Direito Constitucional

O imponderável Estado Democrático de Direito

Resumo: A noção do Estado Democrático de Direito materializada de forma fragmentária e progressiva concebeu um modelo de atendimento das necessidades e a manutenção do seu poder político, especialmente às classes sociais mais ricas. A liberdade propugnada pela classe dominante que lhe permita ilusoriamente falar em nome de toda a sociedade.

Palavras-Chave: Teoria Geral do Estado. Estado de Direito. Estado Democrático de Direito. Direito Constitucional. Direito Político.

Résumé: La notion d’État démocratique de droit, matérialisée de manière fragmentaire et progressive, a conçu un modèle de satisfaction des besoins et de maintien de son pouvoir politique, en particulier pour les classes sociales les plus riches. La liberté prônée par la classe dirigeante qui lui permet de parler illusoirement au nom de l’ensemble de la société.

Mots clés: Théorie générale de l’État. Règle de loi. État démocratique. Droit constitutionnel. Droit politique.

A Constituição Federal brasileira de 1988, a Redentora, foi estruturada sobre o paradigma do Estado Democrático de Direito, o que introduziu nova dimensão ao constitucionalismo pátrio. Logo, em seu primeiro artigo já traduz sistema complexo de conceitos e propostas transformadoras, cuja implementação vem sendo tentada em diferentes países no mundo, há muito tempo, obtendo apenas um mísero sucesso relativo[1].

A plena democracia tão almejada no período do pós-guerra originada por ampla releitura da estrutura e dos fins do Estado, o que se asseverou no século XXI, quando a opção pela adoção de medidas de força, ocorreu como resposta às diferentes crises fundamentais e das bases da democracia, o que redunda em um Estado de Exceção permanente.

Lembremos que o constitucionalismo moderno surgiu justamente num momento histórico em que já não se suportava mais o Estado absolutista. E, Daniel Sarmiento elenca algumas condições favoráveis à superação do absolutismo, tal como o pluralismo religioso europeu que influenciou sobre o entendimento de que o monarca havia sido designado por Deus, a ascensão da burguesia que se tornou uma classe social em busca de representatividade e poder político, além de direitos que possibilitassem o fortalecimento e majoração de suas riquezas e atividades comerciais, e por fim, o Iluminismo.

O Estado moderno também contribuiu para a ascensão do capitalismo, buscando encerrar o pluralismo jurídico que vigorava com o feudalismo. Considerando que cada feudo tinha suas próprias regras e sua própria medida, o comércio entre estes era difícil e a unificação política e econômica favoreceu a expansão capitalista e burguesia.

O Iluminismo influenciou a formação do Estado moderno ao estabelecer o homem como centro e fundar bases racionais para o governo de um Estado. O indivíduo adquiriu destaque e, com isso, dissociou-se do coletivo e, passou a importar tanto quanto, ou até mais do que o grupo.

Nesse sentido, o constitucionalismo moderno sustenta a limitação jurídica do poder do Estado em favor da liberdade individual. A relevância adquirida pelo indivíduo e sua razão elevaram o contrato (entre indivíduos) à máxima representação de sua liberdade, não devendo sofrer a interferência do Estado.

O estudo de vários fenômenos políticos, sociais e jurídicos que circunscrevem as formas de organização do poder estatal, o que nos permite divagações e variadas conclusões. Afinal, a conceituação do Estado parece ser tarefa tão complexa quanto compreender este ente que ora se coloca em posição antagônica e ora em sintonia com a sociedade civil, dando-lhe os rumos e trazendo benefícios essenciais à sobrevivência.

O chamado constitucionalismo moderno como movimento político, jurídico e ideológico procurou prover a estruturação do Estado e a limitação do exercício de seu poder, e tais metas foram concretizadas através da elaboração de uma Constituição escrita e rígida destinada a representar sua lei fundamental.

Essas primeiras Constituições de orientação liberal, resumia-se no estabelecimento de normas acerca da organização do Estado, do exercício e da limitação do poder estatal, assegurando uma enumeração de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e pela separação de poderes.

Essa fase primeira do constitucionalismo tratou da consolidação da primeira geração dos direitos fundamentais[2] relacionados ao ideal de liberdade (direitos civis e políticos).

Mais tarde, no início do século XX, com o agravamento da ideologia socialista, surge a necessidade de se concretizar a igualdade de oportunidades a todos os integrantes da sociedade, uma vez que a igualdade formal não mais cumpria o seu papel social.

E, depois, desenvolveu-se a segunda geração de direitos fundamentais, particularmente, com a Constituição mexicana de 1917 e da Constituição Alemã de 1919[3] (a chamada de Constituição de Weimar), que consagraram os direitos sociais, econômicos e culturais, pautados no ideal da igualdade (material).

Nesse contexto, o Estado abandona seu ideal abstencionista, passando a intervir no corpo social com o fim de corrigir as desigualdades existentes. Passam os entes políticos a executar políticas tendentes a garantir a fruição de direitos como a saúde, a moradia, a previdência, a educação. E, essa nova fase inaugura o constitucionalismo contemporâneo[4].

De acordo com cada momento histórico e, em função de diversas circunstâncias sociais, o Estado adquire feições diferenciadas numa trajetória evolutiva constante, o que permite aos estudiosos identificar algumas fases características.

Ao definir o Estado Democrático de Direito através de seus elementos essenciais cuja presença nos permita confirmar sua existência e funcionamento. Em verdade, tal modelo estatal não se faz persente em todas as partes, nem acontece simultaneamente para todos os povos do mundo e, no fundo, é fruto de longa maturação e nas tentativas de superação de crises que assolaram também outras formas de Estado.

A crise contemporânea da democracia também impactou a estrutura do Estado, o que nos leva a refletir sobre as contestações sofridas e atingem o momento evolutivo na história das organizações dos poderes públicos, mas não se trata de sua derradeira fase, nem traz consigo a solução perfeita para todos problemas que afligem a sociedade humana.

Em suas raízes que remontam ao Estado de Direito instaurado a partir da Revolução Francesa, é caracterizado pela legitimidade, entendida, em sentido mais amplo, como abrangente da origem do seu poder, do exercício dessa e da finalidade do Estado. A origem do poder, portanto, está na vontade do povo, no seu consentimento, mas a sua legitimidade não se esgota apenas nesse momento.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5] aponta que as consequências negativas produzidas pelo Estado Social de Direito e pelo positivismo jurídico reclamavam novas transformações no papel do Estado e, estas vieram mediante a introdução de um novo elemento à concepção do Estado de Direito Social. Acrescentou-se a ideia de Estado Democrático.

Em síntese, o Estado, sem deixar de ser Estado de Direito, protetor das liberdades individuais e, sem deixar de ser Estado Social, protetor do bem comum, passou a ser também Estado Democrático. E, daí deriva a expressão Estado de Direito Social e Democrático. Não que o princípio democrático não fosse acolhido em suas concepções anteriores, mas passa a ser visto sob nova roupagem. O que se deseja é a participação popular no processo político, nas decisões do governo, no controle da Administração Pública.

Assim, o princípio do interesse público adquire nova roupagem. No período do Estado Liberal, o interesse público a ser protegido era aquele de feição utilitarista, inspirado nas doutrinas contratualistas liberais do século XVIII e reforçadas pelas doutrinas de econômicas como Adam Smith e Stuart Mill. O Direito tinha que servir à finalidade de proteger as liberdades individuais como instrumento de tutela de bem-estar geral, em sentido material.

Conclui-se que essa nova concepção de Estado de Direito, o interesse público humaniza-se, à medida em que passa a se preocupar não apenas com os bens materiais que a liberdade de iniciativa almeja, mas também com valores considerados essenciais à existência digna: quer-se liberdade com dignidade, o que exige atuação do Estado para diminuir as desigualdades sociais, e levar a toda a coletividade o bem-estar social.

Continua Di Pietro a destacar outro aspecto novo é o que concerne ao princípio da legalidade, mantém-se a ideia de submissão da Administração Pública à lei, porém, não se trata apenas da lei em sua concepção formalista, vazia de conteúdo e eficácia.

Algumas Constituições cogitam em obediência à lei e ao Direito, como a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha e a Constituição espanhola de 1978, desejando significar que todos os órgãos do Estado devem submeter-se na base do ordenamento jurídico, independentemente de sua expressa previsão no direito positivo.

Enfim, procura-se substituir a ideia de Estado legal, puramente formalista, por um Estado de Direito vinculado aos ideais de justiça. Pretende-se submeter o Estado de Direito e não à lei em sentido apenas formal. Daí, hoje cogitar-se em Estado Democrático de Direito, que compreende a participação do cidadão (Estado Democrático) e o da justiça material (Estado de Direito). (In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Conheça a origem do Estado Democrático de Direito. Disponível em:  http://genjuridico.com.br/2019/07/22/estado-democratico-de-direito-conheca-sua-origem/ Acesso em 25.01.2022).

Aliás, a atual realidade do Estado Democrático de Direito que vivencia a sua própria crise, principalmente, devido a complacência com que países têm adotado medidas excepcionais, que são contrárias à tutela dos direitos fundamentais em prol da defesa da segurança.

No caso de nosso país que contou com a Constituição Federal de 1988 que estabelece esse Estado, mas as diversas escolhas políticas e legislativas tendem a apontar o país em rumo diverso.

No momento, em que é notória a crise da democracia brasileira que é indicada por muitos como sendo obstáculo para o bom desenvolvimento econômico ou ordem. Torna-se imprescindível identificar os fundamentos do Estado Democrático de Direito e, consequentemente, quais tutelas jurídicas priorizar.

