Direito Administrativo

Cassação da CNH de Condutores Indicados, sem Flagrante

 

                        Quando a sociedade está adoentada ela mesma pede alguns remédios um pouco mais amargos ou dolorosos em busca da cura, relevando discussões jurídicas de ordem legal ou constitucional. Exemplos são os toques de recolher a partir de determinados horários, revistas nas malas escolares de estudantes com complascência dos pais, etc.  No trânsito não é diferente, mas não se deve levar pela empolgação de arvorar-se como ‘Paladino da Justiça’ e romper certos preceitos.   Em nome do bem comum até campos de concentração já foram criados.

 

                        O Código de Trânsito estabelece em seu Art. 263 quais são os casos de ‘Cassação da Carteira’, e dentre eles quando a pessoa está com o direito de dirigir suspenso e conduz qualquer veículo, que obviamente precise de habilitação.  O Art. 162 do CTB prevê dentre as irregularidades relacionadas com a Carteira de Habilitação, em seu inciso II,  a de dirigir o veículo com a habilitação suspensa ou cassada.  Há, portanto, uma relação direta entre o Art. 162, II e o Art. 263, pois seria a partir da autuação por aquele dispositivo que seria, no momento oportuno, instaurado o Processo de Cassação da Carteira. Aqui cabe uma distinção entre suspensão e cassação: suspensão é temporária, por prazo determinado, cuja condição para retorno à condução, além do cumprimento do prazo,  é submeter-se ao curso de reciclagem; a cassação (com dois ‘ss’ e não com ‘ç’ porque não é com ‘bacamarte’) tem um caráter definitivo, mas como não pode haver penas de caráter perpétuo, a pessoa só pode pleitear a reabilitação após 2 anos. Em resumo: a cassação não é uma suspensão de dois anos, portanto incorreria num imperdoável equívoco a autoridade que notificasse algum motorista informando que sua habilitação estaria sendo cassada por 2 anos.  Deve dizer que está sendo cassada. (ponto) E se desejar retornar a conduzir deve reabilitar-se somente após 2 anos.

 

                A Resolução 182 do CONTRAN, que regulamenta o processo tanto de suspensão do direito de dirigir quando da cassação, estabelece em seu Art. 19 que será instaurado o processo de cassação quando o condutor for FLAGRADO conduzindo com a habilitação suspensa. (Res.182, Art. 19§ 3º. Sendo o infrator flagrado conduzindo veículo, encerrado o prazo para a entrega da CNH, será instaurado processo administrativo de cassação do direito de dirigir, nos termos do inciso I do artigo 263 do CTB.) FLAGRADO, nos termos do Art. 280 do CTB significa que houve abordagem por agente de trânsito, e não carece de qualquer interpretação, é mera leitura.  Ocorre que alguns DETRAN estão instaurando o processo de cassação com base na indicação do condutor e não no flagrante.  O proprietário recebe a notificação de autuação de uma infração de trânsito em que o veículo não foi parado. Faz a indicação do condutor, colhendo sua assinatura ou de posse de documento que o autorize (procuração, contrato de locação, etc.) e esse condutor está com a carteira suspensa.  Alguns DETRAN estão desconsiderando a Res. 182 e a expressão FLAGRADO (porque quando interessa cumpre-se a Resolução e quando não interessa alega-se sua inferioridade hierárquica diante da Lei) e com base nessa literal ‘confissão’ estão instaurando o processo de cassação da carteira.  Ao nosso ver a medida está eivada de boas intenções, tal qual câmaras de gás já foram usadas para exterminar o mal…

 

 

* Marcelo José Araújo – Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito da UNICURITIBA.

Como citar e referenciar este artigo:
ARAÚJO, Marcelo José. Cassação da CNH de Condutores Indicados, sem Flagrante. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/cassacao-da-cnh-de-condutores-indicados-sem-flagrante/ Acesso em: 25 dez. 2024