ANDRÉ DE SOUZA SILVA[1]
RESUMO
Pela presente pesquisa objetivou-se apresentar “A responsabilidade civil do Estado por erro decorrente da atividade notarial e registral”. As atividades notariais e registrais foram regulamentadas pela Lei Federal nº 8.935/94 (Lei Orgânica dos Notários e Registradores), em atenção ao comando do art. 236, § 1º, da CRFB de 1988. Referidas atividades são de natureza pública, mas exercidas em caráter privado por delegação do Estado. A responsabilidade civil pelos danos decorrentes destas atividades foi fixada no art. 22 da Lei Federal nº 8.935/94, no art. 28 da Lei Federal nº 6.015/73 e no art. 38 da Lei Federal nº 9.492/97, de formas diversas, melhor detalhadas no texto da obra. A discussão suscitada baseia-se e justifica-se no fato de que as normas encontradas, expressamente no nosso ordenamento jurídico, dão ampla visão acerca da responsabilidade civil dos notários e registradores pelos danos advindos das atividades que exercem, sem, contudo, especificar de modo inequívoco e claro a responsabilidade que caberia ao Estado, enquanto ente público delegante da atividade. Portanto, propõem-se a analisar doutrinariamente e jurisprudencialmente a responsabilidade que caberá ao Estado, em razão de ser o titular do serviço público, de que este serviço tem natureza pública e que cabe ao Estado a fiscalização dos particulares delegados, através do Poder Judiciário. Considerando os resultados encontrados, através de ampla revisão bibliográfica, cuja metodologia abordará aspectos históricos, conceituais e normativos, doutrinas, artigos e livros, que servirão de parâmetros para orientação e compreensão do tema, conclui-se que ao Estado seria razoável a imputação da responsabilidade civil subsidiária por danos decorrentes da atividade notarial e registral.
Palavras-chave: Civil. Erro. Estado. Notarial. Responsabilidade.
ABSTRACT
The present study aimed to present “The civil liability of the State for error arising from notarial and registral activity.” The notary and registration activities were regulated by Federal Law No. 8,935 / 94 (Organic Law of Notaries and Registrars), in consideration of the art of command. 236, § 1, of CRFB 1988. The aforementioned activities are public in nature but exercised by private entities by state delegation. The civil liability for damage resulting from these activities was fixed in art. 22 of the Federal Law No. 8,935 / 94, in art. 28 of the Federal Law No. 6.015 / 73 and art. 38 of the Federal Law No. 9,492 / 97, in many ways, better detailed in the text of the work. The raised discussion is based and is justified by the fact that the standards found explicitly in our legal system, give broad view on the civil liability of notaries and registrars for damages arising out of the activities they carry out, without, however, specifying mode unequivocal and clear the responsibility that would be for the State, while delegating public entity activity. Therefore propose to examine doctrinally and jurisprudencialmente the responsibility that the State is due to be the public service of the owner, that this service has public nature and that the state oversight of delegated individuals, through the judiciary. Considering the results found, through extensive literature review, whose methodology will address historical, conceptual and normative aspects, doctrines, articles and books that will serve as parameters for guidance and understanding of the topic, it is concluded that the state would be reasonable to imputation of liability civil subsidiary for damages arising from notarial and registral activity.
Keywords: Civil. Error. State. Notary. Responsibility.
INTRODUÇÃO
O tema, objeto de estudo, se refere à análise da responsabilidade civil do Estado, que impossibilitado da realização direta de todos os serviços públicos de sua titularidade, transfere a prestação de alguns desses serviços, dentre os quais destacamos os serviços notariais e registrais. Segundo o caput do art. 236 da Constituição Federal de 1.988, embora sejam de natureza pública, tais atividades são prestadas à sociedade de forma particular em razão de delegação a pessoas físicas.
Sabe-se que a responsabilidade civil do Estado tem previsão constitucional, precisamente no art. 37, § 6º. A norma constitucional referida fixa a responsabilidade civil objetiva da Administração, ou seja, comunga da ideia da Teoria do Risco Administrativo.
Após ser abordado o conceito sobre responsabilidade civil do Estado e suas teorias, serão tratadas as legislações especificas que versam sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores no Brasil, a fim de se entender como estas são aplicadas atualmente, e, de se fazer uma ligação entre a responsabilidade destes e a que cabe ao Estado, lembrando ainda que não há posição unânime na doutrina.
A norma do art. 28, da Lei Federal nº 6.015/73, imputa aos notários e registradores a responsabilidade pelos danos causados, por si e seus prepostos, a terceiros na prática dos seus atos e da serventia. Será visto que a norma expressa da Lei Federal nº 8.935/94, veio para regulamentar o §1º do art. 236 da Constituição Federal DE 1988. Segundo o artigo 22, da mesma lei, a responsabilidade civil dos serviços notariais e de registro até então era objetiva.
Havia grande divergência no dispositivo da norma do art. 38 da Lei Federal nº 9.492/97, que se refere à responsabilidade civil dos tabeliães de protestos, que fixa a responsabilidade desses profissionais como subjetiva. Já no que concerne a responsabilidade civil dos notários e registradores, no que dispõe a norma do art. 22, segundo algumas correntes doutrinárias, conforme supramencionado era de cunho objetiva, mas com advento da Lei Federal nº 13.286, de 2.016, atribui-se a estes a responsabilidade subjetiva, ou seja, no intuito de estender a mesma responsabilidade dos tabeliães de cartórios de protesto e títulos, aos demais notários, e aos registradores.
Considerando estas questões, objetiva-se na presente pesquisa analisar a responsabilidade do Estado visto que, novamente a norma mostra específica e clara a sua omissão, pois em nenhum momento evidencia a responsabilidade daquele que delegou o serviço público, posto que ele é o garantidor e deve preservar com segurança os atos praticados na sociedade por seus delegatários.
Diante da análise da legislação referida, observa-se a necessidade de se discutir a responsabilidade do Estado por erro decorrente da atividade notarial e registral. Nestes casos, existem várias controvérsias no ordenamento jurídico brasileiro atual, visto que o Estado é o real titular da atividade delegada, cabendo-lhe obrigatoriamente ação de regresso contra o delegatário, e em respeito ao devido processo legal, aplicando o princípio da moralidade e impessoalidade aos delegatários.