Portanto, o modelo chamado de “democrático de Direito” compreende de acordo com seus dois principais paradigmas como sua origem e fundamento na ordem jurídica constitucional e pautar toda sua atuação consoante ao princípio democrático. A Constituição federal brasileira vigente serve de fundamento de validade e os valores sociais traduzidos em princípios e os direitos fundamentais que condicionam o perfil do Estado, definindo-lhe os rumos e orientação sua atuação política.

A defesa da democracia[6] dentro da dimensão de participação representativa pluralista, o que representa o eixo básico do Estado Democrático de Direito.

A participação democrática deve ser capaz de assegurar a ingerência da sociedade na condução do Estado e, no exercício do poder. Principalmente, pautado pela realização do bem comum e que atenda as reivindicações e clamores sociais que aos poderes políticos chegam, sejam através de manifestações populares realizadas pela via eleitoral, seja pela direta participação da comunidade na gestão da coisa pública.

Nesse sentido, a guisa de exemplificação, aponta-se a política pública de segurança recentemente imposta pelo governo estadual do Rio de Janeiro, denominada “Cidade Integrada” ocorrida na favela do Jacarezinho o e na Muzema onde os moradores criticam que há falta de diálogo, bem como a convocação de policiais denunciados por violações de direitos são as principais reclamações apontadas.

O novo programa de ocupação social de comunidades é uma reformulação do programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) criado em 2008. De acordo com o projeto, dividido em três fazes, há a ocupação prevista de seis favelas, a saber: Jacarezinho; Muzema/Tijuquinha/Morro do Banco, no Itanhangá; Cesarão, em Santa Cruz; Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, em Copacabana e em Ipanema; Maré e Rio das Pedras[7].

O Estado Democrático de Direito apresenta algumas características que o distinguem e não permitem que esta denominação possa ser conferida não de modo amplo, a ponto de abarcar todo e qualquer Estado, erigido sobre as bases constitucionais.

Tanto o constitucionalismo como a Constituição Federal surgem como o fundamento de validade do Estado Democrático de Direito sendo o elemento central de legitimação dos atos e instituições estatais. E, no vigente texto constitucional pátrio há a ordem de valores que bem reflete as vontades da sociedade que foram materializadas pelo constituinte à qual incumbe delimitar a conformação desejada e as tarefas esperadas do Estado.

A proteção à vida é tarefa essencial do Estado Democrático de Direito. A democracia através da participação do povo na formação e gestão do Estado garante que toda a sociedade terá condições de influenciar na elaboração legislativa e na implementação de políticas públicas.

A observância do princípio democrático impõe que assegure a máxima liberdade, de sorte que existam o mínimo de restrições à participação popular, com maior grau de possível igualdade, garantindo a todos que possam efetivamente influenciar de idêntica maneira na condução do modelo estatal.

Em tempo, as restrições à liberdade impostas pelos protocolos sanitários em face da pandemia de Covid-19 não significam corrupção ou violação do princípio democrático nem das liberdades constitucionalmente garantidas no ordenamento jurídico brasileiro.

A proteção dos direitos fundamentais é o ponto central do ordenamento jurídico constitucional irradiando para todo o sistema jurídico (infraconstitucional). O sistema jurídico deve assegurar a integridade do valor maior, que justifica a própria existência do Estado, bem como a proteção do ser humano, em sua preciosa dimensão de dignidade.

Assume o Estado a tarefa primordial de cuidar que os direitos fundamentais sejam efetivamente implementados com absoluta prioridade, devendo, consequentemente, se direcionar tanto sua atuação legislativa quanto suas políticas públicas em direção à concretização deste ideal.

Outra característica é a justiça social[8] para que a participação democrática possa ser realizada em sua plenitude há que se buscar a máxima redução de desigualdades sociais. A pandemia de Covid-19 asseverou as desigualdades sociais, principalmente, em razão da elevação da taxa de desemprego.

Em sociedades em que não haja níveis mínimos de equilíbrio entre os diversos grupos não se mostra viável, uma efetiva participação na gestão de interesses comuns, restando alijados do processo democrático aqueles que não encontram, por seus próprios meios e espaço para manifestar uma igualdade em sentido material, colocando-se em fundamento os mecanismos que permitam a superação da exclusão e que também acabem por tolher a democracia.

Toda a conduta do Estado deve se encontrar vinculada à legalidade e à ordem jurídica. Sendo certo que por legalidade não se deve entender apenas a submissão ao corpo normativo infraconstitucional, mas, principalmente, a obediência ao comando constitucional com ênfase para os direitos fundamentais.

A pauta axiológica[9] que melhor exprime esses direitos fundamentais dá azo a uma nova realidade para o Direito, permitindo que seja o autêntico instrumento de transformação social, a parte do momento em que leva para dentro da ordem jurídica positivada os ideais que devem ser perseguidos pelo Estado. (In: STRECK, L.L.).

Outros traços marcantes podem ser identificados, a moldura comum do Estado Democrático nos remete a algumas ilações, A ideia de que a ordem político-social do Estado se funda na diferenciada relação entre a sociedade civil e os poderes públicos.

A tradição dos modelos estatais traz a permanente tensão entre os poderes instituídos e a sociedade, e no paradigma ora analisada, o que se busca não é oposição e, sim, complementariedade.

No percurso histórico boa parte da teoria da prática estatal se pauta na premissa de que o Estado e a sociedade se situam em polos opostos e antagônicos e, que a sobrevivência desta depende da construção de mecanismos capazes de controle do poder, abertura à participação social, abre espaço para que deixe este modelo de tensão para estimular a ingerência de segmentos da sociedade na sua estrutura e na gestão de interesses públicos.

Consequentemente, os poderes públicos[10] e a sociedade encontram caminhos disponíveis para abandonar suas tradicionais trincheiras e rumar juntos no sentido de estruturação de um novo modelo de exercício de poder, dividindo tarefas e responsabilidades.

Pode-se, então, afirmar que a acepção de Estado designa não somente um soberano ou os poderes públicos, mas a junção destes com a sociedade.

A noção, ora em comento, é encontrada em doutrinadores Dieter Grimm[11] que reconhecem que Estado e sociedade possuem deveres recíprocos e complementares, especialmente, no que se refere à implementação de direitos fundamentais, enxergando ambos reunidos em um mesmo plano. É o que Grimm apud Santiago denomina de Estado pactista[12] no qual as ações tipicamente entregues com exclusividade dos poderes públicos são divididas em vários atores, sujeitos e, abre caminho para a sociedade realizar variadas tarefas que, por muito tempo, foram entendidas como dever como Estado.

Sob tal perspectiva, dá-se a evolução do Estado Constitucional[13], algo que algumas nações já alcançaram e, tantas outras ainda o perseguem, mas que certamente, não configura o apogeu nem máxima idealização que se possa ser a vida em uma sociedade política.

Ademais, como se identificará, mesmo dotado de grandes qualidades, o Estado Democrático de Direito, também possui insuficiências e sofre constantes contestações, e assim há a permanente demanda de se adaptar às realidades mutantes e fluídas (ou até mesmo líquidas na dicção de Zygmunt Bauman[14]).

A história do Estado é compreendida sob enfoque institucional, pode ser narrada, sob diferentes enfoques conforme a perspectiva adotada pelo estudioso, o que nos leva às diferentes versões e a um tempo diferenciado conforme os variados contextos sociais e políticos.

O Estado Moderno[15] é identificado pela primeira vez na península itálica no século XV, quando se iniciou a institucionalização do poder. Através desse fenômeno, tem-se que o poder, que antes provinha da pessoa do soberano, doravante, passa a ser compreendido como inerente ao próprio Estado.

Em outras palavras, o poder não pertence ao monarca em razão de condições pessoais e, sim, apenas na medida em que ocupe a função de soberano. Esse processo de desvinculação do poder, permitiu a continuidade das instituições estatais, deixando de representar a queda do soberano como sendo momento de ruptura política e jurídica e, de outo lado, o início da separação da sociedade.

Soma-se, ainda, a desfragmentação dos territórios o que marca o fim da era feudal, estabelecendo-se espaços territoriais definidos dentro dos quais o poder soberano podia ser exercido.

Têm-se definidos, desta forma, os elementos cruciais de organização política e jurídica dos Estados que orientariam a formação dos Estados nos séculos XV, XVI e XVII[16].

Consigne-se também que em seus primeiros séculos a vida do Estado Moderno, constituído sob a égide do absolutismo, o que não trazia nítidos elementos limitadores de poder, situação que levava a uma realidade de dominação e exclusão em larga margem da sociedade dos círculos de poder, inclusive suas parcelas mais ricas que não demoraram reivindicar profundas alterações nas estruturas estatais.

O Estado monopolizador de poder e depositário da coação incondicionada, torna-se (…) algo semelhante à criatura que, na imagem bíblica, se nota contra o criador, conforme alude Paulo Bonavides.

Tal quadro foi retratado nas obras de Thomas Hobbes e John Locke, filósofos que, ao longo do século XVII, sobre esta se debruçaram, deixando reflexões sobre a realidade vigente em suas épocas, ainda que sob diferentes perspectivas, afinal, Hobbes, pertencia dos estamentos dominantes, dominantes e Locke era um revolucionário.

Marcam esta fase de transição as revoluções ocorridas na Inglaterra no século XVII, que culminaram contra na ascensão do Estado Liberal, pautado controle do poder soberano como elemento essencial para as garantias das liberdades sociais.

Na mesma época, surgiram a ideia de divisão de funções das instituições estatais e, um rígido corpo de normas voltadas à preservação de liberdades individuais, de forma a salvaguarda a sociedade do arbítrio, tão comum nos Estados absolutistas da época.

