Comentário sobre a ADI movida pelo PPS.
Francisco César Pinheiro Rodrigues*
A ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada no STF, é contra a nova portaria da classificação indicativa, obrigando as TVs a respeitar um horário, conforme o conteúdo de licenciosidade das cenas.
O questionamento do PPS, quanto à portaria em questão, através da ADI, só pode estar motivado pelo desejo de maior visibilidade política. Não obstante eu tenha o maior respeito pelo ilustre senador Roberto Freire, presidente do Partido, um homem inegavelmente culto, independente e de honestidade a toda prova, faço votos que perca essa demanda. E digo mais: se Roberto Freire fosse hoje ministro do STF — teria condições de sobra para ocupar esse cargo — minha convicção é a de que, como magistrado, “daria um jeito” de rejeitar a pretensão que agora apresenta como presidente de seu partido. A expressão entre aspas justifica-se porque o juiz brasileiro, mergulhado em um congestionado oceano de artigos de lei, constitucionais e infra-constitucionais, muitas vezes vê-se obrigado a “encaixar”, “manobrar” e compatibilizar preceitos para exercer suas funções com algum respeito pela própria consciência.
Passei mais de vinte anos sem assistir a um único capítulo de novela na TV. Não me interessava pelas papagaiadas, geralmente mal interpretadas, com atores que sequer tentam esconder o fato de que estão representando. Parecem atores de cinema mudo, exagerando demais na expressão fisionômica. Aparentam horror à naturalidade, como que receosos de que se o ator não mostrar medo, ódio, etc, de modo bem explícito, com caretas, o telespectador não vai entender. Alguns, mais notórios, talvez cansados de tanto representar — mas não de aparecer na tela — sorriem mecanicamente, em pura ginástica das bochechas, sem a menor correspondência com a expressão dos olhos, que se mantêm tristes ou entediados.
Mas não é o lado artístico das novelas que interessa aqui. Um dia desses, movimentando o controle remoto, parei em um canal em que duas pessoas “faziam amor”, como se diz pudicamente, mas de uma maneira por demais explícita, incompatível com o horário. Minha neta, ainda menina, não poderia assistir aquilo, razão porque mudei imediatamente de canal. E com filmes a coisa ainda é pior.
Se o Estado deve se importar com a formação moral de sua juventude — e deve mesmo, com ou sem determinação constitucional explícita — é preciso que haja, no mínimo, uma obrigação de que cenas “avançadíssimas”, em matéria de sexo e palavrão, só apareçam nas telas depois de determinado horário. Como não é possível uma censura prévia, impossível de se fazer até mesmo por considerações práticas, o mínimo que pode o governo é estabelecer um horário que diminua um pouco o acesso de crianças às cenas de sexo explícito, ou “quase explícito”.
Falar em “liberdade artística” e ‘tempos da ditadura” é pura enganação e demagogia. Temas políticos devem, claro, ser livres de restrições de horário, mas “apelações”, exageros escandalosos e bem explícitos é outra questão. Se um casal de atores, em pleno horário nobre, aparece praticando o sexo oral, de forma bem visível, não tem cabimento alegar que faz o ato “de forma artística”. A Arte, bem como a própria Ciência, têm limites de compatibilidade com a decência média do país. Pode-se “cercear” a Ciência? Em certos casos, sim. Se um cientista quiser mostrar, no vídeo, os limites da dor em uma cobaia humana, amarrada, gritando e estrebuchando, ninguém censuraria a intervenção estatal para parar com isso. O mesmo acontece com a Arte, que deve se compatibilizar com os sentimentos médios do país. Artistas e diretores, principalmente quando em carência de criatividade, precisam se manter em evidência, chamando a atenção, nem que seja pelo comportamento escandaloso. Se o leitor estiver sentado em um restaurante e na mesa vizinha um casal passa a ter relações sexuais em cima da mesa, certamente o leitor vai reclamar ao gerente, mesmo que o casal em questão alegue que está praticando o ato sexual de forma artística. E dizer que os pais podem proibir os filhos menores de assistir as cenas mais escabrosas é desconhecer a realidade diuturna, com os pais trabalhando fora e nem sempre presentes na sala da televisão.
Não me compete ensinar o padre-nosso para o vigário. O STF tem gente mais qualificada do que o signatário. Se for permitida a bagunça total, restará a política de o Ministério Público, ou outro órgão legitimado, mover ações de indenização de danos morais contra as empresas de televisão, após as cenas escabrosas, pedindo milhões de indenizações, destinando tais verbas a entidades voltadas à proteção do menor.
Se eu votasse em Pernambuco, votaria sempre em Roberto Freire, mas pediria que ele desistisse dessa específica pregação. Sua inegável capacidade de homem público deve ser canalizada em outra direção. No caso, houve um “cochilo de Homero” pernambucano.
(26-7-2007)
* Advogado, desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP Instituto dos Advogados de São Paulo. Website do autor: www.franciscopinheirorodrigues.com.br
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