coisa na Big Apple sem mostrar o seu cartão de vacinação, declarou Paul Krugman (economista vencedor do Prêmio Nobel), no Canadá, em Quebec, um pai divorciado perdeu temporariamente seu direito de visitação ao filho por conta de não ter se vacinada.

O STF determina punição aos pais que não vacinarem os filhos contra a Covid-19. O Ministro Ricardo Lewandowski determinou que o Ministério Público de todos os Estados fiscalize e puna os pais que não vacinarem os filhos contra a Covid-19. O STF atendeu a um pedido do Partido Rede.

E, Quebec ainda adotou uma ferrenha política de vacinação contra os não vacinados e de restrição de venda de bebidas alcoólica e de maconha para uso recreativo, cuja comercialização é permitida no Canadá.

Em São Paulo (capital), logo na primeira semana de 2022 passou a exigir o alcunhado “passaporte da vacina”[9] para ingresso em qualquer evento, independentemente da quantidade de pessoas.

No Rio de Janeiro, adiou-se o carnaval para o feriado de Tiradentes tendo em vista o alto grau de contaminação da variante ômicron da covid-19. O Datafolha nos informa que 81% dos brasileiros são totalmente a favor da exigência de apresentação de passaporte vacinal para frequentar todo tipo de estabelecimentos comerciais ou eventos.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA[10]), a vacinação[11] é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Quem descumpre os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda está sujeito a multa de três a vinte salários e, pode ainda ter punições mais severas.

Concluindo-se quem não se vacinar adota conduta em prejuízo da saúde pública e do bem comum e se submete, ipso facto, as sanções[12] que não são incompatíveis com a liberdade que é defendida e protegida em um Estado Democrático de Direito. O cumprimento dos protocolos sanitários[13] é apenas mais uma exigência para uma vida civilizada na sociedade humana.

Referências

ABEL, Henrique. Não se vacinar é um direito? Disponível em:  https://www.migalhas.com.br/depeso/358443/nao-se-vacinar-e-um-direito Acesso en 22.01.2022.

CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. “Crimes contra saúde pública”. In: Curso de especialização à distância em direito sanitário para membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Brasília: UNB/FIOCRUZ/REFORSUS, 2002.

IBDFAM. Vacinação compulsória é constitucional, decide STF. Disponível em:  https://ibdfam.org.br/noticias/8076/ Acesso em 22.01.2022.

LEITE, Gisele. Aspectos jurídicos sobre a obrigatoriedade de vacinação no Brasil. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/91830/aspectos-juridicos-sobre-a-obrigatoriedade-de-vacinacao-no-brasil Acesso em 22.01.2022.



[1] O Direito Sanitário é um ramo da Ciência Jurídica que tutela a saúde das pessoas, e que para tanto deve possuir princípios fundamentais específicos e sistema jurídico especial para a construção deste aparato legal de forma a instituir um sistema jurídico devidamente estruturado. Entre as áreas de atuação da vigilância sanitária encontram-se ações relacionadas ao controle de risco sanitário em: Produtos: Alimentos, medicamentos, cosméticos, saneantes, sangue e derivados, equipamentos para a saúde. Saúde do Trabalhador: ambiente de trabalho e a saúde do trabalhador.

[2] Nas ADIs, foram fixadas as seguintes teses: (I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente. (II) Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

[3] A maioria do Supremo Tribunal Federal – STF decidiu nessa quinta-feira (17.12.2020), por dez votos a um, que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação. O julgamento enfocou a Covid-19, a partir das previsões da Lei 13.979/2020, que vinham sendo questionadas na Corte, mas atendeu também ao crescente movimento antivacina no Brasil, anterior a este momento de pandemia. O tema foi discutido na análise conjunta das Ações Diretas de Inconstitucionalidade – ADIs 6.586 e 6.587, que tratam unicamente do coronavírus, e do Recurso Extraordinário com Agravo – ARE 1.267.879, em que se discute o direito à recusa à imunização por convicções filosóficas ou religiosas. De acordo com a decisão do STF, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei, tais como multa, impedimento de frequentar determinados lugares e de se fazer matrícula em escola. Ressaltou-se, em contrapartida, a impossibilidade de fazer a imunização à força. Também ficou definido que os Estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação.