Logo se verifica nas presentes legislações a dificuldade em se determinar qual é a obrigação do Estado nessas relações e qual a de seus delegados. Neste sentido se desenvolverá esta pesquisa a fim de buscar o melhor esclarecimento das normas aplicáveis.
No capítulo I, será traçado o longo e árduo caminho da evolução histórica da responsabilidade civil estatal. Será visto, segundo Mazza (2.013, p. 318) que existem três teorias da responsabilidade civil do Estado, cujo aprofundamento faz-se necessário no presente estudo: a teoria da irresponsabilidade estatal; a teoria da responsabilidade subjetiva; a teoria da responsabilidade objetiva. Será feito ainda um breve paralelo entre a teoria do risco integral e a teoria do risco administrativo.
No capítulo II, será apresentada a previsão normativa da responsabilidade civil do Estado no direito positivo brasileiro, com o intuito de alcançar o melhor entendimento no campo da responsabilidade civil dos notários e registradores, que fica evidenciada a necessidade de solucionar a omissão normativa no que diz respeito aplicabilidade da responsabilidade civil delegada, seja ela objetiva/subjetiva ou solidária, subsidiária.
No capítulo III, e último, será abordada a atividade notarial e registral e suas controvérsias no ordenamento jurídico brasileiro.
Por fim, insta destacar que a presente pesquisa se caracteriza como revisão bibliográfica, visto que se desenvolveu através de pesquisa doutrinária, jurisprudência e de legislações de grande relevância acerca do tema, baseando nos princípios jurídicos, na CRFB de 1.988, para visualizar de diferentes ângulos o presente tema. Estes serão fundamentos do presente artigo para buscar a definição da atual forma de aplicabilidade da responsabilidade civil do Estado pelos eventuais danos decorrentes das atividades notariais e registrais.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL: NOÇÕES GERAIS
Destaca-se a importância dessa pesquisa, que busca analisar a responsabilidade civil do Estado. Sabe-se que a função ou a finalidade do Estado está relacionada com a busca por manter a ordem e a segurança pública. Trata-se de uma pessoa jurídica com capacidade para participar das relações jurídicas, logo não pode abster-se em participar de eventuais danos causados à sociedade por aqueles que lhe prestam serviços, os quais são exigidos pelo próprio Estado para manutenção de uma sociedade organizada e desenvolvida. Portanto, é pacífica a ideia de que o Estado responde pelos danos causados por seus agentes[2], no exercício da função administrativa (GASPARINI, 2.012, p. 1.126).
Entretanto, nem sempre foi assim. Ao longo da história, quanto à responsabilidade civil do Estado, a doutrina fixa 3 (três) fases. Inicialmente havia a ideia da irresponsabilidade calcada na Teoria da Irresponsabilidade Estatal. Posteriormente, sedimentou-se a Teoria da Responsabilidade Subjetiva. Hoje, prepondera a denominada Teoria da Responsabilidade Objetiva. Todas elas serão posteriormente analisadas em detalhes.
Preliminarmente, faz-se necessário conceituar a responsabilidade civil do Estado. De acordo com Diógenes Gasparini (2.012, p. 1.123):
Pode-se conceituar a responsabilidade civil do Estado como a obrigação que se lhe atribui de recompor os danos causados a terceiro em razão de comportamento unilateral comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, que lhe seja imputável.
Em meados do século XIX, prevaleceu no mundo ocidental a ideia de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos decorrentes de seus agentes. Imperava a Teoria da Irresponsabilidade Estatal. Chamada de Teoria Feudal, Regalista ou Regaliana, era própria dos estados absolutistas, nos quais a vontade do Rei tinha força de lei (MAZZA, 2.013).
Conforme leciona Mazza (2.015, p. 366), várias concepções justificavam tal isenção, dentre as quais podemos mencionar: a ideia de que o Monarca ou Estado não erram; o entendimento de que o Estado atua para atender ao interesse de todos e não pode ser responsabilizado por isso; e, o conceito de que a soberania do Estado é um poder incontestável.
Segundo os ensinamentos de Diógenes Gasparini (2.012, p. 1.125), que explana com grande ênfase as frases francesas e inglesas, essa inerrância dos governos foi sintetizada por frases que resumiam bem o espírito do período: “o rei não erra” (“the king can do no wrong” ou “Le roi ne peut mal faire”) e “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (“quod principi placuit habet legis vigorem”).[3]
A superação da irresponsabilidade civil estatal cai por terra em razão da grande influência do Direito Francês, sobretudo com a promulgação da legislação que disciplinou o ressarcimento advindo de danos de obra pública (GASPARINI, 2.012).
Ocorreu avanço no estudo quanto à responsabilidade civil do Estado, no que concernem princípios do direito público, foi à brilhante decisão reconhecida mundialmente no âmbito doutrinário e jurisprudencial, que em 08 de fevereiro de 1873, foi proferida pelo Tribunal de Conflitos da França, com o famoso caso Aresto Blanco (MAZZA, 2.013).
Assim, como se menciona na obra, o brilhante exemplo do caso fático ocorrido na França, Alexandre Mazza (2.013, p. 367) ensina que:
O Tribunal de Conflitos analisou o caso da menina Agnes Blanco que, brincando nas ruas da cidade de Bordeaux, foi atingida por um pequeno vagão da Companhia de Manufatura de Fumo. O pai da criança entrou com uma ação de indenização fundada na idéia de que o Estado é civilmente responsável pelos prejuízos causados a terceiros na prestação de serviços públicos. O aresto Blanco foi o primeiro posicionamento definitivo favorável à condenação do Estado por danos decorrentes do exercício das atividades administrativas. Por isso, o ano de 1.873 pode ser considerado o divisor de águas entre o período da irresponsabilidade estatal e a fase da responsabilidade subjetiva.
