DA LOCAÇÃO DE IMÓVEIS E CONTRATOS ACESSÓRIOS: ANÁLISE A PARTIR DA LEI 8.245/91 E, DAS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.112/09.[1]
Kalil Sauaia Boahid Mello e Pedro Henrique Holanda[2]
José Humberto G. de Oliveira[3]
Sumário: 1. Introdução; 2. Aspectos gerais da locação de prédios urbanos; 3. Garantias contratuais em geral; 4. A fiança no contrato de locação de imóveis; 5. Considerações Finais.
RESUMO
A locação de imóveis é um contrato de grande relevância para a sociedade civil, vários os modos como as leis trataram o instituto, ora beneficiando locador, ora locatário. Com a vigência da lei 8.245/91, estabelecidas as garantias contratuais, fica claro o intento de proteção dos interesses do locador, lhe dando maiores meios para ter o aluguel pago, inclusive acrescentando a possibilidade de penhorar o bem de família do fiador. Algumas dúvidas quanto às garantias foram supridas pela lei 12.112/09, que entretanto tornou mais oneroso a função de fiador.
Primeiro deve-se buscar entender os aspectos gerais da lei do inquilinato, que tratadas locações de prédios urbanos. Algumas garantias contratuais, só podem ser compreendidas pela leitura de atos normativos de órgãos que as regulam como a SUSEPe o CVM. Convém entendê-las para compreender o sistema normativo a respeito dessas garantias.Tudo isso para que se possa fazer uma análise do instituto da fiança, que sofreu drásticas mudanças a partir de 2009.
Palavras-chave: Locação de imóveis; Garantias contratuais; Fiança.
1. Introdução
A pesquisa encontra importância única no meio jurídico, especialmente na partedos contratos, é um tema bastante relevante e atual. O estudo será feito por etapas, primeiramente tratando dos aspectos gerais da locação de prédios urbanos, logo em seguida das garantias contratuais em geral e por fim da fiança no contrato de locação de imóveis.
No primeiro capítulo, serão dados conceitos referentes à locação, seus elementos essenciais, definindo seus sujeitos, suas devidas obrigações e direitos, isso fazendo link com importantes autores do direito civil.
Já no segundo capítulo, o assunto abordado será as garantias contratuais em geral as quais são a caução; fiança; seguro de fiança locatícia; cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento, que serão devidamente conceituadas e trabalhadas com seguimento na Lei 8.245/91, a chamada Lei do Inquilino.
No último capítulo da pesquisa, o assunto tratado será a fiança no contrato de locação de imóveis, abordando suas características, bem como as do fiador, credor e devedor principal e suas respectivas obrigações, bem como as mudanças advindas da lei 12.112/09.
2. Aspectos gerais da locação de prédios urbanos
Locação, segundo Orlando Gomes (2008, p. 332) é o contrato por meio do qual um sujeito se obriga a conceder uso e gozo de determinada coisa infungível, mediante certa contraprestação em dinheiro concedida pela outra parte. Semelhante à definição de Pablo Stolze para a locação de coisas, em que diz que, “é o negócio jurídico por meio uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra (locatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa infungível, mediante certa remuneração” (2013,192).
Tratando dos sujeitos do contrato, Carlos Roberto Gonçalves (2013, p.308) define que:
As partes denominam-se locador, senhorio, arrendador; e locatário, inquilino ou arrendatário. O vocábulo arrendamento é sinônimo de locação, podendo ambos ser usados indistintamente. Entre nós, todavia, o primeiro é utilizado, preferentemente para designar as locações imobiliárias rurais. A coisa não precisa ser necessariamente de propriedade do locador, uma vez que a locação não acarreta transferência do domínio, malgrado em geral as duas posições, de proprietário e senhorio, coincidam. A retribuição pelo uso e gozo da coisa chama-se aluguel ou renda.