Destaca, outrossim, Paulo Bonavides (2004) que na doutrina do liberalismo, o Estado sempre foi o fantasma que aterrorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, inicialmente na moderna teoria constitucional como o maior e mais cruel inimigo da liberdade.

A revolução inglesa atravessou mares e, ao final do século XVII aportou na América do Norte e, em França. Onde surgiram pensadores como Madison, Hamilton, Jay, Jefferson e, ainda, Rousseau, Sièyes que buscaram transpor as lições britânicas e que agregaram novo elemento: a Constituição.

A Constituição surge, primeiramente, nos Estados que se formam na América do norte e, logo em seguida, em França, como um documento fundante de nova ordem estatal, revestido de toda solenidade e força jurídica, ao qual foi dado estabelecer a forma de relação entre Estado e sociedade, protegendo as liberdades individuais pela delimitação do poder soberano naquilo que se denomina “Constituição” em sentido formal.

As Constituições foram logo agregadas às Declarações de Direito, às quais coube prescrever a pauta de liberdades para complementar este sistema de construção de um Estado limitado pelo dever de não interferir na capacidade de autodeterminação das pessoas.

As conquistas revolucionárias, em pouco tempo, se disseminaram pelo mundo europeu e, também em outras partes, caracterizando-se a primeira metade do século XIX como uma transição para o paradigma do constitucionalismo pautado na estruturação do Estado Constitucional de matriz liberal.

É o momento histórico que consolida a noção do império do direito, subjugando-se toda a atividade estatal aos ditames traçados pelas normas jurídicas, concebidas pelos Parlamentos, o espaço por excelência para expressar a voz daqueles que segundo a concepção contratualista dos séculos XVII e XVIII, detinham verdadeiramente a força e o poder.

O Estado de Direito é fruto de uma estrutura de poder construída a partir de referências e limites definidos pela ordem jurídica, à qual incumbe restringir o uso da força e evitar o uso arbitrário das prerrogativas concedidas aos governantes.

O Estado de Direito teve início depois da Revolução Francesa e que marcou o fim do absolutismo e a instauração de um sistema de governo parlamentarista. Durante o Antigo Regime, o absolutismo, o governantedetinha o poder máximo e, dessa forma, não precisava respeitar nenhuma lei vigente. Porém, com fim desse regime e, o advento do parlamentarismo, passou então a vigorar o denominado Estado de Direito.

O referido modelo estatal foi justificado por John Locke em sua obra intitulada “Segundo Tratado sobre o Governo”. Para o pensador, o estado de natureza do ser humano não era um estado de ausência absoluta de leis como para Thomas Hobbes, mas, sem que houvesse um Estado para mediar os conflitos, o homem usaria a força para satisfazer seus interesses próprios.

No momento que isso acontecesse, entraríamos em um estado de guerra que só teria fim com o estabelecimento de contrato em que as pessoas renunciassem seus direitos de aplicar as leis para o Estado, para que este, por sua vez, distribuísse com equidade os direitos de cada um.

Vale ressaltar que em um Estado de Direito, o governante não detém o poder absoluto. Portanto, a figura do soberano governante é substituída por sendo soberana apenas a lei que está acima de todos, estando também acima dos governantes que, no caso da França pós-revolução são os parlamentares.

Entretanto, o referido modelo estatal abre um questionamento: se a lei é a soberana, e está acima de todos, mas quem cria essa lei? E, essa lei atende aos interesses de quem?

A grande questão do Estado de Direito está no fato de que não há necessidade de contemplar o que chamamos de “vontade geral”. Como sabemos, o poder não emana necessariamente do povo, e não há responsabilidade com a soberania popular.

É bom ressaltar que a noção de Estado de Direito tem raízes na Idade Média, como forma de contenção do poder absoluta, e ressurgiu justamente nas derradeiras décadas tal como ideal extremamente poderoso para os que lutam contra o autoritarismo e o totalitarismo, tornando-se um dos principais alicerces do regime democrático. Para adeptos e defensores de direitos humanos, o Estado de Direito é encarado como ferramenta indispensável para coibir a discriminação e, ainda, o uso arbitrário da força.

E, simultaneamente, a ideia de Estado de Direito, ao ser renovado por libertários como Hayek em meados do século XX passou a receber forte apoio de agências financeiras internacionais e instituições de auxílio ao desenvolvimento jurídico, como pré-requisito essencial para estabelecimento de economias de mercado eficientes.

Por outro viés do espectro político, mesmo os marxistas, que viam antigamente o Estado de Direito como mero instrumento superestrutural dirigido à manutenção do poder das elites, começaram a vê-lo como um bem humano incondicional. De forma que seria hercúleo encontrar outro qualquer ideal político que seja louvado por públicos tão diversos. Porém, a questão é: estamos todos defendendo a mesma ideia? Obviamente que não.

Cada concepção de Estado de Direito, e suas respectivas características refletem distintas concepções políticas e econômicas que se busca avançar.

Classicamente o conceito de Estado de Direito fora submetido a severa reavaliação nas primeiras décadas do século XX e, pensadores como Max Weber em “Economia y Sociedad” alertaram sobre o processo de desformalização do Direito como consequência das transformações na esfera pública.

E, depois os anos que se seguiram após os trabalhos de Weber foram marcados pela tensa luta política e intelectual sobre a capacidade do Rechtstaat de se adequar aos novos desafios apresentados pela Constituição social democrática de Weimar.

E, tal luta pode ser encarada no debate havido entre conservadores como Carl Schmitt e os socialdemocratas representados por Franz Neumann. Hayek respondeu a essas perspectivas céticas sobre o Estado de Direito em seu influente trabalho intitulado “O Caminho da Servidão” de 1944.

Para Hayek, a intervenção estatal na economia e o crescente poder discricionário dos burocratas de estabelecer e buscar a realização de objetivos sociais ameaça a eficiência econômica, como consequência das transformações nas funções do Estado, houve um processo de declínio da condição do Direito como instrumento substantivo na proteção da liberdade.

A noção de que o Estado não tem apenas a obrigação de tratar os cidadãos de modo igual perante a lei, mas também, o dever de assegurar a justiça substantiva, foi acompanhada pelo argumento, proposto por novos teóricos do direito, de que o conceito tradicional de Estado de Direito se tornou incompatível com o mundo moderno.

Diferentes teorias jurídicas, tais como o positivismo, o realismo jurídico ou a jurisprudência de interesses construíram versão formal do Direito, liberando o Estado das inerentes limitações impostas por uma concepção substantiva.

Para superar tal situação de “opressão”, na qual o Estado pode exercer coerção sobre seus cidadãos – através de atos normativos – sem a necessidade de justificar suas ações em uma lei abstrata e geral, seria necessário retornar às origens do Estado de Direito. Para isso, Hayek revisitou a história e formulou uma lista de elementos normativos essenciais do Estado de Direito, visto como instrumento par excellence para assegurar a liberdade.

De acordo com essa versão, ele não pode ser comparado ao princípio da legalidade desenvolvido pelo direito administrativo, porque o Estado de Direito representa uma concepção material referente ao que o Direito deveria ser.

Essa concepção material o configura como uma doutrina meta legal e um ideal político, que serve à causa da liberdade, e não como uma mera concepção de que a ação governamental deva estar de acordo com as normas.

O Estado de Direito deveria ser formado, para Hayek, pelos seguintes elementos: (a) a lei deveria ser geral, abstrata e prospectiva, para que o legislador não pudesse arbitrariamente escolher uma pessoa para ser alvo de sua coerção ou privilégio;

(b) a lei deveria ser conhecida e certa, para que os cidadãos pudessem fazer planos – Hayek defende que esse é um dos principais fatores que contribuíram para a prosperidade no Ocidente;

(c) a lei deveria ser aplicada de forma equânime a todos os cidadãos e agentes públicos, a fim de que os incentivos para editar leis injustas diminuíssem;

(d) deveria haver uma separação entre aqueles que fazem as leis e aqueles com a competência para aplicá-las, sejam juízes ou administradores, para que as normas não fossem feitas com casos particulares em mente;

(e) deveria haver a possibilidade de revisão judicial das decisões discricionárias da administração para corrigir eventual má aplicação do Direito;

(f) a legislação e a política deveriam ser também separadas e a coerção estatal legitimada apenas pela legislação, para prevenir que ela fosse destinada a satisfazer propósitos individuais; e

(g) deveria haver uma carta de direitos não taxativa para proteger a esfera privada.

Dessa maneira, a concepção de Estado de Direito defendida por Hayek engloba uma visão substantiva do Direito, uma noção estrita da separação de poderes e a existência de direitos liberais que protejam a esfera privada, moldada assim para servir como um instrumento de proteção da propriedade privada e da economia de mercado. O maior problema dessa concepção é que, através dela, o Estado de Direito se torna refém de um ideal político particular.

A reação em face a esse e aos outros tipos de formulações substantivas do Estado de Direito, como aquela mais direcionada ao aspecto social que resultou do Congresso de Delhi, organizado pela Comissão Internacional de Juristas de 1959, Joseph Raz que propôs uma concepção mais formalista que evitaria a confusão entre diversos objetivos sociais e ideológicos e, as virtudes intrínsecas de Estado de Direito. E, para ele, se o Estado de Direito for um Estado governado por boas leis, então explicar a sua natureza é difundir uma filosofia social completa. Porém, dessa forma, o termo perde qualquer utilidade.

Segundo Raz, o Estado de Direito em lato sensu significa que as pessoas devem obedecer às leis e ainda serem reguladas por elas.

