SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O CASO. 3 A SENTENÇA. 4 CARACTERÍSTICAS TRANSFRONTEIRIÇAS DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE. 5 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS. 6 CONCLUSÃO. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como escopo a apresentação analítica do caso que é considerado o início do desenvolvimento do Direito Ambiental Internacional[1]; sem, no entanto, ter a pretensão de esgotá-lo completamente, visto que, trata-se de um brevíssimo resumo; porém procuraremos detalhá-lo harmonicamente.
Nos capítulos 4 e 5 trataremos de forma mais generalizada a questão a que nos propusemos, constantes no subtítulo deste trabalho.
2 O CASO
O caso supra citado, conhecido como O Caso da Fundição Trail (Trail Smelter Case) teve início a partir de queixa apresentada pelo Governo dos Estados Unidos contra o Governo do Canadá[2] à Comissão Mista Internacional, baseando-se nos termos do Tratado de Águas de Fronteira (Boundary Waters Treaty ou, mais modernamente, podemos dizer Tratado de Águas Fronteiriças), de 1909.
A empresa Consolidated Mining And Smelting Co. of Canada[3] – do ramo de zinco e chumbo[4] – era acusada de poluir, também, áreas em território estadunidense – mais precisamente no estado de Washington – com emissões de dióxido de enxofre (ou anidrido sulfuroso).
Após investigações, a Comissão Mista Internacional finalizou relatório, datado em 28 de fevereiro de 1931, reconhecendo e recomendando a realização de acertos definitivos por parte da empresa canadense e estipulando o valor de $350,000 como compensação pelos danos causados – aí incluídos os prejuízos passados e os que viriam a ocorrer até o dia 1º de janeiro de 1932[5]. A partir daí decidiu-se celebrar uma convenção para discutir as problemáticas encontradas. A Convenção foi realizada em 15 de abril de 1935[6], na cidade de Ottawa, no Canadá; das decisões tomadas na Convenção de Ottawa, estabeleceu-se o Tribunal Arbitral, na cidade de Washington, que estendeu-se de 16 de abril de 1938 até sua resolução e finalização em 11 de março de 1941.
Os juízes escalados para arbitrarem o caso foram Charles Warren, dos Estados Unidos; Robert A. E. Greenshields, do Canadá; e Jan Frans Hostie, da Bélgica.
3 A SENTENÇA
A decisão proferida em 11 março de 1941 pelo Tribunal Arbitral pronunciou a favor dos Estados Unidos; prolatou-se que “o Estado tem sempre o dever de proteger outros Estados contra atos injuriosos praticados por indivíduos dentro de sua jurisdição”[7], estabelecendo como princípio a prevenção do dano ambiental transfronteiriço. Mais ainda, o Tribunal preceituou que:
[…] de acordo com os princípios do direito internacional (…) nenhum Estado tem o direito de usar o seu território ou de permitir o seu uso de maneira tal que fumos provoquem danos no território de outro Estado ou nas propriedades de pessoas que aí se encontrem, tratando-se de consequências sérias e caso os danos sejam objeto de provas claras e convincentes.[8]
Temos aqui a tomada não apenas de uma, mas de várias decisões que deixaram marcas indeléveis na História; decisões essas que em seus contextos vigentes já eram de suma importância, com visões de mundo distintas das que conhecemos atualmente; e foi nesse contexto – em um passado não tão distante – que as mudanças mais radicais se tornaram realidade e que viriam beneficiar, além do objetivo originário, toda uma geração (ou várias gerações) que se seguiu, refletindo na maneira que pensamos, no modo como agimos e como vivemos. Segundo Pureza:
[…] a argumentação da sentença arbitral (…) é tida como emblemática dos primeiros passos de um direito que abandona a sacralização do exclusivismo soberano para se abrir às exigências quer da unidade física dos recursos quer à comunidade de interesses e à interdependência por ela gerada. […][9]
Podemos confrontar a decisão do tribunal Arbitral referente ao Caso da Fundição Trail e afirmar que dela despertaram interesses maiores que aqueles até então vislumbrados.
4 CARACTERÍSTICAS TRANSFRONTEIRIÇAS DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE
Hodiernamente a complexidade em se descrever o que é “fronteira” é tão enfumaçada quanto variável e flexível; não falamos da fronteira física, delineada indelevelmente (ou não, mas há a pretensão que seja) em nossas mentes, assim como nos mapas geográficos.
Mas o que dizer das novas fronteiras? As áreas e regiões transfronteiriças; aquelas que superam as simples divisas entre Estados; pois quando se fala em meio ambiente e, consequentemente, em possíveis desastres ambientais, se fala em danos que vão além do comumente conhecido e previsivelmente alcançado: fala-se de gases tóxicos, líquidos poluentes, que percorrem uma vastidão imensurável em questão de dias, quiçá, horas, ou seja, atravessam os limites antes “domináveis” e passam para o campo do incontrolável, muitas vezes atingindo e prejudicando Estados e pessoas que nada contribuiram para o fato consumado, o fatídico e irremediável desastre ecológico.
