Direito Constitucional

Considerações sobre o conceito de segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro

Resumo: O tema da segurança jurídica nunca esteve tão em voga como no momento presente no direito brasileiro contemporâneo. O texto didaticamente tenta ao menos explanar sua complexidade e importância.

Palavras-Chaves: Segurança jurídica. Constituição Federal do Brasil de 1988. Princípios Constitucionais. Regras. Confiança. Previsibilidade. Vedação de decisão surpresa.

Abstract: The theme of juridical security has never been as much in force as in contemporary Brazilian law. The text tries to explain, at last, its complexity and importance.

Keywords: Legal certainty. Federal Constitution of Brazil of 1988. Constitutional principles. Rules. Confidence. Predictability. Decision closure surprise.

Questiona-se a utilização da expressão “segurança jurídica” principalmente como princípio capaz de autorizar a manutenção de situações de injustiça ou obstáculo ao aperfeiçoamento contínuo dos direitos fundamentais[1].

Frise-se que demonstrar que a invocação da segurança jurídica enquanto argumento, na maioria das vezes, não se dá para defender a previsibilidade ou a prevalência de regras sobre os princípios, mas sim, a manutenção de situações em desconformidade com as premissas do constitucionalismo contemporâneo.

Em verdade, a segurança jurídica no Estado Democrático de Direito deve ser compreendida em duas dimensões, a saber: a formal e outra substancial.

Realmente é tarefa tormentosa e complexa a conceituação de segurança jurídica, em face da ampla gama conceitual que tal expressão sucinta. Nos dicionários jurídicos, é possível encontrar um conceito para o princípio da segurança jurídica como sendo a certeza do direito e da proteção contra mudanças retroativas.

Há diversos aspectos sobre a segurança jurídica como princípio que abrange duas dimensões, a saber, a objetiva e a subjetiva. Na acepção objetiva limitaria a retroatividade dos atos promulgados pelo Estado[2], através de mecanismos como o direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada material.

Tais institutos reconhecidamente considerados como os pilares da segurança jurídica seriam suficientes e eficazes para manter a situação jurídica em desconformidade com o texto constitucional vigente?

E, quanto a acepção subjetiva, deve-se manter a vantagem do administrado, mesmo que tal vantagem acarrete desvantagem a terceiro?

Prosseguem as dúvidas com acentuada agudeza quando se questiona a eficácia horizontal da segurança jurídica. E, uma situação de injustiça entre particulares apresentada ao Estado-Juiz deve ser mantida em homenagem e prestígio do princípio da segurança jurídica?[3]

Responder a tais questionamentos trazem à baila a reflexão sobre os conceitos do Estado e Direito[4] adotados pelo intérprete, além da necessária apresentação de fundamentais eleitos para nortear a escolha de constructo que apoiam e materializam tais escolhas.

Em verdade, há equívoco cometido por muitos estudiosos ao invocar inopinadamente a segurança jurídica como principal discurso de fácil fundamentação, erigindo-se como um tipo de argumento-coringa para a manutenção de situações injustas.

Questionar-se-á a utilização da segurança jurídica como princípio apto a submeter o ordenamento jurídico à lógica de mercado, mesmo que em desconformidade com o texto constitucional brasileiro vigente.

Cumpre ainda analisar o papel argumentativo ocupado pela segurança jurídica no texto da Exposição de Motivos da Lei 13.105/2015, que instituiu o Código de Processo Civil brasileiro, já alcunhado de Código Fux[5]. E, que guarda relação direta com a fundamentação exposta no Documento Técnico 319 do Banco Mundial, elaborado para indicar os elementos para a reforma do judiciário na América Latina e no Caribe (Banco Mundial, 1996.).

O conceito de segurança jurídica[6] para se mostrar adequado ao Estado Democrático de Direito e ao projeto de sociedade esculpido pela atual Constituição Cidadã, apresenta dois aspectos fundamentais, a saber, a segurança jurídica formal e a segurança jurídica substancial.

O princípio da segurança jurídica[7] e da confiança do cidadão são considerados como os principais elementos constitutivos do Estado de Direito[8] desde seu surgimento, conforme enunciou Canotilho[9]. E, não poderia ser diferente, pois a conquista do Estado de Direito[10] resultou da submissão da vontade do monarca absolutista à adequação e conformidade com a lei, que é fruto da representação da vontade popular.

A segurança jurídica, objetivamente[11], quanto ao seu aspecto subjetivo[12], representa grande proteção contra os arbítrios desmedidos que poderiam ser cometidos sem qualquer justificação sob a égide do poder absolutista ou das ditaduras.

A figura da lei[13] como norma geral e abstrata que submetida a todos indistintamente era compreendida como a maior garantia de direitos já que representava o rompimento com o modelo absolutista até então vigente.

E, nesse contexto, já é possível compreender o papel protagonista assumido pelo princípio da legalidade, ou do rule of law na tradição britânica, segundo o qual deveria haver uma supremacia política do Legislativo, submetendo ao Executivo a fazer apenas aquilo que a lei lhe permitiria e limitando, naturalmente, o poder do Judiciário restringido na época a ser a “boca da lei”.

A partir da concepção sobre as competências de cada um dos três poderes redundou da vitória das concepções liberais na Europa após a revolução francesa, uma vez que o Legislativo submetia os demais poderes, mas era também controlado pela burguesia, muitas vezes através de limitações ao direito de voto.

Tal dinâmica era muito vantajosa para organização capitalista, na medida em que o laço que une ou vincula às leis gerais, às funções estaduais protege o sistema da liberdade codificada do direito privado burguês e a economia de mercado.

Em outros termos, pode-se afirmar que a economia de mercado floresceu como nunca antes, uma vez que esta funciona exatamente através de lógica de previsibilidade de riscos de investimentos e o Estado de Direito, ao sacralizar o procedimento na expedição de normas como um único critério de validade. E, assim, reduziu-se o grau de riscos da atuação mercantil de maneira considerável.

Nesse contexto, o livre mercado veio a proporcionar ganhos abissais e astronômicos para aqueles que conseguem dominar a produção legislativa.

A grande diferença para a organização no Estado Absolutista é que neste, um ato estatal poderia gerar a injustiça e vultosos ganhos aos eleitos pelo monarca, no entanto, não havia qualquer garantia de manutenção destes, já que o Estado Absolutista detinha o poder absoluto tanto para conceder como para retirar.

Já no Estado de Direito, sendo organizado pela lógica do tempus regit actum, mesmo um comando legal injusto teria seus efeitos mantidos e respeitados mesmo após uma alteração legislativa produzida.

Ocorre, porém, que da mesma maneira que o princípio da legalidade submeteu o poder absolutista à medida de adequação à lei, com o advento do Estado Constitucional subverteu-se, novamente, a hierarquia normativa.

O doutrinador italiano Gustavo Zagrebelsky[14] narrou a passagem do Estado de Direito para o Estado Constitucional defendendo que as constituições escritas surgiram inicialmente como constituições flexíveis, e, portanto, submetidas à lei e, serviam principalmente como mecanismos de vedação de retorno ao absolutismo.

A emergência do Estado Democrático de Direito[15], no entanto, veio a subverter tal dinâmica posto que reconheça a Constituição Federal como norma fundamental e fundante superior e condicionante das leis.

Na transição[16] do Estado de Direito para o Estado Constitucional trouxe modificação profunda. E, Zagrebelsky[17] afirmou que se trata de mudança genética, acarretando assim, uma mudança dentro do próprio conceito de Direito.

O paradigma de um direito por regras cedeu lugar ao direito por princípios que caracteriza o que o doutrinador denominou de direito dúctil (grifo meu), adequado à época de rápidas transformações que caracteriza a era do Estado Democrático de Direito.

Tal concepção é relevante para compreender a razão de tão recorrente denúncia quanto a insegurança jurídica, particularmente pelo empresariado e pelos investidores. Assim, ao se delimitar a transição paradigmática de um direito por regras para um direito por princípios, Zagrebelsky narrou que a concepção contemporânea[18] de lei já não é a mesma que existia no Estado de Direito do século XIX.

No Estado de Direito, a lei era basicamente o código, tendo como expressão máxima o Código Napoleônico de 1804, compreendido como a vontade positiva do legislador.

Isso porque, dentro do paradigma racional vigente, acreditava-se que o Código representava a expressão suprema de racionalidade humana e, que, através do uso do método escorreito, poderia se impor em qualquer situação e resolver ainda qualquer litígio.

Dentro de tal paradigma, o sistema jurídico era entendido normalmente como fenômeno harmônico e pleno que fixava seus conceitos de validade em critérios unicamente formais e procedimentais, entendidos como suficientes para identificar a vontade do povo que expressava através da lei.

