Direito Constitucional

A máxima da proporcionalidade nas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a ADPF 54/DF e o HC 124.306/RJ

Marina Almeida Ribeiro

Matheus Bruno Dias Cruz

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar os fundamentos do uso da máxima da proporcionalidade nos julgamentos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54, do Distrito Federal que tratou sobre a interrupção da gravidez em casos de gestação de feto anencefálico, e do Habeas Corpus 124.206, Rio de Janeiro que apesar de ter como objeto a prisão preventiva dos impetrantes em questão, expôs e levantou novos questionamentos acerca do aborto. Além disso, destacar-se-á os pontos em comum e divergentes entre as duas decisões a fim de melhor compreender as implicações das decisões ao longo do tempo.

PALAVRAS-CHAVE: Proporcionalidade. Aborto. Anencefalia. Mulher

1 INTRODUÇÃO

Em 2009, a partir do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental N 54, do Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal levantou discussões acerca de um tema não homogêneo na doutrina brasileira, um tema que perpassa pelo aborto, apesar das considerações das diferenças da questão suscitada na ADPF 54/ DF, qual seja a antecipação terapêutica do parto com relação ao aborto. Este, tipificado no Código Penal brasileiro, de 1940 e, por não haver ainda nenhuma decisão considerando as circunstâncias do feto anencefálico, como será considerada a partir dessa ADPF, incluía então, a interrupção da gestação em casos de anencefalia como integrante da conduta típica disposta nos tipos penais dos artigos 124, 126 e 128, I e II do Código Penal.

Justamente para retirar da interpretação de tipicidade, portanto, declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencefálico é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, do Código Penal brasileiro que foi o posicionamento adotado no julgamento da ADPF/ 54.

Ademais, ressalta-se aqui a importância da máxima da proporcionalidade para a compreensão da ponderação dos princípios envolvidos. É um método, portanto, através das suas três máximas parciais da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito que levam o julgador no caso concreto a ponderar e encontrar a melhor solução ao caso, visando à harmonia do sistema jurídico, levando-se em consideração também a harmonia social, com seus interesses coletivos eindividuais.

Sete anos depois, no final de 2016, outro julgamento importante suscitou novas discussões acerca do aborto, desta vez considerando a interpretação da interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. Nesse caso, como será melhor debatido no desenvolvimento deste trabalho, diferentemente da circunstância de anencefalia, explorada na ADPF 54, pode-se falar da potencialidade de vida extrauterina, portanto, também na proteção à vida. Entra em debate, então, pontos que convergem e divergem, se considerada uma análise comparativa entre a ADPF 54 e o Habeas Corpus 124.306. Ainda que recente e com efeito inter partes, a decisão do HC, na verdade, os fundamentos levantados através do HC, trouxeram à sociedade a identificação de uma maior relativização acerca do aborto.

Essas serão, portanto, algumas das questões a serem analisadas no desenvolvimento deste trabalho.

2. OS FUNDAMENTOS DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 54 DISTRITO FEDERAL

A ADPF/54 DF trata sobre a declaração de inconstitucionalidade da interpretação de determinados artigos do Código Penal que impossibilitariam a antecipação terapêutica do parto (como mais a frente será exposto, é considerado distinto do que seja propriamente o aborto) nos casos de diagnóstico de anencefalia. Portanto, ao delimitar o objeto da causa, no voto do relator Ministro Marco Aurélio consta:

Na inicial, pede-se a declaração de inconstitucionalidade, com eficácia para todos e efeito vinculante, da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40) que impeça a antecipação terapêutica do parto na hipótese de gravidez de feto anencéfalo, previamente diagnosticada por profissional habilitado. Pretende-se o reconhecimento do direito da gestante de submeter-se ao citado procedimento sem estar compelida a apresentar autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado (grifosnossos).