E é pensando nesta problemática que o Direito Ambiental Internacional vem para abranger e convergir os regramentos que visam, se não a possibilidade de evitar, mas, ao menos, amenizar possíveis danos ambientais. Considerando que o meio ambiente está fortemente ligado à sustentabilidade e desenvolvimento econômicos, considera-se de antemão que há indivíduos envolvidos em todos esses processos; e como salienta Held:
[…] o Direito Internacional deixou de estar limitado aos Estados e à relação entre eles, para abarcar os indivíduos como portadores de direitos e de deveres; por outro, a referência exclusiva a assuntos políticos e estratégicos – estatais, sempre – estendeu-se para contemplar a gestão de matérias econômicas e sociais. […][10]
Em suma, compreendemos que os danos causados em possíveis degradações ao meio ambiente em regiões transfronteiriças trazem problemas muito além dos visíveis a curto prazo; tais desastres acarretam, também, desestabilização econômica, problemas de saúde a curto, médio e longo prazo e, mais raramente, porém não necessariamente mais improváveis, querelas judiciais entre os Estados.
5 A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS
É mister afirmar que após essa primeira experiência, no que tange ao Direito Ambiental Internacional, as posições dos Estados e dos atores globais ficaram mais claras e suas responsabilidades mais urgentes e suscetíveis às cobranças, não só dos cidadãos dos países envolvidos, mas também de toda a comunidade internacional, considerando que a visão comumente definida de fronteira é variabilíssima quando tratamos de meio ambiente; e todo acidente envolvendo o meio ambiente, toda catástrofe ambiental e todo dano causado ao nosso habitat será compartilhado, direta e/ou indiretamente, por vários povos e nações; parte daí “o princípio pelo qual os Estados podem ser responsabilizados em reclamatórias interestatais sob o Direito Internacional”[11] e conforme nos ensina o Professor Guido Soares, refletindo sobre tais efeitos e consequências, “no que respeita ao dano, o Direito Internacional distingue os prejuízos causados diretamente aos Estados, e indiretamente, a pessoas sob sua jurisdição (seus nacionais) […]”[12]. Entendemos que possa haver distinções quanto às punições e sanções, porém elas existem, mesmo que em patamares diferenciados.
6 CONCLUSÃO
É visível o desenvolvimento que o Direito Ambiental Internacional experimentou desde o Caso da Fundição Trail, porém, a degradação diária que o meio ambiente vem sofrendo, ano após ano, não deixa dúvidas de que o máximo ainda é o mínimo, quando falamos de proteção ao meio ambiente. O Direito cumpre seu papel, como ficou provado na sentença do Tribunal Arbitral, no representativo ano de 1941. Sessenta e nove anos se passaram desde então, com a certeza de que a vitória dos Estados Unidos, nesse caso, foi o início de uma nova mentalidade: a ideia de que, na luta em prol do meio ambiente, o mundo não tem fronteiras.
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES NETO, Adelino. Responsabilidade do Estado no Direito Internacional e na OMC. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008.
BIRNIE, Patricia; BOYLE, Alan. International Law & The Environment apud ROESSING NETO, Ernesto. Responsabilidade Internacional Dos Estados Por Dano Ambiental: O Brasil e a Devastação Amazônica. Discurso Jurídico. Faculdade Integrado de Campo Mourão, Campo Mourão, v. 2, n. 2, 2006. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/
discursojuridico/article/viewFile/189/79>. Acesso em: 26 de maio de 2010.
BORGES, Leonardo Estrela. Direito Ambiental Internacional e Terrorismo: Os Impactos no Meio Ambiente. Boletim Científico. Escola Superior do Ministério Público da União, Brasília, ano II, n. 9, outubro/dezembro de 2003. Disponível em: <http://www3.esmpu.gov.br/linha-editorial
/boletim-cientifico/boletim9.pdf>. Acesso em: 25 de maio de 2010.
BRATSPIES, Rebecca M.; MILLER, Russel A. (Org.). Transboundary Harm in International Law: Lessons From The Trail Smelter Arbitration. New York: Cambridge University Press, 2006.
CARVALHO, Jaqueline Ridolfi. Tratado Regulamentando a Exploração do Aquífero Guarani Pelos Países do Mercosul. Faculdades de Campinas, Campinas, 1º de dezembro de 2008.
KUOKKANEN, Tuomas. International Law And The Environment: Variations on a Theme. The Hague: Kluwer Law International, 2002.
MACHADO, Maíra Rocha. Internacionalização do Direito Penal: A Gestão de Problemas Internacionais Por Meio do Crime e da Pena. Coleção Direito GV. São Paulo: 34, 2004.
NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Direito Ambiental Internacional: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e os Desafios da Nova Ordem Mundial. 2. ed. Rio de Janeiro: Thex, 2002.
PUREZA, José Manuel. Globalização e Direito Internacional: Da Boa Vizinhança ao Patrimônio Comum da Humanidade. Lua Nova. CEDEC, São Paulo, n. 30, 1993.