No entanto, em uma teoria política e jurídica, ele deve ser lido de forma mais estrita, no sentido de que o governo seja regulado pelas e também submetido às mesmas. A proposição de Raz requer que as leis devam ser entendidas como regas gerais, para possam efetivamente guiar as ações.

Nesse sentido, o Direito não é apenas um fato decorrente do poder, precisa, ao revés, possuir uma forma particular. Segundo Raz, ainda, mas não compartilhou a ideia defendida por Hayek, segundo a qual apenas as normas abstratas e gerais podem construir sistema de Estado de Direito.

Para Raz, seria impossível governar apenas com normas gerais, pois qualquer sistema concreto deve ser composto por normas gerais e outas específicas, que em contrapartida devem ser consistentes com as primeiras. Para concretizar o objetivo de um sistema jurídica que possa guiar e conduzir a ação individual.

Portanto, Raz criou sua própria lista com os princípios do Estado de Direito, segundo os quais as leis devem ser prospectivas, acessíveis, claras e relativamente estáveis e, a edição de normas específicas deve ser conduzida por outas que seja, por sua vez, também sejam acessíveis, claras e gerais.

Porém, essas regras somente farão sentido se houver instituições responsáveis pela sua aplicação consistente, a fim de que o Direito possa se tornar um parâmetro efetivo para guiar a ação individual.

A formulação de Raz requer, desse modo, a existência de um judiciário independente, porque, se as normas fundamentam racionalmente as ações e o judiciário é responsável por aplicá-las, seria inútil guiar nossas ações pelas leis se as cortes pudessem levar em consideração outras razões que não as leis ao decidir casos concretos. Pela mesma razão, os princípios do devido processo, como o direito das partes a serem ouvidas e a imparcialidade, devem ser contemplados. O Estado de Direito também requer que as cortes devam ter competência para rever atos de outras esferas do governo, a fim de assegurar a conformidade desses com o Estado de Direito.

As cortes devem ser facilmente acessíveis para que não se frustre o Estado de Direito. Por último, os poderes discricionários das instâncias responsáveis pela prevenção criminal devem ser reduzidos no intuito de não se deturpar as leis.

Nem o promotor nem a polícia devem ter a discricionariedade para alocar seus recursos destinados ao combate ao crime com base em outros fundamentos que não aqueles estabelecidos legalmente.

Dentro dessa perspectiva, o Estado de Direito é um conceito formal de acordo com o qual os sistemas jurídicos podem ser mensurados, não a partir de um ponto de vista substantivo, como a justiça ou a liberdade, mas por sua funcionalidade. A principal função do sistema jurídico é servir de guia seguro para a ação humana.

Essa é a primeira razão pela qual as concepções formalistas do Estado de Direito, semelhantes à formulada por Raz, recebem amplo apoio de diferentes perspectivas políticas.

É extremamente importante para os governos em geral contarem com um eficiente instrumento para guiar o comportamento humano. Contudo, servir de ferramenta para distintas perspectivas políticas não significa que mesmo a concepção formalista de Estado de Direito seja compatível com todos os tipos de regimes políticos.

Por favorecer a previsibilidade, a transparência, a generalidade, a imparcialidade e por dar integridade à implementação do Direito, a ideia do Estado de Direito se torna a antítese do poder arbitrário.

Dessa maneira, as perspectivas políticas distintas que apoiam o Estado de Direito têm em comum uma aversão ao uso arbitrário do poder; essa é uma outra explicação sobre por que o Estado de Direito é defendido por democratas, liberais igualitários, neoliberais e ativistas de direitos humanos.

Apesar de suas diferenças, eles são todos a favor de conter a arbitrariedade. Em uma sociedade aberta e pluralista, que ofereça espaço para ideais concorrentes acerca do bem público, a noção de Estado de Direito se torna uma proteção comum contra o poder arbitrário.

Existe, no entanto, uma explicação menos nobre para o apoio amplo ao Estado de Direito que deve ser mencionada. Tendo em vista que o Estado de Direito é um conceito multifacetado, se usarmos cada um de seus elementos constitutivos separadamente, eles serão extremamente valiosos na promoção de valores ou interesses diferentes e muitas vezes concorrentes, como eficiência de mercado, igualdade, dignidade humana e liberdade.

Para aqueles que defendem reformas de mercado, a ideia de um sistema jurídico que proporcione previsibilidade e estabilidade é de extrema importância.

Para os democratas, a generalidade, a imparcialidade e a transparência são essenciais e, para os defensores de direitos humanos, a igualdade de tratamento e a integridade das instâncias de aplicação da lei são indispensáveis.

Portanto, a leitura parcial desse conceito multifacetado, feita por concepções políticas distintas, também ajuda a entender a atração de público tão amplo pelo Estado de Direito.

Assim, quando nós encontramos alguém defendendo o Estado de Direito, precisamos ser cautelosos e verificar se ele não está apenas exaltando uma das virtudes do Estado de Direito. Apenas a virtude que justamente sustenta os objetivos sociais que ele quer promover.

Consoante a Stephen Holmes, a principal tese de Nicolau Maquiavel sobre esse tema é que os governos devem ser levados a tornar o seu próprio comportamento previsível em busca da cooperação.

Os governos tendem a se comportar como se estes fossem limitados pela lei, ao invés de usar a imprevisibilidade da lei como meio para disciplinar as populações a eles submetidas. (…) porque eles possuem objetivos específicos que requerem um ato de cooperação voluntária.

Desta forma, a lei seria utilizada com parcimônia pelo governante a fim de obter cooperação por parte de grupos específicos dentro da sociedade, o que ele não teria sem mostrar algum respeito pelos seus interesses. Assim, na medida em que o governante precisar de maior apoio, mais grupos serão incluídos na proteção proporcionada pela lei e, em troca desse apoio, eles se beneficiarão do tratamento previsível do governante.

O Liberalismo e a democracia, porém, requerem a expansão do Estado de Direito para todos. Foi assim, de fato, que o Estado de Direito se desenvolveu desde a Idade Média, através da expansão de privilégios a diferentes grupos.

A Magna Carta é, talvez, o primeiro símbolo representante desse processo de expansão de direitos legalmente reconhecidos o que culminou na Carta Internacional de Direitos Humanos no século XX e nas Cartas de Direitos das democracias constitucionais contemporâneas.

A distribuição de direitos, capaz de fortalecer as pessoas, torna-se, assim, o fator-chave para obter a cooperação. T.H. Marshal, em seu clássico intitulado “Cidadania, Classe Social e Status” (1967) proporciona uma clara descrição da evolução da cidadania nos países ocidentais, através do processo de inclusão do povo na proteção proporcionada pela lei.

Tem sido por meio do embate político que novos grupos conseguem obter status jurídico por intermédio dos direitos civis, políticos, sociais e econômicos, recebendo, como contrapartida por sua cooperação, diferentes níveis de inserção do Estado de Direito.

Assim, mesmo que nós possamos confundir o Estado de Direito com os direitos dos cidadãos, é muito difícil historicamente dissociar o processo de expansão da cidadania da ampliação do Estado de Direito. A generalidade e a aplicação imparcial da lei, como virtudes internas do Estado de Direito, estão diretamente associadas à noção de igualdade perante a lei obtida pela expansão da cidadania.

Observa-se que nos regimes democráticos contemporâneos, nos quais a legitimidade e cooperação dependem de alto grau de inclusão, os direitos tendem a ser distribuídos mais generosamente do que em outros regimes menos democráticos.

Porém, mesmo em regime democrático, o governo não necessita de cooperação de todos grupos em termos equânimes, o que faz com que não exista incentivo para tratar a todos igualmente perante a lei, o tempo todo.

E, além disso, tendo em vista que os grupos possuem recursos sociais, econômicos e políticos desproporcionalmente distribuídos dentro da sociedade, o custo para estes cooperarem também é desproporcional, resultando dizer que a lei e sua respectiva aplicação serão moldadas conforme as diferentes camadas de privilégios.

Significa que qualquer aproximação com o conceito do Estado de Direito depende não apenas da expansão de direitos no papel, mas também, e talvez de maneira mais crítica, de como esses direitos são consistentemente implementados pelo Estado. Eis aqui o paradoxo enfrentado por muitos regimes democráticos com altos níveis de desigualdade social.

Apesar de que direitos iguais sejam reconhecidos na literatura, como medida simbólica para cooptar a cooperação, os governos não se sentem compelidos a respeitar as obrigações correlatas a esses direitos iguais, nos mesmos termos para todos os membros da sociedade.

A partir do momento em que os custos para exigir a implementação dos direitos através do Estado de Direito são desproporcionalmente maiores para alguns membros da sociedade do que para outros, ele se torna um bem parcial, favorecendo essencialmente aqueles que possuem poder e recursos para conseguir vantagens com isso.

Em outras palavras, a igualdade formal proporcionada pela linguagem dos direitos não se converte em acesso igualitário ao Estado de Direito ou à aplicação imparcial das leis e dos direitos. Dessa maneira, é possível ter direitos, mas não possuir suficientes recursos para exigir a sua implementação.

Nesse sentido, é apropriado pensar no Estado de Direito não em termos de sua existência ou inexistência, mas sim em graus de inclusão. O processo democrático pode expandir o Estado de Direito.

Porém, mesmo os regimes democráticos em sociedades com extremos níveis de desigualdade, onde as pessoas e os grupos possuem recursos e poder desproporcionais, o Estado de Direito tende a ser menos capaz de proteger os economicamente desfavorecidos e de fazer os poderosos serem responsabilizados perante a lei.

No entanto, o controle do poder estatal e sua submissão à lei não é apenas uma consequência de como o poder está socialmente distribuído.

