Paradigmas constitucionais do patrimônio mínimo: uma abordagem sistêmica da função social da pessoa jurídica ante os procedimentos expropriatórios do Estado
Mauricio G. do Nascimento R. Lima*
INTRODUÇÃO
Ao observar os fenômenos jurídicos em escala global, numa acepção conglobante e principiológica, tornam-se particularmente nítidos tais quando se põem em evidência suas características básicas, traduzidas em forma de tendências. Neste prisma, as tendências mundiais explicitam-se em relações, estruturas e processos que, no começo, são pouco visíveis, passam quase que invisivelmente pelo pensamento doutrinário, salvo quando alguns poucos aventureiros resolvem sobre elas versarem, mesmo que insuspeitados. Todavia, em todo o caso, esses fenômenos, construídos em grande peso no dia-a-dia dos tribunais e na vivência de situações práticas, são expoentes reveladores da humanização, cada vez mais crescente, das decisões de mérito pacificadoras de litígios e da própria modificação das estruturas de utilização dos bens de produção e do uso da propriedade para um bem estar coletivo.
Neste viés, surgem as tendências mundiais e, destas, surge à tendência de humanizar as relações de produção. Sem embargo, esta tendência sintetiza-se, sobretudo, na orientação de se criar uma releitura do conceito clássico da propriedade privada com fundamento na novíssima definição principiológica de função social da propriedade em seu sentido amplo, com reflexos e implicações obvias na estrutura jurídica brasileira. Assim, nesta esteira, como definido no frontispício deste trabalho científico, buscamos traduzir esta tendência de funcionalização social da propriedade num pressuposto necessário que atribuí à propriedade privada, na forma em que está sistematizada no Brasil, um conteúdo específico que a conduz a um novo conceito carregado de um poder-dever condicionante do poder de proprietário a uma finalidade: a uma função social fundamentada no bem coletivo.
Todavia, mesmo que a tendência mundial seja no sentido desta funcionalização (social) do patrimônio privado, este trabalho pretende versar sobre como conciliar essa nova perspectiva com os ultrapassados procedimentos expropriatórios fiscais do Estado, vez que a legislação própria do procedimento de execução fiscal (Lei Federal n.º 6.830/1980), traz regras e posicionamentos arraigados de arcaísmos, quando comparados com as novas tendências de humanização, funcionalização social e defesa do patrimônio mínimo alheio privado, vez que, em seus procedimentos, não consideram a figura humana da pessoa do devedor e, tampouco, os valores sociais e interesses coletivos que ultrapassam os interesses de lucro do empresário, posto que hoje já se sedimenta o conceito de empresa como órgão estabilizador de empregos e geradora de riquezas como função social dos bens de produção, à luz do preceito constitucional econômico que promulgou a busca pelo pleno emprego. Assim, em epítome, o presente trabalho surge como uma proposta, quiçá legislativa, de conciliação (remota) e/ou modificação (urgente) do procedimento especial de execução fiscal, qual, como expoente de um Estado arrecadatório, mas, sobretudo humano, não pode ficar aquém das tendências mundiais de constitucionalização do bem estar coletivo e da humanização do direito como um todo.
FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO TEMA
Ao iniciarmos este estudo, mister se faz vislumbrar sobre as definições iniciais do que seja a função social da Propriedade. Seu surgimento, como idéia, foi primeiramente delineado por Santo Tomaz de Aquino na máxima de que o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão de bens destinados a servir a todos, embora pertença a um só, entretanto, passados séculos após a postulação da acertiva aquiniana, sua idéia, enquanto essência mantém em si o delineamento basilar da definição moderna de função social da propriedade: a gestão dos bens destinados a servir a todos, embora pertença a um só. Desta forma, se comparada à máxima supra aventada à definição de princípio, veremos que estamos diante de um princípio definidor de um conhecimento fundamental de uma verdade geral demonstrada (NUNES, Pedro. 1999, p. 599), posto que, na linguagem heigeliana, princípio é todo máxima universalizavelmente aceita e, assim o sendo, de início, podemos dizer, ao versamos sobre função social da propriedade, que tal se concebe como um princípio definidor do direito.
Neste diapasão, ao partirmos nossa idéia das premissas do princípio da função da propriedade e seus reflexos no direito pátrio, inevitavelmente, tangenciar-se-á nossa tese aos fundamentos constitucionais da Constituição da República. Desta feita, em nosso ordenamento constitucional, o tema ganha dimensão e importância ao ser definido como preceito fundamental e cláusula pétrea nos termos do art. 5º, incisos XXII e XXIII da Carta magna qual, de início determina que seja garantido o direito de propriedade, açambarcada na idéia de que a propriedade cumprirá sua função social, respectivamente, sob o enfoque de um direito individual. Entrementes, já no art. 170 do texto constitucional, enuncia a função social privada como um princípio da ordem econômica do Estado, interpretada não mais no ponto de vista individual, mas sobre uma dimensão coletiva, universal.