No conceito de locatio conductio, os romanos disciplinaram três espécies de contrato, dentre eles o locatio conductio rerum (locação de coisas). “A seção concernenteà locação de coisas continha rubrica específica sobre a locação de prédios, que se subdividia em Disposições especiais dos prédios urbanos e Disposições especiais aos prédios rústicos” (GONÇALVES,2013,p.307).
Pablo Stolze (2013, p.191) também versando ao instituto da locação romana refere à locação de coisas única e exclusivamente, ao uso e gozo de bem infungível. Diz ele também que as locações imobiliárias “requerem não só um capítulo, mas um volume inteiro” (lei nº8.245/91).
Carlos Roberto Gonçalves define três elementos da locação, são eles: o objeto, o preço e o consentimento. O objeto pode ser bens móveis ou imóveis, aqui será tratado dos imóveis, onde o legislador deu maior atenção. Gonçalves (2013, p.311) exemplifica que uma coisa pode ser alugada por inteiro ou em frações, num prédio, por exemplo, pode alugar-se um andar, uma loja, garagem, etc. A locação também abrange os acessórios da coisa (CC, arts. 92 a 97 e 566, I), caso não estipule nada em contrário. A locação de bens imóveis urbanos residenciais ou comerciais é regida pela lei do inquilinato (lei n°8.245/91).
Outro elemento é o preço, que é chamado de aluguel ou remuneração. Importante se dizer que caso o uso da coisa for cedido a título gratuito, haverá comodato e não locação. O preço é estabelecido em regra pelas partes ou ainda mediante arbitramento administrativo ou judicial e nos casos dos prédios urbanos e taxis é imposto por ato governamental (2013, p.311). Importante lembrar que a estipulação do preço não poderá ser deixada ao arbítrio de um dos contratantes. O pagamento na maioria das vezes é feito mediante dinheiro, mas poderá caso os contratantes acordem ser feito mediante obras ou benfeitorias feitas pelo locatário. O contrato será descaracterizado caso o preço não tenha um valor real, ou seja, se for um valor ínfimo. A lei do inquilinato veda a estipulação do aluguel em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo (art.17), só admite a exigência de pagamento antecipado em casos como o de aluguel por temporada, onde o pagamento pode ser exigido de uma só vez (art. 20). Mesmo que o locatário não utilize efetivamente a coisa, o preço deverá ser pago com estipulado em contrato.
Outro elemento que Gonçalves (2013, p.313) define é o consentimento, que pode ser expresso ou tácito. O proprietário aparente da coisa, possuidor de boa-fé pode locá-la desde que queira. O art. 13 da lei do inquilino versa que até o locatário poderá sublocar, como consentimento prévio e escrito do locador.
Pablo Stolze ainda acrescenta o elemento do tempo, a duração da locação. Diz ele que o contrato de locação é essencialmente temporário. E que o “contrato de locação perpétuo é uma contradição em termos”. Pois, a locação deve ter prazo determinado ou indeterminado. E se o locatário não devolver a coisa no tempo estipulado, passa então a ter a posse injusta e de má-fé como dispõe os arts. 1.216 a 1.220 do CC de 2002. Porém, se terminado o prazo e locatário não devolve a coisa e o locador a nada se opõe, então deverá o locatário continuar pagando normalmente o valor do aluguel estipulado em contrato. Caso haja a extinção do contrato por iniciativa do locador, em que o locatário não devolva a coisa, será aplicado o chamado aluguel-pena, que é uma sanção pelo que não foi pactuado, estabelece o caput do art. 575 do CC de 2002 que, “o locatário pagará, enquanto a tiver em seu poder, o aluguel que o locador arbitrar, e responderá pelo dano que ela venha a sofrer, embora proveniente de caso fortuito” (STOLZE,2013,p.197).