Nas sociedades modernas, as instituições são criadas para moldar o comportamento, através de inúmeras formas de incentivo. Instituições também podem ser desenhadas para controlar umas às outras. Conforme notado por Madison: quando a ambição é institucionalmente direcionada para restringir a ambição, a possibilidade de ter o governo sob controle aumenta.20 Os momentos fundacionais se tornam assim muito importantes.

Quando poderes sociais concorrentes não são suficientemente fortes para superar uns aos outros, eles tendem a se comprometer com a criação de estruturas políticas dotadas de poderes fragmentados e contrapostos. Os grupos menos favorecidos podem se beneficiar do resultado desses conflitos de elite. Essa é a lógica básica que informa o constitucionalismo moderno.

Contudo, o Estado de Direito tem como objetivo mais do que ter um governo submetido ao controle constitucional e legal. Ele também procura guiar o comportamento individual e a interação social. Dessa forma, também é necessário explorar por que as pessoas se comprometeriam com o Direito. Assim é importante buscar compreender quais são as razões que todos nós levamos em consideração quando obedecemos ao Direito.

Esclarece Gustavo Zagrebelsky: “O Estado de Direito indica um valor e alude ao solo a uma das direções de desenvolvimento da organização do Estado, não encerra em si, consequências precisas. O valor da eliminação de a arbitrariedade e o arbítrio da atividade estatal que afeta aos cidadãos. A direção é a inversão da relação de poder que constitui a quintessência do Machtstaad(Estado de força)[17] e do Polizeistaat (Estado de Polícia[18]) não mais rex facit legerem sem lex facit regem”. (tradução livre: O rei faz a lei sem a lei fazer o rei.)

A predominância de uma imagem “realista” da política e a centralidade da noção de poder na definição do Estado e de sua atividade não representavam, portanto, um embaraço para a reflexão ética. Machtstaat (Estado de poder) e Machtpolitik (política de poder) são, nesse contexto intelectual, categorias que permitem pensar como o Estado, ao suplantar as forças contrapostas ao seu natural movimento de autodeterminação, concretizaria uma finalidade ética: a realização daquilo que lhe seria próprio e único, sua destinação particular no teatro da história.

Assim, o problema da síntese entre poder e moralidade, entre potência e espírito, entre kratos e ethos trazia consigo a herança de toda uma reflexão em torno do conceito de “individualidade histórica” e, em particular, da ideia de “individualidade do Estado”.

Como o próprio Meinecke (apud Iggers, 1988, p. 9) afirma no livro sobre a gênese do Estado nacional alemão:

   “[…] a moralidade não tem apenas um lado universal, mas também um individual; e a aparente imoralidade do egoísmo do Estado em relação ao poder pode ser moralmente justificada a partir dessa perspectiva. Pois nada que venha do caráter individual e íntimo de um ser pode ser imoral”. (In: IGGERS, G. I. 1988. The German conception of history. 2ª. ed. Hanover: Wesleyan University Press; ______. 1995. Historicism: the history and the meaning of the term. Journal of the History of Ideas, v. 56, n. 1; MEINECKE, F. 1983. La idea de la razón de Estado en la Edad Moderna. 2ª. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales.)

Maquiavel é uma referência inescapável e direta. O paradigma é representado pela famosa alusão à “arte dello stato” (arte do Estado) que aparece numa passagem da celebérrima carta escrita a Francesco Vettori no dia 10 de dezembro de 1513, em que o secretário florentino faz menção à composição d’O Príncipe (um livro de principatibus, isto é, literalmente, “sobre os principados”), acrescentando que «por esta obra, se fosse lida, se veria que os quinze anos em que estudei a arte de governar o Estado [arte dello stato] não os passei dormindo nem jogando» (Maquiavel 1971b: 1160).

“Arte” é palavra que entra no léxico do italiano e das outras línguas românicas através da palavra latina ars, que, por sua vez, corresponde à palavra grega tekne. Neste âmbito, apenas é possível fazer uma rápida referência ao debate platónico, antes, e aristotélico, depois, acerca da “neutralidade” das técnicas.

Num seu recente livro dedicado à obra de Maquiavel, Carlo Ginzburg reenvia, apropriadamente, à Ética a Nicômaco de Aristóteles, na versão comentada por Donato Acciaioli que se encontrava na biblioteca do pai de Maquiavel, Bernardo, na qual o próprio Acciaioli realça em particular a distinção entre prudência (prudentia) e arte (ars) através do exemplo da retórica, aristotelicamente definida como técnica de persuasão sobre tópicos contrapostos («ars disserendi et oratoria est potens ad probandum et suadendum contraria interdum de eodem») (Ginzburg 2018: 57). Esta definição, por sua vez, reenvia à interpretação da retórica que Platão atribui a Górgias, que, no diálogo homónimo, opõe às objeções de Sócrates a analogia entre arte do discurso e arte da luta: o treinador que ensina a técnica da luta não pode ser responsabilizado pelos usos imorais que dela fazem os seus discípulos.

Assim, o tema da amoralidade da arte do Estado desenvolve-se no contexto do debate acerca da amoralidade das técnicas em geral, isto é, da sua indiferença perante as questões morais que sobrelevam do seu âmbito de competência.

Os conceitos de “arte do Estado” e de “razão de Estado” têm assim em comum a interpretação da política como uma disciplina caracterizada por uma normatividade própria, por uma racionalidade instrumental e por objetivos autónomos (a “salvação” ou o bem-estar do Estado). Assim sendo, os “estadistas” deverão ser julgados, em primeiro lugar, com base na capacidade que têm (ou não têm) de dominar a técnica e de atingir os objetivos.

A literatura seiscentista sobre o tema da “razão de Estado” não seria senão uma forma de “maquiavelismo” disfarçado, uma tradução das ideias do secretário florentino em termos menos escandalosos e frequentemente associados a uma homenagem – cada vez mais formal e superficial – à moral tradicional de origem religiosa.

Apesar da explícita oposição ao maquiavelismo, as teses de Botero poderiam, em suma, ser consideradas como uma versão menos provocativa, mas também menos sincera, da defesa da especificidade da política e dos seus problemas.

Lembremos que no Estado Liberal de Direito, a lei era considerada como ordem geral e abstrata, já no Estado Social a mesma lei passou a ser um mecanismo de ação, portanto caráter específico e concreto. Entretanto, em ambos modelos estatais, se fez necessária haver reformulação do modelo clássico até então concebido, conjugando o ideal democrático ao Estado de Direito, paralelamente às garantias jurídico-legais e à preocupação social.

A consequência é a transformação do status quo que não apenas para “adaptar as condições sociais de existência”. Por essa razão, seu conteúdo ultrapassa o aspecto material da concretização de uma vida digna a pessoa humana e passa a agir simbolicamente como autêntico fomentador da participação pública.

Nesse sentido, o democrático é adjetivo que qualifica o Estado, estendendo suas consequências sobre a ordem jurídica. Portanto, o Estado de Direito Democrático que é alcunhado por J.J. Canotilho, deve estruturar o Estado Constitucional, que é mais do que um Estado de Direito, porque significa uma ordem jurídica limitada pelo povo. Sendo assim, a articulação do Direito e do poder no Estado Constitucional significa a organização estatal em termos democráticos, prevalecendo o princípio da soberania popular, na qual o poder político deriva do poder do povo.

É nesse sentido, a afirmação de que “só o princípio da soberania popular segundo o qual “todo o poder vem do povo” assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular.

Realmente, no Estado Democrático de Direito, a Constituição, revela-se em ser instrumento básico de garantia jurídica, mediante a previsão de um direito mais alto, ou seja, dotado de força obrigatório incluindo o legislador, pretende restabelecer uma noção de direito mais profunda que aquela vigente no positivismo legislativo que lhe havia reduzido. Ipso facto, a lei concede espaço em favor de uma instância mais alta: a Constituição que se converte em espaço de mediação.

Entretanto, uma unificação completa não poderia ser proposta sob pena de substituição do antigo soberano (um monarca ou assembleia parlamentar) que se expressava na lei pela soberania abstrata da Constituição.

Desta forma, ao invés de uma unificação melhor seria propor uma série de divisões, no sentido de efetuar a separação dos desatentos aspectos do direito que no Estado de Direito do século XIX estavam unificados ou reduzidos pela lei. Assim, a Constituição potencializa e não reduz a complexidade legal.

Ex positis, o Estado Democrático de Direito apresenta como princípios, a saber: a) a constitucionalidade, isto é, a vinculação a uma Constituição como um instrumento básico de garantia jurídica; b) a organização democrática da sociedade; c) o sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos; d) a justiça social como mecanismo de correção de desigualdades; e) igualdade não apenas como possibilidade formal, mas também como articulação de uma sociedade justa; f) divisão de poderes ou funções; g) legalidade; h) segurança e certeza jurídicas. De fato, a própria observância desses princípios aponta para a capacidade do Estado Democrático de Direito de ultrapassar a formulação do Estado Liberal e Social de Direito.

Destaque-se, ainda, que o império da lei que se impõe, deve significar que o legislador mesmo se vincule à própria lei que criou, tendo presente que a faculdade de legislar não seja instrumento para dominação arbitrária. No entanto, tal leitura sobre o Estado Democrático de Direito como condição e possibilidade de governos regidos pelos termos da lei não é suficiente quando se ousa enfrentar os conteúdos reais presentes na existência de sociedades dominadas e, por vezes, vencidas pelas contradições econômicas, sociais e culturais que tanto esfacela sua consciência política.

É preciso sublinhar que a lei não é necessária a pacífica expressão de uma sociedade política internamente coerente, tornando-se, muitas vezes, instrumento de competição, enfrentamento e acirramento social, mantendo o conflito, principalmente quando não tratado de forma adequada.