Porém, a transição do Estado de Direito para o Estado Constitucional trouxe também a alteração de compreensão e do papel da lei e, no Estado de Direito enfatiza-se a noção de ordenamento jurídico que representava sistema normativo que era, de fato, ordenado e harmônico. E, dentro desse paradigma, o intérprete poderia resolver qualquer questão que se apresentasse, bastando, para tanto, valer-se do raciocínio indutivo ou de analogias.

Nos Estados Constitucionais, principalmente em razão da organização em democracias representativas, o produto legislativo é resultante de diversos interesses heterogêneos e da necessidade de formar-se as coalizões que permitem e garantem a governabilidade.

O sistema jurídico, portanto, não é mais considerado como ordenamento, mas sim, como o produto do consenso possível, o que faz com que este, seja repleto de antinomias e incoerências entre a leis as demais fontes do Direito.

A própria releitura da concepção das fontes do direito, remodelou particularmente o direito contemporâneo. E, não obstante essa dinâmica não acarreta a anarquia normativa, pois que a Constituição assuma uma função unificadora de todo sistema jurídico, submetendo todas as demais fontes normativas à sua supremacia.

Noutras palavras, nos Estados Constitucionais não há qualquer incoerência teórica ao se deparar com duas leis que apresentam comandos em sentidos distintos e quiçá contraditórios. E, nesses casos, cabe mesmo à Constituição determinar qual que deve finalmente prevalecer.

Ex positivis, a concepção típica do Estado de Direito ou Estado Liberal de previsibilidade baseada apenas em um procedimento formal é claramente anacrônica. E, dentro do panorama do direito dúctil, é totalmente compreensível que um grupo organizado da sociedade consiga aprovar uma lei que privilegie seus interesses e que atos jurídicos sejam praticados sob o comando dessa norma apenas para, depois, verificar-se a inconstitucionalidade da lei pelo Judiciário, que tem a função de guardiã da Constituição e sempre analisará a lesão ou ameaça a direito, vide os artigos 102 e 5º, inciso XXXV da CF/1988.

Ignorar esse fato significa negligenciar a dinâmica da produção legislativa moderna. Existe, até, inclusive uma gíria que denomina a inclusão e emendas parlamentares em normas com as quais não guardam qualquer pertinência temática, apenas para ver aprovado um dispositivo legal e autorizar as condutas condenáveis são chamadas de “emendas jabutis[19]”.(grifo meu)

Não se defende a noção de que aqueles que invocam a segurança jurídica como argumento para a manutenção de situações contrárias à Constituição não compreendem a mudança paradigmático ocorrido num Estado Constitucional, mas apenas que essa é uma escolha ideológica incompatível com os valores constitucionais e com o projeto de sociedade inscrito na Constituição Federal Brasileira de 1988.

Segundo vários doutrinadores apontaram a insegurança jurídica[20] já considerada como o “mal do século XXI”.

Pois o desrespeito ao direito adquirido[21] e ao ato jurídico perfeito (não existe mais direito adquirido contra a Constituição Federal), embora seja esta mesma quem o garanta), mudanças bruscas na jurisprudência já consolidada, inovações legislativas sem o devido planejamento e polêmicas bizantinas que não levam em conta as consequências práticas da discussão erudita.

E, tudo isso, ainda somados aos trezentos mil atos normativos em vigor no país, a maioria de difícil compreensão, leva a um sistema jurídico hermético e distante da realidade social. E, infelizmente quem paga a conta é mesmo a sociedade. (In: CAPEZ; CAPEZ, 2010).

Noutro momento, os doutrinadores apontam a razão pela qual identificaram a insegurança jurídica[22] como o mal do século XXI, apontando muitas consequências indesejáveis atribuídas a essa.

Estudos patrocinados pelo Banco Mundial revelaram que a disparidade de soluções judiciais para problemas análogos, reforça o fator aleatório na solução de litígios. A aplicação de princípios constitucionais demasiadamente abrangentes, em detrimento de regras claras em vigor, infla a chamada da instabilidade.

A isso, some-se o tempo de tramitação das demandas e a inexistência de um prazo razoável máxima para seu equacionamento. Tudo isso influencia a classificação da avaliação do risco (rating) por parte das conhecidas agências internacionais de análise das diversas economias.

A democracia e o Estado de Direito necessitam tornar previsíveis os retornos dos vultosos investimentos que alavancam o país para o progresso, a fim de propiciar a geração de empregos, bens e riquezas para a nação.

A preservação dos diretos adquiridos dos empreendedores e a valorização de sua boa-fé[23] são necessárias para a estabilização das situações e o desenvolvimento pleno na perspectiva do Estado Democrático de Direito.

As circunstâncias que preocupam os doutrinadores demonstram a quem serve o discurso da segurança jurídica, restando perquirir se, de fato, os interesses dos investidores e empreendedores são eleitos como merecedores de proteção no projeto de sociedade insculpido na Constituição Cidadã.

Os referidos estudos patrocinados pelo Banco Mundial mencionados acima foram compilados no Documento Técnico 319 (Banco Mundial, 1996) e tal documento ainda recomenda a realização de reformas no Judiciário para que este se adeque melhor aos interesses do mercado, assumindo a posição de facilitador das atividades do setor privado.

Os países da América Latina e Caribe passaram por um período de grandes mudanças e ajustes. E, tais recentes mudanças tem causado um repensar do papel do Estado. Observa-se uma maior confiança no mercado e no setor privado, com o Estado atuando como um importante facilitador e regulador das atividades de desenvolvimento do setor privado. Todavia, as instituições públicas na região têm se apresentado pouco eficientes em responder a estas mudanças.

A proposta do Banco Mundial é, portanto, reduzir a atuação do Judiciário à pacificação social (garantidor de previsibilidade para o mercado), de preferência com respostas rápidas e minimalistas. É justamente essa a posição defendida na passagem acima, que condena a aplicação de princípios em detrimento de regras.

Ora, desde a transição do Estado de Direito para o Estado Constitucional não se questiona a força normativa da Constituição e de seus princípios, não havendo qualquer fundamento jurídico válido para afastar essa aplicação. Pior ainda quando o fundamento invocado para condenar a prevalência dos princípios sobre as regras é o melhor interesse do mercado.

Não obstante, não é, de fato, a prevalência das regras que motiva esse discurso. Os doutrinadores criticam ainda abertamente a regulamentação trabalhista que é baseada, curiosamente, na regulamentação mais longeva do ordenamento jurídico. Percebe-se, portanto, que a aversão a mudanças bruscas ou a prevalência de regras, merecem reprimenda apenas quando são contrárias aos interesses do mercado livre.

No entender dos doutrinadores, um certo ativismo[24] nas ações de juízes e procuradores do Trabalho, anulando cláusulas negociadas livremente entre patrões e empregados, não raro contrariando até mesmo entendimentos mais “liberais” do Tribunal Superior do Trabalho – o que evidentemente vem a desestimular a livre negociação, pressuposto básico de uma economia de mercado livre.

De fato, o modelo de disciplina das relações de trabalho no Brasil e demasiado legalista e os contratos coletivos tendem a não ser respeitados. Leis obscuras e sentenças muito divergentes umas das outras são a consequência vivenciada dentro desse modelo extremamente legalista, baseado numa legislação alienígena de inspiração fascista e sexagenária.

Dessa perspectiva, é possível aferir que a segurança jurídica não se presta apenas para defender mudanças graduais no sistema jurídico buscando-se evitar as convulsões sociais, mas sim, como argumento a justificar a manutenção de privilégios ou interesses do empresariado.

Portanto, se torna relevante uma correta compreensão do instituto, evitando-se seu uso de modo subvertido. No Estado Democrático de Direito, a segurança jurídica assim como o direito, se legitima não pelos procedimentos formais, mas principalmente por sua fundamentação moral e ético-política.

As instituições jurídicas (normas) não se legitimam suficientemente pelas referências positivistas (formais) de sua produção; requerem “justificação material”. No modelo positivista, o direito tem força constitutiva apenas como meio de controle, combinando os meios como dinheiro e poder, e reservando-se-lhe uma “função meramente regulativa, em lugar de “função social-integrativa, que se lhe reserva no Estado Democrático de Direito.

O direito vale porque posto de acordo com os procedimentos democráticos. Sua aplicação, contudo, não se legitima tão-somente pela consistência das decisões, mas por sua fundamentação moral e ético-política, o que determina uma tensão entre segurança jurídica e correção da decisão, o que dá relevância à questão da aplicação jurídica adequada[25].

