A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba. Esta afirmação do nosso extraordinário Guimarães Rosa, outrora, como ontem, hoje, amanhã e para sempre permanecerá de atualidade indesmentível.
Água de boa qualidade é aquela que nasce cristalina e jorra da fonte que não foi tocada pelas impurezas dos caminhos por onde passa no seu destino rumo ao mar. Água intocada pelas impurezas só faz bem.
Nos rios são dançarinas e estes por sua vez, conforme definido por Luiz Antonio pode ser comparado com cada um de nós, quando cada um quiser repetir EU E O RIO e cantar – como cantou Miltinho – assim:
Rio, caminho que anda,
e vai resmungando, talvez, uma dor.
Ah! quanta pedra levaste,
quanta pedra deixaste, sem vida e amor.
Vens lá do alto da serra,
o ventre da terra, rasgando sem dó.
Eu também venho do amor,
com o peito rasgado de dor e tão só.
Não viste a flor se curvar,
teu corpo beijar e ficar lá pra traz.
Tens a mania doente, de andar só pra frente,
não voltas jamais.
Rio, caminho que anda,
o mar te espera, não corras assim,
eu sou o mar, que espero,
alguém, que não corre pra mim.
É impossível conceber a vida sem água. Da própria vida, essência a água é. Em geral, as pessoas dispensam considerável cuidado às coisas, a tudo que lhes pertence, desde os entes queridos, às amizades, aos pertences, à propriedade. Mas quando ingressa na natureza, assume um comportamento de quem o faz em território que pode ser usado/abusado, explorado até a satisfação completa da vontade funesta de fazê-lo findar, se cansar pessoalmente e neste estado, antes de entregar-se a um tempo de reposição das forças assim despendidas, é em água que começa a reposição e ainda prova verdadeira sensação de delícia.
– Nada como uma boa ducha! Mesmo assim, nem por isso, amam mais a água.
Quantos poetas e compositores se valeram do tema água para seus versos e canções, com que enlevo foi/é sempre em estado de poesia que se cantou(a) de Pedro de Sá Pereira e Ari Pavão:
Chuá – Chuá!
Deixa a cidade, formosa morena,
Linda pequena, volta ao sertão
Beber a água da fonte que canta
Que se levanta do meio do chão
Se tu nasceste cabocla cheirosa
Cheirando a rosa no peito da terra
Volta pra vida serena da roça
Daquela palhoça no alto da serra
E a fonte a cantar: chuá, chuá!
E a água a correr: chuê, chuê!
Parece que alguém que cheio de mágoa
Deixasse, quem há de dizer, a saudade
No meio das águas rolando também
A lua branca de luz prateada
Faz a jornada no alto do céu
Como se fosse uma sombra altaneira
Da cachoeira, fazendo escarcéu
Quando essa luz na altura distante
Loira ofegante no poente a cair
Dá-me essa trova que o pinho descerra
Que eu volto pra serra que eu quero partir
São de tal forma contagiantes estes acordes que na hora do estribilho, não há quem deixe de aderir e mesmo desafinando repete: chuá, chuá, chuê, chuê!
Um mundo sem água poderá ser tudo, menos mundo, quem se pôs a considerar já o concluiu. Mas são poucos, muito poucos os que evitam o desperdício. Esse bem tão precioso exige que haja uma mudança radical de comportamento em relação ao seu uso. Se não por amor de si, que seja pelos filhos e pelos netos que estão por vir. A água escasseia enquanto se multiplica a população do planeta. Há país da África e no Oriente Médio, onde o gasto da água já chega a ser de 120%. Impossível? Mas é verdade.
O Brasil ainda continua sendo o país mais beneficiado, contamos com 13, 7% da água doce disponível no planeta. Essa situação privilegiada entretanto, não está separada de uma falsa cultura de abundância o que se constitui em grande risco.
O problema é mais sério do que se pensa e conclama a adesão de todos para adoção de uma ética do cuidado com a água. Não corramos o risco de condenar as futuras gerações a uma condição que não queremos para nós. Desse modo, cuidar da água é entre os compromissos morais e éticos que se fazem necessários, o mais urgente.
* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.