Neste espeque, enquanto princípio de dimensão individual e coletiva, sua essência jurídica é incompatível com a noção de direito absoluto. Isto porque, na exegese constitucional, admite o direito brasileiro a aplicação da função social da propriedade como limitação interna, positiva, condicionante do direito de exercício da propriedade a uma utilidade, não somente para um, mas para todos, ou simplesmente, a gestão dos bens destinados a servir a todos, embora pertença a um só. Noutros termos, a função social da propriedade traz em si um poder-dever, extensiva ao direito privado, algo típico do direito público: o condicionamento do poder a uma finalidade.
Sobre isto, ou seja, sobre a extensão do direito público ao privado, abram-se aspas para que o possamos considerá-lo como um fenômeno jurídico qual nasce da premissa de que os interesses e necessidades da coletividade se sobrepõem aos interesses individuais. Sem embargo, na moderna e renovadora doutrina nacional, a este fenômeno, damos o nome de constitucionalização dos direitos, ou mais especificamente, de constitucionalização do direito civil e dos demais direitos infraconstitucionais, ou simplesmente na designação de direito constitucional civil; direito constitucional penal; direito constitucional ambiental e direito constitucional consumerista. Trata-se, pois, esta constitucionalização dos direitos, sobretudo, dos direitos privados em um “triunfo da socialidade” (REALE, Miguel. 1996, p. 38), ou seja, “fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana”.
Desta forma, Celso Ribeiro Bastos, informa que o desfecho da condição de proprietário está no “conjunto de normas da constituição que visa, por vezes até com medidas de grande gravidade jurídica recolocar a propriedade em sua trilha” (BASTOS, Celso. 1998, p. 280-1). Assim, mesmo que em tom mais agressivo a idéia de Bastos, ela não se destoa do enfoque coercitivo do Estado em limitar o direito de propriedade contra os abusos do proprietário que potencialmente possa dispor de um uso nocivo de sua propriedade e, como tal, colocar em risco os interesses e o bem estar coletivo. Neste viés, salienta se que, diante de uma função, ou seja, de um poder dever que traz ao Direito Privado algo que até então tido por exclusivo do direito público: o condicionamento do poder [de proprietário] a uma finalidade (GRAU, Eros. 2002, p. 240). Outrossim, a sociedade assume um âmbito maior em seu uso e mais nobre quanto sua utilidade, posto que ela passe a exerceu uma utilidade pública para o bem de outrem não proprietário.
Outrotanto, o princípio da função social da propriedade não diminui ou modifica a concepção de propriedade, mas ao contrário, a justifica. A propriedade, sob a ótica do princípio constitucional da propriedade e, à luz da ordem econômica pátria, dá legitimidade ao direito de proprietário de ser dono: se existe proprietário, existe, por conseqüência, a propriedade e esta por sua vez, só existirá no Brasil se esta cumprir em seu âmago uma função social tendente ao bem comum coletivo.
Em remate, a função social da propriedade, em termos constitucionais, é integrante da própria estrutura de Propriedade. Neste viés, salienta a Professora baiana Maiana Pessoa, em seus estudos sobre propriedade e função social que “a função social não pode ser encarada como algo exterior à propriedade, mas sim como elemento integrante de sua própria estrutura” sua extensão açambarca toda a universalidade patrimonial do proprietário, seus bens de uso pessoal, móveis imóveis e bens de consumo, posto que o princípio em tela imponha ao proprietário não a limitação pura e simples do gozo de sua propriedade privada, mas impõe-lhe uma conformação com o seu direito: a propriedade particular, ante aos interesses coletivos, não apenas exerce uma atividade limitadora de gozo ou uso, mas sim uma função conformativa – para ser dono, o proprietário particular deve-se conformar de que seu domínio, seu bem ou patrimônio deverá servir não só a ele, mas também aos outros, nos termos da lei.
Todavia, no direito brasileiro, tem-se o entendimento de que se pode a mais, também se pode a menos: aplicam-se à empresa as mesmas disposições constitucionais acerca do direito de propriedade. Neste diapasão, para se entender o objeto do trabalho em tela, é de bom alvitre aventar-mos, também, sobre a construção doutrinário-ideológica da função social da empresa, em linhas gerais, mas não insuficientes, sobre a definição do tema, a viabilidade técnico-jurídica de sua validade e sua aceitação no mundo jurídico. Outrossim, após vencida esta etapa, sintética por sua vez, avançaremos sobre os elementos delineadores do patrimônio mínimo.
Com efeito, as mesmas disposições aplicáveis à concepção técnico-jurídica de propriedade no Brasil são aplicáveis à empresa. No contexto atual, a propriedade produtiva é indissociável da vida cotidiana da humanidade, posto ser um dos pilares que sustentam as relações sociais modernas no sistema de produção capitalista e, em razão deste contexto, a propriedade ganha em sua essência uma função social motivada pela pressão de terceiros que se situam em torno dessas empresas. Assim, a função social da empresa, deve ser compreendida e mensurada como o respeito aos direitos das pessoas que estão ao seu redor, bem como necessitam da empresa e da atividade empresarial para sobreviverem.
A tendência, não só no Brasil, como em outros países, é pela funcionalização dos institutos jurídicos. O direito de propriedade, outrora concebido como um direito absoluto e imponível compatibilizou-se ao novo perfil positivo-ideológico da Constituição Federal de 1988, açambarcando em sua raiz um modelo de sistema capitalista com forte enforque social. Neste prisma, a limitação da empresa pela funcionalização social, não decorre, meramente da condição de ser pura e simplesmente “propriedade”, mas sim da atividade empresarial em si motivada pela sua importância no meio coletivo, bem como dos valores e interesses sociais que ultrapassam a ânsia de lucro pelos empresários.