Norteando-se pela concepção de que o direito evoluiu no decorrer do tempo e, além de influenciar outras teorias e princípios modernos, emergiu a obrigatoriedade da aplicação da responsabilização estatal. Em outras palavras, não há que se falar em casos de países ocidentais que adotam a Teoria Feudal, Regalista ou Regaliana, denominada por Teoria da Irresponsabilidade. Superou-se, portando as temidas frases: “o rei não erra” (“the king can do no wrong” ou “Le roi ne peut mal faire”) e “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (“quod princip placuit habet legis vigorem”). Corrobora com ensinamento José Cretella Júnior (2.000, p. 86), pelas seguintes palavras:
Críticas bem fundamentadas surgiram a esta teoria, que nada tem de jurídica. Com efeito, se o Estado é o guardião do direito, por um lado, é verdade. Por outro lado, é que a execução do serviço público pode violar direito alheio. Nesse caso, deve o Estado compor o dano que sua própria atividade ocasionou mediante ação ou omissão de preposto estatal. O contrário seria a própria negação do direito.
Nessa seara, os últimos redutos de sua aplicação, que passaram a admitir a responsabilidade estatal, foram os Estados Unidos da América, em 1.946, com Federal Tort Claims, e a Inglaterra, em 1.947, com o Crown Proceeding Act. Juntamente a esta mudança de paradigma, atualmente outras inovações surgiram (MAZZA, 2.015, p. 367).
Conforme leciona o renomado jurista e doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2.015, p. 1.021):
Todos os povos, todas as legislações, doutrina e jurisprudência universais, reconhecem em consenso pacífico, o dever estatal de ressarcir as vítimas de seus comportamentos danosos.
Após percorrer um longo caminho, superada a Teoria da Irresponsabilidade[4], passa-se, à análise, através das doutrinas, o que é prelecionado sobre o instituto da Teoria da Responsabilidade Subjetiva.
Pois bem, a segunda Teoria da responsabilidade civil do Estado é a subjetiva. Conhecida por Teoria da Responsabilidade com Culpa, Teoria Intermediária, Teoria Mista ou Teoria Civilista, foi à primeira tentativa de se explicar o dever estatal de indenizar particulares por prejuízos decorrentes da prestação de serviços públicos (MAZZA, 2.013).
Segundo a Teoria da Responsabilidade Subjetiva é evidente que a obrigação de indenizar se submete a alguns requisitos, como bem assevera o grande expoente doutrinário do Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello (2.015, p. 1.031):
Ocorria à culpa do serviço sempre que este não funcionava (não existia, devendo existir), funcionava mal (devendo funcionar bem) ou funcionava atrasado (devendo funcionar em tempo).
Com grande ênfase e maior compreensão dos citados requisitos acima mencionados em síntese exemplificativa nesse diapasão, Diógenes Gasparini (2.012, p. 1.127) leciona o seguinte:
Havia culpa do serviço e, portanto, a obrigação de o Estado indenizar o dano causado se: a) devesse existir um serviço de prevenção e combate a incêndio em prédios altos e não houvesse (o serviço não funcionava, não existia); b) o serviço de prevenção e combate a incêndio existisse, mas ao se demandado ocorresse uma falha, a exemplo da falta d’água ou do emperramento de certos equipamentos (o serviço funcionava mal); c) o serviço de prevenção e combate a incêndio existisse, mas chegasse ao local do sinistro depois que o fogo consumira tudo (o serviço funcionou atrasado). (grifo do autor).
Realizada essa abordagem preliminar, expõe-se que as concepções que embasaram a Teoria da Responsabilidade com Culpa, denominada responsabilidade subjetiva, desempenharam papel importantíssimo nessa evolução: propiciaram a abertura da responsabilização do ente estatal. Sobre o tema, destaca Alexandre Mazza (2.015, p. 367) que:
[…] é sempre necessário demonstrar que o agente público atuou com intenção de lesar (dolo), com culpa, erro, falta do agente, falha, atraso, negligência, imprudência, imperícia. Importante destacar que a teoria subjetiva ainda é aplicável no direito público brasileiro, em especial quanto aos danos por omissão e na ação regressiva.
Prosseguindo na análise histórica, verifica-se a terceira teoria da responsabilidade civil, a Teoria da Responsabilidade Objetiva, chamada de Teoria da Responsabilidade Sem Culpa ou Teoria Publicista. Essa teoria afasta a necessidade de comprovação de culpa ou dolo do agente público, e fundamenta o dever de indenizar na noção de risco administrativo (MAZZA, 2.013).
Em síntese, por essa teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge do ato lesivo de que ele, Estado, foi causador, ou seja, não há que se exigir a culpa do agente público e nem a culpa do serviço. Havendo a prova da lesão ou dano, e de que este foi causada pelo Estado, sendo a culpa atribuída diante da conduta do fato lesivo, ou vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados. Realizando uma análise sob esse prisma, Celso Antônio Bandeira de Mello (2.015, p. 1.034), assevera que:
Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano.
Assim, verifica-se que a conduta em torno da culpa do funcionário causador do dano, ou ainda, no que tange a falta de serviço, ou culpa anônima da Administração, responde o Estado, sendo porque causou o dano ao seu administrado, seja porque há relação de causalidade entre a atividade administrativa e o dano sofrido pelo particular (FILHO, 2.008, p. 231).
A teoria do risco integral obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que esteja envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade (GASPARINI, 2.012, p. 1.128).
Consideram alguns doutrinadores, que essa teoria é injusta, não sendo adotada por qualquer país. Caso fosse admitida a teoria do risco integral em relação à Administração Pública, ficaria o Estado obrigado a indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular, ainda que não decorrente de sua atividade, por estar impedido de invocar as causas de exclusão do nexo causal, o que, a toda evidência, conduziria ao abuso e à iniquidade (FILHO, 2.008, p. 233).
Já a teoria do risco administrativo, adotada pela, CRFB de 1.988, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal: fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O Estado é responsável pelos riscos da sua atividade administrativa, e não pela atividade de terceiros ou da própria vítima (FILHO, 2.008).
Segundo entendimentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2.015, p. 1.035):
No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição do ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito.
Portanto, não significa que a administração, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexistem relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar à aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de consequência, o Poder Público não poderá ser responsabilizado.
