Direito Ambiental

O princípio da função socioambiental da propriedade e sua aplicabilidade no Plano Diretor urbano como instrumento de gestão urbano-ambiental

Mariza Giacomin Lozer [1]

RESUMO

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 até os dias atuais, continuamos numa permanente evolução da visão que deve ser dada à proteção do meio ambiente ao se definir políticas de gestão das cidades. Ainda bem que isso vem acontecendo ao longo dos anos. Para se ter uma ideia, já no final da década de 80, vigorava a interpretação do princípio da função social da propriedade, onde se primava pelo desenvolvimento econômico das cidades, embora já houvesse a previsão no art. 170, VI da Carta Magna. Entretanto, com o passar dos anos, este mesmo princípio evoluiu através de uma construção doutrinária ao ponto de continuar primando por esse mesmo desenvolvimento das cidades, mas desde que a preservação do meio ambiente estivesse no mesmo galope. Com o advento do Estatuto das Cidades vários instrumentos de gestão foram criados e dentre eles, o Plano Diretor revelou-se importantíssimo para a aplicabilidade do princípio da função socioambiental da propriedade urbana.

PALAVRAS-CHAVES: Função social. Evolução. PDU. Meio ambiente.

RESUMEN
Desde la promulgación de la Constitución Federal de 1988 hasta hoy, seguimos una evolución permanente de la visión que se debe dar a la protección del medio ambiente mediante la definición de políticas para la gestión de las ciudades. Afortunadamente esto ha estado sucediendo en los últimos años. Para tener una idea, al final de los años 80, el principio rector de la interpretación de la función social de la propiedad, que se destacan por el desarrollo económico de las ciudades, aunque no se prevé ya la materia. 170, VI de la Carta. Sin embargo, a lo largo de los años, este principio ha evolucionado a través de un punto doctrinal a seguir luchando por ese mismo desarrollo de la construcción de la ciudad, pero como la preservación del medio ambiente era el mismo galope. Con la llegada de las diferentes herramientas de gestión de Estatuto de la Ciudad fueron creados, y entre ellos, el Plan Director ha resultado importante para la aplicabilidad de la función ambiental de la propiedad urbana.

PALABRAS CLAVE: función social. Evolution. PDU. Medio Ambiente.

ABSTRACT
Since the Federal Constitution of 1988 promulgation until today, we continue an ongoing evolution of vision that should be given to the environment protection by defining management policies for the cities. Gratefully it has been happening over the years. To get an idea, the property’s social function principles interpretation were validated at the final 80s, where the citie’s economic development prevailed, although it was already forecasted on the Art. 170 – VI on the Federal Constitution. However, over the years, this principle has evolved through a doctrinal construction to keep prioritizing for that same development of the cities, since the environment preservation was at the same order. With the Cities Satutes advent, several management tools were created and among them, the Master Plan has proved very important for the environmental function principles of urban property.

KEYWORDS: Social Function. Evolution. Master Plan. Environment

SUMÁRIO

1. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988: PRINCÍPIO NORTEADOR DA POLÍTICA URBANA

2. O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA POLÍTICA URBANA: SUA EVOLUÇAO DOUTRINÁRIA E O PAPEL DO PLANO DIRETOR

3. CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

1. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988: PRINCÍPIO NORTEADOR DA POLÍTICA URBANA

Com o objetivo de introduzir o tema proposto no presente artigo, tem-se que a Constituição Federal de 1988 contém vários dispositivos sobre a propriedade, a qual se encontra inserida como direito e garantia fundamental, no caput do artigo 5º, juntamente com os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança.

Em seguida, nos incisos do mesmo artigo, garante-se o direito de propriedade (inciso XXII), que deve atender à sua função social (inciso XXIII), assegurada a justa e prévia indenização na hipótese de desapropriação no caso de necessidade ou utilidade pública.

Verifica-se que a Constituição Federal estabelece uma estreita conexão entre as normas de proteção do meio ambiente e as relativas ao direito de propriedade. Seu artigo 5º prevê, ainda, como direito fundamental, o direito à propositura de ação popular, visando anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico ou cultural.

