Terceirização e a responsabilidade perante o Estado: a terceirização efetuada por entidades da Administração Pública[1]
Ivan Wilson Junior; Lucas Almeida Oliveira[2]
Mayco Murilo Pinheiro[3]
RESUMO
O presente estudo versa sobre a terceirização na Administração Pública, mais especificamente da gestão e fiscalização dos contratos firmados com empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de bens. Conceitua a terceirização é fenômeno relativamente novo no direito do trabalho do país, assumindo um papel de aplicação e realidade nas últimas décadas. Aprofunda seu estudo no âmbito de uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: O prestador de serviços, a empresa terceirizante e a empresa tomadora de serviços. Alerta, no entanto, autores como Mauricio Goldin Delgado, que o modelo trilateral de relação socioeconômico e jurídica que surge com o processo terceirizante é francamente distinto do clássico modelo empregatício, que se funda em relação de caráter essencialmente bilateral.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública; Relação Trilateral; Terceirização
INTRODUÇÃO
A terceirização na administração pública vem sendo uma prática rotineira, sobretudo depois do Decreto-Lei nº 200/67 e Decreto-Lei nº 2.300/86, antigas normas de administração do setor público que também regulamentavam as licitações.
A justificativa para a realização do presente paper acontece pelo fato de querer identificar quais são, no cenário atual, as vantagens e as desvantagens de sua utilização na administração pública. Nesse sentido, é perceptível que existem vantagens e desvantagens acerca da terceirização na administração pública, contudo, far-se-á uma abordagem, no contexto das prós e contras, acerca da definição de atividade fim (exclusiva do setor público) e o que é a atividade meio, esta sim que pode ser terceirizada.
A terceirização, no presente trabalho, vai se objetivar, da mesma maneira, a expor a terceirização como especificidade da administração pública, isto é, explicitar a relação no que tange a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas de títulos como requisito irrestrito para a investidura em cargo ou emprego público, considerando nulo o ato de admissão efetuado sem a observância de tal requisito. (DELGADO, 2014)
Dita pertinência da atualidade, há se de observar um problema que vem ocorrendo de maneira corriqueira durante o processo de terceirização na administração pública, sobretudo no que tange ao inadimplemento de verbas trabalhistas por empresa terceirizada.
O QUE É TERCEIRIZAÇÃO
Prelinamente, é preciso preconizar a parte histórica da administração pública brasileira, em que, a partir da década de 80 iniciou-se um processo de reforma com o objetivo de reduzir o tamanho do seu aparelhamento administrativo, tornando-a flexível, eficiente e voltada para o atendimento ao cidadão. A partir de então surge o instituto da privatização, no seu sentido amplo, o qual compreendia entre outros a quebra de monopólio de atividades exercidas exclusivamente exercidas pelo poder público, assim, solicitando colaboração aos particulares e a terceirização, delegando serviços públicos a entidades privadas no desempenho de atividades acessórias da administração (DI PIETRO, 2008, P.28).
No mesmo sentido, é o entendimento de Sergio Pinto Martins a terceirização é a possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não formam o objeto principal da empresa. Nesse sentido, a contratação pode envolver tanto a produção de bens como de serviços, visando não só a redução de custos bem como também uma maior agilidade, flexibilidade e competitividade à empresa.
Vale ressaltar que, neste momento, vigorava um paradigma de administração pública centralizadora e burocrática, o que, nas palavras de Helder Amorim (2009, p. 104-105):
(…) confere à norma em apreço um aspecto ‘despreocupadamente’ exortativo da contratação de tarefas internas do setor público ao setor privado, com finalidade estritamente organizacional, num cenário político que não representava qualquer risco de abuso privatista. (…) No paradigma administrativo da época, a preocupação maior do governo militar residia na desburocratização dos processos de decisão na administração pública direta e no controle operacional e financeiro das empresas estatais. O grande desafio da época era flexibilizar a administração dessas empresas para atribuir maior operacionalidade e reduzir custos nas atividades econômicas do Estado.
Posteriormente, quando surgiu a lei nº 5.645/70 veio a dispor algumas atividades meramente executivas exposta a terceirização, que está disposto “as atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato” (art. 3º, parágrafo único)
Não obstante, o rol é exemplificativo, contudo, sua extensão encontra limites no ponto comum que se pode extrair da lei, que vem ser, a necessidade de que tais atividades digam a atividades de apoio, instrumentais, atividades-meio (DELGADO, 2009, p. 411).
A CF/88, em seu inciso XXI do art. 37, trouxe o fundamento para a contratação de serviços, ao incluí-los, expressamente, entre os contratos dependentes de licitação. “É evidente que o intuito do legislador não foi o de inovar – pois tais contratos sempre foram celebrados –, mas o de tornar expresso que a licitação é obrigatória, inclusive para as entidades da Administração indireta” (PIETRO, 2005, p. 236).
Com o objetivo de dar cumprimento ao art. 37, inciso XXI, o legislador formulou a lei nº 8.666, estabelecendo normas sobre licitações e contratos da administração pública. Nesse sentido, Maçal Justen Filho (2009, p. 125-126) diferencia os regimes de execução:
A execução direta verifica-se quando a obra ou serviço é executado pela própria Administração. A Lei acrescentou a expressão ‘pelos próprios meios’ ao conceito existente no DL 2.300/1986. Desse modo, deixou claro que a execução direta envolve também o instrumental da Administração. No caso de execução direta, a Administração direta não necessitaria, em princípio, do concurso de terceiros. Logo, não caberia cogitar de contratação administrativa (portanto, nem de licitação). (…). As obras e serviços podem desenvolver-se sob regime de execução indireta. A responsabilidade pelo cumprimento das prestações é assumida por um terceiro, que é juridicamente o realizador da obra ou prestador do servi- ço. A execução indireta se faz sob a modalidade básica da empreitada.
A referida lei, em seu art. 6º, II, define serviços como “toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração”, e, a logo em seguida, exemplifica as atividades de “demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais”. A devida interpretação da norma enseja a delimitação dos serviços passíveis de terceirização.
DISTINÇÕES CONCEITUAIS DA TERCEIRIZAÇÃO
A terceirização ou locação de serviços, na administração pública, é regida pela lei nª 8.666/93, no qual faz parte a lei de licitações e contratos da administração pública. Se forma numa das formas pela qual o Estado busca parceria com o setor privado para a realização de suas atividades. Por meio dela, atividades de apoio ou meramente instrumentais à prestação do serviço público são repassadas para empresas privadas especializadas, a fim de que o ente público possa melhor desempenhar suas competências institucionais.
A referida Lei nº 8.666/93 estabelece “serviços” como uma atividade destinada a obter determina utilidade de interesse para a Administração (art. 6º, II). Assim, o serviço objeto de terceirização é uma tarefa prestada pelo particular imediatamente à Administração para satisfação dos interesses desta em apoio ao exercício de suas atribuições. Apenas de forma mediata o serviço é prestado à comunidade, através do ente público contratante, beneficiário direto da prestação (AMORIM, 2009, p. 97).
No entanto, trata-se de um novo meio adotado para especificar fórmulas há muito utilizadas pela Administração Pública, contudo, retornou impregnada da nova ideologia neoliberal. “A terceirização é vocábulo emprestado à vida empresarial para designar os antigos contratos de obras, serviços e fornecimentos, desde longa data utilizados pela Administração Pública” (PIETRO, 2005, p. 19).
Sobre o tema, a conceituada doutrinadora Maria Sylvia Di Pietro (2005, p. 239) entende que:
A concessão tem por objeto um serviço público; não uma determinada atividade ligada ao serviço público, mas todo o complexo de atividades indispensáveis à realização de um específico serviço público, envolvendo a gestão e a execução material. (…) A Administração transfere o serviço em seu todo, estabelecendo as condições em que quer que ele seja desempenhado; a concessionária é que vai ter a alternativa de terceirizar ou não determinadas atividades materiais ligadas ao objeto da concessão. A locação de serviços tem por objeto determinada atividade que não é atribuída ao Estado como serviço público e que ele exerce apenas em caráter acessório ou complementar da atividade-fim, que é o serviço público
Ante o exposto, se conceitua que na terceirização a administração pública apenas se transfere a execução material de determinada atividades, em quanto que as concessionárias e permissionárias de serviços públicos também recebem a festão operacional.
Terceirização na administração pública
Como apresentado na exposição do sumário, Delgado (2014), em sua obra, destina um capítulo a tratar sobre a terceirização trabalhista, bem como sub tópico da terceirização da administração pública, o que traz ligação ao tema aqui apresentado. Há, portanto, um ponto relevante, dentre vários discutidos pelo autor, sobre os efeitos jurídicos desse fenômeno, terceirização. Este, é um modelo novo de relação trabalhista, ao invés de ser uma relação bilateral, torna-se trilateral. Dando continuidade, o referido autor, divide em quatro momentos, são eles: a) Terceirização permanente ou temporária; b) Terceirização de atividade fim ou de atividade meio; c) Terceirização regular e irregular; d) Terceirização obrigatória ou voluntária.
Nesse sentido, é preciso explicitar os princípios e regras assecuratórios aplicados ao caso, bem como, o princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, III), da valorização do trabalho e especialmente do emprego (art. 1º, III, combinado com o art. 170, caput), da busca de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art.3º, I), do objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (art. 3º, III), da busca da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV).