Para-se chegar a este ponto, no entanto, muito se discutiu e inúmeras teorias foram estruturadas nos diversos países ocidentais, sobre o aspecto da responsabilidade civil do Estado, cabe trazer algumas particularidades e avanços no Direito Positivo Brasileiro.
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
Feitas estas abordagens preliminares, expõem o presente tópico o não acolhimento da Teoria da Irresponsabilidade do Estado na seara jurídica brasileira, independentemente da falta de uma norma específica que vede, mas principalmente por ser extremamente repudiada pelos tribunais e doutrinadores.
Como visto, muitos caminhos foram trilhados Celso Antônio Bandeira de Mello (2.015, p. 1.055). Inicialmente, prevaleceu, como, de resto, sucedida no exterior, a tese da culpa civil. É dizer: o Estado respondia quando funcionário seu, atuando no exercício da função, procedia de modo culposo, por negligência, imprudência ou imperícia. Evoluiu, depois, para a noção de falta de serviço, para finalmente aceitar, assaz vezes, a responsabilidade objetiva.
Esta progressão caminhou à frente da legislação, as doutrinas, sobretudo e parte dos juízes sustentou teses avançadas em relação aos termos do Direito Positivo, procurando extrair, mediante interpretação sistemática da ordenação jurídica, posições bastante evoluídas (MELLO, 2.015).
Nesse diapasão, em que concerne o contexto histórico, ao tempo do império era estabelecido no art. 179, inciso XXXIX, da Constituição de 1.824:
Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subalternos.
No art. 82 da Constituição Republicana de 1.891 continha disposição idêntica, responsabilizando os funcionários públicos pelos abusos e omissões em que incorressem no exercício dos seus cargos.
O que se denota da época do império à luz da Constituição de 1.824, é que não havia qualquer norma legislativa que previsse a responsabilidade do Estado, mas apenas a responsabilidade do funcionário em decorrência de abuso ou mesmo omissão praticada no exercício de sua função. Como bem assevera Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2.015, p. 791):
Nesse período, contudo, havia leis ordinárias prevendo a responsabilidade do Estado, acolhida pela jurisprudência como sendo solidária com a dos funcionários; era o caso dos danos causados por estrada de ferro, por colocação de linhas telegráficas, pelos serviços de correio.
Distanciando-se da fase da responsabilidade do agente, atribuiu-se ao Estado a responsabilidade subjetiva, com o advento do dispositivo legal que tratou da norma, a saber, o art. 15 do Código Civil de 1.916, menciona o seguinte:
As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. (BRASIL, 1.916, grifo nosso).
Aqui é importante mencionar que a expressão procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei ensejou grandes controvérsias, em razão da ambiguidade do dispositivo. Conforme o monocrático dizer de Gasparini (2.012, p. 1.140), que:
Ficou consagrada a responsabilidade com culpa da Administração Pública ou responsabilidade subjetiva do Estado, embora sua equívoca redação propiciasse o entendimento que acolhia a teoria objetiva.
Assim, diante do exposto, a redação imprecisa da norma permitiu que alguns doutrinadores com seu notório saber jurídico, diante que se discutiu, defendessem à época da vigência do dispositivo legal, a aplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva. Nesse período, destaca-se: Rui Barbosa, Amaro Cavalcante, e os eminentes Ministros Orizombo Nonato e Fhiladelpho Azevedo do Supremo Tribunal Federal, inspirados nas ideias que prevaleciam na França e em outros países europeus esboçaram nitidamente o alcance da teoria do risco administrativo (FILHO, 2.008, P. 234).
Posteriormente, foi acolhido o princípio da responsabilidade solidária entre o Estado e funcionário, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.934, em seu artigo 171, que dispõe:
Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.
O mesmo dispositivo legal se repetiu no art. 158 da CRFB de 1.937. O que se conclui é que o lesado podia ingressar com ação de responsabilização tanto contra o ente estatal, quanto contra o funcionário, ou mesmo contra os dois no pólo passivo da ação.
Com o advento da Constituição de 1.946 ocorreu um grande avanço quanto ao tema, não havendo mais que se falar em responsabilidade solidária do ente estatal, que desapareceu, nos termos de seu art. 171.[5]
Diante desta mudança, emergiu o atual paradigma da responsabilidade objetiva do Estado. Portanto, a grande alteração legislativa ocorreu a partir de 1.946, com a possibilidade de ação regressiva contra o funcionário público. Sobre a transição de período, cumpre transcrever o que preleciona Mello (2.015, p.1.057):
O art. 194 daquele diploma introduziu normativamente, entre nós, a teoria da responsabilidade objetiva, isto é, a possibilidade de o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta de serviço.
Angariando-se o ensinamento, no que diz respeito a responsabilidade objetiva do Estado, uma vez exteriorizada no texto constitucional brasileiro de lá não mais foi retirada. É o que se vê na Constituição de 1.967, no art. 105, em que denota-se que houve somente um alargamento quanto a responsabilização estatal e seus funcionários ou agentes, sendo retirada a expressão da palavra interno e acrescentada em seu parágrafo único, que a ação regressiva cabe em caso de culpa ou dolo. Quanto a CRFB de 17 de outubro de 1.969, com o advento da Emenda nº 1 à Constituição de 1.967, o preceito constitucional da norma foi mantida em seu art. 107.[6]
Cabe salientar, a norma anteriormente mencionada no diploma do Código civil de 1.916, em seu art. 15, encontra-se em desuso tendo em vista sua revogação pelo Código Civil de 2.002, que consagra em seu art. 43:
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito de regresso contra os causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. (Brasil, 2.002).
Sobre a transição, pode-se dizer que o dispositivo elencado no art. 43 do Código Civil de 2.002 está atrasado no que refere-se a norma constitucional 1.988, à Luz da CRFB de 05 de outubro de 1988, cujo art. 37, § 6º, determina:
§ 6º. As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
No ordenamento jurídico brasileiro, consagrou-se uma orientação doutrinária e jurisprudencial desenvolvida com fundamento quase nos mesmos termos das últimas constituições aqui mencionadas, no sentido da responsabilidade objetiva da administração pública, em sua modalidade de risco administrativo, em que diz respeito a danos ocacionados por atuação de seus agentes.