Pela análise destes dispositivos legais, é que temos o princípio da função social da propriedade como valioso mecanismo utilizado em prol do meio ambiente, principalmente se levarmos em consideração sua evolução ao longo dos nos, conforme veremos a seguir.

Propriedade privada, função social da propriedade e defesa do meio ambiente também são partes integrantes dos princípios gerais da Ordem Econômica previstos no artigo 170, incisos II, III e VI, respectivamente, do texto constitucional.

E é justamente por isso, que as políticas de gestão urbana que impulsionam o desenvolvimento das cidades, devem atentar para o princípio da função social da propriedade, em sua forma evoluída, como meio de proporcionar a evolução econômica sem menosprezar a preservação do meio ambiental, razão mais que plausível para ser encarado como o norte da gestão urbana responsável.

Estas políticas devem primar pelo desenvolvimento consciente, onde a responsabilidade pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado seja efetivamente um dever de todos, da sociedade e dos órgãos públicos encarregados da política urbana, conforme já insculpido no texto constitucional.

2. O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E A POLÍTICA URBANA: SUA EVOLUÇAO DOUTRINÁRIA E O PAPEL DO PLANO DIRETOR

Ao tratar da política urbana, a Carta Magna estabelece a necessidade de que a propriedade urbana cumpra sua função social (art. 182, § 2º). Também, em relação à política agrícola, fundiária e da reforma agrária, o texto constitucional, em seu artigo 184, estabelece que o imóvel rural deve cumprir sua função social e seus requisitos respectivos são citados no artigo 186.

Como bem ressalta SILVA (2003, p. 788), o enfoque dado à propriedade e sua função social insculpido no artigo 5º da Constituição Federal refere-se à garantia e direito fundamental individual, porém, a propriedade não pode ser considerada um direito puramente individual, pois obedece também aos princípios da ordem econômica de que trata o artigo 170, que tem por objetivo assegurar a existência digna, “conforme os ditames da justiça social”.

Em decorrência disso, a função social passa a ser um elemento integrante do direito de propriedade, havendo assim, uma publicização desse direito, ao qual são incorporados objetivos de ordem social.

O citado autor destaca ainda que:

Os conservadores da constituinte, contudo, insistiram para que a propriedade privada figurasse como um dos princípios da ordem econômica, sem perceber que, com isso, estavam relativizando o conceito de propriedade, porque o submetendo aos ditames da justiça social, de sorte que se pode dizer que ela só é legítima enquanto cumpra a função dirigida à justiça social (SILVA, 2003, p. 788).

A Constituição Federal inovou ao vincular o cumprimento da função social às obrigações de defesa do meio ambiente. Não há mais que se falar em propriedade privada absoluta e ilimitada. A propriedade sofre limitações, pois deve cumprir além dos interesses do particular, também a função social e a função ambiental.

Daí advém uma construção doutrinária extremamente importante para o meio ambiente, que é justamente a evolução da função social insculpida no texto constitucional onde se primava pela destinação da propriedade a fim de atender as necessidades da sociedade como um todo, passando a haver a preocupação de que as necessidades das sociedades pudessem ser atendidas respeitando e resguardando o meio ambiente.

Assim deixou de ser somente função social da propriedade, para ser função socioambiental da propriedade, onde o alcance é muito superior ao anterior, já que a visão constitucional passou a ser biocêntrica.

A esse respeito, CAVEDON (2003) declara que:

A propriedade privada, absoluta e ilimitada, torna-se incompatível com a nova configuração dos direitos, que passam a tutelar interesses públicos, dentre os quais a preservação ambiental. Assim, o direito de propriedade adquire nova configuração, e passa a estar vinculado ao cumprimento de uma Função Social e Ambiental. É limitado no interesse da coletividade e a fim de adequar-se às novas demandas de ordem ambiental (p. 61).