De sorte, a conceituação da segurança jurídica precisa ser compreendida em nova dimensão, não cabendo mais restringir-se à manutenção do status quo, o que deixaria o instituto esquecido no paradigma do Estado de Direito, fadado ao anacronismo incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Deve-se compreender a segurança jurídica como sendo a certeza do direito e ainda da proteção contra mudanças retroativa, o que permite a divisão do instituto em dois aspectos, a segurança jurídica objetiva e subjetiva (princípio da confiança).

Essa divisão, porém, não é suficiente. Defende-se inclusive que a compreensão da segurança jurídica no Estado Democrático de Direito deve ser considerada em duas dimensões, uma formal e uma substancial.

Primeiramente, a dimensão formal seria a garantia de previsibilidade do direito e da rápida solução dos conflitos. Ao analisar os tribunais das sociedades contemporâneas, com ênfase no caso português, descreve a presença de litigantes frequentes que se envolvem em litígios similares ao longo do tempo (repeat players), ao passo que outros buscam o Judiciário apenas esporadicamente (one shot players).

O doutrinador Boaventura Santos explicou que um litigante não é frequente ou habitual apenas com base no tipo de litígio no qual está envolvido, mas também, com base na sua disponibilidade de recursos e relação com Judiciário.

Tal quadro engendra uma apropriação da própria estrutura pública. As grandes corporações, utilizando-se da inafastabilidade da jurisdição, organizam seus empreendimentos considerando a possibilidade de conflitos e se estruturam para poder conduzir diversos processos, o que implica em menores custos para a litigância, ante a estruturação de departamentos especializados.

Por outro lado, os litigantes esporádicos pouco recorrem ao Judiciário e quando o fazem, por não possuírem a estrutura necessária para tal, não possuem os meios adequados para conduzir o processo e nem recebem a necessária resposta rápida do Judiciário, que está assoberbado com incontáveis casos propostos pelos litigantes frequentes.

O Conselho Nacional de Justiça[26] em 2011 realizou estudo para apurar quais são os cem maiores litigantes do brasil e apresentou os seguintes dados, in litteris: ” Observa-se (…) que o setor público federal e os bancos representam cerca de setenta e seis por cento do total de processos dos CEM maiores litigantes nacionais (vide em:  http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_litigantes.pdf), enquanto o setor bancário corresponde a mais da metade do total de processos pertencentes aos CEM maiores litigantes da Justiça Estadual (54%).”.

O dado citado acima aponta a apropriação de estrutura pública. Tal “colonização” da estrutura do Judiciário leva a uma insustentável crise estrutural de congestionamento de processos, pondo em xeque até mesmo a legitimidade do Judiciário. Essa circunstância contribui para uma taxa de congestionamento (que representa o percentual de processos que não foram baixados durante o ano) de 71,4% no Poder Judiciário no ano de 2014 (CNJ 2015).

O quadro é, de fato, preocupante e empolga diversas reformas que buscam apresentar soluções para a citada crise. A última grande reforma que buscou a combater esse cenário foi a aprovação da Lei 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil).

Aliás, o anteprojeto do citado Código de Processo Civil utilizou a expressão “segurança jurídica” por nove vezes. A preocupação com a segurança jurídica, no entanto, é a mesma exposta no Documento Técnico 319 do Banco Mundial, na medida em que se restringiu à previsibilidade dos atos jurídicos, apresentando, expressamente a intenção de conter atuação do Poder Judiciário.

O prestígio dado ao princípio da segurança jurídica, obviamente é de índole constitucional vigente, pois que se hospeda nas dobras do Estado Democrático de Direito e visa a proteger e a preservar justas expectativas das pessoas.

Todas as normas jurídicas devem tender a dar efetividade às garantias constitucionais, tornando “segura e estável” a vida dos jurisdicionados, de modo a que estes sejam poupados de “surpresas”, podendo sempre prever, em alto grau, as consequências jurídicas de sua conduta.

Aliás, tamanha homenagem à boa-fé objetiva[27] reflete naturalmente a relevância do princípio da preservação da dignidade humana erigido à fundamento da República Federativa do Brasil, conforme texto constitucional vigente.

A proposta apresentada pelo então Código de Processo Civil de 2015 é o que o Fórum Permanente de Processualistas Civis denominou de “microssistema de solução de casos repetitivos”.

E, dentro de tal microssistema merecem destaque o estudo do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas[28] – IRDR (artigos 133 e seguintes do CPC/2015) e o Incidente de Assunção de Competência (artigo 947 do CPC/2015), o que demonstra a força da concepção verticalizadora de jurisdição adotada pelo novo diploma legal[29].

Da sistemática proposta pelos dois incidentes citados acima, a questão de taxas de congestionamento é encarada através do fortalecimento de precedentes judiciais, a vista do que já aconteceu anteriormente com a súmula vinculante, por exemplo.

No Brasil, resta claro que a adoção do sistema de precedentes[30] visa mais à tentativa de redução das taxas de congestionamento do Poder Judiciário através da fixação de precedentes de aplicação obrigatória do que o alcance de julgamentos mais justos.

Não se pretende realmente negar o fato de que as taxas de congestionamento de processos são, de fato, um problema grave e que devem ser enfrentadas adequadamente.

No entanto, as reformas para combater tal quadro devem ser, antes de tudo, qualitativas. Noutras palavras, as reformas legislativas serão, de fato, efetivas quando superarem técnicas que reafirmam as técnicas já vigentes.

A mal falada “crise do judiciário”, em sua leitura feita pelos instrumentalistas do processo e constitucionalistas nacionais, deixa transparecer na realidade outro problema: uma crise de legitimidade das decisões proferidas pelo Judiciário brasileiro, quer por submisso aos interesses funcionais do Mercado ou Poder Administrativo, quer por ainda ser apegado a uma leitura paradigmática de Estado incompatível (a nosso ver) com a atual.

Na realidade, estamos em meio do turbilhão apontando uma ruptura que é iminente; enquanto isso, nossos juristas viram as costas ou se limitam a apresentar propostas paliativas tais como súmulas vinculantes[31], repercussões gerais/ transcendências e demais efeito vinculantes, procurando por meio de força e uma pseudoautoridade (já que carente de legitimação) fixar e re(afirmar) uma “segurança jurídica” equivocada.

Em resumo, as taxas de congestionamento do Judiciário constituem um problema que nega aos jurisdicionados a segurança jurídica formal e precisam de uma solução, na medida em que deixam em suspenso por vários anos a solução de conflitos.

Não obstante, a adoção de soluções como o microssistema de solução de casos concretos repetitivos não é a resposta mais adequada e não contempla a dimensão substancial da segurança jurídica.

Na exposição de motivos do CPC/2015, percebe-se a preocupação com a estabilidade dos entendimentos jurisprudenciais a despeito de seu conteúdo, por isso: A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e a integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito. Trata-se, na verdade, de um outro viés do princípio da segurança jurídica[32], que recomendaria que a jurisprudência, uma vez pacificada ou sumulada, tendesse a ser mais estável.

Essa previsão é evidente respostas feita às várias críticas formuladas ao chamado “ativismo judicial”, conceituado como a interferência[33] indevida do Judiciário na esfera privada, apontada ainda, como afronta à segurança jurídica por subverter a separação dos poderes.

O “ativismo” é ainda apontado como o motivo de piora dos indicadores econômico. Porque as jurisprudências conflitantes, a demora e dificuldade na solução de litígios, o sucateamento do Judiciário ou ativismo de cunho social de seus membros, a não dar conta da crescente demanda de ações propostas e do acervo já existente de anos acumulados, são responsáveis pela piora de numerosas variantes econômicas, gerando uma situação pré-caótica em nosso país.

Porém, essa lista de prioridades não coaduna com os valores estruturantes do Estado Brasileiro. Ora, se a Constituição Brasileira de 1988 expressamente define como fundamentos da República a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político[34] e nada versa sobre a importância de indicadores econômicos a prevalência daqueles é natural.

Nesse mesmo sentido, os objetivos de nosso Estado Democrático de Direito estão bem definidos e contemplam a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e, a garantia do desenvolvimento nacional, de maneira harmônica com a erradicação da pobreza e da marginalização, com vistas a diminuir as desigualdades sociais e regionais.

Privilegiar o desenvolvimento nacional olvidando-se, ou sobrepujando os demais objetivos nacionais, verifica-se clara afronta ao projeto de sociedade eleito pelo constituinte brasileiro.

Quando o Judiciário[35] se depara com o conflito em que a aplicação de uma norma se traduz em afronta aos princípios, fundamentos e valores constitucionais é seu dever fazer valer a força normativa da Constituição.

