Direito Constitucional

Estatuto Jurídico-Constitucional dos Congressistas Brasileiros

Mayara Rayanne Oliveira de Almeida[1]

 RESUMO

O presente estudo científico tem por objetivo tecer considerações acerca do Estatuto Jurídico-Constitucional dos Congressistas Brasileiros. O tema será abordado em linhas gerais, destacando o seu conceito, as prerrogativas, as imunidades, as inviolabidades, os direitos e as proibições dos parlamentares brasileiros.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Parlamentares. Imunidades. Inviolabilidades.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por desiderato discorrer acerca do Estatuto jurídico-constitucional dos congressitas brasileiros.

A priori, busca-se uma análise conceitual do tema para, em seguida, discorrer sobre as prerrogativas e imunidades parlamentares a que os Deputados Federais e Senadores da República, bem como os Deputados Estaduais, Deputados Distritais e vereadores são titulares.

Com efeito, chama-se de estatuto dos congressistas ao conjunto de preceitos encartados na Constituição Federal, os quais elencam as prerrogativas, os direitos, os deveres e as incompatibilidades dos membros do Congresso Nacional.

Dada a relevância do tema, a seguir, abordaremos as principais questões a ele atinentes.

2. PRERROGATIVAS

Como garantia de independência do Poder Legislativo, houve previsão constitucional de uma série de prerrogativas para os congressistas em prol de sua maior liberdade de atuação parlamentar.

As prerrogativas asseguradas aos parlamentares não se estendem aos suplentes, enquanto permanecerem nessa condição, porém os deputados e senadores licenciados para ocupar cargo de ministro ou de secretário de Estado ficam com as imunidades materiais e formais suspensas, mas mantêm a prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal[2]. Por sua vez, também decidiu o STF[3] que, “não se achando o congressista protegido pela imunidade parlamentar, no momento do fato delituoso, a posterior reassunção das funções legislativas não o torna protegido pela mencionada imunidade”.

As prerrogativas são o gênero e no qual se inserem como espécies, dentre outras, as imunidades material e formal, o foro privilegiado por prerrogativa de função, a limitação ao dever de testemunhar, a isenção ao serviço militar.

2.1. Imunidades

2.1.1. Introdução

Nas palavras de Michel Temer[4], com a previsão das imunidades parlamentares, “garante-se a atividade do parlamentar para garantir a instituição. Conferem-se a deputados prerrogativas com o objetivo de lhes permitir o desempenho livre, de molde a assegurar a independência do Poder que integram”.

Chama-se, portanto, de imunidades parlamentares determinadas prerrogativas constitucionais atribuídas com o afã de garantir o pleno exercício do mandato aos parlamentares e garantir-lhes independência de atuação.

Existem, a propósito, duas imunidades constitucionais previstas em prol dos parlamentares: a) imunidade material, real, substantiva ou inviolabilidade; e b) imunidade formal, processual, adjetiva ou imunidade propriamente dita.

2.1.2.Imunidade material, real, substantiva ou inviolabilidade

Não há democracia sem imunidade material, eis que intrinsecamente relacionada ao exercício parlamentar e à liberdade de expressão (“freedom of speech”).

Ela consiste na exclusão da responsabilidade penal e civil do agente público por suas opiniões, palavras e votos, que consistem na essência da atividade livre e independente que há de existir na atuação parlamentar em geral.

Não significa, por óbvio, que a imunidade é do agente político, mas do cargo. Daí não se estender ao corréu essa prerrogativa, conforme ensinamento contido na Súmula 245 do STF[5].

A matéria está expressamente prevista no caput do art. 53 da CF, com redação determinada pela EC n. 35/01: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

É preciso identificar, no entanto, qual o alcance do dispositivo constitucional em comento. Será que os parlamentares são irresponsáveis por quaisquer de suas manifestações?

Segundo orientação do STF, a inviolabilidade é absoluta apenas quando a manifestação é proferida no recinto da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, notadamente na tribuna parlamentar. Nesse sentido, os três julgados a seguir:

1) Imunidade parlamentar material: ofensa irrogada em plenário, independente de conexão com o mandato, elide a responsabilidade civil por dano moral. [STF, RE 577.785, AgR., rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 1º-2-2011, 1ª T, DJE de 21-2-2011]; e

2) Inquérito. Ação penal privada. Queixa-crime oferecida contra deputado federal e jornalista. Pretensas ofensas praticadas pelo primeiro querelado e publicadas pela segunda querelada em matéria jornalística (…). As afirmações tidas como ofensivas pelo querelante foram feitas no exercício do mandato parlamentar, por ter o querelado se manifestado na condição de deputado federal e de presidente da Câmara, não sendo possível desvincular aquelas afirmações do exercício da ampla liberdade de expressão, típica da atividade parlamentar (art. 51 da CR). O art. 53 da CR dispõe que os deputados são isentos de enquadramento penal por suas opiniões, palavras e votos, ou seja, têm imunidade material no exercício da função parlamentar. Ausência de indício de animus difamandi ou injuriandi, não sendo possível desvincular a citada publicação do exercício da liberdade de expressão, própria da atividade de comunicação (art. 5º, IX, da CR). Não ocorrência dos crimes imputados pelo querelante [STF, Inq. 2.297, rel. min. Cármen Lúcia, j. 20-9-2007, P, DJ de 19-10-2007].