Destarte, compreender o sentido de função social da empresa é o mesmo que compreender o sentido de função social dos meios de produção. Isto porque, os meios de produção, definidos como o processo pelo qual são criados produtos e serviços para a sobrevivência dos homens, impõem ao direito uma nova concepção de empresa com espeque na atividade empresarial como estabilizadora de empregos e geradora de bens e serviços. Assim, os bens de produção são interpretados com dinamismo no capitalismo em regime de empresa, posto que quem os produza (a empresa) se consubstancia num importante agente social dotado de grande poder sócio-econômico.
Assim, a função social da empresa (e da atividade empresarial) é justificada por incidir sobre si importantes princípios e preceitos constitucionais. A saber, destacamos como essenciais os princípios da solidariedade (art. 3º, I da CF/1988); a busca do pleno emprego (art. 170, VIII da CF/1988); a justiça social (art. 170, caput da CF/1988); a redução das desigualdades sociais (art. 170, VII da CF/1988); o valor social do trabalho (art. 1º, IV da CF/1988); a solidariedade e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais (art. 3º, I e III da CF/1988) e, sobretudo, o princípio basilar da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/1988).
Ademais, pela complexidade estrutural e, sobretudo, pela grande quantidade de princípios constitucionais incidentes sobre o tema, logo se percebe que a fundamentação e interpretação da função social da empresa é sistêmica, posto que envolvam diversos níveis de direitos (como, por exemplo, a constitucionalização do direito civil) e é coerente, posto que não seja contrária e, tampouco, se choca com outros institutos jurídicos.
Conclui-se, por obvio, que dentre os princípios supra-elencados, destaca-se, em evidência, o princípio da dignidade da pessoa humana. Isto porque, se analisado sob a ótima de um sistema, necessário, por vez, seria a gradação de valores como pedra angular de um complexo jurídico, sustentado no inter-relacionamento pessoal. Impõe-se, por conseguinte, a integridade espiritual e física da pessoa humana; a garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade; a libertação da “angústia da existência” da pessoa mediante mecanismos de socialidade, dentre os quais se incluem a possibilidade de trabalho e a garantia de condições de existência mínima. (CANOTILHO, 1993, p. 363).
Em decorrência, não há possibilidade teórica e prática de se aventar sobre função social, ao se excluir a concepção de pessoa humana de seu conceito. Neste jaez, os conceitos jurídicos de propriedade, patrimônio, obrigação, negócio, função social e empresa perderiam o sentido se não açambarcassem em sua composição a essencialidade da pessoa humana. Daí, falar-se que a pessoa humana é o fator central, o fundamento e ponto de partida de todo o direito e da vida dos direitos, do qual, a dignidade da pessoa humana é o núcleo basilar dos direitos fundamentais.
Outrotanto, a centralidade dos direitos fundamentais dentro do sistema jurídico e, sobremodo, na sistemática constitucional, consubstancia-se em um importante ponto de interpretação e aplicação dos demais direitos. Para cumprir com força expansiva suas funções, os direitos fundamentais têm uma peculiar capacidade de se projetar nos métodos e técnicas de interpretação de todas as normas do ordenamento jurídico e, assim, consubstanciarem-se em parâmetros seguros de aplicação da norma ao caso concreto. Em epítome, a fundamentalidade destes direitos, carregados de princípios, ocupa um superior grau na ordem jurídica, posto ser eles, em última análise, a expressão mais imediata da dignidade da pessoa humana.
Este direito/princípio, da dignidade da pessoa humana, é um direito inato e anterior ao próprio Estado. Sua proclamação tem como lógica afirmação o reconhecimento de que, na vida social, pessoa não se confunde com o Estado, e tampouco, o indivíduo se confunde com a pessoa. Sem embargo, para desenvolver melhor essa distinção, o presente artigo adota a teoria do personalismo qual delineia a interrelação entre os valores individuais e os valores coletivos. Todavia, curioso nesta teoria é a distinção entre valores individuais (de pessoa humana) e de individualismo: o primeiro, pessoa humana, evidencia o termo pessoa no mais amplo sentido, um fim em si mesma e, por isso tem valor absoluto, não podendo ser utilizada como instrumento para algo (KANT, Emmanuel. 1993, p. 68) e é, exatamente, por isso que tem dignidade e é pessoa, sua essência antecede a própria criação do Estado, enquanto, o segundo, individualismo, tem conotação mais condizente com os sentimentos egoísticos, ou melhor, define-se na idéia de interesse particular fulcrado numa concepção de individualismo burguês, ou melhor, na idéia de que os direitos do homem, enquanto individuo, não ultrapassam o egoísmo do homem como membro da sociedade burguesa, isto é, o indivíduo voltado para si mesmo, para o seu interesse particular, em sua arbitrariedade privada e dissociada da comunidade (MARX, Karl. 2003, p. 44).