Através da complexidade do assunto em questão, apreende desde logo o confronto entre interesses, sendo estes de um lado, da mulher com relação à sua dignidade, por outro lado, da sociedade em assegurar o usufruto da vida. Perceptível, portanto, que são trazidos à luz da discussão direitos relacionados à saúde, à liberdade, ao usufruto da vida, aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres etc. Nesse caso, o ministro relator expõe não haver uma colisão real entre tais direitos, mas sim um conflito aparente. Com relação a isso, é importante apontar a distinção feita por Robert Alexy entre conflito entre regras e a colisão entre princípios. Segundo Alexy, “um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida”[1]. Diferentemente, a colisão entre princípios não impõem a invalidade de um sobre o outro, nem de introdução de uma cláusula de exceção. Neste caso de colisão, deve-se, então, sopesar os princípios com base no caso concreto. Dessa forma, ao falar sobre a lei da colisão, Alexyesclarece:

Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão da precedência seja resolvida de forma contrária (p. 96,2014).

Então, o conflito aparente ao qual se referiu o relator do processo explica-se, de forma que ante um diagnóstico de certeza de anencefalia, inexiste presunção de vida extrauterina[2], não caberia dizer, portanto, se tratar de aborto sendo inaplicável o direito à vida ao feto anencéfalo. Dessa forma, vê-se sobressaltar o direito da gestante. As considerações com relação às prerrogativas da gestante indicam circunstâncias tanto físicas como psicológicas que devem ser levadas em conta. De acordo com as explicações de diversas autoridades científicas que foram ouvidas no processo, destaca-se pelo menos duas implicações expostas na ADPF 54/DF no que condiz ao direito da gestante da possibilidade de antecipação terapêutica do parto nas condições aqui discutidas (fetoanencéfalo):

1 – Consoante defendeu o então Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a gravidez de feto anencéfalo “pode levar a intercorrências durante a gestação, colocando a saúde da mãe em risco num percentual maior do que na gestação normal”. O Dr. Talvane Marins de Moraes, igualmente, realçou ser de alto risco a gravidez de anencéfalo, até pela probabilidade bastante aumentada de o feto perecer dentro do útero (p. 39, Supremo Tribunal Federal, ADPF 54/DF,2009).

2 – […] a manutenção compulsória da gravidez de feto anencéfalo importa em graves danos à saúde psíquica da família toda e, sobretudo, da mulher. Enquanto, numa gestação normal, são nove meses de acompanhamento, minutoaminuto,deavanços,comapredominânciadoamor,emquea alteração estética é suplantada pela alegre expectativa do nascimento da criança; na gestação do feto anencéfalo, no mais das vezes, reinam sentimentos mórbidos, de dor, de angústia, de impotência, de tristeza, de luto, de desespero, dada a certeza do óbito (Idem, p. 41).

Diante dessas considerações, observa-se os aspectos negativos tanto físico quanto psicológico à gestante ao se fazer manter uma gestação em caso de anencefalia. Aspectos estes, principalmente com relação ao psicológico, muitas vezes irreversíveis. Cumpre ressaltar que não se trata de estabelecer como única saída a antecipação do parto nesses casos, mas sim de viabilizar, sem se interpretar, portanto, como uma conduta típica, a possibilidade – que cabe à mulher decidir e não ao Estado em impor – de optar pela antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia. Dessa forma, incumbe levantar a diferenciação estabelecida entre a antecipação anteriormente referida e o aborto propriamentedito.

A explicação dada considera que nos casos de anencefalia não se trata de abordo dado a potencialidade de vida extrauterina, que neste caso, na verdade não há, de acordo com os estudos científicos e os diagnósticos considerados atéhoje[3].

A antecipação do parto em casos de gravidez de feto anencéfalo não caracteriza aborto, tal como tipificado no Código Penal. O aborto é descrito pela doutrina especializada como “a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto (produto da concepção)”. Vale dizer: a morte deve ser resultado direto dos meios abortivos sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a potencialidade de vida extra- uterina do feto. Não é o que ocorre na antecipação do parto de um feto anencefálico. Com efeito, a morte do feto, nesses casos, ocorre pela má- formação congênita, sendo certa e inevitável ainda que decorridos os 9 meses normais de gestação. Falta à hipótese o suporte fático exigido pelo tipo penal (p. 7, petição inicial ADPF54/DF).

