Pedagogical strategies for Law teaching
Sumário
1. Introdução 2. A evolução do ensino jurídico no país 3. Estratégias pedagógicas 3.1 Aula expositiva e aula dialogada 3.2 A sala de aula invertida 3.3. Estudo do meio 3.4. Oficina Jurídica 3.5. Ensino com pesquisa 4. Síntese conclusiva
Resumo
Este estudo propõe-se a descrever algumas técnicas pedagógicas utilizadas no ensino superior de Direito. Para tanto, primeiro um panorama evolutivo do ensino do Direito no país é traçado, desde a fundação das primeiras escolas de Olinda e São Paulo até o início do século XXI. Em um segundo momento, faz-se uma breve exposição dos principais métodos de ensino, destacando-se seus aspectos positivos e negativos bem como os esforços atuais para implementar a utilização de novas técnicas pedagógicas que hoje se entende serem mais adequadas ao desenvolvimento do profissional do direito.
Palavras-chaves: Ensino jurídico. Aula expositiva. Sala de aula invertida. Estudo do meio. Oficina jurídica. Ensino com pesquisa.
Pedagogical strategies for Law teaching
Abstract
This study aims at describing some pedagogical techniques used in the teaching of Law at graduation level. First, an overview of the development of Law teaching in the country is provided as from the foundation of its first schools in Olinda and São Paulo up to the beginning of the 21st century. Secondly, the most widely-known methods of teaching are presented and their positive and negative aspects highlighted. This work also discusses the current effort to effectively implement the use of new pedagogical techniques which are nowadays considered to be more suitable for the development of Law professionals.
Keywords: Law teaching. Lecture. Flipped classroom. Field trip. Workshop. Teaching with research.
1. Introdução
Contemporaneamente, nossa sociedade é marcada por relações dinâmicas e incessantes mudanças, que exigem adaptação constante em todos os campos da ciência e da sociedade. Curiosamente, ao se observar o ensino jurídico no país, constata-se que as estratégias pedagógicas utilizadas, de modo geral, mantiveram-se estanques e, ainda hoje, se ensina Direito como no início do século XIX. A partir de uma pesquisa bibliográfica, este estudo propõe-se a resgatar brevemente as razões históricas dessa estagnação. Em um segundo momento, buscaram-se exemplos de boas experiências que foram postas em práticas por docentes que, conscientes de seu papel social, não se conformam com o a descaso a que o ensino jurídico é relegado. Esses docentes então buscam substrato teórico e desenvolvem estratégias mais adequadas e eficientes para o ensino das competências necessárias ao professional do Direito contemporâneo, contribuindo para a renovação da pedagogia do ensino do Direito.
2. A evolução do ensino jurídico no país.
O ensino jurídico no país inicia-se com as faculdades de Olinda e São Paulo em 1827. Era o sexto ano da independência e fazia-se necessário um esforço para efetivamente distanciar o jovem Império Brasileiro de sua antiga metrópole não apenas no que dizia respeito à educação mas, principalmente, em relação à conformação político-legislativa. Não se pode esquecer que ainda estavam em vigor as Ordenações do Reino, embora a recente Constituição Imperial previsse a elaboração dos códigos penal, comercial e civil.
No que diz respeito à educação em geral, deve-se lembrar que no Brasil colonial, esta sempre esteve vinculada “aos missionários, especialmente os jesuítas, sendo sucedidos, devido à expulsão do território da Companhia de Jesus em 1759, pela Aula Régia, instaurada pelo Marquês de Pombal, financiada pelo imposto chamado subsídio literário” e experimentou relevantes mudanças durante o período joanino com a fundação das faculdades de medicina de Salvador e do Rio de Janeiro, a Academia Militar, que deu origem a Agulhas Negras, e a Biblioteca Real. (MARCOS; MATHIAS; NORONHA, 2014, p. 297)
Já no período imperial, duas leis destacam-se no tocante à educação: a lei de 15 de outubro de 1827, que “manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Imperio.”, dando origem, inclusive, ao dia dos professores e a lei de 11 de agosto de 1827 que criou os cursos de ciências jurídicas e sociais em Olinda e São Paulo.
