As Fontes do Processo Disciplinar
Léo da Silva Alves *
É certo que as comissões encarregadas da instrução de um processo disciplinar não conseguem levar a cabo a sua tarefa trabalhando apenas com o estatuto ao qual estiverem vinculadas. Estes diplomas, em se tratando das sindicâncias, em regra se referem a esse instituto três vezes: 1) prevêem a instauração; 2) trazem o prazo e a possibilidade de prorrogação; 3) dizem o que pode resultar das conclusões. Nenhuma linha, nenhuma palavra, sobre o como proceder. O mesmo acontece com o processo disciplinar. Não há possibilidade de contornar os incidentes que surgem ao longo da causa – e sequer fazer a instrução segura – com base apenas no que rezam os estatutos. È preciso buscar respostas fora, o que, por sua vez, exige método. O estatuto do Estado do Piauí e o Provimento do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso avançaram nesse caminho.
Baseados nas referências do Direito Disciplinar português, com os devidos ajustes à realidade brasileira, propomos a seguinte tabela:
1) Estatuto – A primeira referência será, sempre, a norma da casa: o estatuto dos servidores ao qual a autoridade administrativa processante estiver vinculada; ou o regramento interno das corporações (empresas públicas e sociedades de economia mista). Dali, no entanto, a autoridade não conseguirá extrair mais do que 10% das soluções.
2) Lei do Processo Disciplinar e Lei do Processo Administrativo – Raros são os Estados que têm lei específica do processo disciplinar; poucos são os que têm lei do processo administrativo. Não dispondo de legislação informativa nesse sentido, virá o socorro da Lei do Processo Administrativo, que é a segunda fonte na esfera federal: Lei nº 9.784/99. Com ela, é possível que se chegue a 20% daquilo que será preciso resolver.
3) Código de Ética – Para a avaliação de condutas, sobretudo a interpretação de determinadas figuras infracionais, o Código de Ética do Servidor Público é uma boa fonte de consulta.
4) Analogia – É a procura de respostas em estatutos similares. O estatuto federal, por exemplo, manda considerar, no julgamento, os atenuantes do funcionário, mas não relaciona quais são. Ora, posto no estatuto, é um direito do acusado ver os atenuantes considerados. Como a lei é omissa, será necessário buscar em outros estatutos a relação dos atenuantes para, enfim, dar eficácia a essa garantia. Obviamente a analogia, que é fonte de direito, não poderá ser usada em desfavor do argüido.
5) Princípios do Direito Disciplinar – Sendo um ramo da ciência jurídica, a matéria disciplinar tem princípios informativos próprios (ver adiante). Eles são fontes suplementares de consulta.
6) Princípios do Direito Administrativo – Entram, agora, os princípios como a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público. Alguns dos princípios inerentes ao Direito Administrativo já vem relacionados na Lei do Processo Administrativo. Estimamos que, com base nestes princípios e naqueles que informam o Direito Disciplinar, a autoridade processante terá alcançado 40% das soluções.
7) Princípios e normas do Código Penal e do Código de Processo Penal – Daqui serão retiradas 40% das respostas para a resolução da causa. Do Direito Penal (normas, princípios, doutrina, jurisprudência) são recolhidos elementos necessários para o exame das razões da defesa. Entram em cena figuras jurídicas como legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, coação, erro sobre a ilicitude do fato, princípio da insignificância, princípio da irrelevância penal do fato etc. Da parte processual penal sairá a metodologia para colher a prova (ouvir testemunhas, realizar interrogatório, encaminhar material para perícia etc); e, também, critérios para valorar a prova e para orientar a produção do relatório e do julgamento.
8) Código de Processo Civil – O CPC é matriz de todos os processos. Todos os juízos – inclusive as Cortes de Contas – o utilizam de forma supletiva. O processo penal também o faz. Ao se referir, por exemplo, à citação por hora certa, o art. 362 do CPP[1] remete para os arts.
9) Código Civil – O diploma civil socorre as comissões, especialmente, em matéria conceitual: domicílio, pessoa física, pessoa jurídica, bens públicos, vícios de vontade etc.
10) Costumes (praxe administrativa) e princípios gerais do Direito – Devemos levar em conta, sobretudo, os princípios. São princípios que tornam a ciência jurídica uma proclamação dos valores da humanidade, dentre os quais a justiça se afirma como a maior referência. Assim, completa-se a tabela de fontes.
É claro que, no conjunto das fontes, não se pode omitir a Constituição Federal. Ela é a base. Nenhum raciocínio jurídico pode ser feito senão a partir da Carta Política.
* Léo da Silva Alves é conferencista especializado em Direito Disciplinar, com trabalhos no Brasil e na Europa. Autor de 35 livros