José Batista Soares Neto
Gilberto Mendes Calasans Gomes
Diante dos últimos desdobramentos no curso da Operação Lava-Jato, que já contempla treze delações premiadas em que seus colaboradores buscam a redução da pena em troca de cooperação nas investigações, em 18 de março do corrente ano, foi publicado o Decreto n.º 8.420/2015, que regulamenta a afamada Lei Anticorrupção, disciplinando a responsabilização administrativa e judicial de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos contra a Administração Pública.
Nesse cenário, que manifesta um excessivo número de operações ilícitas realizadas na Administração Indireta, as delações premiadas têm por objetivo a colaboração de personagens envolvidos no âmbito das investigações conduzidas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Reproduzindo essa sistemática, a Lei Anticorrupção fixou um mecanismo de investigação similar no âmbito de processos administrativos contra pessoas jurídicas. O acordo de leniência, espelhado na experiência norte-americana, busca a celebração de um compromisso entre as empresas investigadas pela prática de atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção e dos ilícitos administrativos listados nas diversas leis de licitações, objetivando a colaboração efetiva com as investigações e o processo administrativo de responsabilização, concedendo, em troca, isenção ou atenuação das sanções cabíveis.
Contudo, o Decreto n.º 8.420/2015 trouxe controvérsia quando atribuiu competência à Controladoria-Geral da União (CGU) para celebrar o acordo de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal. Além do mais, ficou determinado que a celebração do acordo de leniência poderá resultar na extinção da ação punitiva na esfera administrativa ou a redução significativa da penalidade, porém, sem garantir que o benefício seja conferido na esfera judicial à pessoa jurídica que buscou contribuir com a investigação. Ainda quanto ao tema, há que se verificar a relação entre a confissão do ato lesivo em acordo de leniência e a controvertida responsabilização objetiva da pessoa jurídica e suas consequências em plano judicial. Com efeito, ao passo que as investigações nas esferas cível e criminal são realizadas pelo Ministério Público, resta claro que o acordo de leniência celebrado no âmbito administrativo não restringe as penalidades que poderão ser impostas em eventual ação judicial proposta pelo Parquet.
De fato, a CGU tem competência para iniciar os procedimentos de responsabilização administrativa de pessoas jurídicas, assim como o Ministério Público detém a titularidade de persecução penal para promover a responsabilização judicial delas. Porém, observando o fluxo das investigações da Operação Lava-Jato, temos clara uma atuação indispensável desses órgãos independentes que, entretanto, não se comunicam, uma vez que, “a possibilidade de celebração de acordos de leniência pela CGU com empresas envolvidas em operações em curso no MPF traz, a um só tempo, insegurança jurídica para as empresas envolvidas e embaraços aos avanços e possibilidade de sucesso da investigação”[1].
Essa questão foi objeto de representação proposta pelo Ministério Público de Contas junto ao TCU que buscava, cautelarmente, a abstenção da CGU para celebrar quaisquer acordos de leniência com as empresas envolvidas na Operação Lava-Jato que não tenham celebrado acordos com o MPF. Isso sob o argumento de evitar que se celebrem acordos que possam atrapalhar o curso das investigações pelo MPF e que se “premiem” apenas as empresas que deram contribuição efetiva para tais investigações.
Entretanto, o TCU indeferiu a concessão da cautelar por entender pela legalidade e constitucionalidade da Lei Anticorrupção e pela existência de instrumentos suficientes para evitar que as preocupações do MP/TCU se concretizassem. Segundo o TCU, tais instrumentos seriam suficientes quanto à legalidade, legitimidade e economicidade dos acordos de leniência, como o acompanhamento pelo próprio Tribunal das tratativas iniciadas pela CGU e a possibilidade de o Ministério Público de Contas, em conjunto com o Ministério Público Federal, proferir parecer junto à Corte de Contas quando da análise do processo de fiscalização do acordo de leniência.
Como visto, a regulamentação da Lei Anticorrupção, ao conferir competência à CGU para celebrar o acordo de leniência, tangenciou as repercussões que a proposta provocará na esfera cível e penal quando a empresa representada também é alvo de investigações executadas pelo Ministério Público. Buscar uma solução em que o acordo de leniência garanta efetivos benefícios à empresa colaboradora, no âmbito da esfera civil, penal e administrativa traria, de certo, um instituto eficiente em combate à corrupção. Afinal, fica claro que enfrentar o crime organizado requer uma força-tarefa realizada por todos os órgãos de controle competentes para essa atividade e, claro, uma verdadeira comunhão harmônica de interesses dessas instituições, buscando fortalecer as políticas de integridade e compliance, com o propósito de erradicar à desmoralização disseminada na Administração Pública.
José Batista Soares Neto – Acadêmico do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília. Integra o escritório Souto, Correa, Cesa, Lummertz & Amaral Advogados, em Brasília – DF.
Gilberto Mendes Calasans Gomes – Advogado no escritório Piquet Carneiro, Magaldi e Guedes Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Pós Graduando pela Fundação Escola do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
[1] Representação proposta pelo Ministério Público de Contas junto ao TCU contra a possibilidade de celebração de acordos de leniência previstos na Lei n.º 12.846/13.