Desta forma, optamos para um melhor alcance finalístico do princípio da dignidade da pessoa humana, a concepção ampla de pessoa, não a de indivíduo. Nestes fundamentos, defende-se a pessoa humana, enquanto valor (não enquanto interesse no individualismo), o valor último e supremo da democracia, que a dimensiona e humaniza; é a pessoa humana a raiz antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de Direito o que […] não implica um conceito fixista de dignidade da pessoa humana, o homo clausus, ou o antropologicun fixo. Ao contrário, sendo a pessoa unidade aberta, sugere uma integração pragmática (CANOTILHO, J. 1993, p. 362-3).
Outrossim, ao fundamentar a premissa de que o princípio deve partir da pessoa e não do indivíduo, a interpretação do parâmetro da dignidade humana na Constituição ganha uma amplitude maior. O princípio basilar da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/1988), nesta exegese, lógica por vez, defende a pessoa humana (sua dignidade) enquanto valor absoluto, qual há de prevalecer, sempre, sobre quaisquer outros valores e princípios. Neste diapasão, é de bom alvitre salientar que os princípios possuem uma ampla dimensão e importância salutar que as regras não têm: quando há conflitos de princípios (antinomia jurídica imprópria) sua resolução se dá em virtude da comparação ao peso (importância) relativa de cada um – para resolver o problema, se impõe a não exclusão de um em detrimento do outro, mas sim a conciliação entre eles; já as regra não possuem essa peculiar dimensão, vez que há entre elas uma gradação dentro do sistema normativo – se há colisão entre elas, prevalecerá uma sobre a outro. Assim, enquanto uma norma princípio (art. 1º, III da CF/1988), o princípio da dignidade da pessoa humana não poderá ser excluído quando em conflito com outras normas e com outros princípios, mas sim deverá ser aplicado e conciliado aos interesses conflitantes do caso concreto.
Com efeito, toda a ação de império do Estado deverá ser avaliada sob pena de inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, considerando se cada pessoa é tomada com fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos. Ela é, assim, paradigma avaliativo de cada ação do Poder Público e um dos elementos imprescindíveis de autuação [do próprio] Estado (FARIAS. Edsom, 1996, p. 51).
Entretanto, há de se ventilar que na hipotética situação entre pessoa humana e o Estado, prevalecerá à vontade do Estado. Com fulcro na teoria do personalismo, adotada por nós, se tal hipótese ocorrer, o deslinde será no sentido de se buscar em cada caso concreto uma compatibilização, com a decorrente preeminência de um ou de outro valor. Neste jaez, como se trata de se compatibilizar as situações, o Estado não se deve impor porque é Estado meramente, deve-se, antes de qualquer coisa, vislumbrar a preeminência de um ou de outro valor na prática, ou seja, deve-se primeiro, antes de se impor, respeitar e sobrepesar os valores constitucionalmente insculpidos, para depois, em sua motivação (conforme o princípio da motivação) justificar os seus atos, desde que respeitado, sobremaneira o princípio da dignidade humana, posto que, ainda que o Estado opcione em determinada situação pelos valores coletivos, esta opção não pode nunca sacrificar e vilipendiar o valor da pessoa humana.
Neste prisma, o Estado em sua condição de império, não pode ultrajar o valor principiológico da pessoa humana. Desta forma, enquanto princípio, a dignidade da pessoa humana pode ser estendida a outros direitos, constituindo-se, por evidente, na própria vida dos direitos, como por exemplo, o direito à vida, à integridade física, à manifestação do pensamento, o direito da busca pelo pleno emprego, da execução menos gravosa ao devedor e do direito ao patrimônio mínimo. Dentre estes direitos, destacaremos a seguir, como parte fundamental deste estudo, os dois últimos direitos citados, frente ao poder do império do Estado.
PATRIMÔNIO MÍNIMO: REFLEXOS DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E DA FUNÇÃO SOCIAL.
Modernamente, a tendência da ciência do direito é de se espraiar o reflexo valorativo do princípio da dignidade humana em outras direções. Sem embargo a outros posicionamentos contrários, optamos pela aplicação principiológica e volitiva da dignidade da pessoa humana como paradigma angular do seu direito ao patrimônio particular, como forma de externalizar sua dignidade, quando comparada aos procedimentos expropriatórios do Estado. Neste viés, vislumbraremos sobre a possibilidade (necessária) de se conciliar o patrimônio mínimo da pessoa, ao poder de império expropriatório do Estado sem, contudo, contrachocar-se com a valorização da pessoa como ser, numa proposta de conciliação e ventilação de tendências.
Com efeito, o termo patrimônio mínimo aqui versado é análogo à teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Define-se segundo o qual, para que a dignidade da pessoa humana seja preservada, deve-se garantir a todos um mínimo de recursos, o chamado mínimo existencial, considerado este como o núcleo dos direitos fundamentais e sem os quais fatalmente se viveria à pessoa humana abaixo do limite da dignidade tolerável. Neste viés, estatuto do patrimônio mínimo e princípio da dignidade da pessoa humana são duas realidades jurídicas intrinsecamente ligadas, posto que na medida em que se procura preservar esta por intermédio da proteção daquela.
Esta teoria (estatuto jurídico do patrimônio mínimo) foi desenvolvida no Brasil, pela primeira vez, pelo jurista Luiz Edson Fachin, em sua obra rotulada de Estatuto jurídico do Patrimônio Mínimo, resultado de uma tese elaborada pelo autor para obtenção, via concurso público, de uma cátedra de Direito Civil (professor titular) na Universidade Federal do Paraná.