No texto constitucional em apreço, estão compreendidas as regras da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do agente público, como bem assevera Diógenes (2.012, p.1.140, grifo nosso):
Em suma, o Estado responde, hoje, subjetivamente, pelos danos advindos de atos omissivos se lhe cabia agir (responsabilidade determinada pela teoria da culpa do serviço) e responde objetivamente, com fulcro no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, por danos causados a terceiro decorrentes de comportamentos lícitos ou ilícitos, enquanto seu agente causador direto do dano responde, sempre, subjetivamente.
Balizado nisso, verifica-se que o exame desse dispositivo revela que o Estado só será responsabilizado pelos danos que os seus agentes[7], nessa qualidade, causarem a terceiro, é de grande importância, para restar configurada a responsabilidade civil objetiva do Estado na modalidade do risco administrativo.
Sobre o assunto, Di Pietro (2.015, p. 792, grifo nosso) preleciona:
A regra da responsabilidade objetiva exige, segundo o artigo 37, § 6º, da Constituição: que o ato lesivo seja praticado por agente de pessoa jurídica de direito público (que são as mencionadas no art. 41 do Código Civil) ou pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público (o que inclui empresas públicas sociedades de economia mista, fundações governamentais de direito privado, cartórios extrajudiciais, bem como qualquer entidade com personalidade jurídica de direito privado, inclusive as de terceiro setor, que recebam delegação do Poder Público, a qualquer título, para a prestação do serviço público).
Portanto, em relação à responsabilidade civil do Estado, diversas são as teorias, mas podemos afirmar majoritariamente que, na República Federativa do Brasil, o Estado responde objetivamente perante a vítima do dano, cabendo a este ação de regresso contra seu agente quando este agiu com culpa ou dolo.
ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL: CONTROVÉRSIAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O objeto do presente capítulo é delinear com grande ênfase sob o prisma da responsabilidade civil do Estado, que impossibilitado da realização direta de todos os serviços públicos de sua titularidade, transfere a prestação de alguns desses serviços, dentre os quais destacamos os serviços notariais e registrais.
Sobre o assunto Luiz Guilherme Loureiro (2.013, p. 01), preleciona:
Atividades notariais e de registro constituem funções públicas que, por força do disposto no art. 236 da Constituição, não são executadas diretamente pelo Estado, mas por meio de delegação a particular. Os notários e registradores, portanto, são profissionais do direito que exercem uma função pública delegada pelo Estado. Tais atividades são desempenhadas em caráter privado, sem que os profissionais que as exerçam integrem o corpo orgânico do Estado.
As atividades notariais e registrais são atos e negócios jurídicos praticados entre os membros da sociedade, que necessitam de estarem revestidos de segurança e de concreta efetividade. O ente estatal visando garantir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia aos atos da vida civil, embora sejam de natureza pública, transfere a terceiros a incumbência de praticá-los (LOUREIRO, 2.013).
Nesse diapasão, os notários e os registradores, não integram a estrutura do funcionalismo do Estado, não são remunerados por subsídio, sendo a sua remuneração pela atividade desempenhada proveniente dos particulares, se pautando por uma tabela de emolumentos, como bem esclarece parte do voto proferido pelo Ministro Carlos Britto, na ADI 2.602[8].
Baseado nisso, não há dúvidas quanto à natureza dessa atividade; são funções públicas, não executadas diretamente pelo Estado, que, segundo o caput do art. 236 da CF/88, são prestados à sociedade de forma particular em razão de delegação[9] às pessoas físicas.
Vejamos a integra do caput do artigo:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público (Brasil 1.988).
Assim sendo, o Poder Judiciário confere aos particulares tais poderes, para o devido ingresso na atividade notarial e de registro, mas alguns requisitos devem ser preenchidos conforme dispõe os artigos. 14 e 15 da Lei Federal nº 8.935/94.
Art. 14. A delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos:
I – habilitação em concurso público de provas e títulos;
II – nacionalidade brasileira;
III – capacidade civil;
IV – quitação com as obrigações eleitorais e militares;
V – diploma de bacharel em direito;
VI – verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.
Art. 15. Os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador.
§ 1º O concurso será aberto com a publicação de edital, dele constando os critérios de desempate.
§ 2º Ao concurso público poderão concorrer candidatos não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.
Faz-se necessário em síntese explanar sob aspecto constitucional qual a função dos titulares de serventias extrajudiciais. Seriam servidores ou funcionários públicos?
Sobre o assunto, Loureiro (2.013, p. 01, grifo nosso), sintetiza:
Os notários e registradores são agentes públicos, mas não são considerados funcionários públicos em sentido estrito. São particulares em colaboração com a Administração, pessoas alheias ao aparelho estatal, mas que compõem uma terceira categoria de agentes públicos, ao lado dos agentes políticos e dos funcionários públicos. Para fins do direito penal, por outro lado, os tabeliães e registradores são considerados funcionários públicos em sentido amplo.
Neste sentido, foi o parecer do Subprocurador-Geral, Flávio Giron, destacado no voto do Ministro Carlos Velloso:
[…] Deve-se ressaltar, entretanto, que a atividade desempenhada pela tabeliã, munida de fé pública, destina-se a estabelecer a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos, sujeitando-se a ostensiva fiscalização pelo Juízo responsável, configurando-se, em decorrência, como uma função pública. Assim, apesar de exercida em caráter privado, por delegação do Poder Público, como acentuou o Ministro Celso de Mello (Recurso Extraordinário nº 178.236-6, Dl 11-4-97), “não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades”, consoante o regime de direito público a que estão adstritas. Neste sentido, reiterada é a jurisprudência dessa Excelsa Corte, que considera os serventuários, titulares de cartórios e registros extrajudiciais, funcionários públicos em sentido amplo. […] (STF, 2.001[10]).