Assim, encontra-se a segurança jurídica em sua dimensão substancial que garante que a lesão ou ameaça a direito não serão afastadas da apreciação do Poder Judiciário que tem o poder, e o dever de fundamentar suas decisões em conformidade com os dispositivos constitucionais de modo a contribuir com a formulação de uma sociedade cada vez mais coesa com o projeto constitucional.

Para uma correta compreensão da proposta ora defendida, se faz essencial atentar para a intensa fluidez da dinâmica social do século XXI. Atualmente, as relações jurídicas possuem diversas naturezas e, estão em constante sobreposição, o que se acelera em função da densa industrialização, da crescente urbanização e das profundas alterações sociais causadas pela informatização, difusão e democratização dos meios de comunicação.

Dessa forma, deve-se compreender que os direitos fundamentais, que orientam todo o sistema jurídico, estão em evolução contínua e tem sua definição compreendida dentro de cada contexto histórico-político[36].

Portanto, as situações eram perfeitamente cabíveis e/ou aceitáveis há poucas décadas podem ser compreendidas atualmente como inaceitáveis transgressões de direitos fundamentais, clamando por uma projeção positiva do Estado-Juiz[37].

Analisando-se os julgados abaixo-citados:

APLICABILIDADE RETROATIVA DE NOVO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. A edição de súmulas tem por objetivo pacificar a jurisprudência, expressando a inteligência e a adequada aplicação dos princípios e regras legais já existentes, não se submetendo ao princípio da irretroatividade das leis.

Todavia, no período da prestação dos serviços da autora, o entendimento predominante no âmbito dessa Especializada era no sentido da incompatibilidade da estabilidade com o contrato por prazo determinado, entendimento diametralmente oposto ao atual, de modo que analisar a situação pretérita conforme a jurisprudência contemporânea[38] viola o princípio da segurança jurídica, igualmente tutelado pela Constituição.

(TRT da 3.ª Região; Processo: 0001191-14.2013.5.03.0003 RO; Data de Publicação: 07/08/2015; Disponibilização: 06/08/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 290; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Maria Stela Alvares da S. Campos; Revisor: Ricardo Antonio Mohallem).

TRT-24 – 00253967820145240071 (TRT-24) Data de publicação: 23/06/2017

Ementa: ACORDO HOMOLOGADO. CLÁUSULA PENAL. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. É incontroverso que a primeira parcela do acordo foi paga com 4 (quatro) dias de atraso.

A imutabilidade da sentença homologatória de acordo impossibilita a exclusão da cláusula penal fixada pelas partes em livre manifestação de consentimento, ainda que apenas uma parcela da obrigação pactuada tivesse sido cumprida intempestivamente e que o tempo de atraso tenha sido de quatro dias.

Entendimento que se alinha com o princípio da segurança jurídica e com o disposto no art. 891 da CLT, garantidor do respeito à execução de prestações sucessivas.

A segurança jurídica autoriza a manutenção da cominação livremente pactuada pelas partes e não cumprida pelo devedor. Agravo de petição provido para condenar a reclamada ao pagamento da multa de 50% sobre R$12.500,00 – total das 6 parcelas do acordo em aberto no momento da inobservância do prazo estabelecido para pagamento.

Verifica-se ainda que a decisão invoca a segurança jurídica para negar a garantia de emprego de gestante contratada através de vínculo de emprego por prazo determinado, ao fundamento de que, ao tempo da contratação, o entendimento prevalente no Tribunal Superior do Trabalho era de incompatibilidade entre o contrato por prazo determinado e o instituto da garantia de emprego da gestante.

Em 2012, o Tribunal em referência alterou o item III do enunciado de sua súmula 244 para prever: III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea b do ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por prazo determinado.

Essa alteração de entendimento está em conformidade com a evolução histórica dos direitos fundamentais e privilegia a proteção integral da criança e do adolescente. A segurança jurídica substancial garante, portanto, que a evolução dos direitos seja efetivamente a garantia, e não fique refém da segurança jurídica formal.

Noutro julgado, verifica-se in litteris:

TRT-22 – AGRAVO DE PETIÇÃO AP 1702005519905220001 (TRT-22) Data de publicação: 13/02/2007.

Ementa: PRECLUSÃO FUNDADA EM ATO NULO – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA – OCORRÊNCIA DA COISA JULGADA:

O princípio da segurança das relações jurídicas não pode ser aplicado em sua plenitude, quando comprovado que a decisão que homologou a desistência, excluindo o reclamante do feito foi fundamentada em ato nulo.

Preclusão que não se consuma, devendo o reclamante ser reincluído no feito. (AP 170200-55.1990.5.22.0001, Rel. Desembargador LAERCIO DOMICIANO, TRT DA 22ª REGIÃO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 13/02/2007.

Exatamente em 14 de outubro de 2015, a Primeira Seção do STJ decidiu, na sistemática de recursos repetitivos, que é devido o IPI na comercialização de produtos importados, mesmo que não exista qualquer industrialização em território nacional.

Tal decisão representa uma completa inversão do entendimento[39] que havia sido antes adotado pela própria Primeira Seção do STJ há pouco mais de um ano, quando, em junho de 2014, concluiu diversos julgamentos relativos à cobrança do IPI na comercialização de produtos importados, firmando entendimento no sentido de que, uma vez pago o IPI na importação, o imposto não poderia ser novamente cobrado na saída do produto do estabelecimento do importador, a menos que nele se realizasse algum processo de industrialização.

Trava-se igualmente no julgado de Embargos de Divergência, recurso destinado a uniformizar o entendimento d STJ acerca de determinada matéria, resolvendo eventuais divergências internas e dando uma solução definitiva à questão jurídica controvertida. E, ao uniformizar a jurisprudência do STJ, através de tais embargos contribuem- se para a unidade do Direito e para a segurança jurídica.

Adiante, analisando amiúde o conceito de direito dúctil[40] de Zagrebelsky, traz como exemplo da prevalência das disposições constitucionais sobre regras, veja-se:

Com o neoconstitucionalismo[41], a certeza e a segurança em alguns casos são encontradas nas regras, quando estas forem adequadas à Constituição; e em outros casos, deslocar precedentes na jurisprudência, particularmente quando se aplicam princípios.

No neoconstitucionalismo[42] a injustiça não é tolerada mesmo sob o pretexto de certeza e segurança. Por esta razão, por exemplo, a segurança da multinacional que se materializa no respeito irrestrito à sua propriedade intelectual e ao estipulado nos acordos, poderia ceder à segurança de grandes setores da população que exigem medicamentos acessíveis. Assim, a lei, como caracterizada Zagrebeltzky, seja dúctil.

Observa-se que numa escorreita compreensão de um direito dúctil, que reconhece o protagonismo e o caráter cogente dos princípios, não pode causar espanto a alteração de entendimentos jurisprudenciais no sentido de privilegiar a força normativa da Constituição[43].

Um adequado conceito de segurança jurídica, deverá, portanto, levar em conta essa realidade, sob pena de permanecer ao Estado Liberal, fadado ao anacronismo.

Concluímos, com razão, que a segurança jurídica é realmente um dos princípios norteadores de um Estado Democrático de Direito. Apesar de invocar a ideia de segurança jurídica como a certeza da manutenção do status quo, mesmo quando se verifica a sua incompatibilidade com os valores eleitos como fundamentos de nossa sociedade, com base em critérios unicamente procedimentais é esvaziar o princípio e, ainda, aprisioná-lo em um conceito anacrônico e incompatível com a função jurisdicional do Estado Democrático de Direito.

A conceituação adequada da segurança jurídica deverá ultrapassar as divisões em segurança jurídica objetiva e subjetiva para ser compreendida em duas dimensões, uma formal e outra substancial.

Neste sentido, a segurança jurídica não pode ser apenas formal, apresentada como relativa previsibilidade do direito associada com a rápida solução dos conflitos de interesses, mas também substancial, ou seja, representar a legítima expectativa de que o Poder Judiciário[44] não se furtará a análise da lesão ou ameaça a direito bem como de que este acompanhará a evolução social e histórica na compreensão desses direitos, atuando de modo a contribuir para a concretização do projeto de sociedade definido na Constituição Federal brasileira vigente.

Assim, a segurança jurídica presente no paradigma do Estado Democrático de Direito exige igualmente uma prática jurídica voltada para o futuro[45] e para o reforça da legitimidade do Judiciário através da adequada e ciosa fundamentação das decisões judiciais[46].

Existem paradoxos da segurança jurídica em face da concorrência de leis claras, inteligíveis, estáveis, acessíveis. E, ainda devido ao respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e à coisa julgada. O direito ao juiz deveria ser suficiente para garantir a segurança jurídica dentro de certo ordenamento jurídico.