Consequentemente, a lei deixa de ser garantia absoluta da estabilidade, pelo contrário, esta muitas vezes se transforma em mais um motivo de instabilidade em face da colisão de interesse, o que aponta novamente para necessidade sempre crescente de intervenção legislativa.

O Estado em crise, pari passu, se retrai e a pluralidade de fontes do direito traz a consciência de que o problema se instala devido à crise de eficácia e de legitimidade do Direito. Então, as Constituições surgem como remédio para multiplicidade e para propor coalização de ordenamentos, propondo um Direito mais forte e dotado de obrigatoriedade, inclusive para o legislador. Desse modo, a unificação se dá por meio da Constituição.

É discutível se o Estado Democrático de Direito pressuponha a valorização do jurídico e, do papel do Poder Judiciário. Eis que é uma faceta que visa primordialmente apreciar como vem sendo tratados os conflitos sociojurídicos no Brasil contemporâneo, principalmente em face de alternativas consensuais e autônomas para abordagem para solução de conflitos.

Se antes, no Estado Liberal, o centro decisório pairava e se fixava no legislativo, o que não é proibido, é permitido, os chamados direitos negativos. Já no Estado Social, o Executivo se sobressaía diante da necessidade da criação de políticas públicas e da frequente intervenção do Estado na economia, por outro viés, no Estado Democrático de Direito, o foco de tensão se dirige para o poder Judiciário, isto é, a inércia e as possíveis lacunas do Executivo e do Legislativo começam a ser supridas pelo Judiciário, a fim de concretizar tal objetivo, lança mão de diversos mecanismos jurídicos contidos e positivados na Constituição que estabeleceu explicitamente o Estado Democrático de Direito.

É possível afirmar, portanto, que a concretização do Estado Democrático de Direito depende muito mais da ação concreta do Judiciário que propriamente de procedimentos legislativos e administrativos, que pode e deve ser relativizados, já que não se pode supor nem esperar que o Judiciário seja a solução mágica para tantos problemas sociais.

Enfim, a Constituição não vem sendo cumprida e, faltam políticas públicas que sejam cumpridoras fiéis dos ditames do Estado Democrático de Direito e, nesse contexto lúgubre, surge o Judiciário como instrumento capaz de resgatar os direitos não realizados e a cidadania brasileira.

Portanto, diante da inércia ou ineficácia dos demais poderes da República Federativa, a efetivação do Direito e, propriamente dos direitos passa para o centro de decisões no âmbito do Judiciário. O que faz supor, no meu entender, erroneamente que há um ativismo judicial.

A crise do modelo de produção de Direito se instalou em razão da dogmática jurídica que ainda insiste enfrentar os conflitos interindividuais enquanto a contemporânea sociedade, torna-se cada vez mais moderna e complexa e, repleta de conflitos transindividuais. Trata-se de uma crise de modelo de Direito, tão presentes nas práticas jurídicas de nossos tribunais, fóruns e na doutrina.

Corroborando com essa observação há a lição de Streck, in litteris: ” de um lado temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de outo, uma Constituição Federal que garante estes direitos da forma mais ampla possível”. É justamente, nesse exato momento que o Estado Democrático de Direito passa ser um fabricante em série de ação estatal concreta, privilegiando a efetividade da lei.

E, assim, representa a vontade constitucional de realização do Estado Social, tornando um plus normativo. Evidentemente, é incontestável que o Estado contemporâneo vivencia crise, precisando mesmo rever todos seus paradigmas, seja na esfera econômica quanto também nos modelos de regulação social e jurídica tradicionalmente praticados.

A própria evolução tecnológica impõe que haja reformulação na concepção de tempo e espaço e o Estado que era estático e com organização determinada sobre certo território nacional com suas delimitações muito bem definidas, não pode ficar exatamente assim, os contornos são outros.

Precisamos rever as instituições, os paradigmas e dogmas pois tudo se tornou líquido e, consequentemente não mantêm sua forma com facilidade, já não atende adequadamente. Essa fluidez que nos identificou Bauman, veio para marcar a história da humanidade, portanto, o conceito de Estado e suas funções precisam ser atualizadas, sendo necessário supor que uma série intervenção pode criar o risco de ruptura.

Essa ruptura ocorre em razão da função de desregulação estatal, da lentidão em dar respostas às demandas cada vez mais céleres, por sua incapacidade de ocupar seu espaço, dando margem ao surgimento do direito inoficial e do direito marginal, enfim, provocando o descolamento entre a legislação positivada e a realidade social vivente. Assim, já se pode atestar que há a retração do Estado, cuja função precípua é proteger o direito do cidadão, desenvolvendo suas prerrogativas ao espaço privado, que, aproveitando-se de sua ausência ou ineficiência, muitas vezes, cria ou diz o Direito.

Enfim, todas as crises ocorrentes no Estado contemporâneo[19] são de caráter estrutural, cujos aspectos principais são o financeiro, o ideológico onde há embate entre burocracia versus democracia e o filosófico que abriga o embate entre individualismo e solidarismo, sendo que seus efeitos são a desconstitucionalização, a flexibilização e o desprestígio prático, pois a crise política que abate a democracia.

E, por fim, é também uma crise funcional que se reflete no Legislativo, no Executivo e na Jurisdição que deveria prestigiar as fórmulas alternativas de composição de conflitos. É preciso construir nova abordagem para as soluções de conflitos, principalmente, garantindo com maior celeridade e eficiência a eficácia das leis e da cidadania brasileira. Só assim, poderemos, concretamente, proteger e prestigiar a dignidade da pessoa humana.

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[1] Nota-se o substancialismo das Constituições no mundo, sendo fenômeno histórico do pós-segunda guerra mundial, significando a alta positivação de direitos fundamentais nos textos constitucionais, o que majorou as atribuições judiciais constitucionais. Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, o país era governado de forma autoritária por Getúlio Vargas, que apoiou, inicialmente, as nações derrotadas e seus respectivos modelos de Estado. Porém, com a vitória dos Aliados, novas pressões sobre o governo ditatorial de Vargas se intensificaram, uma vez a constatação de que não seria mais possível tolerar e suportar o autoritarismo brasileiro. Ressalve-se que não apenas o Brasil sofreu os efeitos dessa onda de liberalismo e democracia. E, muitos países ocidentais igualmente modificaram seus textos constitucionais em razão do pós-guerra, assim surgira no Brasil a Constituição Federal de 1946, e também no Equador, Haiti e Panamá que adotaram novas constituições, seguidos da República Dominicana, Peru e Venezuela em 1947 e no México em 1948. Também na Europa se deu o mesmo fenômeno como em França, Itália, Bulgária e na Alemanha em 1949.

[2] Os direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão são os direitos individuais com caráter negativo por exigirem diretamente uma abstenção do Estado, seu principal destinatário. Alguns exemplos de direitos fundamentais de primeira geração são o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião, entre outros. Em 1979, Vasak apresentou em uma palestra sua teoria geracional publicada dois anos antes. A palestra foi fruto de uma conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo (França). A base de sua teoria são os princípios da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Esses três conceitos são utilizados para dividir, de forma didática, os direitos humanos em três perspectivas históricas de entendimento. Através da teoria geracional de Vasak é possível, portanto, distribuir os direitos humanos em: primeira geração (liberdade), segunda geração (igualdade) e terceira geração (fraternidade). Nesse texto, nós te explicamos tudo sobre isso. Essa geração tem como elemento principal a ideia clássica de liberdade individual, concentrada nos direitos civis e políticos. Esses direitos só poderiam ser conquistados mediante a abstenção do controle do Estado, já que sua atuação interfere na liberdade do indivíduo. Os direitos civis ou individuais são prerrogativas que protegem a integridade humana (proteção à integridade física, psíquica e moral) contra o abuso de poder ou qualquer outra forma de arbitrariedade estatal. Exemplos de direitos civis são a liberdade de expressão, direito ao devido processo legal, presunção de inocência, proteção à vida privada, à liberdade de locomoção, entre outros. Já os direitos políticos asseguram a participação popular na administração do Estado. O núcleo desse direito envolve o direito ao voto, direito a ser votado, direito a ocupar cargos ou funções políticas e por fim o direito a permanecer nesses cargos. São direitos de cidadania, que asseguram além disso tudo direitos ligados ao processo eleitoral, como filiação partidária, alistamento eleitoral e a alternância de poder. A diferença entre os direitos civis e políticos é que o primeiro é universal, ou seja, abrange a todas as pessoas, sem qualquer distinção. Mas os direitos políticos são direitos de participação restritos à cidadania e por isso atingem somente os eleitores, garantindo-lhes direito a participar da vida político-institucional de seu país.

[3] A estrutura da Constituição de Weimar é claramente dualista: a primeira parte tem por objetivo a organização do Estado, enquanto a Segunda parte apresenta a declaração dos direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social.

A “República de Weimar” foi um período de transição na história alemã (entre 1919 e 1933) em que o sistema de governo passou de uma monarquia para a democracia representativa, sob a forma de República Parlamentarista. Com efeito, este nome se deve ao local em que a constituição republicana foi promulgada, em 11 de agosto de 1919, na cidade de Weimar, região central da Alemanha.

[4] Constitucionalismo clássico ou liberal: cuja característica marcante é o surgimento das constituições escritas; nelas são consagrados os direitos fundamentais de primeira geração. Com o neoconstitucionalismo tem-se a dignidade da pessoa humana como núcleo da constituição. Constitucionalismo refere-se a um sistema normativo, consignado na Constituição, e que se encontra acima dos detentores do poder. Sociologicamente representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado. De qualquer modo, o constitucionalismo não pode ser entendido senão integrado com as correntes filosóficas, ideológicas, políticas e sociais dos séculos XVIII e XIX. Por outro lado, o neoconstitucionalismo é uma ruptura com o constitucionalismo liberal de previsão meramente formal de direitos. É tentativa de garantia material de direitos fundamentais para todos.