Tratando das obrigações das partes, temos que são obrigações do locador:
“Art.566. O locador é obrigado:
I. a entregar ao locatário a coisa alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em contrário;
II. a garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa”.
Orlando Gomes (2008, p.338) salienta que: “na locação predial urbana incumbe-lhe ainda pagar os impostos incidentes no imóvel, taxas e despesas de intermediação ou administração imobiliária (art. 22, VII e VIII, da lei do inquilinato). Quanto aos impostos e taxas, pode a obrigação ser transferida contratualmente ao locatário”.
As principais obrigações do locatário são:
“Art.569. O locatário é obrigado:
I. a servir-se da coisa alugada para os usos convencionados ou presumidos, conforme a natureza dela e as circunstâncias, bem como tratá-la com o mesmo cuidado como se sua fosse;
II. a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados, e, em falta de ajuste, segundo o costume do lugar;
III. a levar ao conhecimento do locador as turbações de terceiros, que se pretendam fundadas em direito;
IV. a restituir a coisa, finda a locação, no estado em que a recebeu, salvas as deteriorações naturais ao uso regular”.
Essas obrigações de locador e locatário geram consequentemente direitos para a outra parte, como o locador receber pelo que foi contratado, o locatário dispor do que foi alugado,etc.
Tratando da sublocação e da cessão, o contrato de locação pode ser totalmente cedido, mas para isso é preciso que o locador consista (art.13 da lei do inquilinato).
“Aquiescendo, toma o cessionário a posição contratual do cedente, que desaparece, saindo da relação contratual isento de toda a responsabilidade. Seus direitos e obrigações transmitem-se ao cessionário” (GOMES, 2008, p.347). A cessão também se distingue da sublocação porque esta não liberta o locatário, que continua sendo responsável pela conservação do imóvel e pelo pagamento do aluguel (2008, p.347). Na cessão, o consentimento do locador deve ser escrito, na sublocação se não for expressamente proibida, é porque é permitida. Nas palavras de Orlando Gomes (2008, p.348) “A sublocação deve ter o mesmo conteúdo da locação. Os direitos do sublocatário hão de ter igual ou menor extensão e duração dos direitos do locatário”. Na extinção da obrigação, a regra geral é de que resolvem-se as sublocações (art. 15 da lei do inquilinato), mas se os sublocatários permanecerem no prédio deverão desocupá-lo em noventa dias. Em geral, a lei aplica à sublocação o que dispõe quanto a locação (2008,p.349).
Com o prazo do contrato, terá então a sua extinção natural. De acordo com o art. 573 CC, “a locação por tempo determinado cessa de pleno direito findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso”. Pela Lei n° 8.245/91 os arts. 46 e 47 tratam de sua extinção.
Algumas vezes é necessário que se efetue a ação de despejo que é definida por Orlando Gomes (2008, p. 349) como “lançar fora o alugador”. Se faz por meio de ação judicial, tem eficácia executiva contemporânea à sentença, assemelhando-se à imissão de posse. “Trata-se de procedimento necessário para a rescisão ou a retomada do imóvel locado, se o locatário o não restitui ao cessar a locação, ou se infringir cláusula contratual ou prescrição legal” (GOMES, 2008, p. 349). Contudo Pablo Stolze (2013, p. 233) deixa claro que a resilição bilateral, amigável, também é plenamente possível para a extinção do contrato de locação.
3. Garantias contratuais em geral
Neste capítulo tratar-se-á das formas de garantias contratuais elencadas no art. 37da lei 8.245/91, sendo elas: a) caução; b) fiança; c) seguro de fiança locatícia; d) cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. Ressalva-se que, particularmente a fiança, será tratada em seção autônoma, isto por ter uma maior relevância pratica e complexidade, além de terem sido muitas as suas inovações a partir da lei 12.112/09, que para alguns instituiu a “nova fiança”, o que demanda anotação destacada.