Entretanto, tal fato não ocorre, conforme alega Valembois[47], que aponta os dois paradoxos da segurança jurídica como fundamento do Direito, que buscam demonstrar que a segurança jurídica contém, em si, o gérmen de sua própria destruição.

O Direito é mesmo vítima do seus próprio sucesso e desenvolvimento. Porque fora concebido como sede própria da segurança, o Direito é instado a regrar sempre mais e em maior dimensão as condutas e os relacionamentos humanos, é colocado ao serviço das reivindicações individuais coletivas e, essa subjetivação é fonte de insegurança porque os interesses particulares são contraditórios, o que implica na necessidade de multiplicar a edição de regras de direito, que vão perdendo seu caráter de generalidade, tornando-se cada vez mais específicas, e, com isso, aumentando os riscos de colisão.

Ademais como o direito contemporâneo abarca novos campos, atingindo o direito concorrencial, a moedas e bancos, à proteção do meio ambiente, à biotecnologia, à comunicação, especialmente à comunicação por meios eletrônicos e a todas as novas relações jurídicas que daí defluem. Assim dá-se a materialização de regramentos de direito material e pessoal cada vez mais estritos como também em crescente complexificação de normas jurídicas.

Lutar contra a insegurança jurídica causada por essa expansão exponencial e ampla especialização do direito, invocam-se os instrumentos de natureza jurídica cuja edição poderá realimentar as fontes de insegurança indicadas no primeiro paradoxo, a saber: a inflação de leis, a má elaboração legislativa, a multiplicação de chamadas guinadas jurisprudenciais.

Assim, parecemos como o cão que treinando seu instinto de caça, persegue em círculos o próprio rabo. A segurança jurídica representa uma garantia constitucional que garante o futuro e o aperfeiçoamento do sistema jurídico. trazendo a ideia de estabilidade e renovação, e se adaptando as necessidades sociais e a ampliação das áreas de especialização do Direito contemporâneo.

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Autora: Gisele Leite



[1] Com a ampliação desse princípio veio com as leis infraconstitucionais e com a sua concretização. No que concerne às leis infraconstitucionais federais, apenas três delas fazem menção direta ao princípio da segurança jurídica: a Lei 9.784, que regula o processo administrativo, a Lei 9.868 e a Lei 9.882, que estabelecem diretrizes para o processo e julgamento de ações perante o Supremo Tribunal Federal, todas de 1999. O conteúdo novo que essas leis trazem, principalmente as duas últimas, é a centelha da nova perspectiva da segurança jurídica no ordenamento brasileiro. A segurança jurídica, ainda que de modo incipiente, ganha outro significado para o legislador, restando ao julgador, hoje em dia, a tarefa árdua de aproximar definitivamente a ideia da proteção à confiança do cidadão e à sua expectativa de realização do direito.

[2] Na era contemporânea a figura do Estado não mais contrasta com a da sociedade, antes até com esta se identifica. E, nesse sentido, o Código Civil brasileiro de 2002, sendo a constituição do homem comum e, também ,a própria Constituição da República. Esta é a única Carta do Cidadão, não havendo espaço para o cidadão civil, o cidadão consumidor, o cidadão trabalhista, ou qualquer outro, pois o sistema jurídico é uno e não fracionado. Não se trata de uma soma aritmética de suas partes, e sim, de uma unidade na qual as partes se integram, conforme ensinou Santi Romano.

[3] Em sede do HC 152.752, em que o STF julgou se o ex-presidente Lula poderia ou não ter iniciado o cumprimento da pena em face de decisão condenatória pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sem trânsito em julgado, embora ainda seja precipitada a análise das diversas repercussões constitucionais de que se reveste, mostrou a imensa dificuldade do STF de exercer a primordial função estatal da jurisdição, precisamente a de promover a pacificação (social, política e jurídica). Ainda que tenha proferido decisão no HC 152.752, denegando a concessão da ordem requerida pelo impetrante, com base em decisões anteriores do próprio STF, a decisão parece poder ser a qualquer momento modificável sem a observação e quaisquer condicionantes temporais ou mesmo procedimentais. O que depois fora confirmado pelo colegiado do TRF 4ª Região, por mais de uma vez.

[4] Atualmente, quando se pretende estabelecer todo o conteúdo social da vigente Carta Constitucional,

imperativo compreender o sujeito de direito inserido no contexto social, como aliás, para encarar a configuração da autonomia privada, oportuno lembrar de Habermas, ao versar sobre a temática, aludindo aos direitos subjetivos: Direitos subjetivos não estão referidos, de acordo com seu conteúdo, a indivíduos atomizados e alienados, que se entesam possessivamente uns contra os outros. Como elementos da ordem jurídica, eles pressupõem a colaboração de sujeitos, que se reconhecem reciprocamente em seus direitos e deveres, reciprocamente referidos uns aos outros, como membros livres e iguais do direito. Nesse sentido, os direitos subjetivos são co-originários com o direito objetivo; pois este resulta dos direitos que os sujeitos se atribuem reciprocamente.

[5] Mesmo no Anteprojeto de CPC de 2010 elaborado sob a presidência do Ministro Luiz Fux já havia a preocupação da segurança jurídica propiciadora ou reveladora das decisões judiciais, ou seja, a segurança jurídica que acarreta uma certeza na decisão, porque esta tem diretriz, ou esta consagrará a segurança jurídica, porque ratifica o conhecido, o exposto, o revelado por decisões judiciais. E, isto se insere na efetividade tão apregoada ou querida por juízes e jurisdicionados, mas somente será realizado mediante maturidade de juízes e advogados, no respeito à jurisprudência, ao decidido pelos tribunais, e o juízes que respeitem o consolidado, não divergindo, ou construindo novas teses sem apoio em legislação nova, fatos novos ou circunstâncias novas.

[6] A segurança jurídica, apesar de constar raras vezes explicitada no ordenamento jurídico brasileiro e não possuir uma precisa e completa definição legal, é princípio constitucional. Isso pode ser evidenciado tanto pelo caput do artigo 5º da Constituição Federal, como pelo inciso XXXVI do mesmo artigo, assegurando que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Vale acrescentar também que de acordo com o inciso XXXIX – “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Trata-se de importante exemplo sobre como a segurança jurídica é tratada, em um primeiro momento, em âmbito constitucional.

[7] O princípio da segurança jurídica se encontra difundido nas sociedades muito antes de receber tal denominação e, desta maneira, encontrar um marco preciso e claro de seu surgimento não é uma tarefa fácil. Seguindo o pensamento de J. J. Canotilho, a ideia de segurança jurídica surgiu da necessidade humana de alguma certeza, sem variações ou mudanças no decorrer do tempo, de forma a coordenar e organizar a vida social. Tal desejo remonta ao período em que o ser humano começou a dar origem ao que hoje chamamos de sociedade, em busca de um ambiente diverso da natureza, e em que pudesse desenvolver-se juntamente com seus iguais. Nesse novo espaço humano, social, estabelecer certezas e garantias tornou-se um desejo comum e objeto de procura dos diversos grupos sociais fruto dessas interações.

[8] O Estado Social alberga a superação da função garantidora da divisão dos poderes e, pois, da identificação do Estado com a sociedade. O Estado de Direito pressupõe, ao invés, a superação entre Estado e sociedade civil. A fórmula do Estado de Direito Social pretende exprimir a reconciliação entre estas duas exigências, isto é, entre a exigência de superar o diafragma entre o Estado e sociedade civil e a exigência de manter uma função garantidora.

[9] Estes dois princípios – segurança jurídica e protecção da confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante ‘qualquer acto’ de ‘qualquer poder’ – legislativo, executivo e judicial (CANOTILHO, 2002, p.257).

[10] No contexto do Estado Social: “Tão importante quanto o reconhecimento ético e político de tais posições jurídicas privadas é a introdução do indivíduo, também através do direito, nos contextos de ação regulados por estruturas de ordem, os quais o envolvem e ligam com outros; isso equivale, pois, a formar e garantir os institutos do direito, nos quais o indivíduo assume uma posição de membro”

[11] O aspecto subjetivo da segurança jurídica, mistura-se com o princípio da proteção à confiança. Há divergências doutrinárias quanto ao grau dessa relação – corolários, sinônimos ou distintos –, mas não há dúvidas de que existe. Diferentemente do aspecto objetivo, este envolve as possibilidades de previsão das ações estatais, bem como a expectativa do indivíduo sobre essas ações. É o que se espera que aconteça, conforme a crença que se tem depositada na ordem jurídica. Importa também uma questão de legitimidade, configurada na confiança de que nada será feito em prejuízo do povo, pelos seus representantes. É desta que vem a legitimidade, mesmo que indiretamente, dos atos públicos.

