Os trinta anos da Constituição trazem algo para comemorar?
Sim, a resposta é positiva. O Brasil mudou muito nessas três décadas, e o fez para melhor, embora, por vezes, possa não parecer.
A crise econômica aliada a uma crise ética sem precedentes dá a sensação que estamos num dos piores momentos. Não é verdade.
Crises econômicas tivemos sem conta: plano cruzado, plano Collor, plano verão, e tantos outros de triste memória. Cada novo governo trazia uma nova esquisitice econômica, difícil de digerir. Trinta anos depois temos estabilidade na moeda, comércio exterior sob controle, e taxa de juros mais razoáveis; mas, ainda, há uma dívida interna fenomenal, um descontrole nos gastos públicos que teima em permanecer, e juros que, para o consumidor bancário, continuam exorbitantes.
Os desvios do dinheiro público não são novidade, sempre existiram, em maior ou menor volume. A diferença, hoje, é que conseguimos avaliar o tamanho estratosférico dessa roubalheira. A máscara caiu, e a imagem que se apresenta é horrorosa. Difícil viver sem máscaras; ainda há quem as prefira.
A sociedade está pronta para o desafio? Vamos conseguir colocar o país definitivamente nos trilhos do terceiro milênio? Ou teimaremos em fazer de conta que o problema não é nosso, mas do alheio.
Não há avanço sem a participação da sociedade. Não haverá progresso sem a colaboração da classe política.
O Judiciário e o Ministério Público deram uma contribuição importante para o avanço das instituições. A Lava Jato não é um ato isolado na vida jurídica brasileira, como muitos querem crer. É talvez o ápice, momentâneo, de um movimento que começa na Constituição Federal de 1988, e que redefiniu o papel da Justiça na vida brasileira.
A Constituição consolidou valores e elencou muitos objetivos a alcançar: a dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III); a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III); inúmeros direitos sociais (art.6º e seguintes); a consagração dos princípios da administração pública (art.37); e a assunção pelo Estado dos deveres de prestar saúde, educação e assistência social à população, dentre outras incontáveis funções.
Dificílimo resumir. A Constituição é uma obra grandiosa e grandiloquente. Fala de tudo, fala de todos. Como uma grande construção, fincou os alicerces, ergueu colunas, firmou o telhado. Também, estabeleceu algumas paredes, e aí, por vezes, cometeu alguns equívocos.
Vamos lembrar apenas um, já histórico, corrigido em uma das inúmeras emendas constitucionais: os juros máximos de 12% ao ano. Naquele momento histórico, era impossível. Hoje, a taxa Selic está abaixo desse patamar; mas o cheque especial e o cartão de crédito continuam com aquelas taxas estratosféricas.
O maior erro da Constituição, talvez, tenha sido imiscuir-se excessivamente em matéria econômica. A economia é dinâmica, avessa a amarras. Já a Constituição é um documento feito para durar, exige certa estabilidade; aliás, uma de suas importantes funções é exatamente essa: criar estabilidade.
As questões econômicas, no entanto, são as grandes responsáveis pelas inúmeras emendas ao texto original.
Os capítulos tradicionais da Constituição: a divisão dos poderes do Estado, os direitos e garantias individuais e sociais, os objetivos da Nação; todos permanecem como concebidos originalmente, com raríssimas alterações.
É verdade, nem tudo está pronto. A Constituição possui normas que consolidam valores do passado, princípios que foram forjados na história da humanidade, são os seus alicerces. Depois, trata do presente: o orçamento, os poderes, os tributos e as contribuições; e, por fim, estabelece objetivos presentes e futuros na busca por uma melhor qualidade de vida em todas as áreas.
A Constituição Federal é um texto de excelente qualidade, merecia leitura obrigatória nas escolas, nos partidos políticos, e nos diversos espaços públicos. Pode servir até para os momentos de lazer de qualquer cidadão.
Claro, como todo texto, como toda obra humana, não é perfeita. Pode ser melhorada, mas, seguramente, está à frente da sociedade brasileira. Ainda, tem muito a produzir, e pode contribuir por muitos anos, com pequenas correções.
Por Ricardo Prado Pires de Campos, procurador de Justiça no Ministério Público de São Paulo, mestre em Direito, e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático