Contratos

Considerações sobre os contrato de depósito e mandato

Considerações sobre os contrato de depósito e mandato

 

 

Gisele Leite[*]

 

 

O contrato de depósito está situado entre os contratos de empréstimo e está disciplinado entre os arts. 627 a 652 do Código Civil de 2002. É o contrato pelo qual o depositário recebe determinado bem para sua guarda até que o depositante o reclame (art. 627 do C.C.).

 

O depositário recebe bem móvel e corpóreo para guardar at[e que o depositante o reclame. De acordo com a manifestação de vontade, o depósito pode ser necessário (ou obrigatório) subdividindo-se este último em legal e miserável.

 

O depósito voluntário que decorre de um acordo de vontades entre as partes, sem que haja qualquer tipo de pressão (art. 627 a 646 do C.C.). O depósito necessário decorre de uma imposição legal ou de uma situação de calamidade (art. 647 a 652 do C.C.). São três as hipóteses de depósito necessário: a) o decorrente de imposição legal; b) o depósito miserável; c) depósito de bagagens dos hóspedes.

 

Sua natureza jurídica é contrato real (ou seja, aquele que se aperfeiçoa com a traditio da coisa), gratuito e não-solene e unilateral. É não-solene pois não há forma exigida por lei como requisito de validade. No entanto, a forma escrita exigida  para a prova do depósito voluntário conforme prevê o art. 646 do CC.

 

Assim, vale dizer que não poderá ser provado depósito mediante somente testemunhas. A forma é ad probationem tantum. Mesmo para o depósito necessário carece para a prova a forma escrita (conforme prevê o art. 648, parágrafo único do C.C.).

 

Em regra, o depósito é gratuito pois se refere a um favor que o depositário faz em relação ao depositante. Mas é possível haver disposição expressa estabelecendo remuneração ou mesmo esta decorrer de profissão (como o guarda-móveis) e, nesse caso, o depósito Serpa oneroso (art. 628 do C.C.).

 

Na ausência de previsão legal ou contratual esta será fixada pelos usos do local e, na sua falta por arbitramento judicial conforme o art. 628, parágrafo único do C.C. Privilegia o C.C. a aplicação dos usos locais e costumes para fixação de prazos, vide também o art. 445, segundo parágrafo do C.C.

 

O depósito necessário não se presume gratuito e, no caso dos hóspedes, tem sua remuneração embutida no valor cobrado pela hospedagem. Em relação a tipicidade do contrato e do objeto, poderá o depósito poderá ser classificado em regular, quando se tratar de coisa infungível e irregular, quando se tratar de coisa fungível.

 

Em regra, é contrato unilateral pois gera apenas para um dos contratantes deveres em face do outro; do depositário em face do depositante. Apesar de ser contrato unilateral este decorre forçosamente de duas vontades mas que só geram deveres apenas para um dos contratantes.

 

Mas é possível o depósito bilateral e oneroso diante da convenção das partes. Há ainda o depósito oneroso prestado por instituições bancárias que podem ser configurados como contratos de consumo, aplicando-lhes o CDC.

 

Outro dado relevante é frisar que o Banco não pode reter salário automaticamente por causa de débitos oriundos de cheque especial ou cartão de crédito e, só para melhor elucidar vide a jurisprudência noticiada pelo consultor jurídico (http://conjur.estadao.com.br/static/text/60955,1).

 

O contrato é comutativo e também personalíssimo se fundado na confiança do depositante em face do depositário. Via de regra, é temporário embora possa ser fixado por prazo indeterminado.

 

A guisa do contrato de comodato e do mútuo só se aperfeiçoa com a entrega da coisa a ser depositada, o que já identificamos que é um primitivismo desse contrato ( vide in “A evolução doutrinária do contrato in  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/index.htm ).

 

No depósito vige a obrigação de custódia sobre a coisa sem poder usá-la. Em regra, o depósito incide sobre bens infungíveis. Sobre o depósito irregular aplicam-se as regras relativas ao mútuo (art. 645 do C.C.).

 

As regras do depósito voluntário ou convencional onde deverá o depositário devolver a coisa depositada com todos os frutos e acrescidos (art. 629 do C.C.). Por essa razão, é que a jurisprudência tem entendido que não tem validade da cláusula de não-indenizar, particularmente no depósito de jóias e pedras preciosas em, cofres bancários, cabível a aplicação do CDC.

 

(1º. Tribunal de Alçada Civil de SP, Proc. 1224607-6, Apelação: Origem SP, Julgador 5ª. Câmara j. 10/12/2003, relator: Álvaro Torres Junior, Revisor: Manoel Mattos. Decisão deram provimento em parte, v. u.).

