Robson Zanetti*
A discussão da causa “debendi” de um título de crédito, como o cheque, parece ser objeto de confusão por algumas pessoas e a indagação que aqui colocamos é a de sabermos quando se discute a causa da dívida expressa em um título de crédito?
Para respondermos a esta pergunta precisamos fazer uma distinção entre a fase contratual (1) e a fase cambiária (2) do título de crédito.
1 – A fase contratual
A fase contratual é a operação originária, a qual cria uma relação entre duas partes, ou seja, entre o vendedor e o comprador ou entre o prestador de serviços e receptor destes serviços. Esta primeira fase é regida pelo direito comum dos contratos quanto a sua fase de formação e de execução. Esta é a relação de base, a relação fundamental ou originária.
Desta forma, por exemplo, se uma pessoa compra um objeto de ouro e dá um cheque para seu
pagamento ao vendedor vindo posteriormente verificar que não se trata de ouro, ela não precisa realizar o pagamento ou poderá pedir a restituição do que houver pago porque aqui existiu um erro quanto a substância do objeto conforme dispõe a legislação civil em matéria de obrigações.
Um cheque dado para garantir futuras despesas hospitalares pode ter discutida sua causa “ debendi “ se não circulou, pois ele deixa de ser caracterizado como uma ordem de pagamento à vista e se transforma num título de crédito substancialmente igual a nota promissória ( Superior Tribunal de Justiça. Resp. 796739/MT. Min. Humberto Gomes de Barros. 3a Turma. Julgamento: 27/03/2007. DJ: 07.05.2007, p. 318.
2- A fase cambiária
Esta fase compreende as operações posteriores que recaem unicamente sobre o título de crédito criado representando o preço de venda do bem ou da prestação de serviços. Ela coloca na relação jurídica pessoas que são estranhas ao contrato de compra e venda originário ou de base. Aqui aparece a figura do endossatário ou beneficiário. Nesta segunda fase, o título tem sua vida própria com suas leis particulares de criação, circulação, garantia e de extinção.
Digamos então que uma pessoa de boa-fé tenha recebido mediante endosso o cheque que havia sido dado pelo comprador do falso objeto de ouro e venha querer recebê-lo do comprador. O comprador poderá discutir a causa “debendi” com o endossatário? Em princípio não, a não ser que o endossatário tenha recebido o título de má-fé. A má-fé do endossatário dá ensejo a discussão da causa “ debendi “ ( Superior Tribunal de Justiça. Resp. 249155/SP. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. 4ª. Turma. Julgamento: 18/05/2000. DJ: 07/08/2000, p. 115 ). Neste momento vigora o princípio da inoponibilidade de exceções pessoais regido pelo direito cambiário e não mais pelo direito comum, como ocorre na fase contratual.
Na fase cambiária são aplicadas leis especiais e não mais o direito comum e a causa “debendi” somente será discutida entre o credor e devedor originários que fizeram parte da relação de base ou fundamental, pois o endossatário não participa desta relação originária, a não ser que o endossatário esteja de má-fé e tenha ou deveria ter conhecimento desta situação.
* Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo
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