[4] Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. A proibição de atos de intervenção cirúrgica não autorizados constitui corolário lógico do direito à integridade física e o novo Código Civil consagrou de modo expresso a liberdade de não ser compelido a tratamento médico ou cirúrgico, quando presente o risco de vida.

[5] Saúde Pública na concepção mais tradicional, é a aplicação de conhecimentos (médicos ou não), com o objetivo de organizar sistemas e serviços de saúde, atuar em fatores condicionantes e determinantes do processo saúde-doença controlando a incidência de doenças nas populações através de ações de vigilância e intervenções governamentais.

[6] “O Código Penal brasileiro, no tocante à proteção do bem jurídico(saúde), distingue condutas que atingem a saúde individual e coletiva, reunidas, respectivamente, no Título I denominado Dos crimes contra a pessoa, e no Título VIII, dos crimes contra a incolumidade pública. No primeiro caso a lesão ou o perigo de lesão pode atingir várias pessoas, mas elas são determinadas. No segundo, o perigo abstrato ou concreto deve apresentar-se a um número indeterminado de pessoas, sem embargo de vir a ocorrer lesão em uma ou mais pessoas determinadas. Indeterminação e coletividade são elementos distintivos do conjunto de crimes contra a incolumidade pública e, entre eles, os crimes contra a saúde pública.”

[7] Não Vacinados são 89% dos mortos por Covid-19. Disponível em:  https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/12/05/covid-19-coronavirus-vacinacao-mortes-internacao-brasil.htm   Acesso em 22.01.2022.

[8] Europa aperta o cerco aos não-vacinados contra covid-19. Disponível em:  https://pt.euronews.com/2022/01/03/europa-aperta-o-cerco-aos-nao-vacinados-contra-covid-19

Acesso em 22.01.2022.

[9] Apesar do direito à liberdade de locomoção dentro do território nacional, havendo concorrência entre bens jurídicos tutelados, deve-se adotar uma solução que seja menos gravosa e que busque a maior realização dos direitos envolvidos é um direito social, expressamente resguardado pela Constituição em seus artigos 6º e 196.

[10] Há previsão do Artigo 4º do ECA que estabelece que faz parte dos deveres da família, da sociedade e do Estado, assegurar, entre outros, o direito à saúde das crianças e adolescentes. E, em seu artigo 14, §1º aduz que: O Sistema Único de Saúde (SUS) promoverá programas de assistência médica e ontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetaram a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. §1º: É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.” Também configura infração por inobservar as obrigações estatuídas na Lei 6.259/75, legislação referente à saúde pública, sujeito as penalidades previstas no artigo 43 na Lei 6.259/75 e ainda penalidades do Decreto-Lei 785/1969, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

[11] A questão da comprovação da vacina tem um amplo respaldo nos artigos 196 e 197 da Constituição, que asseguram o direito à saúde e que cabe ao poder público dispor sobre a sua regulamentação”, avalia Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec.

[12] Estados e municípios punem servidores que não se vacinam. Veja regras: Disponível em:  https://www.metropoles.com/brasil/servidor-brasil/estados-e-municipios-punem-servidores-que-nao- -vacinam-veja-regras Acesso em 22.01.2022.

Pais podem perder guarda por não vacinar filho contra covid-19, diz procurador-geral de SP. Disponível em:  https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,pais-podem-perder-guarda-por-nao-vacinar-filho-contra-covid-19-diz-procurador-geral-de-sp,70003955902 Acesso em 22.01.2022.

Multa e perda da guarda são punições aos pais que negarem vacina aos filhos. Disponível em:  https://amazonasatual.com.br/multa-e-perda-da-guarda-sao-punicoes-a-pais-que-negarem-vacina-aos-filhos / Acesso em 22.01.2022.

[13] Protocolos sanitários contra Covid-19 — Português (Brasil) (www.gov.br)

Protocolos e planos de contingência – Coronavírus — Português (Brasil) (www.gov.br)

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Considerações sobre o não vacinar contra Covid-19 no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-da-saude/consideracoes-sobre-o-nao-vacinar-contra-covid-19-no-brasil/ Acesso em: 21 nov. 2024