Diante do exposto, é preciso analisar os efeitos jurídicos da relação de trabalho entre o tomador de serviços, empresas terceirizadas e trabalhador, bem como analisar a responsabilidade jurídica de cada um nessa relação trilateral. Sendo assim, haverá responsabilidade solidária entre o tomador e o intermediador de mão de obra quando a subcontratação for irregular, caso em que o vínculo se transcorre diretamente com o tomador de serviços. (CASSAR, 2013).
O curso de Direito do Trabalho de Mauricio Goldinho Delgado (2014), dispõe sobre a especificidade da administração pública. Ante o exposto, a obra de Delgado expressa que a constituição de 1988 lançou uma especificidade no que tange aos efeitos jurídicos da terceirização em que entidades da administração pública direta, indireta e fundacional efetivava (DELGADO, 2014, p. 473).
O referido doutrinador, relata que a constituição, com essa especificidade, foi estabelecer em algumas situações uma garantia em favor de toda sociedade, tendo em vista a pratica patrimonialista da administração pública dominante no país. A garantia em questão tem como objetivo fomentar os interesses e valores de toda a coletividade, prevalecendo assim aos interesses de particulares. (DELGADO, 2014, p.474).
Delgado (2012), em sua obra, expõe o grande debate que surgiu após a Constituição de 1988, isto é, após a CF88 ficou estabelecido que a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos é um requisito intrínseco para a investidura em cargo ou emprego público. Portanto, é de se observar um verdadeiro obstáculo em possível responsabilização do estado, uma vez que a CF só reconhece como uma relação de emprego com as estatais mediante concurso público. Nesse sentido, a Súmula 331, II, TST afirma: “ A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vinculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da Republica). ”
Outro ponto que é importante ressaltar, é o da responsabilidade objetiva (subjetiva) do estado em cada caso concreto. Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que para determinados casos, há a tese da teoria da responsabilidade do estado, à qual se trata da teoria da culpa do serviço ou culpa administrativa e teoria do risco. Assim a referida autora diz:
Essa culpa do serviço público ocorre quando: O serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incluindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário.
Para tanto, a mencionada doutrina fundamenta sua posição no princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais, decorrendo do artigo 13 da declaração dos direitos do Homem, de 1789, em que diz: “para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com as suas possibilidades”. Segundo Di Pietro (2011), o princípio supra, significa que assim como os benefícios derivados da atuação estatal se divide para todos, bem como os prejuízos sofridos por alguns indivíduos da sociedade devam ser repartidos. Assim, se entende que, uma vez a pessoa sofrendo um ônus maior do que suportado pelas demais, extrapola-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais, dessa forma, deve o Estado indenizar o prejudicado utilizando recursos do erário. (DI PIETRO, 2011).
Desta forma, um caso pode apresentar o Estado como responsável pelo dano, ao não tomar uma atitude de fazer diante de uma circunstância, estabelecendo uma omissão do Estado. Isto é, mesmo se o caso remeter a uma ideia de força maior não se descaracteriza a responsabilidade do Estado, pelo fato de este fator está diretamente ligada a omissão do Estado. Para fundamentar essa posição Di Pietro (2011), afirma: “mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá se, aliada à força maior, ocorrer omissão do Poder Público na realização de um serviço”.
O nexo causal é outro fator que pode isentar a empresa terceirizada de culpa, tendo em vista que quando o nexo causal é diretamente ligado ao Estado, não há que se falar em culpa do terceirizado. Nessa linha de raciocínio, Sergio Cavalieri afirma: “(…) o nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano”. Assim, fica clara a responsabilidade do Estado.
Nessa corrente, é possível argumentar ainda, em relação a responsabilidade extracontratual do Estado, importar saber qual a relação causal existente entre os danos sofridos por terceiros, imputáveis a uma conduta comissiva ou omissiva do Estado, ou por quem lhe faça as vezes, para que se busque a devida reparação.
REFERÊNCIAS
Batista, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990. Capítulo: Violência e Polícia.
BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz; MARTIN, Luiz Brenner Guimarães; GOMES, Luiz; ABREU, Roberto de. A transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã. In: São Paulo Em Perspectiva, 18(1): 119-131, 2004. Disponível em: http://www.uece.br/labvida/dmdocuments/a_transicao_de_uma_policia_de_controle.pdf
BÖES, Guilherme Michelotto. Precisamos falar da violência policial. 05.03.2015. Disponível em http://emporiododireito.com.br/precisamos-falar-da-violencia-policial-por-guilherme-michelotto-boes/
JESUS, Damásio de. Direito Penal Parte Especial. v. 4. São Paulo: 17.ed. Saraiva, 2012.
STJ, HC 7515. Relatoria: Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199800358366&dt_publicacao=02-081999&cod_tipo_documento=
Vade Mecum / obra coletiva de autonomia da editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 13° edição. Atual. Ampl. – São Paulo, Saraiva, 2012.
[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Individual do Trabalho, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB
[2] Alunos do sétimo período do curso de Direito da UNDB.
[3] Professor, orientador.