Caução, genericamente considerada, é toda forma de garantia contratual. Na liçãode Venosa (2012, p. 416), as formas usuais podem ser, a caução real ou a pessoal. A primeira é a constituição de bens, móveis ou imóveis, como forma de garantia de um débito, enquanto que a segunda, é garantia pessoal, em que há confiança depositada no garante, que se responsabiliza por débito alheio, caso o devedor não cumpra com sua obrigação, é a fiança.
Pelo fato do dispositivo destacar a fiança separada da caução, esta deve ser entendida enquanto caução real. Destaca o art. 38 da lei do inquilinato que essa caução pode ser dada em bens móveis ou imóveis, além disso destaca-se do § 1º que respectivamente, a primeira deve ser registrada em cartório de títulos e documentos, enquanto que a segunda deve ser averbada à margem da matrícula do registro de imóveis. Como ressalta Flávio Tartuce (2011, p. 401), falando-se de bens móveis fala-se em penhor, já de bens imóveis trata-se de hipoteca.
A caução também pode ser dada em dinheiro, hipótese regulada no art. 38, § 2°, referida lei. Apreende-se do texto normativo que quando dada esta garantia em dinheiro, o valor não poderá ultrapassar o equivalente a três meses de aluguel que, conforme MariaHelena Diniz (2002, p. 110), deverá ser depositada em caderneta de poupança, que deve estar devidamente autorizada e regulamentada pelo Poder Público[4], em conta conjunta em nome de locador e locatário, pelo prazo em que perdurar a locação, cabendo a este último as vantagens decorrentes do levantamento do valor, trata-se dos rendimentos. Fala ainda o §3º do art.38, da possibilidade em títulos e ações, valores fiduciários, que diz Venosa (2012, p. 170), a que devem ser aplicadas as mesmas regras concernentes à caução em dinheiro, lembrando que em caso de concordata, falência, ou liquidação das sociedades emissoras, deverá a garantia ser substituída no prazo de trinta dias.
Quanto ao seguro fiança, trata-se de contrato acessório, que conforme Arnaldo Rizzardo(2013,p. 551): “compromete-se a seguradora a antecipar ao segurado o montante das dívidas, incluídas as do aluguel e dos encargos que se encontram vencidos”. Este contrato acessório esta regulamentado pela Circular SUSEP n° 347, de 27/07/2007. ASUSEP, é a Superintendência de Seguros Privados, que é uma autarquia federal responsável pela fiscalização e controle dos serviços de seguros privados oferecidos no Brasil[5].
Oart. 5°daCircular347, destaca e define quatro sujeitos relativos a este contrato:
I -segurado: é o locador do imóvel urbano, conforme definido no contrato de locação coberto pelo contrato de fiança locatícia;
II -garantido: é o locatário, conforme definido no contrato de locação coberto pelo contrato de fiança locatícia;
III – sociedade seguradora: é a sociedade devidamente autorizada pela SUSEP a operar neste ramo de seguro; e
IV – estipulante: é a pessoa física ou jurídica que contrata apólice coletiva de seguros, ficando investido dos poderes de representação dos segurados perante a Seguradora.
Conforme digressão do art. 8° da respectiva Circular, o locatário (garantido) équem deve pagar os prêmios, se este não o fizer o locador (segurado), poderá efetuar o pagamento para restaurar o prazo original do contrato, se nenhum pagamento for efetuado, têm-se por cancelado o seguro, salvo na hipótese de ter-se acontecido sinistro, caso em que o valor do prêmio devido será deduzido da indenização. Havendo término antecipado da locação, haverá devolução proporcional.
Destaca Rizzardo (2013, p. 552), que o prazo do seguro está limitado a doze meses, ainda que maior seja o tempo de duração previsto para a locação, facultando o pagamento das taxa em dozes prestações, de 3,5% do valor do aluguel e demais encargos, ou então pode ser pago à vista no total de 34% do aluguel. Entretanto a vigência do seguro é a mesma da locação, em caso de prorrogação por prazo indeterminado, só persistirá o seguro fiança, com a aceitação de nova proposta de contrato por parte da seguradora (art.12,§1°, Circular SUSEPn.347/07).