Nesse diapasão, cabe aqui salientar os conceitos básicos de servidores públicos em sentido estrito que são aqueles agentes que ocupam cargos em regime estatutário, em comissão ou efetivos, que se sujeitam ao regime jurídico administrativo, de direito público. Já no que concerne aos servidores públicos em sentido amplo, são espécies de agentes naturais exercendo funções públicas, cargos públicos e empregos públicos na administração direta ou indireta (PIETRO, 2.015, p. 133).
Para desenvolver a atividade notarial e registral, os titulares, delegados, poderão contratar, para o desempenho de suas funções, escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho. Veja a integra do diploma legal do art. 20 e parágrafos da Lei Federal nº 8.935/94:
Art. 20. Os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratarem escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho.
§ 1º Em cada serviço notarial ou de registro haverá tantos substitutos, escreventes e auxiliares quantos forem necessários, a critério de cada notário ou oficial de registro.
§ 2º Os notários e os oficiais de registro encaminharão ao juízo competente os nomes dos substitutos.
§ 3º Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar.
§ 4º Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos.
§ 5º Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular (Brasil, 1.994).
Ademais, é importante salientar que caso venha o titular da atividade notarial e registral a extinguir a sua delegação nos casos referentes à morte, aposentadoria, invalidez ou mesmo renúncia, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente até que abra novos concursos (LOUREIRO, 2.013, p.06).
Faz necessário destacar, diante do leque de discussões, acerca da responsabilidade do interino. É um preposto do Estado delegante, e como tal não pode apropriar-se da renda de um serviço público cuja delegação reverteu para o Estado e com o ente estatal permanecerá até que nova delegação seja efetivada (DEBS, 2.015).
Preceitua acerca da responsabilidade do interino, Martha El Debs (2.015, p. 66), nos termos de duas posições:
A primeira corrente defende que se aplica a responsabilidade a Lei 8.935/94 ou Lei 9.492/97, conforme o caso. A segunda posição argumenta que a responsabilidade é direta do Estado e indireta do interino. Em outras palavras, processa-se quem nomeou e o Estado viria contra o interino mediante regresso de dolo ou culpa.
Amparando-se nisso, segundo decisão no julgamento do Mandado de Segurança nº 29.192/DF[11], que estabelece remuneração para os interinos de cartórios no teto salarial de servidores públicos que corresponde a 90,25% dos subsídios dos Ministros do STF, em comando ao art. 37 da CF/88.
Como já explanado anteriormente sobre a responsabilidade civil do Estado, a norma constitucional fixa a responsabilidade civil objetiva da Administração, ou seja, comunga da teoria do risco administrativo. Tem previsão constitucional precisamente no § 6º do artigo 37 da CRFB.
Segundo o preceito normativo brasileiro é clara a exigência da responsabilidade daquele que realiza atividade pública podendo esta ser desenvolvida no âmbito do direito público ou do privado.
Em comando ao § 1º, do artigo 236 da Constituição Federal de 1.988, as atividades notariais e registrais foram regulamentadas pela lei Federal nº 8.935/94, denominada lei Orgânica dos Notários e Registradores. Cabe aqui mencionar o novo texto do artigo 22 da Lei nº 8935/94, proposto pelo Senado Federal através da (PLC nº 44/2.015), sendo remetida à sanção Presidencial em 26/04/2.015:
Art. 22. Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive pelos relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016). Parágrafo único. Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial (Brasil, 1.994).
Segundo os ensinamentos de Martha El Debs (2.015, p. 65). “A doutrina não tem posição unânime quanto à responsabilidade civil do Tabelião e do Registrador, porém a esmagadora maioria entendia ser ela responsabilidade civil objetiva”. Recentemente foi proposto pelo Senado, através da (PLC 44/2.015), conforme acima mencionado, em que se atribui a responsabilidade subjetiva dos notários e registradores e por mais uma vez de forma maquiada não responsabiliza o ente estatal.
No âmbito jurídico contemporâneo já é estabelecido nas normas do art. 28, da Lei Federal nº 6.015, de 1.973, a responsabilidade subjetiva, dos oficiais e registradores que segundo alguns entendimentos doutrinários fixam aos mesmos responderem por eles e seus prepostos, os danos causados a terceiros na prática dos seus atos e da serventia.
Veja o texto do artigo referido na integra:
Art. 28. Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro.
Parágrafo único. A responsabilidade civil independe da criminal pelos delitos que cometerem (Brasil, 1.973).
Assim, por seguinte, veio com o escopo de regulamentar os serviços de tabelionatos de protestos de títulos o art. 38, da Lei Federal nº 9.492 de 1997, estabeleceu que:
Art. 38. Os tabeliães de protesto de títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso (Brasil, 1.997).
Pois bem, a leitura aos dispositivos dos artigos. 28 e 38 não deixam dúvidas que a responsabilidade desses profissionais é subjetiva, sendo assim tal entendimento foi estendido aos demais delegatários, como os tabeliães de notas e os oficiais de registros.
Cabe aqui mencionar o julgado do Ministro Herman Benjamin. Veja o que dispõe:
ADMINISTRATIVO. DANOS MATERIAIS CAUSADOS POR TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE DO NOTÁRIO. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência mais recente desta Corte foi firmada no sentido da responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que há responsabilidade pura do ente estatal. 2. Em hipóteses como a dos autos, em que houve delegação de atividade estatal, verifica-se que o desenvolvimento dessa atividade se dá por conta e risco do delegatário, tal como ocorre com as concessões e as permissões de serviços públicos, nos termos do que dispõem os incisos II, III e IV da Lei n.8.987/95. 3. “O art.22da Lei8.935/1.994 é claro ao estabelecer a responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que deve responder solidariamente o ente estatal” (STJ, REsp n. 1087862/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 02/02/2.010, DJe 19/05/2.010).
Nesse diapasão, Loureiro (2.013, p. 08) aduz:
Outros autores, no entanto, defendem que a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição não se aplica ao notário ou registrador, mas somente às pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviços públicos, e não ao particular que, por delegação do Estado, exerce função jurídica, ou seja, de natureza intelectual e não material tal como sucede na concessão e permissão.