 

A proteção ao sigilo (art. 630 CC) é decorrente da proteção ao direito da personalidade (art. 21 do CC e art. 5º, X da CF/88). Descumprido este dever pelo depositário, poderá o depositante ingressar com ação de rescisão de contrato por resolução (inexecução voluntária) sem prejuízo das perdas e danos.( arts. 389, 391, 402, 403 e 404 do CC) incluindo-se danos morais (art. 5º., V e X da CF de 1988).

 

O art. 631 CC prevê que, salvo disposição em contrário, a restituição da coisa deve dar-se no lugar em que tiver de ser guardada. As despesas da restituição correm por conta do depositante.

 

O depósito feito em interesse de terceiro, deverá ser cientificado o depositário. Do contrário, não poderá o depositante exonerar-se restituindo a coisa ao depositante sem o consentimento do terceiro interessado (art. 632 do CC).

 

É uma exceção ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais aproximando-se da estipulação em favor de terceiro (prevista nos arts. 436 a 438 do C.C).

 

Em regra, deve devolver a coisa depositada assim que a mesma seja requisitada pelo depositante (art. 633 do CC) mas há exceções nos casos de:

 

a) se tiver o direito de retenção previsto no art. 644 do CC, em relação às despesas e  prejuízos do depósito; b) se o objeto for judicialmente embargado; c) se sobre o bem depositado pender execução, notificado ao depositário; d) se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida, quando deverá requerer que seja recolhida ao Depósito Público, mediante pedido judicial (art. 634 do CC).

 

Há de se discernir o que é depósito voluntário do depósito necessário (art. 647 CC). Em qualquer das hipóteses, todavia, o dever do depositário consiste no “cuidado de custódia”. Aliás, pela definição depositário é aquele que, no art. 627 do CC, recebe um bem para guardar, até que o depositante o reclame, e que tem a obrigação de conservar a coisa depositada com cuidado e diligência que costuma ter como proprietário (vide TJRJ, 7ª. C.C. Ap. cív. 200400129136, Des. Rel. Marcos Aurélio Fróes, julg. 03.05.2005).

 

O objeto do contrato é sempre  bem móvel e corpóreo. Para a caracterização de bem móvel é preciso dois elementos: a) possibilidade de remoção, por força própria ou alheia; b) conservação da própria substância ou destinação econômica-social.

 

A maioria da doutrina pátria não admite depósito de bens imóveis e, a entrega das chaves de imóvel para guarda, na realidade se traduz em contrato de prestação de serviços, uma vez que não faz parte do contrato de depósito a obrigação de conservação ou a “vigilância mais ativa”. Ao revés, no entanto, Caio Mário afirma a possibilidade de depósito mesmo de bens imóveis, nos casos de depósito judicial e, no seqüestro (seriam obviamente hipóteses de depósitos necessários).

 

Venosa também o admite, principalmente em razão de ato judicial, e mesmo na ausência de contrato, são aplicáveis as regras do Código Civil Brasileiro, que não sejam incompatíveis com a medida judicial, como o poder do depositante de exigir a devolução da coisa a qualquer tempo.

 

O conceito de bens corpóreos prende-se a materialidade que pode sentir pelo tato. Os chamados bens incorpóreos padecem da dificuldade e de se efetuar a traditio (entrega). Mas, contudo, é possível haver o depósito de bens ainda que imateriais e incorpóreos, ou venha se materializar através de títulos de crédito, direitos autorais e, etc.

 

A natureza jurídica do contrato de depósito é contrato real, ou seja, que só se aperfeiçoa quando se dá a efetiva entrega ou traditio do objeto depositado consignando assim a transmissão de posse do objeto, ainda que pela simples inversão do animus.

 

Venosa observa que embora boa parte da doutrina refute a noção, o depositário exerce a posse direta sobre o bem enquanto em seu poder. E, o depositante a posse indireta.  Serpa Lopes acompanhando outras vertentes doutrinárias discorda, assim como o faz em relação ao comodato e mútuo, e sustenta que a traditio seria mero ato executório do depósito, sendo que, para sua formação bastaria a manifestação de vontade das partes, já que o depositante pode exigir do que assumiu a obrigação de depositário, o recebimento da coisa.

 

 

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[*] Professora universitária. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Colunista em diversos sites jurídicos especializados: www.jusvi.com , www.netlegis.com.br , www.lex.com.br, www.abdir.com.br, www.jornalismo.com.br, www.uj.com.br , www.forense.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Considerações sobre os contrato de depósito e mandato. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/contratos/considerac/ Acesso em: 22 nov. 2024