Direito Civil

Alienação Parental

Alienação Parental

 

André de Moura Soares*

 

 

As famílias formadas apenas pelos filhos e por um dos ascendentes são uma realidade cada vez mais presente no mundo hodierno. Na gramática do direito, tais famílias são chamadas de monoparentais[1]. Nestas famílias, surgidas por motivos de diversas ordens, tais como morte de um dos ascendentes, separação, divórcio ou por opção de um dos genitores, a ausência do casal traz conseqüências para a formação dos filhos. Obviamente, excetuando-se os casos de morte de um dos ascendentes, o fato dos pais não residirem em comum, de não mais se considerarem como partes de uma mesma família, não lhes retira o dever de colaborarem na formação física, moral e intelectual dos filhos. O papel dos pais é tão importante que é quase impossível substituí-los. A criação e educação dos filhos exigem maturidade intelectual e espiritual, reclama um ambiente harmonioso entre os ascendentes. Mesmo que os pais se encontrem separados e que não mais mantenham entre si vínculos afetivos devem continuar colaborando e ajudando-se na formação da prole.

 

No entanto, a triste realidade que se vê nas varas de família e nas varas criminais[2], é de que uma considerável parcela das famílias monoparentais vivencia uma situação de litigiosidade contrária à maturidade que deveria se mostrar presente no difícil mister de educar os filhos.

 

As acirradas disputas entre pais e mães, como não poderiam deixar de ser, acabam por refletir no comportamento dos filhos, em especial na relação destes com seus ascendentes. O fenômeno já ganhou nome próprio: alienação parental. O fenômeno ocorre quando um dos genitores incute nos filhos o ódio pelo outro genitor. Normalmente o genitor que detém a guarda dos filhos, com o fito de se vingar do ex-parceiro, impede a realização de visitas e incita a prole contra o seu ex-companheiro, ex-amante ou ex-cônjuge e agora adversário, olvidando-se que apesar do fim da relação afetiva que os unia, a relação parental perdura. A perversa pretensão do cônjuge que detém a guarda dos filhos é alienar o ex-parceiro da vida dos filhos. Na maioria das vezes a guarda dos filhos permanece com a mãe, sendo, por conseqüência, ela a autora e principal protagonista do surgimento da alienação parental, da alienação do pai da vida dos filhos. Tal afirmação não significa que o genitor que não detém a guarda também não adote a abominável figura da alienação parental.

 

A Desembargadora Maria Berenice Dias[3], do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acerca da alienação parental, leciona que:

 

Muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera na mãe sentimento de abandono, de rejeição, de traição, surgindo uma tendência vingativa muito grande. Quando não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho, quer vingar-se, afastando este do genitor. Para isso cria uma série de situações visando a dificultar ao máximo ou a impedir a visitação. Leva o filho a rejeitar o pai, a odiá-lo. A este processo o psiquiatra americano Richard Gardner nominou de “síndrome de alienação parental”: programar uma criança para que odeie o genitor sem qualquer justificativa. Trata-se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. O filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro. A mãe monitora o tempo do filho com o outro genitor e também os seus sentimentos para com ele. A criança, que ama o seu genitor, é levada a afastar-se dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado. O detentor da guarda, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o controle total. Tornam-se unos, inseparáveis. O pai passa a ser considerado um invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço. Este conjunto de manobras confere prazer ao alienador em sua trajetória de promover a destruição do antigo parceiro. Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual. A narrativa de um episódio durante o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação incestuosa é o que basta. Extrai-se deste fato, verdadeiro ou não, denúncia de incesto. O filho é convencido da existência de um fato e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido. Nem sempre a criança consegue discernir que está sendo manipulada e acaba acreditando naquilo que lhes foi dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência, implantando-se, assim, falsas memórias. Cumpre salientar que a alienação parental não acontece da noite para o dia, vai se consolidando lenta e gradualmente na personalidade dos filhos, sendo que os mais novos sofrem as conseqüências mais deletérias, eis que ainda não são dotados de discernimento suficiente para se defender da manipulação feita por um dos genitores, pessoa na qual depositam a mais completa e irrestrita confiança. A literatura especializada afirma ser quase impossível a reconstrução dos vínculos destruídos se houver um hiato de alguns anos entre o início do processo de alienação parental e a consolidação da síndrome. As conseqüências podem perdurar por toda a vida, eis que o modelo parental a ser seguido no futuro será o daquele ser patológico criado pela manipulação do outro genitor e que permeou a mente da criança durante o longo itinerário de alienação.