Portanto, entende-se com o contrato de seguro de fiança locatícia que, o locatáriose obriga ao pagamento de prêmio, em prestações mensais ou à vista, que servirá como garantia dos eventuais prejuízos do locador, pela falta dos devidos pagamento de alugueis. A taxa é paga a sociedade seguradora que deve estar regularmente investida efunções para exercer este tipo de seguro, autorizada pela SUSEP (RIZZARDO, 2013, p.551).
Vale lembrar a regra do art.41 da lei 8.245/91,que o seguro fiança abrangerá a totalidade das obrigações do locatário.
A outra garantia contratual, corresponde à cessão fiduciária de quotas de fundos de investimentos, instituída pela lei 11.196/05, que acrescentou o inciso IV, ao art.37, da lei 8.245/91. Primeiramente cumpre destacar o que se quer dizer com fundo de investimento. Destaca Rizzardo (2013,p.553):
O fundo de investimento representa um modalidade de aplicação, sob a forma de condomínio, de recursos de pessoas físicas ou jurídicas com objetivos comuns e administrado por um instituição financeira. Destina-se à aplicação em carteiras diversificadas de títulos e valores mobiliários, em quotas de fundos e, ainda, em outros títulos específicos, dependendo do objetivo previsto, o qual definirá o perfil do fundo.
Esta garantia tem regulamentação na Instrução da Comissão De ValoresMobiliários – CVM nº 432 de 01.06.2006, deste ato normativo pode-se destacar algumas informações importantes. Primeiramente, de acordo com o art. 3°, inc. I, tem-se que é vedado resgate das quotas objetos de cessão. Importante é ainda as diretrizes contidas no art. 5° desta Instrução, deve ser feita mediante requerimento escrito do cedente, acompanhado do termo de cessão fiduciária e uma via do contrato de locação (inc. I); deverá ser averbada pelo administrador do respectivo fundo no registro de cotistas (inc. II); A averbação, constitui a propriedade resolúvel objeto da cessão, que a torna inalienável, impenhorável e indisponíveis (§ 1º); O termo da cessão deve especificar o número de quotas a serem cedidas (§2º).
Nesse sentido é importante observar a lição de Maria Helena Diniz (2007,p.267), ao locador é atribuída a posse direta ou indireta das quotas, que no caso do inadimplemento da obrigação poderá vender o bem independentemente de leilão, hasta pública ou quaisquer medidas judicial ou extra-judicial, ressarcindo suas despesas em função da garantia, e entregando ao locatário eventual saldo. Nesse sentido é a lição de Venosa (2012, p. 169), que diz que as quotas de títulos de investimento serão cedidas como garantia ao locador no caso de inadimplemento, devendo contar no contrato de locação, o prazo que pode ser determinado ou indeterminado.
Mais algumas observações devem ser feitas, de modo geral às garantias contratuais. O § único do art. 37 da lei do inquilinato veda expressamente a cumulação demais de uma garantia no mesmo contrato de locação. Ainda o art. 42 da referida lei, diz que não estando a obrigação garantida por nenhuma das modalidades descritas acima, conforme lição de Venosa (2012, p. 170), tem o locador o direito de exigir o pagamento antecipado do locatário, até o sexto dia útil domês vincendo.
Ainda destaca-se a nova redação do art. 39 da lei do inquilinato, estabelecida pela lei 12.112/09, que ao invés de afirmar tão somente que as garantias se estenderão até a efetiva devolução do imóvel, acrescenta que isso ocorrerá ainda que a locação tenha sido prorrogada por prazo indeterminado. A grande relevância desta mudança, como se verá, diz respeito a fiança.
4. A fiança no contrato de locação
A fiança é contrato acessório, que corresponde à caução pessoal ou fidejussória.