ROBB, Cairo A. R. (Org.). International Environmental Law Reports: Early Decisions, v.1. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
SÁNCHEZ, Vicente; JUMA, Calestous (Org.). Biodiplomacy: Genetic Resources And International Relations. Nairobi: ACTS Press, 1994.
SOARES, Guido Fernando Silva. Curso De Direito Internacional Público. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
WORLD BANK. The Characteristics And Consequences of Cross-Border Oil And Gas Pipelines. IN: Cross-Border Oil And Gas Pipelines: Problems And Prospects. Joint UNDP / World Bank Energy Sector Management Assistance Programme – ESMAP, Washington, junho de 2003. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTOGMC/Resources
/crossborderoilandgaspipelines.pdf>. Acesso em: 26 de maio de 2010.
UNITED NATIONS. Coletânea das Sentenças Arbitrais. v. XII apud KISS, Alexandre. Direito Internacional do Ambiente. IN: Textos do Centro de Estudos Judiciários, Ambiente e Consumo. Tradução de Maria Gabriela de Bragança. v. I. 8. ed. Lisboa: DIRAMB, 1996 apud SCALASSARA, Lecir Maria. Conflitos Ambientais: O Acesso à Justiça e os Meios Alternativos de Solução de Conflitos. Discurso Jurídico. Faculdade Integrado de Campo Mourão, Campo Mourão, v. 2, n. 2, 2006. Disponível em: <http://revista.grupointegrado.br/revista/index.php/
discursojuridico/article/viewFile/203/92>. Acesso em: 25 de maio de 2010.
______. Reports of International Arbitral Awards: Trail Smelter Case (United States, Canada), 16 April 1938 And 11 March 1941, v. III, pp. 1905-1982, New York, 2006. Disponível em: <http://untreaty.un.org/cod/riaa/cases/vol_III/1905-1982.pdf>. Acesso em: 25 de maio de 2010.
*Acadêmico do curso de Direito no Centro Universitário Vila Velha – UVV. Vila Velha, ES. Membro do FCSP – Fórum Capixaba de Segurança Pública.
[1] BORGES, Leonardo Estrela. Direito Ambiental Internacional e Terrorismo: Os Impactos no Meio Ambiente. Boletim Científico – Escola Superior do Ministério Público da União, ano II, n. 9, p. 77.
[2] Representado, in verbis, pelo Governo da Grã-Bretanha, Irlanda, dos Territórios Britânicos de além-mar, Imperador da Índia e em relação ao Domínio do Canadá. IN: UNITED NATIONS. Reports of International Arbitral Awards: Trail Smelter Case (United States, Canada), 16 April 1938 And 11 March 1941, v. III, pp. 1905-1982, p. 1907.
[3] Situada em Trail, British Columbia, Canadá.
[4] Alguns livros também trazem o cobre como sendo matéria-prima utilizado na produção da empresa. IN: ROBB, Cairo A. R. (Org.). International Environmental Law Reports: Early Decisions, v.1, p. 253.
[5] Os Estados Unidos apresentaram outros dois itens a posteriori: uma indenização pelo “dano causado em relação à violação de sua soberania”; e a cobrança de juros sobre o valor estipulado de $350,000 que não haviam sido pagos até o dia 2 de novembro de 1935. IN: UNITED NATIONS. Reports of International Arbitral Awards: Trail Smelter Case (United States, Canada), 16 April 1938 And 11 March 1941, v. III, pp. 1905-1982, p. 1932.
[6] A Convenção foi ratificada em 3 de agosto de 1935.
[7] NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Direito Ambiental Internacional: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e os Desafios da Nova Ordem Mundial, p. 15.
[8] UNITED NATIONS. Coletânea das Sentenças Arbitrais. v. XII apud KISS, Alexandre. Direito Internacional do Ambiente. IN: Textos do Centro de Estudos Judiciários, Ambiente e Consumo. Tradução de Maria Gabriela de Bragança. v. I. apud SCALASSARA, Lecir Maria. Conflitos Ambientais: O Acesso à Justiça e os Meios Alternativos de Solução de Conflitos. Discurso Jurídico. v. 2, n. 2.
[9] PUREZA, José Manuel. Globalização e Direito Internacional: da Boa Vizinhança ao Patrimônio Comum da Humanidade. Lua Nova. CEDEC, n. 30, p. 78.
[10] HELD, David. La Democracia y el Ordem Global: Del Estado Moderno al Gobierno Cosmopolita apud MACHADO, Maíra Rocha. Internacionalização do Direito Penal: A Gestão de Problemas Internacionais Por Meio do Crime e da Pena. Coleção Direito GV, p. 17.
[11] BIRNIE, Patricia; BOYLE, Alan. International Law & The Environment apud ROESSING NETO, Ernesto. Responsabilidade Internacional Dos Estados Por Dano Ambiental: O Brasil e a Devastação Amazônica. Discurso Jurídico. Faculdade Integrado de Campo Mourão, Campo Mourão, v. 2, n. 2.
[12] SOARES, Guido Fernando Silva. Curso De Direito Internacional Público, p. 10.