No entanto, quando a manifestação do congressista é dada fora das dependências da Casa legislativa, é preciso perquirir a chamada “conexão com o exercício do mandato ou com a condição de parlamentar” para se saber se haverá ou não a sua responsabilidade civil e penal. Nesse diapasão, os três julgados do STF:

1) A prerrogativa indisponível da imunidade material – que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) – não se estende a palavras, nem a manifestações do congressista, que se revelem estranhas ao exercício, por ele, do mandato legislativo. A cláusula constitucional da inviolabilidade (CF, art. 53, caput), para legitimamente proteger o parlamentar, supõe a existência do necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício congressional, de outro. [STF, Inq 2.915, rel. min. Luiz Fux, j. 9-5-2013, P, DJE de 31-5-2013];

2) Com o advento da EC 35, de 20-12-2001, que deu nova redação ao art. 53 da CF, de 5-10-1988, os deputados e senadores (gozam) de imunidade material, por suas opiniões, palavras e votos, proferidos, obviamente, no exercício do mandato ou em razão dele. Por crimes de outra natureza, respondem os parlamentares, perante esta Corte, agora sem necessidade de prévia licença da respectiva Casa Legislativa, como exigia o § 1º do art. 53 da CF, em sua redação originária [STF, Inq 1.710, rel. min. Sydney Sanches, j. 27-2-2002, P, DJ de 28-6-2002]; e

3) Malgrado a inviolabilidade alcance hoje “quaisquer opiniões, palavras e votos” do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, não cobre as ofensas que, ademais, pelo conteúdo e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de deputado ou senador do agente [STF, Inq. 1.344, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 7-8-2002, P, DJ de 1º-8-2003].

A imunidade material, a propósito, tem recebido, no plano doutrinário, no que concerne à extensão e aos seus limites, a seguinte classificação: a) quanto ao espaço: alcança todas as declarações feitas pelos deputados e senadores em qualquer parte do território nacional; b) quanto ao conteúdo: quando proferida fora das tribunas das Casas legislativas, é indispensável a comprovação do nexo de causalidade entre a manifestação do parlamentar e a qualidade de congressista; e c) quanto ao tempo: é preciso que o parlamentar tenha praticado a conduta durante o período do exercício do mandato eletivo, ou seja, não pode estar licenciado ou afastado das funções.

A inviolabilidade ou imunidade material, nos mesmos moldes fixados para os parlamentares federais, se estende aos deputados estaduais (CF, art. 27, § 1º), bem como aos deputados distritais (CF, art. 32, § 3º).

No que concerne aos vereadores, também há previsão de imunidade substancial, mas apenas por opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato eletivo e na circunscrição do Município (CF, art. 29, VIII). Nesse diapasão, o STF se posicionou em decisão assim ementada:

EMENTA: VEREADOR. IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL: INVIOLABILIDADE (CF, art. 29, VIII). DISCURSO PROFERIDO POR VEREADOR NA TRIBUNA DA CÂMARA MUNICIPAL À QUAL SE ACHA VINCULADO. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PENAL E CIVIL DO MEMBRO DO PODER LEGISLATIVO DO MUNICÍPIO. PRESSUPOSTOS DE INCIDÊNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. PRÁTICA “IN OFFICIO” E PRÁTICA “PROPTER OFFICIUM”. RECURSO IMPROVIDO.

1) A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 29, VIII, c/c o art. 53, “caput”) exclui a responsabilidade civil (e também penal) do membro do Poder Legislativo (Vereadores, Deputados e Senadores), por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática “in officio”) ou externadas em razão deste (prática “propter officium”).

2) Tratando-se de Vereador, a inviolabilidade constitucional que o ampara no exercício da atividade legislativa estende-se às opiniões, palavras e votos por ele proferidos, mesmo fora do recinto da própria Câmara Municipal, desde que nos estritos limites territoriais do Município a que se acha funcionalmente vinculado. Precedentes.

3) A EC nº 35/2001, ao dar nova fórmula redacional ao art. 53, “caput”, da Constituição da República, consagrou diretriz, que, firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 177/1375-1376, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), já reconhecia, em favor do membro do Poder Legislativo, a exclusão de sua responsabilidade civil, como decorrência da garantia fundada na imunidade parlamentar material, desde que satisfeitos determinados pressupostos legitimadores da incidência dessa excepcional prerrogativa jurídica.

4) Essa prerrogativa político-jurídica – que protege o parlamentar (como os Vereadores, p. ex.) em tema de responsabilidade civil – supõe, para que possa ser invocada, que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, salvo se as declarações contumeliosas houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional. Doutrina. Precedentes.