Ademais, complementa-se a dimensão patrimônio/dignidade humana um terceiro fator: a função social. Desta forma, com a incidência das balizas orientadoras do princípio da função social sobre os holofotes dos princípios da dignidade da pessoa humana/propriedade, cria-se, pois, uma triangulação perfeita e conciliatória haja vista que a aplicação simultânea entre a função social e a dignidade humana sobre o conceito de propriedade, resultará, na funcionalização do patrimônio, evidenciando-o como um meio de alcance da dignidade do seu titular. Assim, sob este aspecto, os bens patrimoniais já não são mais tratados como um fim em si mesmo, ao contrário, se irradiados à luz da triangulação supra apontada, serão eles agora vinculados a uma finalidade personalística: de preservarem a digna condição de vida de seu donatário.
Em linhas gerais, a tese do professor Fachin se delineia segundo o qual o ordenamento jurídico deve sempre procurar garantir um mínimo de patrimônio (mínimo existencial) ao indivíduo como forma de garantir-lhe a sua dignidade. Neste espeque, a teoria em si obteve forte impacto sobre o estudo dos bens patrimoniais no Direito Civil, posto que, à luz da interpretação desta teoria, os bens não podem mais serem interpretados sob o prisma de mera patrimonialidade por si mesmos, isto porque, na perspectiva anterior (de patrimonialidade), compreendida entre o período iluminista até a segunda metade do século passado, a pessoa humana era relegada a um segundo plano, posto que se protegiam meramente os bens em si mesmos, mas não a pessoa humana como um fim em si mesma. Todavia, hodiernamente, a doutrina pátria se orienta no sentido do reconhecimento do direito a um patrimônio mínimo da pessoa haja vista que os institutos antes vocacionados, exclusivamente, à garantia do crédito são renovados, rejuvenescidos, e utilizados na proteção da pessoa humana, com um aspecto essencial para o reconhecimento de sua dignidade (FARIAS, Cristiano. 2004, p. 316).
Nesta dimensão, a amplitude da teoria do estatuto jurídico patrimônio mínimo ganha impulso, posto que se alie à franca aplicação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Neste desiderato, os bens patrimoniais reafirmam-se como objetos de direito cuja finalidade de serem entendidos como instrumentos para a realização da dignidade de quem os possua, ou seja, a aplicação prática da teoria em tela gera um cenário real de despatrimonialização e repersonalização das relações jurídicas antes voltadas para a satisfação dos interesses econômicos e patrimoniais do indivíduo (na concepção de individualismo egoístico), mas que agora, sobre esta nova ótica, passam a ter como precípua finalidade a proteção do ser humano em si, no intuito de promover a dignidade deste.
Com efeito, uma considerável parcela do patrimônio pessoal alheio deverá ser protegida. E isto, por sua vez, não significa dizer que tal proteção recairá sobre a integralidade patrimonial da pessoa ou do devedor, ao contrário, recaíra tão somente sobre a parcela essencial de seu patrimônio tendente a atender as necessidades básicas da pessoa humana e, desta forma, evitar-se, por exemplo, que um devedor, aspergido pelas gotas da má-fé, utilize-se como subterfúgio da teoria sob testilha para locupletar-se de sua torpeza. Desta forma, a teoria não se destina à proteção pura e cega do devedor, tampouco, para incentivar a inadimplência, ao contrário, destina-se à garantia da dignidade de vida da pessoa do devedor, mesmo que em estado de insolvência, ou de temporariamente inadimplente e, numa perspectiva finalística e pedagógica, visa garantir os meios mínimos para a pessoa devedora se (re)erguer deste estado e, quiçá, adimplir com a dívida outrora contraída.
Desta forma, segundo Fachin, a presente tese defende a existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores. A formulação sustentada se ancora no princípio constitucional da dignidade humana e parte da hermenêutica crítica e construtiva do Código Civil Brasileiro, passando pela legislação esparsa que aponta nessa mesma direção.
Destarte, uma vez expendido os traços da teoria em tela, a mesma, no trabalho em curso, será agora interpretada sobre o prisma da função social (da empresa) e do princípio da dignidade humana na análise dos procedimentos expropriatórios do Estado. Destes procedimentos de expropriação, tangiremos, a título de análise perfunctória alguns institutos do Código de Processo Civil e, com maior propriedade, a legislação de execução fiscal para, ao final, levantarmos posicionamentos técnicos de compatibilização destes institutos com os princípios da função social da empresa e da dignidade da pessoa humana e a teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Desta feita, em última análise, trilharemos especificamente sobre a possibilidade teórica de ser a empresa objeto incidental dos princípios e teoria acima aventados e, pari passu, se há possibilidades técnicas de conciliação entre os procedimentos da execução fiscal e a defesa de um patrimônio mínimo empresarial tendente a proteger a dignidade da pessoa humana de seus funcionários e sócios.
PESSOA JURÍDICA E EXPROPRIAÇÃO DE BENS: UMA ABORDAGEM CONCILIATÓRIA.