Os aspectos gerais deste contratos estão regulados pelo Código Civil (CC), entretanto algumas peculiaridades estão mesmo expressas na lei do inquilinato. Há diferenças entre a previsão original da lei 8.245/91, e as disposições que passaram a viger com a lei12.112/09, entretanto antes de adentrar neste mérito, cumpre-se destacar os aspectos básicos deste instituto.
Conforme lição de Orlando Gomes (2008, p. 537), há a fiança quando determinada pessoa se obriga com o credor a pagar o débito do devedor, caso este não o faça. Quem presta a fiança é denominado fiador, o devedor da obrigação principal, é chamado afiançado. É possível observar, portanto, que é um contrato firmado entre credor e fiador, mesmos em a anuência do devedor, ou até mesmo contra sua vontade (art.820,doCC).
Flávio Tartuce (2011, p. 425) destaca as principais características deste contrato.Trata-se de um contrato unilateral, visto que a só uma das partes estipula obrigações; em regra trata-se de contrato gratuito, pois que o fiador não recebe remuneração alguma, há a exceção das fianças prestadas por instituições bancárias que recebem uma determinada remuneração para garantir em o débito; é contrato benévolo em que um sujeito pretende ajudar o outro assumindo o pagamento da dívida se for necessário, portanto, admite apenas a interpretação restritiva; o contrato de fiança deve ser sempre escrito, sendo assim contrato formal, que pode se dar por instrumento público ou particular. Acrescenta Rizzardo (2013, p. 993), que é um contrato intuitu personae, posto que ajustado a partir da confiança existente entre as partes. É ainda contrato consensual, pois, depende tão somente do consentimento entre os sujeitos para que se aperfeiçoe e gere efeitos.
Podem ser objetos de fiança tanto dívidas atuais como futuras, destaca Carlos Roberto Gonçalves(2013,p.655) que:
Embora, em regra, a fiança seja concedida a obrigações atuais, as “dívidas futuras” podemser objeto de fiança; “mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor” (CC, art. 821), porque o acessório segue o destino do principal. Tem a jurisprudência reconhecido, efetivamente, que o princípio da acessoriedade é que impõe a eficácia da fiança quando somente resultar assente e afirmada a obrigação que determinou a garantia, ou seja, somente quando se tornar exigível a obrigação afiançada
Há ainda que se destacar segundo Tartuce (2011, p. 430), que pode-se delimitar o valor da fiança, podendo abranger a totalidade da obrigação, ou tão somente parcela desta. Mesmo se podendo contratar a caução fidejussória em condições menos onerosas, o contrato acessório não poderá exceder o valor do débito principal. Ultrapassando esta fronteira,deverá ser reduzida ao limite da obrigação afiançada (art.823, doCC).
Ainda é preciso destacar dois dos principais efeitos relativos a fiança para que se possa adentrar no estudo deste contrato enquanto garantia locatícia. Como bem destaca Orlando Gomes (2008, p. 540), são eles: o benefício de ordem e, o benefício de sub-rogação.
O benefício de ordem, descrito no art. 827, do CC, consiste em um direito do fiador de exigir que o credor, até a contestação da lide, que o credor acione primeiro a execução dos bens do devedor principal antes dos seus. Há uma recusa legitima de pagar o débito antes que se tenha executado o devedor principal sem êxito. Nessa hipótese deve nomear os bens do afiançado, dentro daquele município, livres e desembargados, quantos forem necessários para solver o débito. Ressalta-se que pode haver a renúncia do benefício de ordem. Quanto a sub-rogação, tem-se que o fiador, se tiver pago o débito, investe-se nos mesmos poderes que o credor da obrigação que saldara possuía, havendo assim a substituição do credor.
Especificamente quanto a lei 8.245/91, é possível observar seu objetivo de proteção dos interesses do locador, conforme Venosa (2012, p. 137) a lei do inquilinato: “buscou tornar mais realista a relação inquilino-senhorio, diminuindo o excesso de proteção ao inquilino que causou tantos danos ao mercado sem protege-los suficientemente”. A lei 12.112/09, seguindo a mesma linha de proteção aos interesses do credor, acabou por tornar demasiadamente onerosa a prestação de fiança. Destacam-se alguns dispositivos para discussão a seguir.