5) Se o membro do Poder Legislativo, não obstante amparado pela imunidade parlamentar material, incidir em abuso dessa prerrogativa constitucional, expor-se-á à jurisdição censória da própria Casa legislativa a que pertence (CF, art. 55, § 1º). Precedentes: RE 140.867/MS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno) – Inq 1.958/AC, Rel. p/ o acórdão Min. AYRES BRITTO (Pleno) [STF, AI 631276, Relator: Min. CELSO DE MELLO, julgado em 01/02/2011, DJe 15/02/2011).

Em resumo, a imunidade material, real, substantiva ou inviolabilidade consiste na exclusão da responsabilidade penal e civil do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos, quando proferidas em qualquer parte do território nacional. Ela pode ser: a) absoluta: quando a manifestação tiver ocorrido no recinto da Casa Legislativa, notadamente na tribuna; ou b) relativa: quando o fato tiver sido praticado fora das dependências do parlamento, ocasião em que haverá a exclusão da responsabilidade se comprovado o “nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício congressional, de outro”. Abrange os senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores, mas, quanto a estes, exige-se que a manifestação tenha se dado no exercício do mandato eletivo e na circunscrição do Município.

2.1.3. Imunidade formal

2.1.3.1. Imunidade formal processual

Nas palavras de Guilherme Peña de Moraes[6], “a imunidade formal, correlativa ao Direito Processual Penal, pode importar a improcessabilidade dos membros do Poder Legislativo, uma vez que não exclui a configuração da infração penal, embora limite a efetuação da prisão ao flagrante de crime inafiançável, havendo a instauração de inquérito e processo criminal, entretanto, o andamento da ação pode ser suspenso por iniciativa de partido político com representação na Câmara dos Deputados e/ou Senado Federal, ad literam art. 53, §§ 2.º, 3.º, 4.º, 5.º e 8.º, da CRFB”.

De fato, a imunidade formal, processual, adjetiva ou imunidade propriamente dita não exclui a prática do crime, mas estabelece regras especiais sobre prisão e processo penal de parlamentares.

A matéria está tratada nos §§ 2º ao 5.º e 8º do art. 53 da Constituição Federal, com redação determinada pela EC n. 35/01, dos quais, a partir de uma interpretação sistemática, se extraem:

a) não há qualquer vedação ou proibição para se instaurar investigação criminal (inquérito policial ou termo circunstanciado de ocorrência) contra membro do Congresso Nacional, bem como, não há necessidade de prévia autorização do parlamento para o Ministério Público propor ação penal contra qualquer parlamentar perante o órgão jurisdicional competente. No entanto, recebida a denúncia (também a queixa-crime) contra deputado federal ou senador, por crime ocorrido após a diplomação, o STF deve dar ciência à Casa respectiva (Câmara dos Deputados ou Senado Federal), que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação;

b) o pedido de sustação processual deve ser apreciado pela Casa legislativa no prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela Mesa Diretora; e

c) a sustação do processo penal gera, concomitantemente, a suspensão da prescrição pelo prazo enquanto durar o mandato[7].

É digno de registro que as imunidades dos parlamentares subsistirão inclusive durante o estado de sítio. Nessa hipótese, tais prerrogativas somente serão suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional e desde que incompatíveis com a execução da medida.

As regras da imunidade formal se aplicam aos deputados estaduais (CF, art. 27, § 1.º) e aos deputados distritais (CF, art. 32, § 3.º), mas não se estendem aos vereadores.

2.1.3.2. Imunidade formal à prisão

Segundo o inc. LXI do art. 5.º da CF, ninguém poderá ser preso no Brasil, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, nos termos da lei.

Nota-se que, excluindo a hipótese de crime militar ou transgressão militar, nos termos da lei, para que alguém venha a ser presa, é necessário que se expeça um mandado de prisão ou haja a ocorrência do flagrante de delito.

Os parlamentares, desde a expedição do diploma, contudo, não poderão ser presos em flagrante, exceto em caso de crime inafiançável.

Ademais, quando da prática de crime inafiançável por parlamentar, os autos deverão ser encaminhados, no prazo de 24 horas, à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a custódia.

As mesmas prerrogativas gozam os deputados estaduais e deputados distritais, ou seja, em havendo prisão por crime inafiançável de algum deles, os autos relativos à custódia devem ser encaminhados, no prazo de 24 horas, à respectiva Casa Legislativa (Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital) para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

Vereadores não são titulares dessa prerrogativa.

2.2. Foro privilegiado por prerrogativa de função

As prerrogativas de função não são pessoais, mas fixadas em razão do cargo relevante ocupado pelo parlamentar. Elas são aplicadas a partir da diplomação e enquanto a pessoa for titular de mandato eletivo. Em outras palavras, cessado o exercício do mandato, estanca-se tal garantia e o processo deve ser remetido para a primeira instância. Nesse sentido, decidiu o STF[8]: “a prerrogativa de foro perde a sua razão de ser, deixando de incidir e de prevalecer se aquele contra quem foi instaurada a persecução penal não mais detém o ofício público cujo exercício representava o único fator de legitimação constitucional da competência penal originária da Corte Suprema, ainda que a prática delituosa tenha ocorrido durante o período de atividade funcional”.

