www.nivaldocordeiro.net
É preciso compreender a obra de Jung e talvez o melhor texto para ver como o psicólogo suíço tropeçou nas próprias pernas seja no ensaio publicado em 1945, “Depois da Catástrofe” (inserido no livro Aspectos do Drama Contemporâneo, editado pela Vozes). É certo que esse texto só será compreensível, em todo o horror de suas contradições, se se conhecer bem a obra e a biografia de Jung, portanto não é leitura para iniciantes.
O ensaio foi escrito para que ele, Jung, dissesse o que realmente pensava de Hitler e dos acontecimentos dramáticos da II Guerra Mundial. Ao término da guerra os rumores de que era nazista estavam vivos. O primeiro gesto de tirar o corpo fora de Jung sobre a sua responsabilidade pessoal sobre os acontecimentos foi ele atribuir os fatos aos alemães da Alemanha. Ora, Jung sempre se declarou alemão, narrava com prazer sua “nobre” ascendência bastarda desde Goethe e se sentia alemão. Tudo que foi feito por Hitler e pela Alemanha era em nome e para o pan-germanismo. É claro que o Estado nacional alemão assumiu o comando de tudo, mas vimos como em diversos países (até no Brasil!) os verdadeiros alemães apoiaram com entusiasmo a estranha ideia que eram um povo superior, fadado a dominar o mundo. Bem vimos no que deu.
Jung sabia perfeitamente bem a origem de tudo, mas não teve a coragem moral de assumir sua própria responsabilidade. Ao contrário, Thomas Mann engajou-se no esforço de guerra contra a barbárie e escreveu o monumental Doutor Fausto, livro no qual faz o acerto de contas consigo mesmo e sua própria história familiar. Ao atribuir uma suposta culpa coletiva sobre os alemães Jung pulou o capítulo de sua própria responsabilidade. O próprio Jung fundou em torno de si um culto satânico no qual os sacerdotes acreditados eram os seus seguidores “analisados”. Jung cultuava o mal com todas as letras, como bem demonstrei nas minhas palestras sobre o Livro Vermelho (https://www.youtube.com/watch?v=ydR_ZpeyadA&hd=1).
A raiz mais geral para o que houve naqueles tempos está na Reforma Religiosa, que teve a nefasta consequência de transformar a Igreja Universal em igrejas nacionais, comandadas segundo interesse político. Na Alemanha, o passo seguinte foi humanizar o Cristo, negando-lhe a condição divina, juntamente com as ideias pagãs do neoplatonismo. Chegou-se a falar em um Cristo “alemão”.
No século XVIII, sob a influência poderosa de Goethe, tivemos o esteticismo, que propôs a salvação pela Arte, aqui compreendida em sentido amplo, inclusive nas práticas esotéricas das artes alquímicas. O passo final foi decretar a morte de Deus e tivemos o surgimento de Nietzsche no esplendor de toda sua loucura para fazê-lo. Era o João Batista anunciadora do novo Cristo, Jung ele mesmo.
Esse é o trilho que explica Hitler e Jung foi o maior divulgador dessa tradição esteticista. Ele se considerava, e de fato era, o maior seguidor de Goethe e Nietzsche (e Wagner). Caberia a Jung em mea culpa ter dito isso no ensaio: que ele preparou gerações de pessoas, sejam os seus leitores, sejam os seus analisandos/pacientes, para aceitar voluntariamente o mal como se bem fosse, e servi-lo. Ele fundou um culto satânico tão esdrúxulo que elevou o Zaratustra de Nietzsche à condição de profeta e ele mesmo, Jung, á condição de um novo salvador, em substituição à Cristo. Nada dos crimes ocorridos na Alemanha são alheios a Jung e sua obra.
A loucura delirante de Jung foi tamanha que se recusou a traduzir o poema de Nietzsche O Canto Noturno no seminário que deu sobre o Zaratustra, na década de Trinta. Segundo ele, ali falaria o próprio deus/Zaratustra e o alemão passou a ser uma língua sagrada, algo como são o hebraico para os judeus e o latim para os católicos. O culto fundado por Jung negava os valores cristãos e tentava implantar a falsa ética pagã pregada por Nietzsche, todos os falsos valores da Nova Era defendida pelo psicólogo suíço.
Toda a elite alemã (pan-germânica) sabia o Fausto, de Goethe, de cor. O livro virou a bíblia para a alta cultura dos falantes de alemão. Ali estaria a verdade. Jung acreditava nisso. Pregou isso. Viveu isso em toda a intensidade. E, na vida pessoal, adotou a nova ética, praticando a poligamia consciente em franca oposição aos valores cristãos. Pior ainda, fez do andrógino um símbolo de totalidade e algo a ser buscado, legitimando a eclosão do homossexualismo como hoje o conhecemos. De certa forma, para Jung, a androginia tornava o sujeito mais filho de Deus.
No texto, Jung ridiculariza a figura de Hilter, sem dizer de si uma única palavra de reprovação. Nenhuma autocrítica. E, depois de 1945, continuou a cultivar e a divulgar a sua psicologia analítica, como se nada tivesse acontecido. Como se tudo não pudesse se repetir novamente. Colocar o demônio no lugar de Deus tem consequências.
Jung escreveu que Hitler era um pseudólogo, como se ele próprio não fosse um. O Livro Vermelho revelou que Jung fez também seu próprio pacto faustico, ainda mais delirante que o de Hitler. Ele empenhou-se em fundar uma religião, da qual, seria o sumo sacerdote. O nazismo foi apenas a expressão política deves movimento mais amplo de cunho cultural e religioso.
Jung escreveu: “Ao dizer que os alemães estão psiquicamente doentes estou sendo mais benevolente do que se dissesse que são criminosos”. Uma frase perfeita que poderia bem ser aplicada a si mesmo. Mais à frente: “(o alemão) Esqueceu seu cristianismo, vendeu o espírito à técnica, trocou a moral pelo cinismo e consagrou sua maior aspiração às forças de aniquilação”. Teria sido uma bela confissão se Jung estivesse falando de si mesmo e não no coletivo alemão.
Não, o problema alemão não é a emergência de forças coletivas incontroláveis, é um problema de pessoas individualmente comprometidas com o mal. O pacto fáustico pressupõe sempre um “sim” consciente ao mal por cada um. Jung fez isso. Nietzsche fez isso. Goethe também. Levou séculos para que esse mal fosse transformado e potenciado em fornos crematórios e em matanças generalizadas, inclusive de alemães. Não se dá as costas à conversão, ao Bem, sem se pagar alto preço.