Já em 1991, com o surgimento da lei do inquilinato surgiam questões complexas e algumas controvérsias. Um dos maiores destaques é a alteração da lei 8.009/90, pelo art.82 da lei 8.245/91, no sentido de permitir que no caso do fiador, possa-se penhorar o seu bem de família. Muito se debate sobre a constitucionalidade desta norma, ressalta Rizzardo (2013, p. 547), que apesar de tudo, predomina a penhorabilidade do bem defamília, invocando-se decisão do STF do Recurso Extraordinário 407.688/SP, de relatoriado Min. Cezar Peluso, de 8/02/2006, em que argumenta-se não haver afronta do direito à moradia, previsto no art. 6° da Constituição Federal.
Entretanto, permissa vênia, parece mais correta a posição defendida, entre outros,por Tartuce (2011, p. 440), que entende violar o princípio da isonomia (art. 5°, caput, CF) ea proteção da dignidade humana (art. 1°, III, da CF). Assim, é que o devedor principal não pode ter seu bem de família penhorado, enquanto que o fiando que é, via de regra, devedor eventual e subsidiário pode ter seus direitos constringidos, fere-se a isonomia pois que o contrato que é acessório, que não poderia trazer mais obrigações que o principal, acaba por ser muito mais oneroso que a posição do locatário. Além disso, segundo o autor, há o desrespeito ao direito à moradia do art. 6°da CF, que é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.
A lei 12.112/09, também trouxe muitas mudanças ao régime da fiança. Algumas controvérsias que se estabeleceram a respeito da lei inquilinato foram corrigidas. Com efeito o grande mérito daquela lei, foi adaptar a locação imobiliária urbana para os novos tempos do direito privado, principalmente pós o novo Código Civil de 2002. Entretanto, tem o aspecto negativo de tornar muito custosa a função de fiador. Observam-se as seguintes modificações no âmbito da fiança.
Quanto a análise do art. 12 da lei do inquilinato, e as alterações legislativas promovidas em 2009. Antes, o fiador exonerava-se de vínculo com a locação, facultando ao credor o direito de exigir a substituição do fiador no prazo de trinta dias. Agora tem-seque no caso da sub-rogação por dissolução da união, impõe-se a comunicação ao fiador por escrito, facultando a este, dentro de trinta dias contados do recebimento da notificação, exonerar-se da garantia prestada, no entanto, ficando responsável pelos efeitos da fiança por mais cento e vinte dias, após ter notificado o locador.
Também houveram mudanças relativas ao art. 39 da lei 8.245/91. Originalmente, assim era estabelecido: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel”. Conforme mostra Arnaldo Rizzardo (2013, p. 540-541), havia dúvida quanto a permanência das garantias em caso de renovação, tinha-se duas correntes: uma dizia que não devolvido o imóvel no prazo estabelecido, desaparecia a garantia; outra dizia que permanecia, não importando o consentimento do fiador. Até que o STJ, editou a súmula 214, dispondo que não devia o fiador responder por aditamento de contrato ao qual não anuiu. A nova redação do dispositivo elimina as dúvidas, afirma que, permanece a garantia, ainda que prorrogado o prazo da locação por tempo indeterminado. Destaca o referido autor que, a nova redação é manifestamente desvantajosa aos fiadores.
Um último destaque refere-se ao art. 40, inc. X, da lei do inquilinato que, assim está definido:
Art.40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:
I- morte do fiador;
II–ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou insolvência do fiador, declaradas judicialmente;
III-alienação ou gravação de todos os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação ao locador;
IV-exoneração do fiador;
IV-prorrogação da locação por prazo indeterminado, sendo a fiança ajustada por prazo certo;
VI-desaparecimento dos bens móveis;
VII-desapropriação ou alienação do imóvel.