[12] Para a doutrina, o princípio da segurança jurídica é em geral apresentado como uno. Os dois aspectos

encontram-se unidos, mas a diferenciação apontada demonstra a complexidade do princípio, a justificar estudo mais aprofundado. O aspecto objetivo, de limite à atuação do Poder Público é ressaltado pela doutrina, restringindo seu alcance e compreensão. A percepção do seu aspecto subjetivo vem ampliar o entendimento do princípio, trazendo uma nova perspectiva a ser explorada no estudo do direito.

[13] Quanto aos teóricos do direito, Hans Kelsen expressa sua postura fielmente positivista ao relacionar o princípio da segurança jurídica com o ato de conhecer e interpretar a norma, afirmando que o grau de segurança é inversamente proporcional à quantidade de significados possíveis. Em sua concepção, uma norma que se constituísse de apenas um significado é a materialização da segurança jurídica de maneira plena e um dos papéis da Teoria do Direito consistia justamente em limitar os sentidos da norma.

[14] Zagrebelsky deixa expressas suas restrições em relação às chamadas “sentenças-lei” e ao poder normativo do Judiciário, mas isso é muito pouco para se impedir a arbitrariedade judicial; isso basta apenas para reservar e preservar a função do legislador ordinário, que fica, de qualquer forma, relegada a um plano extremamente subalterno e colateral. Poderíamos afirmar, ainda, que Zagrebelsky ensaia uma postura pós-estruturalista frente aos direitos, mas o faz apenas pela metade, pois não faz caso de uma crítica à razão moderna, que, em última análise, é a geradora de toda a concepção de direito do século XIX por ele criticada.

[15] A pluralidade de princípios e de valores objetivados na Constituição justifica o tratamento não formalista ou não-hierárquico dos fenômenos jurídicos. Jogam, aqui, de maneira importante, as ideias de ponderação, proporcionalidade e de otimização. Uma relatividade ética que não significa não se ter, do mundo, uma concepção de forma objetiva, mas sim que a superveniência do mundo é condição necessária para a realização do próprio projeto ético.

[16] Em nova perspectiva a respeito do entendimento sobre segurança jurídica – englobando a ideia de proteção à confiança – surgiu e solidificou quando o Estado liberal burguês deu lugar ao Estado social ou Estado-providência. A maior dependência da população em relação aos atos estatais e, por consequência, a maior ingerência do estado sobre a vida dos cidadãos fez com que a expectativa depositada pelas pessoas também precisasse ser protegida. Então, diante das mudanças estruturais e conjunturais que atravessaram a sociedade capitalista, as garantias instituídas não poderiam limitar-se a defesa do indivíduo contra o poder estatal, mas necessitavam abarcar a defesa do indivíduo – seus anseios, necessidades e expectativas – a partir da ação do poder estatal, sob pena de os ordenamentos jurídicos não servirem às sociedades que buscavam conformar.

[17] Para Zagrebelsky, a atual concepção constitucional europeia é uma mescla das duas concepções, a saber, a pré-estalinista, subjetivista e jurisdicional dos (i) Estados Unidos e a (ii) francesa, legislativa, estatal e objetiva. Com isso, se consegue um equilíbrio importante, sem perder de vista a divisão fundamental que elas devem manter. Esse equilíbrio é, na atualidade, o que possibilita as bases para o controle de constitucionalidade das leis.

[18] Ainda no início do século passado, surgiram duas escolas fundamentais na Alemanha, com base na Teoria Geral do Direito e da Metodologia Jurídica Geral. Da primeira (Teoria Geral do Direito) emergiu a assim chamada Escola do Direito Livre (R. Stammler), postulando pela existência de um “juiz régio”, o qual poderia mesmo ignorai’ a lei, em alguns casos, quando esta correspondesse às novas ideias sociais.

A segunda, encabeçada por Gustav Radbrusch, pregava o “método de interpretação objetiva”: o “teor da literal, a gênese, a sistemática e, sobretudo, a telos, a ratio, a finalidade da lei, deveria (sic) ser os critérios por meio dos quais o sentido da lei precisava ser identificado.”.

[19] O presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, saudou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu que a partir de agora o Congresso Nacional não pode mais incluir, em medidas provisórias (MPs) editadas pelo Poder Executivo, emendas parlamentares que não tenham pertinência temática com a norma, o chamado “jabuti”. “Trata-se de um grande avanço, que prestigia e valoriza o trabalho do Poder Legislativo, ao evitar que temas importantes sejam aprovados sem que tenham passado por um amplo debate”, destacou Marcos Vinicius. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5127, por meio da qual a Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) questionava alterações feitas na MP 472/2009, convertida na Lei 12.249/2010, que resultaram na extinção da profissão de técnico em contabilidade. A MP em questão tratava de temas diversos, que não guarda relação com a profissão de contador. Por maioria, o Plenário julgou improcedente a ação, mantendo a validade da norma questionada em razão do princípio da segurança jurídica. Contudo, o Tribunal decidiu cientificar o Congresso Nacional de que a prática é incompatível com a Constituição Federal.

[20] As incertezas geradas pela recente reforma trabalhista no Brasil, aliás, lembrando que a referida Medida Provisória não fora transformada em lei, demonstram nitidamente como o setor produtivo fica fragilizado juridicamente, pois não existe segurança para a aplicação da dita legislação em razão de manifestações contundentes, em setores do Judiciário, repudiando expressamente a grande maioria das mudanças decretadas por ferir os direitos dos trabalhadores consolidados ao longo do tempo, seja na CLT, seja no texto constitucional vigente. E, mesmo as já alegadas inconstitucionalidades devem ser julgadas pelo STF, a quem incumbe ser guardião da Constituição Federal de 1988 e detentor da última palavra a respeito da validade e eficácia das referidas alterações legislativas.

[21] O princípio da segurança jurídica tem sido usado para a preservação de atos inválidos, que por vezes são impossibilitados de serem anulados para respeitar os princípios da boa-fé e da proteção à confiança. Nota-se, então, como afirma Couto e Silva, que os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança são elementos conservadores inseridos na ordem jurídica, e visam a manter o status quo e evitar surpresas quanto à conduta do Estado que atinjam interesses dos administrados ou frustram suas

expectativas, ainda que manifestada em atos ilegais. Segundo Judith Martins-Costa sobre o princípio da segurança jurídica, trazendo-o como subprincípio do Estado de Direito e importante instrumento da Administração Pública para garantir mecanismos de realização de direitos fundamentais e das expectativas que gera na esfera política de particulares.

[22] Conclui-se, é preciso desfrutar do ambiente constitucional brasileiro para confirmar que a segurança jurídica contemporânea (se é que existe algum conceito uno de segurança jurídica ) transitou da figura da segurança na lei para a segurança no juiz, o que se apresenta, em meu entendimento, mais honesto, sob o aspecto da aplicação ideológica da lei (não neutra), e mais coerente com os anseios de uma sociedade que não é geral e, muito menos, abstrata (características essenciais da lei), mas sim, concreta e localizada, como de fato são concretos os sujeitos e localizados os problemas da vida.

[23] Oportuno esclarecer que o princípio da boa-fé é dotado de duas cargas distintas, uma subjetiva e outra objetiva. Tem sido destacado pela doutrina mais recente, após a edição do CC, o aspecto objetivo da boa-fé, sem que se dê devida importância ao seu plano subjetivo. Não parece correto “esquecer” do plano subjetivo da boa-fé, pois esta encena, sim, ainda hoje, destacado papel na contratação, notaram ente nas tratativas preliminares e na formação do contrato. Ao abordar aspectos posteriores à vigência do CC, sustenta Miguel Reale que a boa-fé objetiva resulta da intencionalidade ou do “[…] propósito de guardar fidelidade ou lealdade ao passado”.

[24] A expressão “ativismo judicial” foi empregada pela primeira vez nos Estados Unidos, ano de 1947, em um artigo de autoria de Arthur Schlesinger que classificava os membros da Suprema Corte, à época, em “ativistas” ou “campeões da autocontenção”. Para o doutrinador, os juízes ativistas estavam “voltados para a solução de casos particulares de acordo com suas próprias concepções sociais”, enquanto os autocontidos importavam-se com a “preservação do Judiciário na sua posição relevante, mas limitada dentro do sistema americano”. Sobre a classificação proposta por Schlesinger, Leal afirma tratar-se de “uma divisão muito singela”, que implica no reconhecimento de um grupo substancialista (praticantes do ativismo) e outro procedimentalista (praticantes do self restraint), embora tal dicotomia ainda não fosse utilizada.