Os membros do Congresso Nacional, desde a diplomação, são submetidos a processo e julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 53, § 1.º c/c art. 102, inc. I, b).

Os deputados estaduais e do Distrito Federal são processados e julgados pelo Tribunal de Justiça local, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Os vereadores não gozam de prerrogativa de função e são processados e julgados como cidadãos comuns perante o juízo de primeiro grau de jurisdição.

2.3. Limitação ao dever de testemunhar

Os parlamentares não estão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações. Aplicam-se tais garantias aos deputados estaduais e do Distrito Federal, mas não aos vereadores.

Essa imunidade não é absoluta, eis que, como sói acontecer, é necessária a existência de nexo de causalidade com o exercício do mandato, isto é, somente haverá exclusão do dever de testemunhar se, no caso concreto, as informações foram colhidas ou prestadas ao congressista em razão do exercício do mandato eletivo.

Ausente o supracitado nexo de causalidade, o dever de testemunhar é obrigação a todos imposta, inclusive aos parlamentares, mas, nos termos do caput do art. 221 do Código de Processo Penal[9], há a prerrogativa legal de estes informarem o dia, a hora e local para ser inquirido. Não o fazendo, caberá ao magistrado fixar a data e o local de sua inquirição, conforme já decidiu do STF:

O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em ação penal no sentido de declarar a perda da prerrogativa prevista no caput do art. 221 do CPP (“O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.”) em relação a Deputado Federal arrolado como testemunha que, sem justa causa, não atendera, ao chamado da justiça, no prazo de trinta dias.

Na espécie, o juízo federal encarregado da diligência informara que o parlamentar em questão, embora tivesse indicado cinco diferentes datas e horários em que desejava ser inquirido, não comparecera a nenhuma das audiências designadas nessas datas por ele indicadas.

Asseverou-se que a regra prescrita no art. 221 do CPP tenta conciliar o dever que todos têm de testemunhar com as relevantes funções públicas exercidas pelas autoridades ali mencionadas, por meio de agendamento prévio de dia, hora e local para a realização de audiência em que essas autoridades serão ouvidas.

Afirmou-se que o objetivo desse dispositivo legal não seria abrir espaço para que essas autoridades pudessem, simplesmente, recusar-se a testemunhar, seja não indicando a data, a hora e o local em que quisessem ser ouvidas, seja não comparecendo aos locais, nas datas e nos horários por elas indicados.

Em razão disso, concluiu-se que, sob pena de admitir-se que a autoridade, na prática, pudesse, indefinidamente, frustrar a sua oitiva, dever-se-ia reconhecer a perda da sua especial prerrogativa, decorrido tempo razoável sem que ela indicasse dia, hora e local para sua inquirição ou comparecesse no local, na data e na hora por ela mesma indicados.

Registrou-se, por fim, que essa solução não seria nova no cenário jurídico brasileiro, tendo em conta o disposto no § 7º do art. 32 da EC 1/69, incluído pela EC 11/78, que estabelecia a perda das prerrogativas processuais de parlamentares federais, arrolados como testemunhas, que não atendessem, sem justa causa, no prazo de trinta dias, ao convite judicial. O Min. Celso de Mello observou que essa prerrogativa processual muitas vezes é utilizada para procrastinar intencionalmente o regular andamento e o normal desfecho de causa penal em andamento na Corte, e que a proposta formulada pelo relator seria plenamente compatível com a exigência de celeridade e seriedade por parte de quem é convocado como testemunha para depor em procedimentos judiciais [STF, AP 421 QO/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.10.2009].

2.4. Isenção do serviço militar

No Brasil, o serviço militar é obrigatório (CF, art. 143).

Os membros do Congresso Nacional, bem como os parlamentares estaduais e do Distrito Federal, no entanto, mesmo quando ex-militares e ainda que em tempo de guerra, somente serão incorporados às Forças Armadas se houver licença prévia da Casa legislativa que venha a integrar. Em outras palavras, qualquer parlamentar, ex-militar ou não, somente poderá ser incorporado ao serviço militar se o parlamento assim o autorizar.

3. DIREITOS

São assegurados, implícita ou explicitamente, diversos direitos pelo regular exercício da função parlamentar, tais como, além da participação nos trabalhos legislativos, a percepção de subsídio (retribuição financeira) mensal, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer vantagem remuneratória, de valor idêntico para deputados federais e senadores[10].

4. PROIBIÇÕES OU INCOMPATIBILIDADES DOS PARLAMENTARES

Com o afã de assegurar e garantir o livre exercício do mandato eletivo e a isenta atuação do Poder Legislativo, a CF[11] estabeleceu, em contrapartida aos direitos e prerrogativas, um rol de proibições, também chamadas de incompatibilidades, aos deputados e senadores.

Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle Nunes[12] informam que tais proibições trazem também como objetivo impedir a ocorrência do delito do tráfico de influência, nos seguintes termos: “Percebe-se claramente que as incompatibilidades estabelecidas no dispositivo em comento possuem, em comum, o escopo de evitar que o congressista exerça tráfico de influência, utilizando a importância que decorre do mandato legislativo que exerce, para aferir benefícios particulares, inclusive, em detrimento do interesse público, violando o princípio da igualdade”.

A violação a essas incompatibilidades pode ensejar ao parlamentar, a título de sanção, a perda do mandato eletivo.

Por seu turno, a Lei das Inelegibilidades (LC n.º 64/90), alterada pela Lei da Ficha Limpa (LC n.º 135/10), quando da decretação da perda do cargo eletivo, ampliou o prazo de inelegibilidade do parlamentar para oito anos[13].

O art. 54 da Lei Ápice, portanto, estabelece algumas incompatibilidades a partir da diplomação (que é o ato solene, de competência da Justiça Eleitoral, através do qual se entrega ao candidato eleito um documento intitulado diploma, que lhe assegura o direito ao exercício do mandato) e outras tendo por lapso temporal a posse ou a investidura.

Com efeito, desde a diplomação, os parlamentares estão proibidos de: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; ou b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis “ad nutum”, nas entidades constantes da alínea anterior.

Por seu turno, desde a posse, os congressistas não poderão: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas na alínea a do parágrafo anterior; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere a alínea a do parágrafo anterior; ou d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

As citadas proibições ou incompatibilidades são classificadas doutrinariamente em quatro grupos: a) funcionais; b) negociais; c) políticas; e d) profissionais.

Vejamo-las.

4.1. Incompatibilidades funcionais

As incompatibilidades funcionais impedem os parlamentares de, cumulativamente com o mandato:

a) desde a expedição do diploma: aceitar ou exercer outro cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo o de ministro de Estado, governador de Território, secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária (CF, art. 54, I, “b” c/c art. 56, I). Agregue-se, contudo, que mesmo nessas hipóteses excepcionais, os parlamentares devem se licenciar do mandato eletivo, que passará a ser exercido pelo suplente (CF, art. 56, § 1.º), eis que não podem acumular, por exemplo, um cargo de deputado federal com um de ministro de Estado; ou

b) desde a posse: ocupar cargos ou funções de que sejam demissíveis ad nutum nas entidades acima elencadas (CF, art. 54, II, “b”), ou seja, não se admite que os deputados e senadores exerçam mandato eletivo e ocupem cargos ou funções demissíveis ad nutum (cargos comissionados, funções de confiança ou contratos de experiência) em pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. Há aparente redundância entre essa hipótese constitucional com a prevista no item anterior, mas não há como confundi-las, sendo que a primeira, estatuída desde a expedição do diploma, o congressista não pode “aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado”, seja ou não demissível ad nutum e, nesta segunda situação, prevista desde a posse, veda-se ao parlamentar apenas “ocupar cargo ou função de que sejam demissível ad nutum”, mas em ambos os casos, nas mesmas entidades então elencadas.

4.2. Incompatibilidades negociais (CF, art. 54, I, “a”)

As incompatibilidades negociais vedam aos congressistas, desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando obedecer a cláusulas uniformes.

Nota-se que se veda ao parlamentar a prática de atividade negocial ou a manutenção de contrato anteriormente firmado com as entidades acima elencadas, exceto quando o instrumento contratual obedecer a cláusulas uniformes.

Não obstante o tema não ser unânime, prevalece o entendimento segundo o qual cláusulas uniformes encontram-se contidas em contratos de adesão, nos quais a entidade fixa unilateralmente todas as cláusulas contratuais, sem que haja possibilidade de negociação pelo contratado.

Destarte, não haverá proibição, por exemplo, de um deputado ou senador firmar um contrato de seguro ou de cheque especial com o Banco do Brasil ou celebrar um contrato de fornecimento de água e esgoto com uma companhia estadual, eis que tais instrumentos contratuais obedecem a cláusulas uniformes (são espécies de contratos de adesão) e, em princípio, não geram ao parlamentar qualquer privilégio ou vantagem indevida em detrimento das demais pessoas, bem como estaria assegurado o princípio da isonomia.

4.3. Incompatibilidades políticas

As incompatibilidades políticas impedem que os parlamentares, desde a posse, sejam simultaneamente titulares de mais de um cargo ou mandato eletivo.

Veja-se que o texto constitucional se refere a cargo ou mandato eletivo. Dessa forma, é vedado o exercício simultâneo, exempli gratia, do cargo de presidente da República com o mandato de vice-prefeito ou o cargo de governador de Estado ou prefeito municipal com o de suplente de senador, bem como não se admite que alguém exerça ao mesmo tempo os cargos de deputado federal e vice-prefeito.  