Nesse sentido, a partir do sopesamento dos direitos aqui apresentados quais sejam o direito à proteção da vida com relação ao feto anencéfalo, e o direito à saúde ou mesmo de autodeterminação da mulher, a máxima da proporcionalidade no caso em questão da ADPF/54 DF foi ressaltada como incompatível à ideia de se “privilegiar aquele que, em casos de anencefalia, não tem sequer expectativa de vida extrauterina, aniquilando, em contrapartida, os direitos da mulher, impingindo-lhe sacrifício desarrazoado”. Esse sopesamento se dá através de três máximas parciais, quais sejam da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentidoestrito.

A máxima parcial da adequação refere-se à medida adotada que deve ser pertinente à consecução dos fins previstos na lei. A satisfação do interesse público deve ser perseguida pelos meios idôneos, proporcionais, adequados, exigindo-se a existência de harmonia entre os meios empregados e os fins previstos na norma (CRISTÓVAM, 2006). No caso em questão, pode-se entender, portanto, que o pedido de declaração de inconstitucionalidade da interpretação em que se considera a antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia como incluído no tipo penal do aborto como adequado às pretensões de que a gestante possa dispor sua autonomia, sua liberdade e primordialmente, de sua saúde.

Com relação à máxima da necessidade, ou seja, mandamento do meio menos gravoso para a solução dessa colisão de princípios, ainda que se trate de uma alternativa complexa e intensa à qual a mulher deva se submeter, quando contraposto às outras condições pelas quais provavelmente passaria, compreende-se a necessidade de tal mandamento – antecipação terapêutica do parto -. Como exposto no voto do Ministro Relator Marco Aurélio na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental aqui explorada:

A imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será irremediavelmente a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de milhares de mulheres. O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido (p. 48,2009).

Tratando-se da proporcionalidade em sentido estrito refere-se ao sopesamento propriamente dito, ou seja, a partir de então decorre a análise da relativização que possa ser dada às possibilidades jurídicas em questão. No objeto da ADPF 54/DF, essa proporcionalidade em sentido estrito vislumbra-se com a relativização dos princípios em pauta, citando-se mais uma vez, quais sejam: o direito à proteção da vida, com relação ao feto anencefálico e, de outro lado, o direito de autodeterminação da mulher gestante nas circunstâncias aqui já explanadas.

Diante disso, compreende-se de início o argumento de que nenhum direito fundamental é absoluto, as circunstâncias envolvidas e o sopesamento dos direitos envolvidos que indicarão a preponderância de um sobre o outro, no caso concreto. Sendo, por isso, considerada no julgamento da ADPF 54/DF, a ponderação favorável aos direitos da gestante de poder optar pela interrupção da gestação no caso de anencefalia, ficando tal conduta afastada da conduta típica prevista nos artigos 124, 126 e 128, incisos I do Código Penal[4].

3. OS FUNDAMENTOS DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE NO HABEAS CORPUS 124.306 RIO DEJANEIRO

No Habeas Corpus 124.306, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal afastou a prisão preventiva de denunciados pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha (artigos 126 e 288 do CódigoPenal).

Para o Min. Luís Roberto Barroso não estão presentes no caso os requisitos que legitimam a prisão cautelar (artigo 321 do Código de Processo Penal); os acusados são primários e com bons antecedentes; têm trabalho e residência fixa; e têm comparecido devidamente aos atos de instrução do processo; (p. 5, HC 124.306, 2016).

Ademais, é necessário averiguar a própria constitucionalidade do tipo penal imputado, pois, para ser compatível com a constituição, a criminalização de determinada conduta exige que esteja em jogo a proteção de um bem jurídico. Nesse caso, o bem jurídico protegido é a vida potencial do feto, que é visivelmente relevante. No entanto, a criminalização do aborto antes da conclusão do terceiro mês de gestação, para o referido Ministro, viola diversos direitos fundamentais da mulher, além da não observância suficiente do princípio daproporcionalidade.