[5] Há de se observar uma necessária separação entre o público e o privado, de sorte a que não se afronte ao princípio da impessoalidade. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da impessoalidade tem desdobramento em dois prismas, o primeiro com relação a igualdade de atuação em face dos administrados, por meio da qual busca-se a satisfação do interesse público; o segundo com referência a própria Administração, de modo que os atos não são atribuídos aos seus agentes, mas ao órgão responsável, não cabendo àqueles promoção pessoal mediante publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.

[6] A democracia pode ser definida, segundo o economista político Joseph Schumpeter, como “o arranjo institucional para se chegar a certas decisões políticas que realizam o bem comum, cabendo ao próprio povo decidir, através da eleição de indivíduos que se reúnem para cumprir-lhe a vontade”. O Poder Judiciário brasileiro, que dispõe de 40% a mais de funcionários por vara do que a média mundial, além de custar quatro vezes mais do que países em condições parecidas socioeconomicamente, não é capaz de acompanhar a quantidade de trabalho necessária para suprir a demanda existente. Atualmente são mais de 70 milhões de processos em tramitação na Justiça, sendo estimado que cerca de 45 milhões deles esteja aguardando julgamento.

[7] O setor da segurança pública também é marcado pela corrupção e incompetência, a qual produz completa desconfiança sobre os cidadãos, que evitam até mesmo fazer boletins de ocorrência de alguns crimes dos quais foram vítimas. Dados da Polícia Federal apontam que enquanto há atualmente meio milhão de policiais na ativa tanto na polícia civil como na militar, são mais de dois milhões o número de pessoas que trabalham como seguranças privados, ou seja, quatro vezes mais que os “seguranças estatais”. Importante frisar que os policiais civis e militares seguem turnos de apenas 12 a 24 horas seguidas, estando livres para descanso por 36 a 72 horas, sendo que muitos deles aproveitam esse tempo de folga para trabalharem como seguranças particulares, ato este proibido por lei, para complementar seus rendimentos. (In: SANTANA, Adriel. Estado contemporâneo: análises e questionamentos. Disponível em:  https://direitoeliberdade.jusbrasil.com.br/artigos/142844223/o-estado-contemporaneo-analises-e-questionamentos Acesso em 03.02.2022).

[8] Justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social. O conceito surge em meados do século XIX, referido às situações de desigualdade social, e define a busca de equilíbrio entre partes desiguais, por meio da criação de proteções (ou desigualdades de sinais contrários), a favor dos mais fracos. Para ilustrar o conceito, diz-se que, enquanto a justiça tradicional é cega, a justiça social deve tirar a venda para ver a realidade e compensar as desigualdades que nela se produzem. No mesmo sentido, diz-se que, enquanto a chamada justiça comutativa é a que se aplica aos iguais, a justiça social corresponderia à justiça distributiva, aplicando-se aos desiguais. O mais importante teórico contemporâneo da justiça distributiva é o filósofo liberal John Rawls. Em Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice), de 1971, Rawls defende que uma sociedade será justa se respeitar três princípios: garantia das liberdades fundamentais para todos; igualdade equitativa de oportunidades; e manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos. A justiça equitativa de Rawls surge da busca por um ideal de justiça que de certa forma neutralize o modo de ser, social e biológico (no que diz respeito as habilidades naturais que dão vantagens aos indivíduos) que de algum modo pode ser arbitrário. Rawls utiliza do contrato social como método para estabelecer os dois princípios da justiça, sendo eles a liberdade e igualdade.

[9] Pautado no império da lei, mas a lei que busque a igualdade de condições entre os socialmente desiguais (igualdade material) e não mera lei generalista que imponha tão-somente uma igualdade formal, como no Estado Liberal de Direito. Pressupõe, portanto, uma Constituição rígida, originária da vontade popular e que vincule e subordine todos os poderes instituídos. Ferdinand Lassalle (1988) afirma que a verdadeira constituição é aquela que reflete os reais fatores de poder que regem uma nação, sendo que esta constituição real muitas vezes não coincide com a constituição escrita, editada com base em interesses distintos daqueles que realmente direcionam a sociedade. O referido autor denomina a constituição escrita de “constituição folha de papel” (constituição meramente formal), porque constitui-se na simples expressão textual dos reais fatores de poder, transformando-os em institutos jurídicos. Portanto, para Lassalle (1988), quando a constituição formal reflete o conteúdo da constituição real – aquela que rege de fato a sociedade em determinado momento histórico –, estamos diante de um texto constitucional juridicamente legítimo.

[10] Preconiza um ativismo judicial calcado na argumentação jurídica, bem como, a leitura moral da constituição da defendida por Dworkin, valendo-se de uma teoria política. Os casos difíceis da Constituição devem ser explicados com o auxílio das mais diversas disciplinas, tais como a teoria política, teoria constitucional, filosofia jurídica. O discurso dos juízes, nestes casos, é principialista, refletindo os hard cases, dentro de uma leitura construtivista.

[11] Dieter Grimm é um jurista alemão. De 1987 a 1999 foi juiz do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Em 1979, Grimm recebeu venia legendi, tornando-se professor de Direito Público da Universidade de Bielefeld (Universität Bielefeld), onde ensinou até 1987. Também atuou como diretor do Centro para Pesquisa Interdisciplinar local de 1984 a 1990. A partir de 1999, tornou-se professor da Universidade Humboldt de Berlim (Humboldt-Universität zu Berlin) onde se aposentou em 2005. Além disso, foi reitor do Instituto de Ciências de Berlim (Wissenschaftskolleg zu Berlin), sendo membro permanente e ativo até os dias de hoje. Desde 2002, Grimm também é membro do conselho administrativo do canal público alemão de televisão ZDF (ZDF-Verwaltungsrat). Como juiz, Grimm era membro do Primeiro Senado do TCF. Seu nome é exaustivamente citado em obras do direito por seu célebre voto dissidente na decisão “Reiten im Walde”, versando sobre a interpretação extensiva do Art. 2 Abs. 1 da Constituição Alemã, que trata do livre desenvolvimento da personalidade. No TCF foi sucessor de Konrad Hesse; e sucedido por Wolfgang Hoffmann-Riem. Em seu artigo publicado em 1980, intitulado “Reformalisierung des Rechtsstaats als Demokratiepostulat?” ele resolveu uma controvérsia sobre o Estado de Direito e a Democracia. É professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Yale, onde ministra o curso “Constitucionalismo dos Estados Unidos e da Europa: Uma Comparação”.

[12] Sob denominação de teorias racionalistas, agrupam-se todas aquelas que justificaram o Estado como de origem convencional (pactual, contratual), isto é, como produto da razão humana. São as chamadas teorias contratualistas ou pactistas. Partem de um estudo das primitivas comunidades em estado de natureza. Concluem seus autores que a sociedade civil (o Estado organizado) nasceu de um acordo entre os indivíduos.

[13] O Estado Constitucional tem como sua principal característica é o surgimento da lei como fonte precípua do Direito, inaugurando-se o chamado Estado Legalista ou Legalitário. Para compreender o Estado Constitucional de Direito faz-se necessário relembrar que com a Revolução Francesa, inaugurou-se nova era, o chamado período legislativo ou primeiro positivismo. Esta última expressão remonta-se à Escola Exegética, que teve seu apogeu no século XIX. Pode-se considerá-la como vertente do método gramatical de interpretação, na qual predomina o subjetivismo histórico do legislador. Uma de suas características conforme alude Norberto Bobbio, é a influência do princípio da onipotência do legislador. In: LEITE, G. Estado Constitucional de Direito. Disponível em:  https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/estado-constitucional-de-direito Acesso em 25.01.2022.

[14] A modernidade imediata é “líquida” e “veloz”, mais dinâmica que a modernidade “sólida” que suplantou. A passagem de uma à outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos da vida humana. A modernidade líquida seria “um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível”.   Na sociedade contemporânea, emergem o individualismo, a fluidez e a efemeridade das relações. Bauman é um dos expoentes da chamada “sociologia humanística” e dedicou a vida a estudar a condição humana. Ele é visto por muitos como um teórico perspicaz e por outros como um ingênuo pessimista. Suas ideias refletem sobre a era contemporânea em temas como a sociedade de consumo, ética e valores humanos, as relações afetivas, a globalização e o papel da política. Para Bauman, “a modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas”. Pela estabilidade do Estado, da família, do emprego ou de outras instituições, aceitava-se um determinado grau de autoritarismo. Segundo o sociólogo, a marca da pós-modernidade é a própria vontade de liberdade individual, princípio que se opõe diretamente à segurança projetada em torno de uma vida estável.

[15] As deficiências da sociedade política medieval determinaram as características fundamentais do Estado Moderno. A aspiração à antiga unidade do Estado Romano, jamais conseguida pelo Estado Medieval, iria crescer de intensidade em consequência da nova distribuição da terra. Com efeito, o sistema feudal, compreendendo uma estrutura econômica e social de pequenos produtores individuais, constituída de unidades familiares voltadas para a produção de subsistência, ampliou o número de proprietários, tanto dos latifundiários quanto dos que adquiriram o domínio de áreas menores. Os senhores feudais, por seu lado, já não toleravam as exigências de monarcas aventureiros e de circunstância, que impunham uma tributação indiscriminada e mantinham um estado de guerra constante, que só causavam prejuízo à vida econômica e social. Desperta a consciência para a busca da unidade que se concretiza com a afirmação de um poder soberano, no sentido de supremo, reconhecido como o mais alto de todos dentro de uma precisa delimitação territorial. O Estado Moderno, cujas marcas fundamentais, desenvolvidas espontaneamente, foram-se tornando mais nítidas com o passar do tempo e à medida que, claramente apontadas pelos teóricos, tiveram sua definição e preservação convertidas em objetivos do próprio Estado. Existe uma grande diversidade de opiniões quanto ao número dos elementos essenciais para a existência do Estado.