4.4. Incompatibilidades profissionais

As incompatibilidades profissionais proíbem, desde a posse, que deputados e senadores: a) sejam proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; ou b) patrocinem causa[14] em que seja interessada pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público.

5. PERDA DO MANDATO

Em prol do interesse público e da probidade da Administração Pública, nos termos dos incs. I a VI do art. 55 da Constituição Federal, perderá o mandato o deputado ou senador:

a) que infringir quaisquer das proibições (incompatibilidades) contidas no art. 54, incs. I e II, da Lei Ápice;

b) cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

c) que não comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

d) que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

e) quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos na Constituição Federal; ou

f) que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Estudemo-los.

5.1. Perda do mandato eletivo por infringência das incompatibilidades constitucionais

Conforme já estudado, não poderão os deputados e senadores, nos termos dos incs. I e II do art. 54 da CF:

I) desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando obedecer a cláusulas uniformes; ou b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas anteriormente; e

II) desde a posse: a) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades referidas anteriormente; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades referidas anteriormente; ou d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

O parlamentar que infringir tais regras atinentes às incompatibilidades receberá como sanção a perda do mandato eletivo.

Essa perda do mandato eletivo, segundo o § 2.º do 55 da CF, dependerá de decisão da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal (plenário), por maioria absoluta, em votação aberta[15], por provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.

5.2. Perda do mandato eletivo por quebra do decoro parlamentar

O que vem a ser decoro parlamentar?

O § 1.º do art. 55 da CF estabelece ser incompatível com o decoro parlamentar o abuso das prerrogativas asseguradas aos deputados e senadores, a percepção de vantagens indevidas, bem como as práticas assim elencadas e definidas no regimento interno de cada Casa legislativa.

A Câmara dos Deputados, exempli gratia, aborda a matéria no art. 244 de seu regimento interno e no seu Código de Ética e Decoro Parlamentar (Resolução n.º 25/01), nos arts. 4.º e 5.º.

Entendemos, não obstante a matéria não ser pacificada, que as hipóteses de quebra de decoro parlamentar não são apenas as previstas na CF ou nos regimentos internos, mas todas aquelas em que o agente abusar de suas prerrogativas institucionais, exercer o mandato para aferir benefícios particulares para si ou para outrem ou obtiver vantagens indevidas em razão do cargo eletivo.

A extinção do mandato por quebra do decoro parlamentar nesse caso, contudo, também dependerá de decisão do plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por votação aberta e maioria absoluta, mediante a provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa (CF, art. 55, § 2.º).

5.3. Perda do mandato eletivo por não comparecimento ao trabalho legislativo

O deputado ou senador que não comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias, respectivamente, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada, receberá como sanção a perda do mandato eletivo (CF, art. 55, inc. III).

A perda do mandato nessa hipótese, entrementes, segundo o § 3.º do 55 da CF, deverá ser declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.

5.4. Perda do mandato eletivo por perda ou suspensão dos direitos políticos

Segundo a Lei Maior, não haverá cassação de direitos políticos no Brasil, mas é possível a sua perda ou suspensão apenas e tão-somente nos casos de: a) cancelamento de naturalização por sentença transitada em julgado; b) incapacidade civil absoluta; c) condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos[16]; d) recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa; ou e) improbidade administrativa (CF, art. 15, incs. I a V).

Por seu turno, estabelece o inc. IV do art. 55 da Lei Ápice, acrescentado pela Emenda Constitucional de Revisão n.º 6, de 7 de julho de 1994, que perderá o mandato o deputado ou senador que perder ou tiver suspensos os direitos políticos.

Destarte, sempre que houver a decretação da perda ou da suspensão dos direitos políticos de alguém titular de cargo eletivo, haverá de ser decretada a perda do respectivo mandato, que, nos mesmos termos do § 3.º do art. 55 da CF, será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.

5.5. Perda do mandato eletivo por decisão da Justiça Eleitoral

Haverá a perda do mandato eletivo quando de decisão proferida pela Justiça Eleitoral, nos casos definidos constitucionalmente (CF, art. 55, inc. V).

Com efeito, existem diversos casos constitucionalmente previstos que podem ensejar a decretação da perda do mandato eletivo por decisão da Justiça Eleitoral, tais como:

a) a ação de impugnação de mandato eletivo (CF, art. 14, §§ 10 e 11): a AIME poderá ser apresentada à Justiça Eleitoral, no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a demanda com provas do abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (“ocorridos durante a campanha eleitoral”)[17]. Tal demanda deve tramitar em segredo de justiça, bem como haverá a possibilidade de responsabilização do autor quando, na forma da lei, dela se utilizar de forma temerária ou de manifesta má-fé. A procedência do pedido enseja como sanção, dentre outras, a perda do mandato eletivo;