Nesse viés, dando continuidade sobre temática das controvérsias que pairam no ordenamento jurídico brasileiro sobre a ótica da responsabilidade objetiva ou subjetiva dos notários e registradores e solidária ou subsidiária do Estado, faz-se necessário mencionar a pesquisa realizada pela professora e especialista em Direito Notarial e Registral Martha El Debs, (2.013, p. 66, grifo nosso). Veja:
Pesquisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nota-se que, até aproximadamente o ano de 2009, as decisões eram mais favoráveis à responsabilidade subjetiva dos Notários e Registradores. A partir de 2009, percebe-se uma mudança de posicionamento para responsabilidade objetiva dos Notários e Registradores, restando ao Estado responsabilidade subsidiária.
Corroborando com a pesquisa, cabe salientar que, grandes doutrinadores adotam o mesmo posicionamento de que a responsabilidade subsidiária do Estado e reafirmam que a responsabilidade objetiva e direta dos notários e registradores, até então sendo anterior à Lei Federal nº 13.286/16, cuja responsabilidade é subjetiva.
Sobre o assunto contribui El Debs (2.015, p. 67, grifo nosso), vejamos:
Se estes auferem todas as vantagens econômicas da atividade delegada; se a exerce através dos prepostos que acolheu, sob o regime de Direito Privado; se tem a delegação de forma vitalícia (até a morte), nada mais justo e jurídico que ele se atribua o ônus. Que tem os bônus há de ter os ônus. O Estado só pode ser responsabilizado subsidiariamente, na hipótese de insolvência do delegado; nunca direta nem solidariamente, tal como no caso dos prestadores de serviço públicos.
Diante do que foi exposto dar-se-á o desenvolvimento do estudo baseando nos princípios jurídicos, na Constituição e jurisprudências acerca do assunto, portanto, após estas considerações, cumpre salientar que o ente estatal ao delegar os serviços públicos transfere não só o bônus da atividade, mas também o ônus. Como os notários e os registradores assumem o risco de exercer a atividade, poderá para efeito de ressarcimento em caso de dolo ou culpa de seus prepostos, ajuizarem ação de regresso contra eles. Cabe somente a responsabilidade subsidiária do Estado e a responsabilidade subjetiva dos notários e registradores, em consonância com a nova redação do art. 22 da Lei Federal 8.935, dada pela Lei Federal nº 13.286/16 (EL DEBS, 2.015).
A omissão em debate teve sua importância destacada pelo reconhecimento da repercussão geral do tema, no recurso extraordinário (RE) n. 842.846, de Santa Catarina, em decisão do Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 06/11/2.014, o qual pacificará o presente tema, ainda em discussão:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. DANO MATERIAL. OMISSÕES E ATOS DANOSOS DE TABELIÃES E REGISTRADORES. ATIVIDADE DELEGADA. ART. 236 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RESPONSABILIDADE DO TABELIÃO E DO OFICIAL DE REGISTRO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CARÁTER PRIMÁRIO, SOLIDÁRIO OU SUBSIDIÁRIO DA RESPONSABILIDADE ESTATAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA OU SUBJETIVA. CONTROVÉRSIA. ART. 37, § 6º, DA CRFB/88. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA (STF. RE 842846 RG, Relator (a): Min. Luiz Fux, julgado em 06/11/2014, acórdão eletrônico DJe-225, divulg. 14-11-2014, public. 17-11-2.014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, após análise das doutrinas e decisões jurisprudenciais, afirma-se que a presente matéria necessita de pacificação. Sabemos que a atividade notarial e registral é delegada pelo Estado, sendo de utilidade pública, com forte importância social, que se organiza de forma técnica e administrativa, com o escopo de proporcionar segurança jurídica as relações, por meio dos princípios basilares: autenticidade, publicidade, segurança e eficácia.
Podemos afirmar que os notários e registradores agem como mediadores de eventuais litígios a eles trazidos extrajudicialmente, tendo em vista a função pública que lhes foi delegada pelo ente estatal, em decorrência de concurso público.
Denota-se que os atos desses profissionais possuem fé pública, além de serem fiscalizados pelo poder judiciário. São, agentes públicos em sentido amplo. Portanto, destaca-se que todas as relações estão concentradas na pessoa do titular da serventia extrajudicial, que detém completa responsabilidade sobre os serviços, tendo em vista que o ente estatal ao delegar os serviços públicos, transfere não só o bônus da atividade, mas também o ônus. Em outras palavras, aos notários e registradores que auferem todas as vantagens econômicas, nada mais justo que respondam diretamente pelos danos a terceiros decorrentes de seus atos e de seus prepostos.
Nessa pesquisa, adentrando-se diretamente na responsabilidade civil dos notários e registradores, verificou-se que as principais correntes doutrinárias e jurisprudências defendem que a responsabilidade civil dos notários e registradores é de natureza subjetiva, conforme preceitua o novo texto do art. 22 da Lei Federal nº 8.935/94 (redação dada pela Lei Federal nº 13.286, de 2.016). Os notários e registradores responderão com seu patrimônio pessoal, ainda que os danos tenham sido causados por escreventes ou outros funcionários por eles autorizados. Para serem indenizadas, as vítimas deverão comprovar que houve dolo ou culpa.
Observa-se que em nosso ordenamento jurídico, desde 2.009 há uma tendência, conforme apontam várias posições unânimes adotadas pelos doutrinadores, quanto à aplicabilidade da responsabilidade civil subjetiva à responsabilidade dos notários e registradores.
No que tange à responsabilidade civil do Estado em decorrência dos danos causados pela atividade notarial e de registro, foco da presente pesquisa, unânimes são as decisões jurisprudenciais e correntes doutrinárias pela responsabilidade subsidiária do Estado.
A responsabilidade civil do ente Estatal, prevista precisamente no artigo 37, § 6º da CF/88, alicerçada na teoria do risco administrativo, é razoável que ocorra em caso de insolvência do delegatário, quando a serventia estiver sob responsabilidade da administração pública, através de um interino até ser escolhido e provido por novo particular concursado. Dependendo da situação a ser analisada em casos específicos poderá acionar subsidiariamente o Estado, real detentor dos serviços é o que se vê especificamente no caso do interino, que tem sua remuneração limitada e exerce função temporária como preposto do Estado.