De início, a viga mestre deste estudo reside na triangulação função social da empresa-dignidade humana-patrimônio mínimo. Todavia, tal postulação, composta nesta tríade, tem como escopo sua incidência sobre a pessoa jurídica da empresa na dimensão de sua essencialidade no meio social, bem no paralelo entre empresa devedora/execução fiscal versus defesa de um patrimônio mínimo para sua existência e validade. Neste viés, a proposta funda-se na análise da possibilidade técnico-jurídico de se resguardar a empresa (e, indiretamente, a dignidade de seus sócios e empregados – possibilidade próxima e das pessoas que por ela são beneficiadas – possibilidade remota) ante os atos de execução forçada em direito admitidos (sobretudo a execução fiscal), guarnecida numa proposta de conciliação entre as duas dimensões com a conseqüente sugestão de mudanças na norma infraconstitucional em prol de um melhor alcance da norma constitucional fundamental.
Nesta esteira, algumas considerações iniciais deverão ser traçadas. A primeira delas recai sobre a possibilidade de se resguardar um patrimônio mínimo (nos mesmos termos da proposta da teoria do estatuto jurídico do patrimônio mínimo) da empresa devedora (insolvente ou não) para resguardar seu funcionamento e a manutenção de quem dela dependa; segundo, justificar tecnicamente a possibilidade de se alterar os institutos infraconstitucionais da penhora fiscal para uma nova modalidade jurídica menos gravosa ao devedor e, de igual forma, vantajosa para o Fisco; e, terceiro, justificar as outras duas considerações por intermédio da função social da empresa e do princípio da dignidade da pessoa humana.
Em prelóquio, versaremos sobre a possibilidade dialética de compatibilizar a necessidade arrecadatória do Estado com o princípio da preservação da empresa nos termos do Estatuto Jurídico do Patrimônio mínimo. A teoria, como concebida por Fachin, prevê a extensão do seu alcance sobre a constituição estrutural da pessoa jurídica, isto porque, como fonte geradora de empregos e, ao mesmo tempo, como meio circulante de riquezas e prestação de serviços, desenvolve ela papel preponderante e de destaca na sociedade capitalista quais superam a mera expectativa de lucro por parte do empresário; em torna da empresa, existe um mundo além das pressões e concorrência do mercado, acima do lucro e dos interesses individualista – existem, também, pessoas que dela dependam para sobreviverem e manterem suas famílias por intermédio de seus dividendos e dos empregos por ela gerados. Daí em se falar sobre a incidência da teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo sobre ela.
De igual forma, a função social da empresa se justifica pela existência própria atividade empresarial. Sustentada nas mesmas balizas da função social da propriedade, a funcionalização da empresa ganha novo impulso vez que recai sobre o um dos núcleos centrais da atividade econômica do Estado. Sua importância é salutar, posto que a empresa não exista apenas para o lucro, mas pela própria existência da economia e do sistema capitalista: nela se concentra a maior parte das atividades humanas, não só produtivas, como interativas e integrativas da vivência humana em seus relacionamentos e emoções, em suas esperanças e expectativas. Desta forma, a função social da empresa se justifica pela própria existência da empresa, interpretada, não só em lucros e perdas, balancetes e dados, mas também na promoção da existência humana.
Neste jaez, vencidas estas justificativas, traçaremos um breve panorama do atual sistema de execução fiscal do Estado. Com efeito, no Brasil, a execução fiscal, para a cobrança da dívida ativa tributária, alicerça-se no título executivo criado pela Fazenda Pública, nos três entes da federação mais o Distrito Federal, sua constituição (do título ou CDA) se orienta na determinação do art. 2º da Lei Federal nº. 6.830 caracterizando a dívida ativa no crédito da Fazenda Público regularmente inscrito, no órgão e por autoridades competentes, após esgotado o prazo final para pagamento fixado pela lei ou por decisão final, em processo administrativo regular e goza da presunção relativa de certeza e liquidez.
Com efeito, a título de sabença, a criação da LEF na década de 1980 foi no sentido de dotar o país de uma legislação ágil. Este diploma legal buscou simplificar o processo de execução fiscal, fixar definitivamente o controle administrativo da legalidade através da determinação da inscrição na dívida ativa pública e, ao final, dotar o Estado brasileiro de uma instrumentalidade ágil e enxuta. Inúmeras inovações procedimentais foram introduzidas, das quais destacamos os institutos da penhora, da garantia da execução e a não distinção entre praça e leilão. No entanto, pela delimitação do tema, não exploraremos os demais institutos da lex em comento, tais como a citação; a economia processual; o prazo para embargos; a preparação e numeração da certidão; produção de provas; o julgamento antecipado do feito sem necessidade de audiência de justificação e do privilégio do crédito tributário, vez que nossa proposta conciliatória (no trinômio proposto – função social da empresa-dignidade humana-patrimônio mínimo) incidirá diretamente sobre o instituto da penhora judicial fiscal e seus consectários (a garantia da execução e a não distinção entre praça e leilão).
Sem embargo, o ponto auto deste trabalho é a sugestão de uma proposta de modificação do instituto da penhora fiscal à luz da triangulação supra apontada. Destarte, vale dizer, uma modificação não em sua essência, mas em seu método, isto é, na maneira em que ela é procedida no ordenamento jurídico. Entretanto, primeiro justificaremos sobre a possibilidade jurídica de se aplicar o Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo sobre a Empresa, para depois interpretar a possibilidade técnica de alteração no instituto da penhora fiscal.
