Como se sabe, diferentes Planos Econômicos foram aprovados pelo governo nas décadas de oitenta e início da década de noventa. São o Plano Cruzado, o Plano Bresser, o Plano Verão, o Plano Collor I e o Plano Collor II.
Ninguém, ao que saibamos, arguiu a inconstitucionalidade desses Planos Econômicos todos eles elaborados para atender ao clamor popular contra a escalada da inflação, que corroia rapidamente o poder aquisitivo da moeda. Lembro-me que em supermercados havia duas alterações de preço por dia: uma de manhã e outra à tardezinha. Era uma corrida do consumidor contra o empregado remarcador de preços que, na época, por meio de um aparelhinho, colocava um adesivo com novo preço em cada mercadoria exposta nas prateleiras.
Logo, contestar a constitucionalidade dos Planos Econômicos seria o mesmo que contestar a constitucionalidade do AI-5, por exemplo. Única inconstitucionalidade levantada foi a que diz respeito ao bloqueio de ativos financeiros, que nada tem a ver com a questão ventilada na ação da CONSIF adiante mencionada. É de se lembrar que milhares de poupadores foram à Justiça pleitear o pagamento de diferenças resultantes de aplicação equivocada dos índices de correção monetária, não respeitando o dia do aniversário de cada conta de poupança. Em outras palavras, as instituições financeiras promoveram aplicação retroativa dos índices de correção resultantes desses Planos Econômicos.
Se é verdade que o art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil prescreveu a aplicação imediata da lei em vigor, não menos verdade que esse mesmo dispositivo ressalvou, como não poderia deixar de ser, o direito adquirido que está definido em seu § 2º:
“Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.
Em outras palavras, direito adquirido significa assegurar ao titular do direito a faculdade de usufruir, no futuro, os efeitos da norma que não está mais em vigor. A lei não precisa assegurar os efeitos da norma em vigor, mas, precisa, em nome do principio da segurança jurídica, assegurar os efeitos da lei já revogada, tendo em vista o dinamismo do direito. Do contrário, ninguém conseguirá concretizar o seu direito.
Instituições financeiras, que promoveram o lançamento de rendimentos após o advento de diferentes planos, desconsiderando os índices vigentes nas datas de aniversários das respectivas contas de poupança, na verdade, agiram com deslealdade e de forma ilegal, locupletando-se ilicitamente. Confundiram o princípio da aplicação imediata da lei, com o princípio da inaplicação retroativa da lei. As leis são elaboradas para sua aplicação às situações fáticas que surgirem a partir da vigência delas; nunca para aplicá-las em relação às situações passadas, por razões óbvias ditadas pelo princípio da segurança jurídica.
Por isso, pacificou-se a jurisprudência de nossos tribunais, determinando o pagamento dos rendimentos de poupanças de conformidade com os índices vigentes nas datas de aniversários das respectivas contas, ainda que, na data do creditamento já estiverem em vigor um índice menor decorrente de Planos Econômicos.
Surpreendentemente, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF – ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – requerendo a suspensão liminar de qualquer decisão judicial que tenha por objeto a reposição de perdas decorrentes dos Planos Econômicos de início referidos, e no mérito requerendo que a Corte Suprema reconheça a plena constitucionalidade “dos planos econômico-monetários editados pelos mais diversos governos desde 1986” ( ADPF nº 165-0).
Sustenta que existem em curso mais de 550 mil ações entre processos individuais e coletivos. Argumenta que tais ações representam uma “perda” em potencial de cerca de R$ 180 bilhões. Lembra, ainda, que o reconhecimento da prescrição vintenária em relação ao Plano Verão de 1989 ensejou o ajuizamento de ações em massa.
Ora, não sabe falar em “perda” de R$ 180 bilhões que as instituições financeiras deixaram de pagar na forma da lei.
Outrossim não tem o menor sentido buscar declaração de constitucionalidade das legislações pertinentes aos diferentes Planos Econômicos como se alguém tivesse questionado a sua constitucionalidade. Trata-se da ilegalidade perpetrada pelas instituições financeiras com a aplicação retroativa dessas legislações, não respeitando o principio do direto adquirido.
A CONSIF ao tentar reverter os resultados de milhares de ações favoráveis a poupadores acaba por lançar a semente da confusão.
* Kiyoshi Harada, Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo