Direito Constitucional

Gostaria de ser índio

Gostaria de ser índio

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

 

Se eu fosse índio, estaria entre a esmagadora minoria da população brasileira com direito a 12.5% de todo o território brasileiro. O Brasil tem 8.511.965 quilômetros quadrados. No dia 22 de setembro, no Diário Oficial, o Governo declarou que mais de 460.471 mil hectares na região Norte e Nordeste seriam reservas indígenas.

 

Com outras 40 reservas em demarcação, ao fim do processo, os 410.000 índios brasileiros terão 15% do território nacional enquanto os outros 180.000.000 de brasileiros 85%!!! Cada índio, portanto, terá direito a 77 vezes mais território do que os brasileiros “não índios”.

 

Os 220 povos indígenas constituídos, ao todo, de apenas 410.000 indivíduos, graças a uma errônea visão do constituinte, não só representam uma nação diferente da brasileira, como, mais do que isto, tem direito à proteção federal de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.

 

A União exerce, pois, apenas o papel de protetora dos bens que não pertencem ao Brasil. É do texto constitucional a seguinte afirmação: “São reconhecidos aos índios os direitos originais sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (artigo 231 da C.F.).

 

Por esta razão, nessas terras é vedado o ingresso de pessoas não autorizadas –repetidas vezes, autoridades governamentais são impedidas de lá entrarem–, não sendo negada, todavia, autorização a estrangeiros, muitos deles missionários.

 

Como as terras indígenas –e não brasileiras– são riquíssimas em minerais, biodiversidade e água, percebe-se que, a cobiça pode levar alguma potência mais forte que o Brasil, a entender, unilateralmente, que a União “não está protegendo adequadamente as terras que pertencem aos indígenas” –e não aos brasileiros– valendo-se desse pretexto para, com base na Constituição da República, intervir nestes territórios, inclusive “a pedido” destes privilegiados senhores nascidos no Brasil.

 

Participei, em 1991, de debate, na Alemanha, com Roberto Campos e Francisco Rezek, em que o tema da Amazônia foi colocado como dizendo respeito a terras que pertenceriam à humanidade. Tal postura recebeu forte reação, principalmente de Roberto Campos e minha –Rezek não estava no painel— o que obrigou os proponentes da tese a recuarem na proposição, que embora acadêmica, exteriorizava forma de pensar de muitos dos participantes estrangeiros.

 

Certa vez, em sustentação oral perante o pleno do Supremo Tribunal Federal, em defesa da Zona Franca de Manaus, principal pólo de desenvolvimento da região, mostrei a importância de se povoar a região para que outras nações, mais fortes e belicosas, não se interessem em lá se estabelecer para “protegerem os índios, que são uma nação diferente da brasileira pela lei maior”. E citei, inclusive, expoentes militares de países desenvolvidos, em manifestações veiculadas por jornais, que diziam que as nações desenvolvidas deveriam estar preparadas para intervir na Amazônia, quando necessário. Preocupante material foi-me fornecido, na ocasião, pelo brilhante economista e vice-governador do Estado de Amazonas, Samuel Hannan.

 

O resultado favorável ao Estado do Amazonas (10 x 0), teve, nas figuras do Ministro Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, os grandes defensores da relevância em se fortalecer a soberania nacional na região.

 

Infelizmente, a decisão do governo de criar dois Brasis, um, sujeito ao governo brasileiro, e outro, apenas por ele protegido, à evidência, poderá despertar, no futuro, interesses de outras nações –além da pirataria na biodiversidade que nações estrangeiras já exercem beneficiando-se do estatuto privilegiado dos indígenas.

 

Estou convencido de que, quando a “questão terrorista” for solucionada –e já teria sido solucionada, se mais hábil fosse o exterminador do Iraque (Presidente Bush)–, os 15% do território indígena –que, segundo a Constituição, lhes pertence e não aos brasileiros– poderá ser objeto dos gordos olhos das nações mais desenvolvidas.

 

Até lá, só lamento ser um modesto brasileiro, entre outros cento e oitenta milhões, que pode livremente circular apenas por 85% do território nacional, e não um indígena, com o direito de circular por 100% dele e possuir 1/410.000 de 15% das terras brasileiras que lhes pertence e não a nós comuníssimos e desprotegidos mortais.

 

Como eu gostaria de ser índio … E creio que externo o desejo de todos os brasileiros, principalmente dos mais pobres.

 

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Gostaria de ser índio. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/gostaria-de-ser-indio/ Acesso em: 30 dez. 2024