 

Não é incomum que a criança se torne um adulto com sérios transtornos psiquiátricos. No portal da “Associação de pais e mães separados[4]”, lê-se, sobre as conseqüências da síndrome da alienação parental, o quanto se segue:

 

Os efeitos nas crianças vítimas da Síndrome de Alienação Parental podem ser uma depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identidade e de imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade e às vezes suicídio. Estudos têm mostrado que, quando adultas, as vítimas da Alienação tem inclinação ao álcool e às drogas, e apresentam outros sintomas de profundo mal estar . (G.N).

 

A afirmação acima não causa surpresa. Exercendo as funções de Defensor Público já tive a oportunidade de travar contato com pessoas adultas que demonstram grande instabilidade emocional fruto de uma infância deturpada e patológica, pessoas que quando crianças foram criadas em uma família disfuncional.

 

Recentemente participei de uma sessão plenária do Tribunal do Júri em uma cidade distante cerca de 30 km de Brasília. Duas jovens[5], com 19 e 20 anos, lutavam pelo amor de um sujeito deplorável, sobre o qual recai a suspeita de ser traficante de drogas. O resultado da briga: uma jovem, sem antecedentes criminais, por ciúmes, desferiu diversas facadas em outra jovem, que se encontrava grávida, tudo por carência afetiva. Resultado, uma morte, um aborto (de uma menina de 05 meses de gestação) e uma condenação criminal de 22 anos de reclusão. Adentrando-se aos átrios psicológicos da questão, se via uma jovem carente de amor, que nutria um profundo ódio pelo pai que a abandonara. Uma jovem triste, que, criada em uma ambiente disfuncional, sem um modelo parental adequado, acabou se envolvendo em uma relação patológica, semelhante a que desenvolvera em relação ao próprio pai. Na infância sofrera de alienação parental, hoje, encontra-se alienada da liberdade.

 

A jovem que mencionei pode ser considerada uma “mulher que ama demais”, expressão que dá nome a uma associação paulista[6] que oferece suporte terapêutico para as vítimas deste transtorno da personalidade.

 

Em um excelente artigo sobre mulheres que se dispõe a viver na Alemanha[7] acompanhado homens que acabaram de conhecer, colhe-se a seguinte descrição das mulheres que amam demais:

 