Conforme visto, o crescimento dos mecanismos de proteção aos direitos fundamentais reflete, com grande força, na humanização dos procedimentos de execução. Há de se ressaltar, por oportuno, que os mecanismos de defesa dos direitos fundamentais, na forma concebida pela Constituição Federal, ainda são uma novidade em nosso ordenamento jurídico, haja vista que, a uma, em razão das quebras da estabilidade institucional ao longo do século XX em nosso país e, a duas, porque os próprios mecanismos de proteção são recentes, tal como é recente o estado de direito adotado por nossa lei maior. Deste modo, com bastante propriedade, um dos pontos-chave da humanização do processo de execução reside na impenhorabilidade legal conferida a alguns bens da vida cotidiana, nos quais, está ligada a uma exigência de humanidade na execução e, em especial, de um mínimo patrimonial capaz para a sua sobrevivência.
Neste desiderato, o reflexo dessa humanização é global, não tendo impulso só no Brasil, como em demais países. A saber, destacamos, por exemplo, o instituto de impenhorabilidade na Bolívia, qual possui o nome técnico de Instituto do Benefício de Competência, no qual, todavia, está mais arraigado do reflexo de humanização da execução do que se comparado à penhora brasileira. Neste instituto, o devedor em estado de insolvência, ou quando, se em estado de solvência o pagamento integral da dívida lhe traria dificuldades à sua sobrevivência, o devedor pode efetuar um pagamento parcial da dívida, mantendo-se o mínimo para sua sobrevivência digna e, o restante não quitado, ficaria suspenso para momento posterior em que o devedor apresente melhora em sua condição econômica e possa fazer frente a sua obrigação sem sofrer privações e miséria.
Na Alemanha, por sua vez, o procedimento da penhora provém de um método curioso, mas muito útil. Neste sistema, o germânico, prevê a legislação processual civil (art. 811, “a” da ZPO) que os instrumentos de trabalho muito valiosos possa ser trocados por outros instrumentos de menor valor (austauschpfändung), liberando-se o executado da penhora sobre esses (o de menor valor), não deixando, na concepção humanitária do direito alemão, em nenhuma hipótese de se considerar a proteção da dignidade humana dos trabalhadores e sócios e, tampouco, desconsiderando a função social que a empresa exerce, mesmo que em execução.
Nossa proposta de modificação e conciliação do procedimento de penhora se aproxima, em boa medida, das duas correntes supra apontadas. Por uma questão lógica, não açambarcaremos a idéia de aplicação integral do modelo germânico e, menos ainda, do modelo boliviano, todavia, nossa sugestão é um intermédio modificado e melhorado das duas propostas, senão vejamos.
Primeiro, sugerimos a modificação do art. 9º da Lei Federal nº. 6.830/1980. Segundo o art. 9º, o executado pode se orientar em quatro opções: – oferecer o depósito integral do débito em dinheiro, à ordem do juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure a atualização monetária; oferecer fiança bancária; oferecer bens à penhora; indicar a penhora de bens oferecidos por terceiros com a decorrente aceitação da Fazenda Pública.
Nestas quatro possibilidades, se empregadas à pessoa jurídica da empresa, podem oferecer riscos à sua viabilidade econômica e administrativa (desde que a mesma esteja em grandes dificuldades econômicas) posto que, na primeira hipótese, só se pode se poderia discutir o mérito da demanda desde que depositado a integralidade do débito, proposta essa que, por si só, é inviável à continuação operacional da empresa, posto que, dependendo de seu estado financeiro, a mesma poderia fechar as portas para poder argumentar com o governo; na segunda hipótese, a fiança bancária, incidiria no mesmo equívoco da primeira hipótese, já que o depósito também seria o valor da dívida integral; na terceira, oferecer bens à penhora, há dois complicadores a serem ventilados: o primeiro, na maioria dos casos, o bem penhorado, que se pode constituir do maquinário da empresa, é apreendido e levado para depósito público judicial, medida esta injusta, posto que agrida as possibilidades de operabilidade da empresa, e, segundo, se penhorado um bem de valor superior à dívida, este ficaria indisponível até o final do processo executório e ficaria longe de sua função produtiva na empresa; na terceira e última hipótese, os bens oferecidos por terceiro à penha, por sua peculiaridade, estes não engendraram o objeto de debate deste estudo, por sua peculiaridade, todavia, ressaltamos que esta penhora autorizada por terceira, em nome do bom senso, só poderia ser utilizada se respeitasse o princípio da dignidade humana e a função social da propriedade.