Segundo Juliana Ferrari de Oliveira, o ensino jurídico foi concebido como instrumento de manutenção do poder das velhas elites da nova sociedade. Como se depreende da lei de 11 de agosto, o ensino era controlado pelo Estado, que determinava não só as matérias como também o método a ser usado. Note-se, por exemplo, que já se definiam as nove cadeiras a serem criadas e a distribuição das matérias em 5 anos de curso logo no artigo 1º dessa lei.
A mesma autora lembra as observações de Adorno a esse respeito:
como consequência, o ensino jurídico no período imperial ficou marcado por uma visão lógica e harmônica do Direito, por uma cultura abertamente desinteressada, por uma percepção ingênua da realidade social, por uma concepção de mundo voltada para a perpetuação das estruturas de poder vigentes e por um saber sobre o presente como algo a ser normatizado e sobre o futuro como eterna repetição do presente (ADORNO, 1988 apud OLIVEIRA, 2010, p. 82)
No final do século XIX, após a proclamação da República, houve a abertura de novos cursos cuja proposta era mais profissionalizante e, a partir da década de 30 do século passado, a formação da classe média deu nova razão aos cursos superiores, que passaram de instrumento de enriquecimento pessoal a modo de ascensão social. (OLIVEIRA, 2010, p.2).
Deste período, pode-se distinguir o discurso que San Tiago Dantas, em 1955, proferiu na aula inaugural da Faculdade Nacional de Direito (atual UFRJ). Em sua preleção, San Tiago Dantas propunha alterações nos métodos de ensino e criticava a utilização exclusiva do método expositivo:
O ponto de onde, a meu ver, devemos partir, nesse exame do ensino que hoje praticamos, é a definição do próprio objetivo da educação jurídica. Quem percorre os programas de ensino das nossas escolas, e sobretudo quem ouve as aulas que nelas se proferem, sob a forma elegante e indiferente da velha aula-douta coimbrã, vê que o objetivo atual do ensino jurídico é proporcionar aos estudantes o conhecimento descritivo e sistemático das instituições e normas jurídicas. Poderíamos dizer que o curso jurídico é, sem exagero, um curso dos institutos jurídicos, apresentados sob a forma expositiva de tratado teórico-prático. (DANTAS, 1955, p. 7)
Por isso, propunha:
Simplificação extrema de todas as formalidades, ampliação máxima da liberdade de ensinar e de estudar, são assim os princípios com que se completa a revisão da educação jurídica brasileira. Fazendo com que os alunos desenvolvam o senso jurídico pelo exercício do raciocínio técnico na solução de controvérsias, em vez de memorizarem conceitos e teorias, aprendidos em aulas expositivas; dando ao curso flexibilidade para que os alunos se possam aprofundar nas especialidades que preferirem; eliminando formalismos escusados e ampliando a liberdade educacional, poderemos dar à educação jurídica um novo surto e contribuir para um renascimento do Direito como técnica social suprema, a que as outras devem estar subordinadas. (DANTAS, 1955, p. 17)
E, para tanto, além das tradicionais aulas de preleção, sugeriu:
As sessões de trabalho constarão de estudos, investigações, debates, análise de casos forenses ou de problemas e exercícios escolares, com a participação ativa dos alunos e a assistência ou orientação do professor, e terão a duração máxima de três horas, não se podendo realizar mais de uma sessão num só dia. (DANTAS, 1955, p. 21)
A bem da verdade, não se pode deixar de mencionar que, embora propusesse reformas nos métodos de ensino jurídico, Dantas o fazia no intuito de proteger a sociedade das novas tecnologias e ciências, como a economia e a administração, pois entendia que o Direito era o instrumento de controle social apto a defender valores morais da sociedade.
