Direito Constitucional

O direito à vida e o caso da anencefalia

O direito à vida e o caso da anencefalia

 

 

Mario Guerreiro

 

Como se sabe o STF encontra-se reunido para decidir se abre uma terceira exceção para a prática do aborto. Trata-se dos casos em que o embrião padece de anencefalia: ausência do cérebro, ou melhor: ausência de uma parte do cérebro, que impede uma vida plena e encurta a vida do recém-nascido.

 

Os partidários da rejeição do aborto em toda e qualquer circunstância, inclusive nos dois casos permitidos por lei – a saber: quando a gravidez resulta de um estupro e quando há sério risco de morte para a mãe – alegam que a permissão do aborto em casos de anencefalia é mais uma violação do direito à vida.

 

Consideram que o referido direito se estende mesmo aos casos em que se trata de uma vida puramente vegetativa e breve, pois o portador da anencefalia está impossibilitado de gozar de uma vida “normal”, quer dizer: do mesmo tipo da dos demais recém-nascidos, dentre quais ele constitui uma lamentável exceção.

 

Os partidários da prática do aborto em casos de anencefalia assumem a defesa dos direitos da mãe, pois alegam que cabe a ela, e somente a ela, decidir se quer ou não ter um filho nessa trágica condição de uma vida breve e puramente vegetativa. Mas devemos considerar que se trata realmente de um caso de escolha em que nenhum direito é aviltado, como no caso da escolha de uma mulher querer engravidar ou não?!

 

Como sabemos, a vida é o nosso maior bem e por isso mesmo se encontra no topo da hierarquia dos bens juridicamente tutelados, e isto faz com que o direito à vida seja o mais importante de todos os direitos.

 

No caso da exceção aberta para os casos de risco de morte para a mãe, o direito à vida da mãe prevaleceu em relação ao direito à vida do embrião, dando claramente a entender que o legislador considerou o primeiro mais importante do que o segundo, não importando as justificativas podendo ser apresentadas para essa opção.

 

Mas nos casos da gravidez resultante de estupro, estão em jogo o direito à vida do embrião e o sério problema gerado para a mãe: o de ter um filho de seu estuprador. E, supondo que a mãe seja casada ou amasiada, um problema gerado para seu cônjuge (parceiro): o de assumir as obrigações de pai em relação a um filho biológico de um estuprador.

 

Antes de emitirmos juízos de valor favoráveis ou desfavoráveis à abertura dessas duas exceções à norma legal, temos um espinhoso problema conceitual a ser resolvido: o que o direito brasileiro entende precisamente por “vida”? Que a vida é considerada um valor jurídico, não resta a menor dúvida; que este mesmo valor é hierarquicamente superior a todos os outros, também não há sombra de dúvida.

 

Mas qual o critério para determinar que a vida de um indivíduo humano seja superior à de outro? Mais particularmente: qual o critério para determinar que a vida da mãe seja superior à vida do embrião? E no caso do aborto da gravidez resultante de estupro, qual o critério para se considerar que outro valor qualquer – no caso o mal-estar social da mulher ou de seu possível cônjuge (parceiro) – possa se superpor ao valor que está no topo da hierarquia de bens juridicamente tutelados?

 

Além disso, uma vida puramente vegetativa e fadada à breve extinção pode ser considerada vida no sentido pleno? Uma condição semelhante a esta é a do paciente em estágio terminal. Os partidários da eutanásia positiva – aquela que interfere no curso natural das coisas induzindo a morte, distinta da negativa que consiste simplesmente em não aplicar recursos médicos de prolongamento da vida  – reivindicam a legalização da mesma sob a alegação de que uma vida puramente vegetativa não vale a pena ser vivida. Os adversários contestam dizendo que o que importa é a presença da vida, não as condições de vida.

 

Mas no caso da anencefalia, há uma diferença em relação ao paciente terminal: pois não está em jogo uma vida vegetativa sem qualquer previsão de duração, mas sim uma vida vegetativa fadada a uma breve duração. Devemos levar em consideração esta diferença ou devemos considerá-la juridicamente irrelevante?

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. O direito à vida e o caso da anencefalia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/o-direito-a-vida-e-o-caso-da-anencefalia/ Acesso em: 21 nov. 2024