Em Adital de 10/05/2005 ( http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=16473) se vê um texto muito interessante de ANA CANDIDA ECHEVENGUÁ:
Varas especializadas em direito ambiental: decisões favoráveis ao meio ambiente?
Adital – “De nada servirá que um promotor proponha uma ação civil pública, tendo em vista proteger as águas de um rio, se seu colega da comarca limítrofe não tiver interesse no assunto. Será útil a proteção limitada a determinado território e descuidada no seguinte? Terá valor uma excelente inicial de ação civil pública se o juiz, em três linhas, denega a liminar? Provocará efeitos uma ação penal por crime ambiental se o magistrado entender, contra a lei, que as pessoas jurídicas não devem responder por crime ambiental? A resposta é fácil: não.” Vladimir Passos de Freitas (1)
O meio ambiente constitui um direito fundamental do ser humano.
A Agenda 21 aponta diretrizes aos Estados, segundo o princípio fundamental para o desenvolvimento sustentável. Todavia, não é aplicada. E o meio ambiente continua sem proteção: os interesses econômicos e políticos contrários a ele estão vencendo a batalha. Isso leva a crer que o Estado – de forma global – não se encontra adequado à resolução de problemas ambientais.
Percebe-se uma evolução do direito internacional ambiental que vislumbra a necessidade de um órgão de garantia mundial do meio ambiente como direito fundamental a cada pessoa humana. Neste sentido, há estudos por especialistas de diversos países, sobre a criação de um Tribunal Internacional do Meio Ambiente, com poder de aplicar sanções aos Estados que violem regras ambientais. A idéia de criação deste Tribunal, como órgão autônomo da comunidade mundial, justifica-se diante do atual crise ecológica e das ameaças constantes à vida. Mas ainda não saiu do papel.
Prestação juriscidional no Brasil
Em geral, a prestação juriscidional brasileira é precária. O argentino Leandro Despouy, relator especial da Organização das Nações Unidas para independência de juízes e advogados classificou nosso Poder Judiciário – por razões sociais, econômicas e culturais – de lento, pouco acessível à população carente e tendente ao nepotismo. Seu relatório, divulgado em abril de 2005, na sede da ONU, em Genebra, também criticou a falta de controle social nas nomeações de ministros do Supremo Tribunal Federal, o excesso de sigilo decretado em processos, o desconhecimento dos tratados de direitos humanos por parte dos magistrados, a precariedade da Defensoria Pública entre outros. O trabalho também destaca pontos positivos, como a recente reforma do Judiciário, aprovada pelo Congresso após mais de uma década de discussões.
Reportagem do diário britânico Financial Times, ao tratar da corrupção no Brasil disse que esta “é um fato do cotidiano e as chances de se ser punido por isso são próximas a zero“. Também afirma que tribunais lentos são um dos problemas no combate à corrupção. “Temos leis excelentes. O problema é a implementação“, disse o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolao Dino. Para este, nossa legislação prevê uma grade quantidade de recursos a serem interpostos em um processo. Embora os direitos dos “réus poderosos“ devam ser protegidos, isso não pode implicar um mal social muito maior, que é a impunidade. (2)
Criação de varas e tribunais especializados em Direito Ambiental
Durante o Quarto Fórum Mundial de Juízes, realizado em janeiro de 2005, em Porto Alegre-RS, o atual Presidente do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas1, defendeu a criação de varas e tribunais especializados em Direito Ambiental para maior eficiência do Poder Judiciário. E citou o exemplo da Suécia que já implantou cinco Tribunais Regionais Ambientais e uma Corte de Apelação Ambiental, em Estocolmo. Segundo ele, o juiz especializado imprime maior rapidez ao seu trabalho e oferece maior segurança às partes: “Isso não quer dizer que todas as questões chegam ao fim rapidamente ou que todos os magistrados decidam sistematicamente a favor do meio ambiente”.
Para o mencionado desembargador, é um mito – que remonta ao tempo em que a morte de um animal silvestre era crime inafiançável – o conceito de que as leis ambientais são rígidas no Brasil. “As penas são baixas, algumas demais, diria que é uma impunidade total, como no caso do tráfico internacional de animais, para o qual a pena é de um ano, baixíssima”, considerou. Além disso, o processo pode ser suspenso por meio de uma transação em que o réu assume o compromisso de reparar o dano praticado ao meio ambiente. “Mas se ele não cumprir não acontece praticamente nada, é o ponto fraco da lei”, apontou.