Seja como for, houve efetivamente mudança insignificante na condução das aulas de Direito.
Desse modo, em 1972, a Resolução nº 3 do Conselho Federal de Educação determinou novo currículo mínimo para os cursos jurídicos que incluía a prática forense, “sob forma de estágio supervisionado, a possibilidade das instituições oferecerem disciplinas extras determinadas por elas mesmas e a consolidação de um ensino introdutório de feição interdisciplinar (SANTOS, 2002 apud OLIVEIRA, 2010, p. 3)
Em 1994, nova portaria, sob nº 1.886, foi editada pelo MEC, alterando o currículo mínimo. Também acrescentaram-se novas exigências como a defesa de monografia, a reserva de 5 a 10 por cento da carga horária para a realização de atividades complementares e a exigência de a biblioteca ter ao menos dez mil obras jurídicas.
Em 2004, a resolução nº 9/2004 traçou novas diretrizes nacionais, determinando que os cursos jurídicos assegurassem ao bacharel sólida formação humanística interdisciplinar, in verbis:
Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania.
Art. 5º I – Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.
Todavia, as mudanças no papel não refletiram em mudanças efetivas na sala de aula; ao menos, não na velocidade idealmente desejada. Ainda hoje, aulas expositivas correspondem à totalidade dos recursos de boa parte dos professores de direito.
Juliana Ferrari de Oliveira afirma que os professores utilizam a aula exclusivamente expositiva em parte porque essa é também a formação que tiveram. Além disso, esse tipo de aula tem características próprias atribuíveis ao desenvolvimento histórico do ensino do direito do país e, também, ao modelo de formação do professor universitário. Ressalta que “o professor se alimenta dos modelos que teve enquanto se encontrava na posição de aluno. O professor é fruto daquilo que vivenciou e passa a ser um repetidor das ações que julgou adequadas ou inadequadas” e conclui que a adoção de metodologias diferentes e inovadoras não ocorre naturalmente, demandando esforço consciente. (OLIVEIRA, 2010, p. 5)
De acordo com a lei (LDB 9.394/96), a formação do professor universitário se dá nos cursos de pós-graduação, em especial, o mestrado e o doutorado. Conquanto seja essa a previsão legal, não há diretrizes mais claras a esse respeito e, na prática, a formação para a docência, quando existente, é superficial e insatisfatória.
Tem-se então que a formação para a docência não é uma realidade no ensino jurídico. Não faz parte da cultura do ensino jurídico a busca pela formação pedagógica. Para alguns autores, “são raros os docentes que buscam titulação na área da educação, assim como são raros os programas de pós-graduação em Direito que propõem uma ação pedagógica inovadora” (VENTURA, 2004, p. 15)
A situação é agravada pelo fato de os professores de direito, geralmente, exercerem outra profissão. A docência, quando não é considerada um “bico”, é a segunda profissão. Aguiar (1999) sustenta que, nesses casos, que é comum, o profissional vê a docência como uma operação de marketing, ou seja, como uma forma de divulgar seu trabalho e chamar atenção para as “conquistas” de seu escritório. (OLIVEIRA, 2010, p. 5 e 6)
Em outras palavras, no geral, não há qualquer formação para o professor de direito e, até certo ponto, não há interesse, pois seu ganha-pão não é a docência.
De qualquer modo, assim como o direito, a pedagogia, como a conhecemos hoje, é uma ciência com raízes cientificistas. Pode-se, portanto, verificar intensa produção intelectual nessa área desde meados do século XIX, fortemente influenciada e fundamentada em pesquisas da psicologia. Contemporaneamente, a necessidade de acumular informações, como faziam os enciclopedistas, deu lugar àquela de desenvolver outras competências e, atualmente, a pedagogia dedica-se a criar teórica e empiricamente, estratégias mais adequadas ao desenvolvimento dessas competências.