b) as ações que versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas (CF, art. 121, § 4.º, inc.  III): basicamente duas são as ações eleitorais que tratam sobre inelegibilidade e expedição de diplomas, quais sejam, a ação de impugnação de registro de candidaturas (AIRC) e o recurso contra a expedição de diploma (RCD). Com a inelegibilidade decretada ou a nulidade do diploma expedido, em quaisquer das duas ações, o candidato eleito perderá o direito de exercer o mandato ou, se estiver a exercê-lo, terá decretada, pela Justiça Eleitoral, a perda do cargo eletivo; e

c) as ações que anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos (CF, art. 121, § 4.º, inc. IV): em sede de investigação judicial eleitoral (AIJE)[18] ou de ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), é possível que a Justiça Eleitoral decrete a cassação do registro e do diploma, a anulação dos votos, bem como a perda do mandato eletivo por prática de abuso do poder econômico, abuso do poder político, uso abusivo dos meios de comunicação, dentre outras condutas em lei elencadas.

Nas hipóteses supra e exemplificativamente mencionadas, quando a Justiça Eleitoral vier a decretar a perda do mandato eletivo do parlamentar, incumbirá a Mesa da Casa respetiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada a ampla defesa.

5.6. Perda do mandato eletivo por condenação criminal

Reza o inc. VI do art. 55 da CF que perderá o mandato o deputado ou o senador “que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”.

Conforme visto, os parlamentares podem vir a ser processados criminalmente, perante o órgão jurisdicional competente, nos termos das regras fixadas para o foro privilegiado por prerrogativa de função.

Não havendo sustação do processo penal pelo voto da maioria dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, conforme previsto nos §§ 3.º e 4.º do art. 53 da CF, o parlamentar poderá vir a ser condenado e a decisão condenatória vir a transitar em julgado.

Quando da condenação criminal transitada em julgado, faz-se necessário, todavia, que a decretação da perda do mandato eletivo seja decidida pela maioria dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa (CF, art. 55, § 3.º).

Em outras palavras, a cassação do mandato em caso de condenação criminal transitada em julgado não é automática, eis que caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal, pela maioria absoluta do plenário, assegurada a ampla defesa, definir se há ou não impedimento para o concomitante exercício do cargo eletivo e a sanção penal imposta Nesse diapasão, lecionam Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle Nunes[19]: “Nessa esteira, terá o congressista que responder a processo de cassação pela hipótese do inciso VI do art. 55, exercendo a ampla defesa, a oportunidade de demonstrar que o crime cometido não possui gravidade com relevância tal que possa comprometer a sua atuação parlamentar. Esse é o ponto de estofo da ressalva constitucional. Mas, ainda assim, cabe a seguinte questão: afinal, que tipo de crime, estando a sentença transitada em julgado, seria grave o suficiente para ensejar a perda automática do mandato, incidindo-se o inciso IV e o § 3.º, e qual acarretaria a necessidade de instauração de um processo de cassação, nos termos do inciso VI e do § 2.º?”.

6. RENÚNCIA E PROCESSO DE CASSAÇÃO DE MANDATO ELETIVO

Muito se discutiu em sede doutrinária se a renúncia do parlamentar ao mandato eletivo traria ou não como consequência a perda do objeto e a consequente extinção do processo de cassação.

A questão, hodiernamente, não mais gera qualquer discussão, eis que a Emenda Constitucional de Revisão n.º 6, de 7.06.1994, acrescentou o § 4.º ao art. 55 da CF, com a seguinte redação: “A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2.º e 3.º”.

Destarte, nada impede de o parlamentar vir a renunciar ao cargo eletivo a qualquer tempo, mas se o fizer após iniciado o processo de cassação, nas hipóteses constitucionais ora examinadas, a renúncia terá seus efeitos suspensos até a deliberação final processual, quando, se for o caso, a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal poderá decretar a própria perda e não a renúncia do mandato eletivo.

7. CONVOCAÇÃO DE SUPLENTE

Haverá a convocação do suplente de deputado ou de senador, quando da perda do mandato parlamentar e nos demais casos de vaga, de investidura em certos cargos admitidos constitucionalmente ou na hipótese de licença superior a cento e vinte dias.

Se não existir suplente a ser convocado, bem como faltarem mais de quinze meses para o término do mandato, conforme determinação contida no art. 56, § 2º da Lei Maior, far-se-á eleição suplementar.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se que os parlamentares brasileiros, segundo previsão constitucional, possuem uma série de direitos e prerrogativas para o bom desempenho do mandato parlamentar.

Essas garantias e prerrogativas constitucionais, no entanto, devem ser exercidas em prol do mandato, sem abuso ou desrespeito ao comando constitucional.

Esperamos ter contribuído para o debate e conhecimento do tema ora discorrido.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2015.

STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; e NUNES, Dierle. Comentários à constituição do brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998.



[1] Mayara Rayanne Oliveira de Almeida é bacharela em Direito. Pós-graduanda em Direito Civil, Processual Civil e Consumidor pela FESP Faculdades. Advogada militante em João Pessoa/PB (OAB/PB 23.567).