O princípio da proporcionalidade, segundo Humberto Ávila, se aplica a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação, o da necessidade, e o da proporcionalidade em sentido estrito. (p. 112, 2005).

Trata-se, portanto, do esclarecimento da adequação necessária entre o fim de uma norma e os meios que esta utiliza para atingi-lo. Acerca do assunto, dispõe o Min. Luís Roberto Barroso, em seu voto-vista:

Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: (Vide ADPF 54) Pena – detenção, de um a três anos.

Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante: (Vide ADPF 54) Pena – reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência;

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54) Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

O princípio da proporcionalidade destina-se a assegurar a razoabilidade substantiva dos atos estatais, seu equilíbrio ou justa medida. Em uma palavra, sua justiça. Conforme entendimento que se tornou clássico pelo mundo afora, a proporcionalidade divide-se em três subprincípios: (i) o da adequação, que identifica a idoneidade da medida para atingir o fim visado; (ii) a necessidade, que expressa a vedação do excesso; e (iii) a proporcionalidade em sentido estrito, que consiste na análise do custo-benefício da providência pretendida, para se determinar se o que se ganha é mais valioso do que aquilo que se perde. (BARROSO, p. 8, HC 124.306, 2016).

Em relação ao subprincípio da adequação, a administração e legislador têm o dever de escolher um meio que simplesmente promova o fim. Como dispõe André de Carvalho Ramos:

[..] exige que a medida estatal seja adequada para alcançar os fins almejados. Ou seja, combate-se as medidas ineficazes ou inadequadas, ou seja, a priori inúteis. Esse verdadeiro truísmo (se a medida é ineficaz ou inadequada ao fim proposto não deveria ser tomada, porque o sacrifício gerado é inútil) é de extrema importância para o controle de proporcionalidade das leis. Há vários casos de leis de intervenção no domínio econômico ou profissional que contém dispositivos ineficazes. Por exemplo, determinada lei exige diploma específico de jornalismo para exercício da profissão de jornalista para assegurar a qualidade e a ética profissional. Sem contar outros argumentos contra tal exigência, tal lei é ineficaz e inadequada, pois nada garante que um jornalista diplomado em profissão específica será mais rigoroso ou mais ético na apuração e qualidade das matérias jornalísticas de que outro. (p. 53, 2012).

No que tange ao caso analisado, é relevante destacar que a criminalização não diminui a quantidade de abortos, na realidade, afeta a quantidade abortos seguros, consequentemente aumentando o número de mulheres que morrem ou possuem complicações de saúde em detrimento da prática clandestina. Dispõe o Min. Luís Roberto Barroso:

Na prática, portanto, a criminalização do aborto é ineficaz para proteger o direito à vida do feto. Do ponto de vista penal, ela constitui apenas uma reprovação “simbólica” da conduta . Mas, do ponto de vista médico, como assinalado, há um efeito perverso sobre as mulheres pobres, privadas de assistência. […] Portanto, a criminalização do aborto não é capaz de evitar a interrupção da gestação e, logo, é medida de duvidosa adequação para a tutela da vida do feto. (BARROSO, p. 14, HC 124306, 2016).

Em relação à necessidade, exige-se a verificação da existência de meios que sejam alternativos àquele inicialmente escolhido pelo Poder Legislativo ou Poder Executivo, e que possam promover igualmente o fim sem restringir, na mesma intensidade, os direitos fundamentais adequados. (ÁVILA, p. 122, 2005).