3. Estratégias pedagógicas
Conquanto exista discussão na literatura especializada a respeito da distinção entre método e estratégia – havendo, inclusive, aqueles que não consideram essa diferença – essa não é a preocupação deste artigo e se utilizará estratégia por método e vice-versa sem maiores inquietações. Aqui pretende-se tão somente inventariar algumas práticas pedagógicas e contribuir, a partir do relato de algumas boas ideias, para a reflexão sobre a prática em sala de aula.
Sendo assim, a partir daqui, expõem-se algumas estratégias utilizadas por docentes de ciências jurídicas em sala de aula, procurando apontar seus pontos positivos e negativos e, quando oportuno, o modo como foram executadas em sala de aula.
3.1. Aula expositiva e aula dialogada
O método puramente expositivo ainda é muito utilizado e, ainda que não seja o mais adequado para se atingirem determinados objetivos pedagógicos, é bastante efetivo para a transmissão de grande volume de informação, principalmente se intercalado com outras técnicas, tendo em vista o tempo de concentração médio dos discentes. Outro ponto positivo é o baixo custo tanto financeiro quanto em relação ao tempo dedicado ao planejamento de aula. Além disso, é rápido e não exige que o aluno invista na construção, etapa por etapa, do conhecimento, pois o conteúdo é entregue pronto ao aluno pelo professor.
Seja como for, conquanto haja vantagens no método expositivo, a atitude adotada pelo aluno e pelo professor não parecem ser as mais adequadas para se promover o desenvolvimento das habilidades e competências contemporaneamente tidas como importantes para exercer funções relacionadas ao Direito.
Isso porque, A aula expositiva consiste na exposição teórica de vários conteúdos sem que haja transposição destes para a prática. Contudo, o direito é uma ciência humana aplicada e, profissionalmente, só será possível atuar na prática, ou seja, é essencial que os cursos jurídicos oportunizem situações de sala de aula que permitam que o futuro bacharel desenvolva habilidades que o tornem apto a relacionar a teoria à realidade, aplicando-a no caso concreto. É imprescindível que o estudante de direito seja exposto a situações de sala que o auxiliem a desenvolver o pensamento crítico e a habilidade interpretativa, pois, estas são ferramentas profissionais importantíssimas.
No método expositivo, a iniciativa dos alunos é limitada o que acaba por desestimular o desenvolvimento do pensamento crítico. Paulo Freire (1980, p. 65) rotulou a educação de transmissão de “educação bancária”, em que a realidade é vista “como algo parado, estático, compartimentado e bem comportado” em que “o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indiscutível é ‘encher’ os educandos dos conteúdos de sua narração”.
Fique claro que o método expositivo é uma técnica que, sem dúvida, tem aplicação dentro da prática docente a depender dos objetivos da aula a ser conduzida. Entretanto, como dito anteriormente, há técnicas mais adequadas para desenvolver as habilidades necessárias para a boa formação em ciências jurídicas.
De qualquer modo, a aula puramente expositiva já é menos comum, pois o espaço para perguntas e diálogo existe na maior parte das faculdades. Essa é a proposta da aula dialogada em que os alunos participam da aula, perguntando e trazendo seus questionamentos, que devem ser recebidos pelo professor com uma oportunidade de enriquecer a aula e construir o conhecimento. Camila Lima Coimbra (p.5) explica:
A aula expositiva dialogada surge como uma alternativa às aulas expositivas, em uma concepção de educação bancária em que o professor detém o conhecimento e sua função é transmiti-lo aos alunos que o recebem passivamente. De acordo com Anastasiou e Alves, A aula expositiva dialogada é uma estratégia que vem sendo proposta para superar a tradicional palestra docente. Há grandes diferenças entre elas, sendo que a principal e a participação do estudante, que terá suas observações consideradas, analisadas, respeitadas, independentemente da procedência e da pertinência das mesmas, em relação ao assunto tratado. O clima de cordialidade, parceria, respeito e troca são essenciais. (2009, p. 86)
3.2. A sala de aula invertida
A sala de aula invertida – flipped classroom, em inglês – é um método recente[1] que recebeu esse nome porque, de certo modo, a ordem do procedimento está ao contrário, ou seja, invertida. Antes da aula, o aluno estuda o conteúdo em casa e, na sala, faz a “lição de casa”, isto é, utiliza-se o tempo em sala para praticar/exercitar o conteúdo previamente estudado em casa.