Justiça ambiental especializada no Brasil
A justiça estadual brasileira conta com dois juizados ambientais, onde a proteção judicial ao meio ambiente tornou-se mais efetiva devido à especialização de seus componentes. Inicialmente, foi criado, pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso, em 1996, o Juizado Ambiental de Cuiabá cuja equipe se desloca juntamente com um fiscal, funcionários de órgãos ambientais, policiais florestais e professores de universidades conveniadas, o que facilita a imediatidade nas providências: autuações, conciliações ou ajuizamento de processos.
Em Manaus, desde 1997, existe a VEMAGA – Vara Ambiental e Agrária, criada pelo Tribunal de Justiça do Amazonas, cujo titular é o juiz de direito Adalberto Carin Antônio. Preocupa-se primordialmente com a elaboração de acordos para a defesa e recuperação do meio ambiente.
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara julga, entre outros, os processos referentes a crimes ambientais. No Pará estão sendo criados juizados agrários e ambientais.
O Paraná foi pioneiro na instalação da primeira vara federal do país especializada em questões ambientais e agrárias que atenderá a capital, e mais 39 municípios da região (3). O juiz Nicolau Konkel Júnior, atual diretor do Foro da Justiça Federal de Curitiba, será o seu titular a partir de julho. Por enquanto, responderá por esta unidade a juíza federal substituta Pepita Mazini. A Vara cuidará de toda matéria de natureza ambiental e agrária, mesmo as criminais (uma prática insólita já que os crimes de qualquer assunto costumam estar sob a responsabilidade de varas penais). Tal especialização beneficiará o jurisdicionado, oferecendo maior agilidade e julgamentos elaborados com conhecimentos mais profundos porque a falta de conhecimento técnico colabora com a morosidade da tramitação judicial. “O juiz especializado adquire conhecimentos mais profundos da matéria, decide com mais rapidez e dá maior segurança às partes, que podem saber de antemão qual será a solução de seus conflitos.” (4)
Na solenidade de inauguração, em 06 de maio de 2005:
– o subprocurador da República Mario Gisi, da Quarta Câmara do Ministério Público Federal, especializada em meio ambiente e patrimônio histórico, sediada em Brasília, salientou a importância de estruturas adequadas às questões ambientais, cuja responsabilidade de organização é dos poderes públicos.
– em seu discurso, o juiz federal Nicolau Konkel Jr. afirmou que a avançada legislação ambiental brasileira carece de efetividade pela falta de recursos humanos e tecnológicos dos órgãos do Poder Executivo e do Judiciário.
– o desembargador Vladimir Freitas ressaltou que a especialização em matéria ambiental e agrária importa em “juízes e servidores mais preparados, segurança para as partes, órgãos ambientais e empresariado, além de garantir maior efetividade às decisões tomadas pela vara”.
Conclusão
Percebe-se que todos estão cientes da necessidade de conscientização para que haja, de imediato, prevenção ou reparação de danos ambientais por meio do Estado Judicial.
Talvez seja necessária a implantação de Varas Ambientais em Santa Catarina e Rio Grande do Sul para que se decida a questão judicial que trata dos crimes e ilegalidades que envolvem a UHE de Barra Grande, no qual um juiz federal disse: “suspendam o corte da Mata Atlântica” 4. Mas os desembargadores do TRF4 – inclusive o respeitável Dr. Vladimir de Freitas – foram forçados a cancelar esta decisão, em segundo grau, amparados na formalidade prevista nas normas processuais civis.
Referências:
(1) Vladimir Passos de Freitas, especialista em Direito Ambiental, tem sua trajetória profissional estreitamente vinculada à proteção da natureza e atualmente é representante, na América Latina e no Caribe, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no que se refere ao treinamento de magistrados para aplicação das leis ambientais; foi eleito para a função em 2003, durante encontro promovido pela ONU em Nairobi, no Quênia.
(2) Fonte: Jornal do Brasil
(3) Fonte: Justiça Federal do Paraná.
(4) Decisão liminar deferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2004.72.00.013781-9, Terceira Vara Federal de Florianópolis, SC.
Fiquei muito impressionado com o artigo da jurista gaúcha, do qual tomei conhecimento (infelizmente) somente agora. No entanto, preocupado com a supervalorização das questões puramente financeiras e o pequeno investimento e pouca valorização das questões ambientais nas Justiças dos Estados, apresentei, recentemente, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um Pedido de Providências sugerindo a criação de Varas de Meio Ambiente nas Comarcas maiores.
Estou no aguardo de uma decisão favorável do CNJ como uma forma de despertar a generalidade dos Tribunais Estaduais para a criação de Varas Especializadas nessa área.
Todavia, é importante que outras iniciativas sejam tomadas a título de apoio, para que as questões ambientais passem a ser tratadas como mais relevantes que as simples questões bancárias e indenizatórias comuns.
* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).