Impacto da Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal
Ives Gandra da Silva Martins*
Notícia publicada na edição de 10/07/2008 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página2 do caderno A – o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
Supremo Tribunal Federal e os órgãos especiais dos Tribunais Federais e Estaduais do país, ficarão entulhados de processos, visto que para as matérias que, em controle difuso, foram levantadas questões constitucionais, todos os magistrados passarão a ser incompetentes para julgá-las
A redação ofertada pelo S.T.F. à Súmula Vinculante de nº 10 tem provocado perplexidade nos meios jurídicos e está a merecer, por parte do Pretório Excelso, maior explicitação quanto ao seu conteúdo.
É que, pela literal interpretação do texto sumulado, a partir de sua edição, nenhum magistrado de 1ª e 2ª instâncias ou de Tribunais Superiores poderá decidir sobre questões que envolvam direta ou indiretamente inconstitucionalidades, a não ser que o plenário dos Tribunais declare o dispositivo inconstitucional.
O artigo 97 da C.F. não tem dicção tão radical. Trata, apenas, de declaração formal de inconstitucionalidade, estando assim redigido: Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
A Súmula 10, cuja dicção é a seguinte: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte, não trata de declaração formal, mas de afastamento da incidência de norma inconstitucional, em controle difuso, com o que, de rigor, veda a qualquer magistrado de 1ª e 2ª instância ou dos Tribunais Superiores, monocraticamente ou em Câmaras e Turmas, decidir sobre qualquer questão que envolva a constitucionalidade de normas, para afastá-las.
O controle difuso é, portanto, fulminado pela Súmula. Os magistrados – se for esta a interpretação da Suprema Corte, que não creio – terão que se julgar incompetentes para decidir questões que envolvam, direta ou indiretamente, a alegação de incidência inconstitucional de norma. Os mandados de segurança passam a ser peças de arqueologia tributária, pois qualquer lesão a direito individual implica necessariamente uma inconstitucionalidade. As turmas e Câmaras de Direito Público perdem sua razão de ser, visto que, no que diz respeito principalmente ao direito público, o afastamento de normas quando sua incidência viola a Constituição – que conta com 344 artigos (250 normas permanentes e 94 transitórias) – é matéria recorrente em suas decisões.
Pior ainda, o Supremo Tribunal Federal e os órgãos especiais dos Tribunais Federais e Estaduais do país, ficarão entulhados de processos, visto que para as matérias que, em controle difuso, foram levantadas questões constitucionais, todos os magistrados passarão a ser incompetentes para julgá-las.
A referida Súmula, para além de desbordar do art. 97, reformula, portanto, toda a tradição do direito brasileiro, desde a introdução, há mais de 100 anos, do mandado de segurança, mediante o qual pode qualquer magistrado de 1ª instância afastar norma cuja incidência se mostre inconstitucional.
A matéria merece profunda reflexão de juristas, professores e magistrados. E da própria Suprema Corte.
* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br
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