[2] Conf. STF, Inq. 777-QO, Rel. Min. Moreira Alves, j. 2.09.93, DJ de 1º.10.93.

[3] Conf. STF, Pet. 948, Rel. Min. Francisco Rezek, j. 26.09.1994, DJ de 30.09.1994.

[4] TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 129.

[5] Súmula 245, STF: “A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa”. No mesmo sentido já vinha decidindo o Pretório Excelso: “competência penal originária por prerrogativa de função: atração, por conexão ou continência, do processo contra corréus do dignitário, que, entretanto, não é absoluta, admitindo-se a separação, entre outras razões, se necessária para obviar o risco de extinção da punibilidade pela prescrição, cujo curso só se suspende em relação ao titular da imunidade parlamentar, desde a data do pedido de licença prévia: jurisprudência do Supremo Tribunal.” (STF, Inq. 1720 QO, Relator: Ministro Sepúlveda Pertence, pleno, j. em 21.6.2001, DJe de 14.12.2001). No mesmo pensar: “Inquérito – Denúncia oferecida contra deputado federal e coacusados que não são parlamentares – Ausência de deliberação da Câmara dos Deputados sobre o pedido de licença que lhe foi dirigido pelo Supremo Tribunal Federal – Suspensão da prescrição penal – Termo inicial – Inaplicabilidade dessa causa suspensiva aos codenunciados que não dispõe de imunidade parlamentar – Separação do procedimento penal (CPP, art. 80) – Consequências – Precedentes do STF.” (STF, Inq. 242, QO, Relator: Ministro Celso de Mello, pleno, j. em 26.8.1993, DJe de 27.10.1994).

[6] MORAES, Guilherme Peña de. Curso de direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2015, p. 447.

[7] Segundo posicionamento adotado pelo STF, a sustação do processo penal em face de congressista não se estende aos coautores ou partícipes da infração penal que não sejam titulares de mandato eletivo, devendo contra eles prosseguir a ação penal, bem como continuar a correr a prescrição.

[8] Conf. STF, Inq. N.º 1.554, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.09.1999, DJ 14.10.1999.

[9] O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz (CPP, art. 221, caput).

[10] É da competência exclusiva do Congresso Nacional fixar idêntico valor para o subsídio dos Deputados Federais e Senadores da República (CF, art. 49, VII, com redação determinada pela EC n. 19/98).

[11] Apenas a Constituição do Império de 1824 não trouxe regra própria acerca do tema sob disceptação. Todas as Constituições Republicanas expressamente dispuseram de regramento específico: a) CF de 1891: art. 23; b) CF de 1934: art. 33; c) CF de 1937: art. 44; d) CF de 1946: art. 48; e) CF de 1967: art. 36; e f) EC n.º 01 de 1969: art. 34.

[12] STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; e NUNES, Dierle. Comentários à constituição do brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1079.

[13] A quase totalidade das inelegibilidades previstas na LC n.º 64/90 teve prazo ampliado para oito anos. São exemplos: Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: b) os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura; […]. d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena; e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 8. de redução à condição análoga à de escravo; 9. contra a vida e a dignidade sexual; e 10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos; g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; i) os que, em estabelecimentos de crédito, financiamento ou seguro, que tenham sido ou estejam sendo objeto de processo de liquidação judicial ou extrajudicial, hajam exercido, nos 12 (doze) meses anteriores à respectiva decretação, cargo ou função de direção, administração ou representação, enquanto não forem exonerados de qualquer responsabilidade; j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição; k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude; o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário; p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22; q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos (LC n.º 64/90, com as alterações trazidas pela LC n.º 135/10).

[14] O patrocínio de causa significa exercer a atividade advocatícia, isto é, se um parlamentar é advogado, por exemplo, ele estará proibido de atuar em causas no interesse de tais entidades de direito público ou privado.

[15] A EC n.º 76 de 28.11.2013 aboliu o voto secreto para esse procedimento de perda do mandato eletivo. A votação será aberta e de conhecimento público quanto ao conteúdo do voto de cada parlamentar.

[16] A perda do mandato eletivo por condenação criminal transitada em julgado recebeu tratamento específico no inc. VI do art. 55 e será estudada a seguir (item 5.6).

[17] ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 525.

[18] “AIJE é a ação destinada a proteger a legitimidade e normalidade das eleições e coibir o abuso do poder econômico ou político, a utilização indevida de veículos ou meios de comunicação, bem como a fraude nos pleitos eleitorais brasileiros. Tem por finalidade preservar o equilíbrio entre os candidatos em disputa por cargo eletivo” (ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 524)

[19] STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; e NUNES, Dierle. Comentários à constituição do brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1082.

Como citar e referenciar este artigo:
ALMEIDA, Mayara Rayanne Oliveira de. Estatuto Jurídico-Constitucional dos Congressistas Brasileiros. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/estatuto-juridico-constitucional-dos-congressistas-brasileiros/ Acesso em: 23 dez. 2024