Contudo, nessa seara, nos casos de futuras vítimas lesadas por danos decorrentes das atribuições realizadas por aqueles que são delegatários do Estado, estes possam se resguardar diante da possibilidade da falta de recursos do responsável pelo ato danoso, após percorrer longa e extensa ação judicial.
Diante das discussões doutrinárias e jurisprudenciais apresentadas, bem como dos fundamentos arrolados, sugere-se que o entendimento jurisprudencial que caberá ao Estado, em razão de ser o titular do serviço público, responsabilidade subsidiária pelos danos decorrentes das atividades notariais e registrais, eis que a responsabilidade direta caberá aos notários e registradores.
Além do mais, diante dos fatos, fica evidenciado que a presente conclusão provavelmente será o entendimento da Suprema Corte (STF) quando do julgamento da repercussão geral reconhecida no RE 842.846 de SC, supracitado, oportunidade em que tal tema será devidamente pacificado.
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[1] Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas – FUNORTE.
[2] Segundo a Prof.ª Maria Silvia Zanella de Pietro entende-se por agente público: “toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta. Perante a Constituição de 1988, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 18/98, pode-se dizer que são quatro as categorias de agentes públicos: agentes políticos; servidores públicos; militares e particulares em colaboração com o Poder Público” (PIETRO, 2.015, p.654).
[3] Sobre essa teoria o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello leciona o seguinte: “Baseava-se esta teoria na idéia de que não era possível ao Estado, literalmente personificado na figura do rei, lesar seus súditos, uma vez que o rei não cometia erros, tese consubstanciada na parêmia ‘the king can do no wrong’, conforme os ingleses, ou ‘leroi ne peut mal faire’, segundo os franceses” (MELLO, 2.015, p. 1.029).
[4] Sobre a transcrição deste período, cumpre transcrever o que preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “A idéia de República (res pública – coisa pública) traz consigo a noção de um regime institucionalizado, isto é, onde todas as autoridades são responsáveis, ‘onde não há sujeito fora do Direito’. Procede inteiramente a ilação que daí extrai: se não há sujeito fora de direitos, o Estado é responsável. Ser responsável implica responder por seus atos, ou seja, no caso de haver causado danos a alguém, impõe-se lhe o dever de repará-lo” (MELLO, 2.015, p. 1.028).
[5] Art. 171. As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus agentes funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo Único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa deles (Brasil, 1.946).
[6] Com o advento da Emenda Constitucional nº 1 à Constituição de 1.967, o preceito constitucional da norma foi mantido em seu art. 107. Assim dispõe a integra: “As pessoas jurídicas de Direito Público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsavel, nos casos de culpa ou dolo” (MELLO, 2.015, P.1.057).
[7] Sobre a expressão seus agentes, nessa qualidade, realiza uma análise sob esse prisma. Celso Antônio Bandeira de Mello, assevera que: “Para que haja a responsabilidade pública importa que o comportamento derive de um agente público. O título jurídico da investidura não é relevante. Basta que seja qualificado como agente público, é dizer, apto para comportamentos imputáveis ao Estado (ou outras pessoas, de Direito Público ou de Direito Privado, prestadoras de serviços públicos, quando atuarem nesta qualidade). Importa, outrossim, que o dano tenha sido produzido por alguém graças a esta qualidade de agente público, e não em situação alheia ao qualificativo em causa. A condição de agente, no sentido ora indicado, não se descaracteriza pelo fato de este haver agido impulsionado por sentimentos pessoais ou, por qualquer modo, estranho à finalidade do serviço. Basta que tenha podido produzir o dano por desfrutar de posição jurídica que lhe resulte da qualidade de agente atuando em relação com o serviço público, bem ou mal desempenhado” (MELLO, 2.015, p. 1.058).
[8] Parte do voto proferido pelo Ministro Carlos Britto, na ADI 2.602. Veja-se: […] Deveras, se o cargo público efetivo é provido por nomeação, toda serventia cartorária extrajudicial tem na delegação a sua inafastável forma de investidura; se o exercício dos cargos públicos efetivos é remunerado diretamente pelos cofres do Estado, o exercício das atividades notariais e de registro é pago pelas pessoas naturais ou pelas pessoas coletivas que deles se utilizem; se ao conjunto dos titulares de cargo efetivo se aplica um estatuto ou regime jurídico-funcional comum, ditado por lei de cada qual das pessoas federadas a que o servidor se vincule, o que recai sobre cada um dos titulares de serventia extrajudicial é um ato unilateral de delegação de atividades, expedido de conformidade com lei específica de cada Estado-membro ou do Distrito Federal, respeitadas as normas gerais que se veiculem por lei da União acerca dos registros públicos e da fixação dos sobreditos emolumentos. […]. (BRASIL. STF. ADI 2.602. Parte do voto proferido pelo Ministro Carlos Britto. Fonte: Site do Supremo Tribunal Federal – 24/11/2005, grifo nosso).
[9] A palavra delegação deriva do latim, delegation e traduz a ideia de delegar, transferir, podemos dizer se tratar da transmissão de um poder que anteriormente atribui-se a determinada pessoa.
[10] (STF – RE: 229974 PR, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 28/09/2001, data de Publicação: DJ 12/11/2.001).
[11] Vejamos parte da decisão no julgamento do Mandado de Segurança nº 29.192/DF: O interino, quando ocupante de cargo público (cf. é verificado em alguns Estados que designam servidores do Tribunal para responder por serviços vagos), manterá a remuneração habitual paga pelos cofres públicos. Por outro lado, interino escolhido dentre pessoas que não pertencem ao quadro permanente da administração pública, deve ser remunerado de forma justa, mas compatível com os limites estabelecidos para a administração pública em geral, já que atua como preposto do Estado. Nenhum responsável por serviço extrajudicial que não esteja classificado dentre os regularmente providos poderá obter remuneração máxima superior a 90,25% dos subsídios dos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, em respeito ao artigo 37, XI, da Constituição Federal; Processo MS 29.192 DF, Relator(a) Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento 11/09/2013, Publicação DJe-181 DIVULG 13/09/2013 PUBLIC 16/09/2.013, (grifo nosso).