A instrução prévia em casa pode ser recebida de várias formas como, por exemplo, por meio de vídeos, leitura de textos ou estudo dirigido por meio de questionários. Cabe ao professor, atento aos objetivos específicos e gerais da aula, selecionar o meio e o conteúdo da instrução. Assim, estudado anteriormente, o conteúdo será base para o trabalho em sala de aula. Nesse ponto também se exigem muito cuidado e preparação do professor, pois há diversas estratégias que podem ser utilizadas para ajudar o aluno a construir conhecimento significativo a partir do conteúdo previamente estudado. Cabe ao professor, no momento do planejamento, escolher aquelas que lhe pareçam mais adequadas e efetivas, sendo certo que, antecipando eventuais problemas e dificuldades, o professor deve também manter outras tantas na manga.
Para maior clareza sobre o conceito de aula invertida, transcreve trecho da dissertação de mestrado de Eliser Xisto da Silva Schimitz (2016, p. 37 e 38) sobre o tema:
O conceito básico de inversão da sala de aula ?[…] é fazer em casa o que tradicionalmente era feito em aula e em aula o trabalho que era feito em casa 8 (BERGMANN; SAMS, 2012b, p. 1). Na definição usual desses autores, os vídeos tomam lugar da instrução direta, o que permite aos alunos mais tempo em sala de aula para trabalhar atividades-chave de aprendizagem com o professor. Em síntese, significa transferir eventos que tradicionalmente eram feitos em aula para fora da sala de aula, segundo Lage, Platt e Treglia (2000). A expressão ?invertida indica que o que se fazia em casa (resolver problemas), agora é feito em aula, e o que era feito em aula (assistir a palestras expositivas) é feito em casa (BERGMANN; OVERMEYER; WILIE, 2013). Porém não é só isso que a abordagem envolve: é preciso preparar os alunos para fazerem anotações e registrarem dúvidas para que, em aula, os professores possam trabalhar controvérsias e equívocos. Segundo Bergmann e Sams (2016), a inversão tem mais a ver com a mentalidade de deslocar a atenção do professor para o aluno e a aprendizagem, sendo esta a característica em comum em todas as formas de inversão: o foco deve ser o aluno. Em outras palavras, trata-se de uma abordagem pela qual o aluno assume a responsabilidade pelo estudo teórico, e a aula presencial serve como aplicação prática dos conceitos estudados previamente (JAIME; KOLLER; GRAEML, 2015).
Percebe-se que, apesar de a ordem das atividades ser invertida, o que deve realmente ser ressaltado é o fato de o aluno, e não o professor, ser o foco nesse tipo de estratégia. O professor é um orquestrador do processo de aprendizagem; prepara, fornece, monitora, media, motiva e instiga o aluno que constrói um conhecimento mais significativo a partir das experimentações em sala de aula.
3.3. Estudo do meio
O exemplo de estudo do meio foi retirado do artigo de Ivana Bonesi Rodrigues Lellis que, citando Anastasiou e Alves, transcreve sua definição:
“Um estudo direto do contexto natural e social no qual o estudante se insere, visando a uma determinada problemática de forma interdisciplinar. Cria condições pra o contato com a realidade, propicia a aquisição de conhecimentos de forma direta, por meio da experiência vivida” (ANASTASIOU; ALVES 2006, p. 97 apud LELLIS ,p. 23)
A mesma autora aponta como características e vantagens o fato de o estudo do meio ajudar os alunos a perceberem a relevância do objeto estudado por meio da vivência. Além disso, esse tipo de atividade tem como objeto motivador intrínseco a ida a campo, pois a atividade acadêmica não fica adstrita à sala de aula.