O Código Civil Brasileiro, aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, traçou os contornos do direito de propriedade em seus artigos 1.228 e seguintes, cujo conteúdo positivo se encontra no artigo 1.228, que, da mesma forma que fazia o Código Civil de 1916, prevê que esse direito possibilita o uso, gozo e disposição dos bens. Inovou, no entanto, no § 1º desse artigo, ao mostrar a necessidade de proteção ao meio ambiente, nos seguintes termos:

1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Encontram-se, portanto, contempladas não só na Lei Maior, mas também no Estatuto Civil, as funções ambientais e culturais das propriedades urbanas e rurais. O Código Civil não traçou, no entanto, as diretrizes para aplicação dos dispositivos constitucionais, tampouco o conteúdo e a abrangência da função social e ambiental da propriedade.

Por sua vez, a função social do meio ambiente urbano está disposta no artigo 182, § 2º, da Carta Magna competindo ao município, mediante ações previstas no Plano Diretor, a fixação do conteúdo da função social da propriedade urbana.

Nesse diapasão, declara ALMEIDA (2004) que:

Causa estranheza essa opção do constituinte. Seria perfeitamente cabível, e mesmo recomendável, que houvesse uma definição material de abrangência nacional quanto à função social da propriedade urbana, com um enfoque geral que independesse das especificidades de cada Município (p. 60).

De todos os instrumentos de gestão urbana trazidos pelo Estatuto das Cidades, tem-se que o Plano Diretor tornou-se, assim, um instrumento importante para a proteção ambiental, principalmente num contexto de meio ambiente urbano, em que imperam a carência habitacional, a falta de saneamento básico, a falta de planejamento urbano, problemas de desemprego e organização social, compete ao Município a responsabilidade de transformar esse cenário e de estabelecer a função social da propriedade urbana.

Dessa forma, por meio da Política de Desenvolvimento Urbano, a cargo do poder público municipal, advém o estabelecimento das regras para cumprimento da função socioambiental da propriedade, as quais devem traçar os critérios necessários e incluir disposições legais sobre proteção ao meio ambiente, como planejamento de uso do solo, abrangendo aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais.

A proteção constitucional à propriedade urbana somente se se atender às disposições do Plano Diretor, a quem compete estabelecer as exigências para que a propriedade urbana cumpra sua função social.

Já a função social da propriedade rural materializa-se por meio do conteúdo constitucional previsto no título VII, capítulo III, que trata Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária.

3. CONCLUSÃO

Por fim, conclui-se que as disposições concernentes tanto à função social da propriedade urbana quanto da propriedade rural devem compatibilizar-se com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição Federal, que apresenta um novo componente: a necessidade de atendimento também dos interesses das futuras gerações, por isso, a evolução para função socioambiental da propriedade.

Portanto, a função social, sob seus diversos aspectos, além de contemplar os interesses do proprietário sobre a propriedade, deve levar em conta os interesses coletivos visando à promoção do bem comum, dando à propriedade melhor destinação do ponto de vista dos interesses sociais. “Isto significa que a função social da propriedade atua como fonte de imposição de comportamentos positivos – prestação de fazer, portanto, e não meramente, de não fazer – ao detentor do poder que deflui da propriedade“, afirma Eros Grau (2003, p. 213; grifos do original).

REFERÊNCIAS

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Dos instrumentos da política urbana. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (orgs.), Estatuto da Cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 41-119.

CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Florianópolis: Visualbooks, 2003.



[1] A autora é Advogada, Mestre em Tecnologia Ambiental pela FAACZ, Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico e em Direito Penal e Processual Penal, Professora Adjunta nas Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ) nos Cursos de Direito, Engenharia Química e Arquitetura.

Como citar e referenciar este artigo:
LOZER, Mariza Giacomin. O princípio da função socioambiental da propriedade e sua aplicabilidade no Plano Diretor urbano como instrumento de gestão urbano-ambiental. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/o-principio-da-funcao-socioambiental-da-propriedade-e-sua-aplicabilidade-no-plano-diretor-urbano-como-instrumento-de-gestao-urbano-ambiental/ Acesso em: 22 dez. 2024