Os Juizados Especiais Cíveis surgiram como uma forma de desafogar o Poder Judiciário, bem como proporcionar uma justiça mais célere e gratuita ao alcance da sociedade para as causas de menor complexidade.
Sua criação pela Lei n° 9099/95 foi um marco na estrutura judiciária do país, mesmo que na atualidade muitas dessas entidades já se encontrem abarrotas de processos, conseqüência da grande procura por toda a comunidade.
Como regra, apenas as pessoas físicas capazes poderão ingressar com ações perante os Juizados Especiais Cíveis, é o que se compreende da expressa leitura do Art. 8º, §1º do aludido diploma, já com as alterações introduzidas pela Lei n° 12.126/09, conforme abaixo segue:
“Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
§ 1o Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial:
I – as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas;
II – as microempresas, assim definidas pela Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999;
III – as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999;
IV – as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1o da Lei no10.194, de 14 de fevereiro de
Conforme verificado, estão impedidas de interpor ações perante Juizados Especiais Cíveis as pessoas jurídicas, salvo aquelas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, as Sociedades de Crédito ao Microempreendedor e aquelas reputadas como Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.
Com relação às Microempresas, a própria Lei n° 9099/95 a autoriza o ajuizamento,
“Art. 74. Aplica-se às microempresas e às empresas de pequeno porte de que trata esta Lei Complementar o disposto no § 1o do art. 8o da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e no inciso I do caput do art. 6o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, as quais, assim como as pessoas físicas capazes, passam a ser admitidas como proponentes de ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.”
Desta forma, qualquer outra pessoa jurídica não poderá optar pelo Juizado Especial Cível para a solução de seus litígios quando figurar como autora da demanda, sob pena de expressa violação ao que disciplina a lei e acompanha a doutrina.
Apesar disso, a dúvida resta com relação à propositura de ação perante Juizados Especiais Cíveis pelos denominados Empresários Individuais não enquadrados como Microempresas ou Empresas de Pequeno Porte, o que vem sido negado por referidas instituições, sob a argumentação de que os mesmos seriam pessoas jurídicas, devendo por esta razão ingressar perante a Justiça Comum.
Tal entendimento em verdade é equivocado, uma vez que deixa o interprete da norma de observar a lógica das disposições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto.
A empresa, de acordo com o conceito introduzido no Brasil pela vigência do Código Civil de 2002, é a atividade econômica desenvolvida de forma organizada para a produção e circulação de bens ou serviços. Poderá ser desenvolvida pela constituição de uma pessoa jurídica, a partir da conjunção de vontades de vários interessados no mesmo fim social, ou por pessoa física individualmente.
Denomina-se Empresário Individual a pessoa física que resolve aventurar-se no desenvolvimento de uma empresa, fazendo-o por conta própria, não havendo sequer divisão patrimonial entre os bens que compõem a atividade e os particulares do aludido empresário.
Este pensamento é reforçado pelo ensinamento de FÁBIO ULHOA COELHO[1] ao expor o que se segue:
“Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.”
Mesmo expedindo um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas), o que se dá apenas para fins tributários, e instituindo um nome empresarial do tipo “firma”, o Empresário Individual não deixa de ser pessoa física, conforme o entendimento da maior parte da doutrina e jurisprudência especializada no assunto, a se destacar o posicionamento do STJ abaixo transcrito:
“(…)
– Empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer civis quer comerciais.
(…)” (STJ – RECURSO ESPECIAL: REsp 594832 RO 2003/0169231-3, Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 28/06/2005, Órgão Julgador: T3 – TERCEIRA TURMA, Publicação: DJ 01/08/2005 p. 443, RSTJ vol. 200 p. 327)
Em verdade tal fato se dá apenas para efeitos de recolhimento do Imposto de Renda, já que para fins tributários o Empresário Individual reputa-se como uma pessoa jurídica, conforme palavras de RUBENS REQUIÃO[2] abaixo transcritas:
“A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção legal somente para o efeito do imposto de renda”
A própria Lei n° 9.099/95 em diversos dispositivos demonstra claramente seu interesse em diferenciar o Empresário Individual da Sociedade Empresária, uma vez que em vários trechos de seu diploma individualiza os institutos como duas figuras diversas, conforme resta claro da leitura dos Arts. 9º e 18 abaixo destacados:
“Art. 9º (…)
§ 1º Sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local.
(…)
§ 4o O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício.”
“Art. 18. (…)
II – tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado;”
Apesar disto, não basta ser pessoa física, uma vez que a Lei n° 9099/95 exige ainda que referida pessoa seja capaz, restando necessário verificar acerca da capacidade para o exercício de uma empresa.
De acordo com o que preceitua o Art. 972 do Código Civil, reputa-se necessário para ser considerado empresário, que a pessoa física possua a devida capacidade civil e não seja legalmente impedida, conforme transcreve-se abaixo.
“Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.”
Existem, porém, casos autorizados pela própria lei em que uma pessoa física mesmo na condição de incapaz, poderá ser considerado empresário, o que é deferido pela exceção contida no Art. 974 do Código Civil, e ocorre todas as vezes em que tiver de continuar a empresa por ele desenvolvida quando ainda era capaz, ou quando o empreendimento fosse de seus pais ou do autor da herança. Em tais situações deverá ser o empresário devidamente representado ou assistido.
Nesses casos, por expressa proibição legal e para a defesa dos direitos do incapaz, incompatível com o rito mais célere dos Juizados Especiais, fica legalmente vedada a participação de Empresário Individual como parte autora perante tal entidade.
Desta forma, por tratar-se de uma pessoa natural ou física, no exercício da empresa, o Empresário Individual capaz deverá arcar com todos os ônus, bem como receber todos os direitos inerentes a esta condição, sob pela de violação de princípios constitucionais basilares de toda a estrutura jurídica, como o da Igualdade, já que seriam tratados de forma desigual pessoas físicas iguais e o da Legalidade, já que não haveria nenhuma fundamentação legal para o dito tratamento.
Mais do que isso, não é difícil chegar a conclusão de que uma interpretação diversa sobre o assunto, negando ao Empresário Individual capaz um direito seu, como pessoa física que é, de ingressar com pedido perante Juizado Especial Cível seria lhe tomar o direito a optar por uma justiça mais célere e menos custosa, ainda que teoricamente face a realidade dos juizados, para obrigá-lo a cair na demorada e sabidamente custosa justiça comum.
Desta forma, não existem fundamentos legais, doutrinários ou mesmo jurídicos para a recusa ao recebimento de ação perante Juizado Especial Cível em que figure como parte autora um Empresário Individual capaz, mesmo que não esteja enquadrado como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, uma vez que não representa uma pessoa jurídica, mas sim uma pessoa física no exercício da empresa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol.1. São Paulo: Saraiva, 2003
* Advogado militante na área de Direito Empresarial, Sócio do escritório Galvão, Martini & Lopes Sociedade de Advogados, especialista em Direito Processual pela Universidade da Amazônia – UNAMA, membro da Comissão de Defesa das Prerrogativas dos Advogados da OAB/PA.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 63
[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol.1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 78