Muitos são os erros e injustiças que resultam no desligamento de centenas de alunos na UFRGS, sob o pretexto de não preencherem os requisitos para ingresso através do Programa de Ações Afirmativas. Não é possível aceitar que uma universidade pública com a tradição da UFRGS não consiga isonomicamente seus alunos ao ponto de ocasionar a perda da vaga através de sindicância sem o direito à ampla defesa.
As entrevistas para verificar se o estudante preenche os requisitos para o ingresso pelo sistema de cotas são realizadas em um ou dois minutos através de critérios subjetivos para verificar etnia e padrão econômico que resultam em instauração de sindicâncias e desligamentos ilegais e discriminatórios.
O edital do concurso vestibular é uma verdadeira colcha de retalhos com pedaços que não se juntam deixando margem para erros de interpretação a fim de justificar os desligamentos de alunos. O que a comunidade estudantil está a exigir é que os processos sejam transparentes até porque há recomendação da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul dirigida ao reitor da universidade no sentido de evitar o ingresso pelo sistema de cotas sociais aos estudantes oriundos do Colégio Militar – colégio de excelência frequentado por estudantes de alto poder aquisitivo.
A questão suscita muitas indagações e muita indignação, especialmente de parte dos estudantes hipossuficientes pardos, negros e índios que, quando conseguem uma vaga nos cursos tradicionalmente reservado a uma elite, são vítimas de bullying, sendo muitas vezes, colocados em situações vexatórias no âmbito da universidade.
As regras para a comprovação de renda têm gerado desligamentos arbitrários enquanto que as regras para verificar se os estudantes oriundos de escolas públicas de excelência são flexíveis – basta verificar os automóveis de luxo utilizados por um grande número de estudantes que jamais deveriam ter ingressado pelo sistema de cotas.
Sem dúvida alguma, há um ilegal e inconstitucional desvirtuamento do Programa de Ações Afirmativas que tem permitido o ingresso nos cursos de maior procura para estudantes que frequentam os melhores cursos pré-vestibulares privilegiando quem não precisa se beneficiar da reserva de vagas destinadas aos verdadeiros beneficiários do programa.
As lições de Darcy Ribeiro devem ser lembradas e interpretadas neste momento histórico, até para que ele saiba que não fracassou em tudo que tentou na vida porque os estudantes estão demonstrando capacidade de luta por seus direitos.
Ele disse com certo desencanto: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Darcy não fracassou na alfabetização das crianças, Darcy e nem em relação aos índios. Seu maior fracasso tenha sido, talvez, não ter conseguido fazer uma universidade séria e o Brasil desenvolver-se autonomamente. Se a universidade fosse séria, certamente observaria os princípios ínsitos no artigo 37 da Constituição Federal que estabelecem que os atos dos agentes públicos devem respeitar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, especialmente nos critérios de seleção dos alunos que fazem jus ao ingresso na universidade pelo Programa de Ações Afirmativas.
A utopia sonhada por Darcy Ribeiro ainda será concretizada porque os estudantes estão demonstrando que não perderam a capacidade de se indignar. Prova disso são os movimentos estudantis que se espalham por todo o país reivindicando melhoria da qualidade de ensino e até alimentação de qualidade.
Os estudantes já não silenciam mais diante das injustiças e têm batido às portas do Poder Judiciário para exigir o retorno aos bancos escolares quando desligados ou jubilados sem o devido processo legal. Para finalizar, impõe-se lembrar que o saudoso Darcy Ribeiro ficará eternamente na memória dos estudantes brasileiros.
Wanda Marisa Gomes Siqueira – Advogada
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