Desta forma, excluindo-se a quarta hipótese do nosso objeto de estudo, sobra-nos as três hipóteses do art. 9º da lei
Nesta esteira, sugere-se, por oportuno, a modificação destas duas hipóteses. Assim, por uma questão de técnica, as duas hipóteses (de depósito integral da dívida) continuariam serem ainda opcionais ao devedor, todavia, o que poderia ser alterado seria a não obrigação do valor incontroverso da dívida: depositaria, por opção do devedor, apenas o valor principal da dívida, seguindo de suas eventuais correções monetárias, todavia, não se depositaria o valor incontroverso da multa ou de outros consectários
Desta monta, sugerimos, em remate: a manutenção do caráter optativo do devedor pela modalidade (se deposita em juízo, se deposita no banco) e, quando opcionado uma das duas primeiras hipóteses do art. 9º da LEF, seja, pois, depositado apenas o valor originário do débito e suas atualizações, deixando, para final julgamento dos embargos, o depósito do restante do valor (multas e demais consectários).
Igualmente, quanto à penhora, (objeto chave de nosso estudo), esta deveria ser re-projetada em sua integra, ou no mínimo, ser mais uma opção do devedor no processo de execução fiscal. Com efeito, sugerimos a substituição da penhora, nos termos e nos ritos pela LEF proposta, por uma modalidade renovada e rejuvenescida da penhora à luz do Estatuto Jurídico do Patrimônio mínimo e da função social da empresa, vez que a Constituição Federal permite essa remodelagem do instituto e, melhor, numa situação de menos gravidade ao devedor (empresa) e mais vantajosa para o Fisco, senão vejamos:
Primeiro, acreditamos ser possível uma expropriação assistida do bem da empresa, intermediada entre o Fisco, o devedor e o comprador, qual se desenvolveria da seguinte forma: o devedor (empresa A), após sua citação no processo de execução fiscal, teria a faculdade de oferecer um bem de sua propriedade para ser vendido a um comprador terceiro (comprador C), desde que assistido por alguém com poderes para tal (Fisco B – que poderia ser representado por um fiscal, ou outra autoridade competente e/ou, pelo próprio oficial de justiça nomeado pelo juiz natural do feito executório); nestes termos, após citado, e opcionado pela venda assistida do bem, o devedor, via petição, ofereceria o bem a ser vendido em juízo, do qual, se nomearia a pessoa (oficial de justiça ou autoridade do fisco) para avaliá-lo e, por termo reduzido aos autos, concordaria ou não com a venda e, no mesmo tempo, avaliaria o bem oferecido. O próximo passo, então, seria a venda do bem para qualquer outro terceiro interessado, sem a necessidade de se levar o bem ao depósito público e, tampouco, de se esperar até a data do leilão.
Desta forma, a venda correria por conta (inclusive as despesas) do devedor, como acontece com os negócios da vida civil, anunciar-se-ia o bem a terceiros, por exemplo, por anúncios ou por intermédio de um corretor ou uma corretora especializa, até sua efetiva venda e o Fisco por sua vez, participaria da venda e da fiscalização da própria transação e, inclusive, como anuente principal da venda ou, em outros termos, a venda somente se efetivaria ser for à vista e em moeda corrente, com a participação de representante da própria Fazenda Pública ou oficial juramentado, sendo, pois indispensável à assinatura deste representante no termo de venda para que esta se efetivasse.
Quanto à conclusão do negócio, o mesmo apenas se daria por válido quando da confirmação do depósito em instituição oficial ou conta judicial destinada a tal fim. A divisão entre o valor do pagamento integral da dívida (incluindo a multa e demais consectários legais) e o valor remanescente da venda se daria da seguinte forma: apurado o depósito do valor, se este saciar o débito fiscal, com a devida anuência da Fazenda Pública, o executado, por sua vez, teria direito imediato ao alvará de levantamento, expedido pelo juiz competente do feito para se dirigir ao banco e resgatar a quantia restante – sugerimos que o alvará de levantamento, em prol da continuação das atividades da empresa, seja expedido via ex officio, ficando a cargo do devedor a sua retirada no Cartório do juízo da execução.
Temos, assim, uma hipótese de modificação da legislação expropriatória do Estado, sem, contudo, tirar-lhe a essência de satisfação do crédito. O que se buscou foi uma alternativa conciliatória em se manter a arrecadação do Estado, mas humanizada pelo prisma do trinômio função social da empresa-dignidade humana-patrimônio mínimo conciliando, de um lado, a necessidade de se arrecadar do Governo versus a necessidade de sobrevivência da empresa como núcleo da atividade econômica e patrocinadora inconteste da sobrevivência das pessoas qual dela dependam direta ou indiretamente.
CONCLUSÃO
Em epítome, a proteção de um patrimônio mínimo da empresa se justifica e se impõe pela indubitável constitucionalidade do tema. Daí falar-se, sem embargo algum, da fundamentalidade deste direito, ou seja, fundamentalidade constitucional de sobrevivência da empresa pela sua importância, necessidade e função social que exerce no universo de sua centralidade estrutural e elementar na importante esfera dos direitos constitucionais fundamentais. Nesta perspectiva, há de se ressaltar que na dialética de litígios entre gigantes (Estado versus Empresa), há de prevalecer, não um interesse em detrimento do outro, mas sim há de prevalecer, no hiperlativo do superlativo absoluto do termo, o valor supremo da sobrevivência da pessoa humana, consubstanciada na exegese principiológica suprema do ser humano em sua dignidade constitucional.
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* Advogado Civilista/Empresarialista militante, ex-professor da Uni-Anhanguera/Goiás; Ex-professor de cursos preparatórios de pré-vestibular de Goiânia/Goiás;Pós-graduado
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