[25] Dimitri Dimoulis, por outro lado, tem uma visão mais abrangente da ideia de segurança jurídica, relacionando-a a questão da previsibilidade. Para ele, “o indivíduo não só conhece aquilo que pode e não pode fazer e as consequências da eventual violação da norma, mas sabe também que o Estado nunca o surpreenderá”. Desta forma, o Estado resta limitado em seu próprio poder, e existindo o Direito como orientador das relações sociais, a previsibilidade das consequências jurídicas está assim garantida e a sensação de segurança também.

[26] O Conselho Nacional de Justiça aprovou o Provimento 68, de 3 de maio de 2018, que certamente irá fornecer a todos os operadores do Direito e consulentes melhor efetividade jurisdicional. o CNJ relatou o Provimento 68, que dispõe sobre a uniformização dos procedimentos referentes ao levantamento de depósitos judiciais e bloqueio de valores, que diz em seu artigo 1º: “As decisões, monocráticas e colegiadas, que deferem pedido de levantamento de depósito condicionam-se necessariamente à intimação da parte contrária para, querendo, apresentar impugnação ou recurso. § 1º. O levantamento somente poderá ser efetivado 02 (dois) dias úteis após o esgotamento do prazo para recurso”. O intuito do CNJ não é de obstar qualquer levantamento judicial ou bloqueio de recursos monetários e afim, mas, sim, otimizar e parametrizar o modelo processual e administrativo do levantamento judicial em sentido amplo, o que é oportuno e traz praticidade e organização ao pleito judicial.

[27] Aliás, a prática ética ganhou relevância no nível de eficácia da própria lei, uma vez que a partir deste valore inerente à sociedade (trata-se, antes de tudo, de valor social do que propriamente jurídico) é o que se erigiu e foi sancionada a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.Assim adentrou a eticidade dentro da regulação das relações civis.

[28] Há várias etapas do processo decisório judicial e a importante função dos julgados anteriores – que têm várias denominações, como acórdão, precedente, jurisprudência, súmula e direito sumular. Afinal, o que é acórdão? É a concentração de um julgado. É a forma material da expressão da decisão judicial. e, O que é o precedente? É uma decisão anterior persuasiva para decisões futuras. Não é compulsória; apenas norteará o futuro julgador a seguir aquela decisão. Serve de informação, de simplificação de trabalho.

[29] O relatório Conselho de Estado da França faz-se menção à desordenada proliferação dos textos a gerar uma sempre crescente complexidade (no caso europeu agravada pela multiplicação das fontes formais de produção legislativa) do Direito. Retomando o fluxo do raciocínio, pode-se definir: Leis claras – Por leis claras entendem-se as leis que evitam normas confusas ou dotadas de obscuridade em decorrência da utilização de termos equívocos. Leis inteligíveis – De seu turno, leis inteligíveis hão de ser entendidas por oposição a leis cuja complexidade, sem embargo da precisão de seus termos, faz com que se tornem incompreensíveis aos seus destinatários. Em outras palavras, as leis inteligíveis, além da clareza antes indicada, necessitam de precisão quanto a seus termos e de compreensibilidade não exatamente pelo homem médio, como se possa supor, mas pelo destinatário da regra, pelo sujeito de direito que caiba no âmbito de vigência pessoal da norma. Leis estáveis – São leis mais ou menos duráveis, que dão ao jurisdicionado a sensação de perenidade ou, ao menos, de continuidade. A admissão da necessidade de leis estáveis não quer e não pode implicar o engessamento do Direito. Quer expressar – isso sim – que a estabilidade das leis significa, como fator de segurança jurídica, a necessidade de maturação das leis que integram o ordenamento jurídico e o repúdio às leis de oportunidade. Leis acessíveis – Têm-se como tais aquelas postas à disposição do conhecimento do jurisdicionado. O velho brocardo ignorantia legis neminem excusat necessita de um mínimo de realidade na ficção que representa. O conhecimento do Direito é condição essencial para que o sujeito possa conduzir-se na forma exigida. É necessário, pois, para que seja atendido o requisito da acessibilidade que a publicidade da lei seja satisfeita permitindo, assim, o conhecimento material e intelectual (inteligibilidade) das normas jurídicas reitoras da conduta. Respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada – Escapa à perspectiva desta investigação o exame pontual de cada um desses conceitos, como manifestações do princípio da segurança jurídica. Seu exame se justifica no Direito francês que, por não possuir em sua tradição constitucional preceitos dessa ordem, teve a necessidade de realizar largos desenvolvimentos teóricos e jurisprudenciais de sorte a criar barreiras seguras à retroatividade das leis.

[30] A jurisprudencialização do direito é um problema, primeiramente, enquanto fenômeno, pois surge da necessidade de uniformização do direito, com viés à segurança jurídica. Contudo, levado a efeito tal fenômeno, a primeira base a sofrer abalo será a manutenção da segurança jurídica, pois a lei, que é geral, abstrata e impessoal, terá sua aplicação modulada, ou até relativizada pela jurisprudência. Não há maior fonte de insegurança jurídica que a ilegalidade, e não há pior ilegalidade que aquela praticada pelo Estado-juiz. A jurisprudencialização do direito é, igualmente, um problema jurídico-institucional, primeiro por inconstitucionalidade, pois não há sequer um traço de previsão no texto constitucional de relativização do princípio da legalidade quando a lei contrariar a jurisprudência. Depois, por contrariedade à formação do ordenamento (dentro do conceito do binômio de produção-execução, de Kelsen), pois a lei de introdução à norma do Direito brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil) não estabelece que a Jurisprudência seja fonte do direito em caso de omissão da lei, pois prevê que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, logo tal inserção no CPC não decorre da lei geral (e, como dito acima, não decorre da CF, decorrendo, senão, da – vil – vontade do legislador em inovar sem solucionar) sendo, assim, ilegal, pois não respeitou o processo de construção do ordenamento na forma de produção-execução (o que aqui arrisco dizer seja o único aceitável num sistema de pirâmide normativa como o nosso).

[31] O efeito vinculante já foi consagrado na Emenda Constitucional n. 3/1993, ao estabelecê-lo, quanto às decisões definitivas de mérito, nas ações declaratórias de constitucionalidade (redação do art. 102 da CF, acrescentando o § 2º). Destaque-se, ainda, o disposto na Emenda Constitucional no 45/04, no § 2º do art. 102: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direita e indireta, nas esferas, estadual e municipal”.

[32] Partindo dessas ideias, André Ramos Tavares, em seu livro “Curso de Direito Constitucional”, faz menção a três elementos essenciais da segurança jurídica: a) a necessidade de certeza, de conhecimento do Direito vigente e de acesso ao conteúdo desse Direito; b) a possibilidade de conhecer, de antemão, as consequências pelas atividades e pelos atos adotados; e c) a estabilidade da ordem jurídica. A estabilidade mínima da ordem jurídica consiste em cláusulas pétreas, decorrente da dificuldade de alteração das normas constitucionais; e em limitações materiais impostas ao legislador e às demais fontes do Direito. Pode-se dizer assim, que a segurança jurídica se projeta tanto para o passado (irretroatividade das leis e das emendas à constituição) quanto para o futuro (com a pretensão de estabilidade mínima do Direito e com seus institutos destinados a alcançar esta finalidade, como as cláusulas pétreas, por exemplo).

[33] A independência do julgador não é afetada porque pode não aplicar a Súmula, caso o texto for inaplicável à espécie. O juiz está adstrito à lei, e sua liberdade tem esses parâmetros. A jurisprudência não sofrerá com a súmula, porque sua evolução ocorrerá com os cancelamentos, alterações e até adequação de entendimento (Súmula 346 – nulidades dos atos administrativos, entendida pela Súmula 473).

[34] Zagrebelsky, entretanto, não nos diz como manejar essa enorme complexidade “dúctil” dos direitos, porquanto se detém em uma linguagem extremamente metafórica e abstrata. Se, por um lado, o pluralismo é um valor ético quase consensual, por outro, o problema a ser resolvido é justamente como operar as questões intrincadas que surgem na prática da convivência humana multicultural, essencialmente conflituosa. Ponderação, proporcionalidade ou otimização são conceitos extremamente abertos. O artifício de transferir a rigidez para a lei ordinária, com o objetivo de justificar a “ductilidade” da Constituição, pode ser eficaz em termos de segurança jurídica formal, mas é contraproducente no que diz respeito à segurança jurídica material, e pode identificar-se, muito bem, com as concepções autoritárias de Estado

[35] Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público, em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado”, escreveu Ministro Celso de Mello.