[16] O surgimento dos Estados Nacionais, também chamados de Estados-nação, ocorreu principalmente no fim do século XVIII. A concepção do Estado nacional ocasionou divergências entre reis e imperadores, no século XVI e XVII, no XIX entre igreja e nação, e entre senhores feudais e o Estado. Os Estados-Nações, ou propriamente dito países, surgiram principalmente no fim do século XVIII início do século XIX. Foram constituídos a partir do processo de industrialização original e/ou clássica com mecanismo de divisão do espaço geográfico internacional, estabelecendo uma nova configuração política e espacial, tudo isso é fruto da burguesia e revolução industrial que contribuiu para proteger o mercado de um determinado território. A concepção do Estado nacional ocasionou divergências entre reis e imperadores, no século XVI e XVII, no XIX entre igreja e nação, e entre senhores feudais e o estado. Posteriormente aos conflitos, o estado foi consolidado superando as ideologias e interesses da igreja e dos senhores feudais, assim promoveu a centralização do poder, e essa dava direito de representação da nação. In: FREITAS, Eduardo de. “Surgimento dos Estados Nacionais”; Brasil Escola. Disponível em:  https://brasilescola.uol.com.br/geografia/como-surgira-os-estados-nacionais.htm . Acesso em 25 de janeiro de 2022.

[17] Foi o historiador bismarckiano Heinrich Gotthard von Treitschke (1834-1896) quem, adoptando a ideia do Estado ser a mais elevada categoria da eterna sociedade humana cunhou a expressão der Staat ist Macht. Tem antecedentes na perspectiva hobbesiana, segundo a qual o direito é igual ao poder. Já antes o suíço alemão Karl Ludwig von Haller (1768-1854), em Restauration der Staatswissenschaft, de 1816-1825, referia que o Estado como um domínio independente que comanda os outros e que não está ele mesmo ao serviço de ninguém, defendendo que, como no mundo inanimado, o forte oprime o fraco, assim entre os animais e também entre os homens se encontra a mesma lei embora com aspectos mais nobres, pelo que constitui mandamento imutável e eterno de Deus que o mais poderoso deve dominar e sempre dominará. O Estado passou, pois, a entender-se como um senhorio para aplicar a autoridade de um senhor, ao mesmo tempo que se considerou que o indivíduo estava preso por uma série de laços a um todo que o ultrapassa infinitamente e que a força é que criaria o direito. A tese está próxima das Realpolitik, das teses belicistas, da sociologia de luta e do darwinismo social. Neste ambiente, o jurista Rudolf von Ihering (1818-1892), em Kampf ums Recht, de 1872, considera que a luta pela existência é a lei suprema de toda a criação animada; manifesta-se em toda a criatura sob a forma de instinto de conservação (). Partindo desta premissa, assinala que a manutenção da ordem jurídica, por parte do Estado, não é senão luta incessante contra a anarquia que o ameaça e que, como em todas as lutas, não é o peso das forças postas em presença que faz pender a balança. O Estado aparece assim como a única força do direito, da mesma forma como o direito é a soma das condições da vida social, tal como esta é assegurada pelo poder do Estado através do constrangimento exterior. É, portanto, natural que considere o Estado como a sociedade feita detentora de força reguladora e disciplinada da coação (…) o Estado é a sociedade usando do seu poder de coação; para exercer esse poder toma ela a forma de Estado. O Estado é, pois, a forma do exercício regulado e assegurado da força de coação social, ou mais resumidamente: é a organização da coação social. Salienta que existe um poder distinto e superior, agindo por meio dos seus órgãos e dos seus representantes próprios, um ser de uma espécie mais elevada, tendo fins e meios mais elevados. Desta forma, se aceita que a paz é o fim que o direito tem em vista, não deixa de assinalar que a luta é meio de que se serve para o conseguir. Porque, como em todas as lutas, não é o peso das razões, mas o poder relativo das forças postas em presença que faz pender a balança e que produz frequentemente resultado igual ao paralelograma das forças, isto é, um desvio da linha direita no sentido da diagonal. Noutra obra, Der Zweck im Recht, de 1877, considera que o Estado tem um interesse egoísta na sua subordinação ao direito, dado que tal situação lhe reforça a legitimidade, assegurando-lhe a obediência dos particulares. Aqui refere que o carácter do Estado é o de ser um poder superior a qualquer outra vontade que se encontra num determinado território. Este poder é, e deve ser, para que ele tenha um Estado, um poder material, isto é, o poder de facto superior a qualquer outro poder que exista sobre o território considerado. Antes desta condição ser preenchida, todas as outras são antecipações, dado que para as preencher o Estado deve existir e não existe senão quando a questão do poder está resolvida. Neste sentido, proclama que a falta de Macht é pecado mortal do Estado (…) um Estado sem Macht é uma contradição, pelo que o direito é a política da força. Esta perspectiva é, aliás, inversamente proporcional ao anarquismo, dado ser marcada pelas mesmas fontes e pelos mesmos argumentos. Como proclamava Max Stirner (1806-1856), o eu é o único princípio, levando à negação de todo o resto. Assim, cada um fazendo de si o centro (…) vencer ou ser vencido, não há outra alternativa. O vencedor será o senhor, o vencido será o escravo: um gozará de soberania e dos direitos do senhor; o outro preencherá, cheio de respeito e de temor, os seus deveres de sujeito. Se os anarquistas dizem que o Estado é o Mal, como Mikhail Bakunine (1814-1876), em Estatismo e Anarquia, de 1873, outros consideram-no como um Bem. Ambos o reduzem à força; ambos consideram que a violência e a luta é que são os motores da história. Para Bakunine o estatismo é todo o sistema que consiste em governar a sociedade de cima para baixo em nome de um pretendido direito teológico ou metafísico, divino ou científico, enquanto a anarquia é a organização livre e autónoma de todas as unidades ou partes separadas que compõem as comunas e a sua livre federação, fundada de baixo para cima, não sobre a injunção de qualquer autoridade, mesmo que eleita, ou sobre as formulações de uma sábia teoria, seja ela qual for, mas em consequência do desenvolvimento natural das necessidades de todas as espécies que a própria vida gera. Não tarda que Trotski proclame que todo o Estado se funda na força. Ou que Weber considere que a violência não é o único instrumento do Estado, mas o seu instrumento específico, dado que ele reivindica o monopólio legítimo do uso da violência física.

[18] Estado policial é o tipo de organização estatal fortemente baseada no controle da população (e, principalmente, de opositores e dissidentes) por meio da polícia política, das forças armadas e outros órgãos de controle ideológico e repressão política. Ampliou-se assim, tanto quanto possível, o campo de ação da polícia. Outra característica do “Estado de Direito” é a sua oposição ao “Estado Policial”, ou seja, aos regimes autoritários e totalitários onde direitos e liberdades são apenas disposições de pedaço de papel. O conceito de Polizeistaat (em alemão, “Estado de polícia”) foi cunhado pela historiografia liberal alemã da segunda metade do século XIX, aludindo em particular à Prússia de Frederico II, o Grande (1712 – 1786). No século XVIII, o conceito tinha uma conotação positiva, como uma primeira forma de ordenamento constitucional personalista. À época, era geralmente aceito que os atos emanados da autoridade e voltados à manutenção da ordem e da segurança, estivessem acima do controle dos tribunais.

Ampliou-se assim, tanto quanto possível, o campo de ação da polícia. O Estado policial representa uma evolução do típico estado absolutista monárquico, baseado no ius politiae (um direito calcado em alguns princípios jusnaturalistas), voltado à promoção do bem-estar dos súditos e à satisfação dos seus interesses, os quais eram, porém, determinados pela autoridade, “confundindo-se” então com os interesses do tipo patrimonial.

Assim, o bem-estar dos súditos, a prosperidade do Estado e a ordem pública não seriam assegurados pela dinâmica das forças sociais, mas por um rigoroso e correto controle administrativo, de caráter autoritário, vertical e paternalista. Após a morte de Frederico II, em 1794, foi publicado um código (Allgemeines Landrecht für die Preussischen Staaten) que, pela primeira vez, no âmbito dos estados alemães, estabeleceu o princípio segundo o qual a lei obriga também aquele que a promulgou. Desta forma, ao Estado policial sucede o Estado de direito (Rechtstaat). Já no contexto das democracias constitucionais contemporâneas, o conceito assume uma conotação negativa – como um Estado marcado pelo uso intenso das forças da ordem ou de polícia secreta. A ideia de Estado policial aparece, então, ligada ao totalitarismo e sua ideologia.

[19] Enquanto o Estado manter o monopólio sobre alguns serviços, como os de segurança e justiça, estará se sustentando, pela nomenclatura fornecida por Oppenheimer, a hegemonia dos meios políticos de adquirir riqueza em detrimento dos meios econômicos. Portanto, essa situação é questionável não apenas economicamente como moralmente, posto a presença da não-voluntariedade daqueles que são, em tese, os beneficiados do sistema jurídico em voga.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. O imponderável Estado Democrático de Direito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/o-imponderavel-estado-democratico-de-direito/ Acesso em: 21 nov. 2024