É geralmente uma mulher que cresceu em uma família disfuncional na qual suas necessidades emocionais não foram atendidas. Tendo recebido pouca atenção quando criança, tenta diminuir sua carência tornando-se uma pessoa altruísta, que dá aos outros mais do que lhe é pedido, esperando receber em troca o carinho de que necessita. Como nunca foi capaz de transformar seus pais em pessoas mais carinhosas e atenciosas, inconscientemente procura um parceiro pouco atencioso e emocionalmente indisponível, que ela tenta mudar através do seu amor, repetindo assim o comportamento que tinha dentro de sua família disfuncional de origem. A mulher que ama demais não foi amada nem aprendeu a amar de forma saudável, por isso repete o mesmo comportamento com o parceiro. Com medo de ser abandonada, fará de tudo para evitar que o relacionamento acabe. Nada lhe parece pouco, leva muito tempo ou é muito caro se for para “ajudar” ao parceiro. Acostumada à falta de amor nas relações pessoais, está disposta a abrir mão do seu tempo, sonhos e metas para agradar ao parceiro e manter o relacionamento. Sua auto-estima é extremamente baixa e, no fundo, não acredita que mereça ser feliz. É dependente do parceiro e da dor emocional que um relacionamento disfuncional lhe proporciona. Essa dor é, na verdade, a única forma de contato que tem com seus próprios sentimentos. A mulher que ama demais cresceu com essa dor, e confunde-a com amor. Essa confusão se dá na infância, quando a criança não consegue entender como é que os seus próprios pais, que deveriam amá-la, possam tratá-la mal, ser negligentes ou mentir para ela ao mesmo tempo. A estrutura emocional da criança não suporta a verdade de que os pais não a amam tanto assim, por isso refugia-se no imaginário e associa a dor que sente a uma forma de amor. Portanto, para ela dor e amor são a mesma coisa, e repete esse padrão de comportamento pelo resto da vida. A mulher que ama demais tem necessidade de controlar as pessoas e os relacionamentos, por medo de perda, por carência e por insegurança. Mas disfarça esse controle, colocando-se como uma pessoa prestativa, sempre pronta a ajudar. Idealiza os relacionamentos ao invés de enxergar a situação real como ela é. Por esse motivo, acaba envolvendo-se com pessoas cuja vida emocional é caótica, incerta e sofrida. A mulher que ama demais é incapaz de enxergar seus próprios problemas, por isso procura pessoas complicadas que precisem de sua ajuda e que tenta mudar. É, na verdade, uma maneira de escapar de seus próprios problemas. Lembre-se de que para ela dor e amor são a mesma coisa, a nível inconsciente.

 

O liame psicológico de causa e efeito entre as mulheres que amam demais e as crianças vítimas de alienação parental são evidentes. Obviamente nem todas chegarão ao extremo de matar ou de se suicidar, mas a carência afetiva na infância as torna mais propensa ao cometimento de atos de desespero.

 

O desafio proposto pela realidade social é interferir nas causas que suscitam a ocorrência de tantos desvios de personalidade. Os protagonistas no enfrentamento desta realidade social são os próprios pais, cabendo uma posição secundária[8] à sociedade e especialmente aos órgãos que gravitam em torno do Poder Judiciário, que, por óbvio, também exerce importante papel nesta quadra. Durante a infância, os pais devem se manter firmes no propósito de propiciar aos filhos o respeito e a afeição necessários ao crescimento intelectual, físico e moral de seus descendentes. Os filhos não podem ser considerados como uma propriedade a ser partilhada entre os genitores. Os pais devem estar conscientes de que é direito inalienável dos filhos o respeito como pessoa desde o momento da concepção, devendo os pais visar proporcionar-lhes os meios adequados para o desenvolvimento saudável. Cabe a todos a constante exortação aos que exercem a parentalidade de que sejam responsáveis, pois, são os atores primeiros na formação intelectual, física e moral das crianças que constituirão o futuro da sociedade.

 

 

* Defensor Público em Taguatinga, DF.

 

 

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[1] O artigo 226, § 4º da Constituição Federal preceitua que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e de seus descendentes”.

[2]  São comuns as ações penais envolvendo violência doméstica, desobediência aos regramentos de visitas e querelas entre ex-casais que permanecem unidos pelo vínculo parental.

[3] Trecho extraído do artigo Síndrome da alienação parental, o que é isso? Publicado em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8690 e acessado em 19 de outubro de 2008.

[4] http://www.apase.org.br/94001-sindrome.htm – acessado em 19 de outubro de 2008.

[5] O exemplo se refere a jovens mulheres, as vítimas que mais sofrem com o abandono parental. Tal afirmação, contudo, não significa que os meninos também não sofrem da síndrome.

[6] Grupo MADA – http://www.grupomada.com.br

[7] http://www.viver-na-alemanha.de/index.php?option=com_content&task=view&id=153&Itemid=235 – acessado em 19 de outubro de 2008.

[8] Secundária, pois a responsabilidade primeira é dos pais. No entanto, apesar de subsidiária, a interferência dos organismos sociais e estatais, especialmente na seara educacional e preventiva é de suma importância.

Como citar e referenciar este artigo:
SOARES, André de Moura. Alienação Parental. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/alienacao-parental/ Acesso em: 21 nov. 2024