Para o Min. Luís Roberto Barroso, uma política alternativa é a descriminalização do aborto no primeiro trimestre de gestação, desde que se cumpram alguns requisitos procedimentais que permitam que a gestante tome uma decisão consciente. Além disso, a existência de apoio à grávida e à sua família, como creche e assistência social são opções para combater a impossibilidade de custear a criação dos filhos e a drástica mudança na vida da mãe. Ademais, programas de planejamento familiar, distribuição gratuita de anticoncepcionais e assistência especializada à gestante e educação sexual refutam a falta de informação. (BARROSO, p. 15, HC 124.306,2016)

Já o juízo de proporcionalidade em sentido estrito consiste na valoração comparativa entre, de um lado, as vantagens de uma medida e, de outro, o sacrifício exigido a um direito fundamental. A análise de custo e benefício tem que ser feita para evitar medidas desequilibradas, que geram mais transtornos aos titulares dos direitos restringidos que benefícios gerais. (RAMOS, p. 53, 2012).

A tipificação penal do aborto restringe o direito das mulheres e confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade física e psíquica da mulher, além do impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Ademais, o peso da proteção do feto aumenta na medida de seu desenvolvimento. Por isso discorre Luís Roberto Barroso:

Sopesando-se os custos e benefícios da criminalização, torna-se evidente a ilegitimidade constitucional da tipificação penal da interrupção voluntária da gestação, por violar os direitos fundamentais das mulheres e gerar custos sociais (e.g., problema de saúde pública e mortes) muito superiores aos benefícios da criminalização. (BARROSO, p. 16, HC 124306, 2016).

CONCLUSÃO

Diante das discussões levantadas através do HC 124. 306 e resgatando-se as discussões também ressaltadas a partir da ADPF 54, é inegável que, em ambos os casos, as ponderações dos julgamentos acabaram, ao fim, sendo favoráveis aos direitos das mulheres, à sua autodeterminação, à sua liberdade e mesmo, à sua saúde. São, então, de forma geral, novas interpretações dadas pelo Supremo Tribunal Federal acerca dos dispositivos penais em questão[5]. No caso da ADPF, interpretações que devem ser respeitadas por todos e, no caso do HC,apesar do efeito interpartes,suscita a possibilidade de novas demandas no que se refere à não criminalização do aborto até o primeiro trimestre da gestação, tal qual foi explorado no voto do Ministro Luís Roberto Barroso.

Dessa forma, perceptível é a influência de tal julgamento, frente aos anseios da sociedade seja no que condiz às prerrogativas favoráveis à proteção da vida, ou ainda, potencialidade de vida, no caso, do nascituro, seja no que aduz aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Notoriamente, levanta-se o debate sobre a devida ou indevida criminalização do aborto e a eficácia social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ªed. alemã, traduzida por Virgílio Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros Editores, 2014.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Editora Malheiros, 2005.

BARROSO, Luís Roberto. Voto do Ministro Luís Roberto Barroso no Habeas Corpus 124306. Disponível em: < https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.pdf>

BRASIL, Código Penal. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: </http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm/>. Acesso em 23 jan 2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental N 54, Distrito Federal, 2009. Voto do Ministro Relator Marco Aurélio. Disponível em: </ http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.pdf/>. Acesso em: 18 jan 2017.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal.   Arguição   de   Descumprimento   de   Preceito Fundamental N 54. Petição inicial. Disponível em:

</http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=339091/>.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 124. 306, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:

</https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.pdf/>.  Acesso em: 18 de janeiro de2017.

CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2006.

RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. São Paulo: Saraiva, 2012.



[1] ALEXY,Robert.TeoriadosDireitosFundamentais.Trad:VirgílioAfonsodaSilva. 2ªed. Malheiros,2014.

[2] Vide p. 19, ADPF 54/DF.

[3] Vide págs. 38, 39 e 40, ADPF 54/DF.

[4] Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento

[5] Vide nota de rodapé 6.

Como citar e referenciar este artigo:
RIBEIRO, Marina Almeida; CRUZ, Matheus Bruno Dias. A máxima da proporcionalidade nas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a ADPF 54/DF e o HC 124.306/RJ. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-maxima-da-proporcionalidade-nas-decisoes-do-supremo-tribunal-federal-sobre-a-adpf-54df-e-o-hc-124306rj/ Acesso em: 22 fev. 2025