VIII-exoneração de garantia constituída por quotas de fundo de investimento;
IX- liquidação ou encerramento do fundo de investimento de que trata o inciso IV do art.37 desta Lei.
X– prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.
Parágrafo único.O locador poderá notificar o locatário para apresentar nova garantialocatícianoprazode30(trinta)dias,sob penadedesfazimentodalocação.
Conforme destaca Rizzardo (2013, p. 549), referindo-se ao inc. X, do dispositivo em questão, parece agora inequívoca a possibilidade de o fiador denunciar prestada nos casos de prorrogação por prazo indeterminado. O que parece combinar de forma lógica com o disposto no art. 39 desta lei. É facultado ao fiador desvincular-se da relação jurídica da locação, entretanto, ainda fica responsável pelos efeitos da fiança por cento e vinte dias, o que corrobora a onerosidade da função do fiador.
5. Consideraçõesfinais
Dado ao exposto, é possível perceber que a locação de imóveis, tem disposições próprias em legislação especial, no caso a lei 8.245/91, isso pela complexidade e importância que o tema enseja na vida prática dos contratos. Segundo Venosa (2012, p.126), localiza-se este contrato logo após a compra e venda quanto a utilização e importância no mundo negocial e também no jurídico, aqui, cuida-se de norma que diz respeito a própria função social da propriedade. Por meio desta espécie contratual o locador, cede o uso e gozo do imóvel ao locatário, mediante uma contraprestação em dinheiro.
A lei do inquilinato, estabelece suas garantias contratuais, que apesar de tudo, não se apresentam em rol taxativo. Nada obsta, portanto, outra garantia não exposta no art. 37 da lei do inquilinato possa ser utilizada. A doutrina pouco fala sobre as formas gerais de garantias contratuais, mas estas apresentam uma importância que não poderia ser ignorada neste trabalho.
Tem-se que salvo a hipótese de caução (aqui entendendo-se a caução real), todas as outras garantias se fazem mediante contrato acessório, sendo especificamente o seguro fiança regulado por ato normativo da SUSESP (Superintendência de Seguros Privados) e a cessão fiduciária por atos regulamentares da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
O tema central é a problemática da fiança. É perceptível que grandes mudanças ocorreram no seu trato, ainda dentro do próprio sistema da lei 8.245/91, com as modificações trazidas pela lei 12.112/09, isto sem contar o mérito das legislações anteriores sobre locações de imóveis. Acabou-se por firmar-se maior onerosidade à posição de fiador de obrigação locatícia imobiliária.
Controvérsias não faltam, basta citar o caso da revogação da impenhorabilidade do bem de família do fiador. Atualmente, ainda é válido a decisão do plenário do STF, no sentido de que esta norma é constitucional. Isso, para proteger os interesses do credor emter o devido débito adimplido. Entretanto, parece desarrazoado garantir as vantagens para o locador, tornando extremamente desvantajoso servir na posição que justamente lhe garante o pagamento do débito.
BIBLIOGRAFIA:
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 23ed. São Paulo: Saraiva 2007.
DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. v.2. 5.ed. São Paulo: Saraiva,2002.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil.v.IV,tomoII.São Paulo: Saraiva, 2013.
GOMES,Orlando. Contratos. 26.ed. RiodeJaneiro: Forense, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2013. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 13.ed.RiodeJaneiro: Forense, 2013.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. v.3.6.ed.SãoPaulo:Método,2011.
VENOSA,Silvio de Salvo. Direito Civil.v.3São Paulo: Atlas,2012.
[1] Artigo apresentado à disciplina Contratos Cíveis e Comerciais, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco–UNDB.
[2] Alunos do 4° período do curso de Direito, da UNDB.
[3] Prof. Esp.Orientador.
[4] Conforme simplifica Tartuce (2011,p.401), trata-se de qualquer banco oficial.