[36] A Lei 1.1417, de 19/12/2006, estabelece regras sobre a edição da súmula vinculante. O Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, pode editar enunciada de súmula, que terá efeito vinculante.

[37] A função criativa do juiz, que se realiza em uma organização originariamente concebida para uma ideia burocrática do magistrado, não significa nunca que os juízes sejam os senhores do direito, mas que o legislador deva se acostumar a ver suas leis tratadas como parte do direito, e não como todo o direito. Isso significa, ainda, que se deve guardar fortes reservas em relação às chamadas sentenças-lei – em uso, todavia, em alguns ordenamentos jurídicos, como no caso brasileiro, no âmbito dos direitos coletivos do trabalho. Zagrebelsky termina sua obra enfatizando que os juízes são, simplesmente, os guardiões da complexidade estrutural do direito, no marco da necessária e dúctil coexistência entre lei, direitos e justiça.

[38] A posição contemporânea do magistrado não mais pode ser encarada com desconfiança e, muito menos, com surpresa, até porque, tanto em sistemas estrangeiros como também no brasileiro, se observa uma aperfeiçoada evolução no papel do magistrado diante da construção do sistema jurídico. É verdade que inicialmente, na Europa existiu a rígida divisão dos Poderes do Estado, conforme apregoado por Montesquieu, figurando o juiz como mera “boca do legislador”, situação que perdurou até meados do século IX. Em sequência, a partir do início do século XX, e apesar da retrógada posição codicista (do CC de 2002), o magistrado passou a ser intérprete da lei.

[39] A mudança de jurisprudência é perfeitamente possível, porém, não se pode ignorar que esta pode prejudicar a confiabilidade e a previsibilidade do Direito, além de pôr em risco a atuação da jurisprudência como parâmetro para definição da conduta dos jurisdicionados. Pois a atuação dos tribunais deve ocorrer de forma que os jurisdicionados possam planejar seu futuro com base nos entendimentos por estes mesmos firmado, que possam definir a conduta que adotarão considerado um desenvolvimento refletivo e sistemático da jurisprudência.

[40] A ideia de ductilidade constitucional é muito atraente. Faz-nos recordar, por exemplo, de um conceito da filosofia pós-estruturalista francesa, “rizoma”, que é um modelo imaginado por Deleuze y Guattari para a realização das multiplicidades – no plural. Segundo Deleuze, as multiplicidades seriam a própria realidade. Para esses autores a filosofia é a própria teoria das multiplicidades. Este paradigma, “rizoma”, funciona a partir de características aproximativas completamente heterodoxas11: conexão ampla entre seus elementos, heterogeneidade, multiplicidade, ruptura a-significante, cartografia e decalcomania (decalcomanie). É concebido como um instrumento epistemológico pós-estruturalista, para uma das possibilidades de condução da razão e do conhecimento contemporâneos.

[41] A nova abordagem dada à segurança jurídica, a visão intimamente ligada ao aspecto subjetivo, à proteção à confiança depositada pelo cidadão, que traz consigo um método inovador de analisar as situações apresentadas. Talvez fruto do ativismo judicial do qual o Supremo Tribunal Federal é constantemente acusado de praticar, talvez fruto da irradiação dos princípios entre as diferentes áreas do direito – partindo, principalmente, do Direito Constitucional –, o aspecto subjetivo da segurança jurídica, ainda que não expressamente nomeado desta maneira, a não ser em excetos da doutrina, está certamente presente no pensamento da Corte Constitucional brasileira atualmente.

[42] O neoconstitucionalismo surge na Alemanha do pós-guerra, marcada pelas arbitrariedades do conflito. Promove o deslocamento da Constituição para o centro do ordenamento jurídico e consolida a supremacia constitucional, ou seja, a prevalência das disposições constitucionais sobre as demais leis. Passou a Constituição a ter caráter normativo e superior. Destarte, os direitos fundamentais outrora negligenciados agora impõem absoluto respeito e condicionam a atividade dos Poderes do Estado, podendo ser invocados diante das mais diversas situações. Inova também o neoconstitucionalismo em atribuir o resguardo dos direitos fundamentais ao Poder Judiciário e instaurar uma nova forma de interpretação jurídica – a interpretação constitucional – que decorre da normatividade da Constituição e está calcada na incorporação de princípios ao seu texto. Tais princípios, segundo Barroso, diferem das regras propriamente ditas por não serem enunciados descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram valores ou indicam fins públicos. Daí advém o método resolutivo da ponderação, consubstanciado no sopesamento de princípios constitucionais conflitantes.

[43] Desta forma, surge o pós-positivismo que, como afirma o Ministro do STF, Barroso, busca ir além da legalidade estrita, porém sem superar o direito posto e, embora procure empreender uma leitura moral do Direito, não se vale de categorias metafísicas para realizá-la. O marco teórico do neoconstitucionalismo está pautado em três grandes transformações ou rupturas paradigmáticas: força normativa da Constituição, expansão da jurisdição constitucional e nova interpretação constitucional. O processo de redemocratização do pós-guerra formulou na Europa um novo conceito de Constituição, pela atribuição de normatividade à Carta Magna, antes tida como documento fundante do Estado, de valor jurídico ínfimo. Deixa, portanto, a Constituição de ser um documento meramente político, portador de românticas promessas, para nortear as relações jurídicas que ocorrem sob sua égide, afirmando direitos dos cidadãos, deveres do Estado e atribuições de cada poder que o compõe.

[44] O juiz não é o novo senhor do direito e, mais do que isso, aduz que há uma radical incompatibilidade entre a ideia de Estado e qualquer noção apropriadora do fenômeno jurídico. Para que isso se viabilize, contudo, é necessário bem mais do que uma abstrata crença nas virtualidades emancipatórias de uma aberta exegese dos princípios jurídicos.

[45] Em sentido diverso, Luigi Ferrajoli entende que o constitucionalismo rígido não é uma superação, mas sim um reforço do positivismo jurídico, por ele alargado em razão de suas próprias escolhas – os direitos fundamentais estipulados nas normas constitucionais – que devem orientar a produção do direito positivo. Para o autor, o neoconstitucionalismo (expressão não defendida em sua obra) representa um complemento tanto do positivismo quanto do Estado de Direito: do positivismo porque positiva não apenas o “ser”, mas também o “dever ser” do direito; e do Estado de Direito porque comporta a submissão, inclusive da atividade legislativa, ao direito e ao controle de constitucionalidade. A esse respeito, coerentemente pontua Albert Calsamiglia apud Oliveira Meneses: Pienso que el postpositivismo es herdero del positivismo y desplaza su centro de atención hacia problemas que sugieren uma retificación o matización de algunas de sus teses más importantes: la indeterminación del derecho y la conexion entre derecho y la moral están en la agenda prioritária de la reflexión actual. In: OLIVEIRA MENESES, Natália Juliana. Do Estado-Juiz ao Juiz-Estado: neoconstitucionalismo, ativismo judicial e segurança jurídica no Direito brasileiro. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/44112/do-estado-juiz-ao-juiz-estado-neoconstitucionalismo-ativismo-judicial-e-seguranca-juridica-no-direito-brasileiro Acesso em 8.7.2018.

[46] Ao relacionar a segurança jurídica ao exercício jurisdicional implica em considerar a independência do magistrado, na medida em que projeta a adoção de mecanismos limitadores da atividade jurisdicional, ainda que em situações especiais. Afinal, a independência do magistrado no exercício da jurisdição, no âmbito do Estado Democrático de Direito, é essencial, particularmente ao resguardo de direitos fundamentais individuais e coletivos. A observância da independência jurisdicional, entretanto, não se esgota em tais prerrogativas, pois pode restar comprometida a partir de limitações impostas ao seu exercício na busca de simetria, com o propósito de conferir eficácia ao mandamento constitucional da segurança jurídica.

[47] Anne-Laure Valembois, indica que a segurança jurídica foi teorizada no séc. XII, quando foram elaborados os primeiros princípios da dialética. Com efeito, continua, foi naquela época que a primeira reflexão universitária, fundada sobre a pesquisa e sobre a resolução de contradições repercute no Direito e conduz, em Bolonha, por exemplo, à redação, em 1139, do Decreto de Graciano que tem por objetivo conciliar os cânones contraditórios editados até então, conferindo, assim, uma coerência ao Direito Canônico. In: Valembois, Anne-Laure La constitutionnalisation de l’exigence de sécurité juridique en droit français, p. 10.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Considerações sobre o conceito de segurança jurídica no ordenamento jurídico brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/consideracoes-sobre-o-conceito-de-seguranca-juridica-no-ordenamento-juridico-brasileiro/ Acesso em: 21 nov. 2024