Por isso mesmo, o estudo do meio favorece a melhor compreensão do direito enquanto fenômeno social, o aluno percebe com mais facilidade que o direito é parte da realidade.
Assim, o estudo do meio pode ser uma estratégia adequada para que o aluno desenvolva a consciência sobre a necessidade de se ter pensamento crítico sobre a realidade que nos circunda que, como já se pontuou ao longo deste artigo, é muitas vezes apresentada como normal, imutável e destacada da realidade. Essa técnica também propicia uma experiência adequada para que o aluno desenvolva a percepção de que o direito é/ pode ser ferramenta de mudança social. (LELLIS, 2010, p.23 e 24)
Descreve-se, então, a operacionalização da atividade idealizada e conduzida pela professora Ivana Lellis.
Durante o planejamento da atividade, a docente escolheu o estabelecimento comercial do tipo shopping center, pois nele se concentram diversos tipos de comércio e, portanto, ficaria facilitado o estudo in loco, reduzindo-se custo com transporte e tempo. Ela, então, contatou o shopping center, explicou a atividade proposta e requereu autorização para a administração do estabelecimento, que concordou com a realização da atividade nas suas dependências. Os lojistas também foram avisados
Duas semanas antes da saída, os alunos foram divididos em grupos e os objetivos (identificar situações de prática abusiva) foram discutidos. Os alunos foram orientados a tirar fotos e recolher material publicitário e contratos de adesão. Após a ida a campo, os alunos tiveram uma semana para elaborar relatório para ser discutido na aula seguinte.
Sob orientação a professora, os grupos elaboraram relatório em que descreviam as dificuldades de se realizar o estudo, principalmente porque encontraram muita resistência dos lojistas, sendo que alguns deles não permitiram que os alunos tirassem fotos. Outro ponto constante do relatório dizia respeito à descrição das práticas abusivas a partir do material coletado. Unindo prática à teoria, os alunos perquiriram as razões dessas práticas e quais as suas consequências no mundo dos fatos. Por fim, identificaram medidas que podem evitar e coibir as práticas abusivas, tais como campanhas educativas e fiscalização mais efetiva.
Percebe-se, portanto, que o estudo do meio exigiu dos alunos muito mais competências que o simples assistir a aula, pois tiveram que interagir com os diversos grupos e os integrantes de seu próprio grupo e os lojistas, coletaram os dados e os interpretaram para depois elaborar um relatório. Para elaborar esse relatório, foi necessário que os alunos buscassem fundamentos teóricos para sustentar suas explicações sobre os abusos. Já a professora ocupou-se do planejamento da atividade, refletindo sobre os objetivos e quais os caminhos mais adequados para atingi-los, procurou antecipar problemas e evitá-los (como, por exemplo, ao pedir a autorização para a administração do shopping) ou ter recursos disponíveis para saná-los caso efetivamente ocorressem. Conduziu toda a atividade, coordenando, orientando e monitorando os alunos para, enfim, receber os relatórios e avaliá-los. Ou seja, exigiu-se muito além da mera posição de receptores dos alunos e também muito mais do professor que deixou de ser mero transmissor de conhecimento.
3.4. Oficina Jurídica
“A Oficina Jurídica é uma estratégia que objetiva a aprendizagem e a prática de certa matéria, em que os alunos praticam ofícios de operadores do Direito” (PEDRA e DIOGO, 2010, p. 31), ou seja, os alunos têm a oportunidade de elaborar um documento jurídico escrito como aquele que poderá lhes ser requerido quando já forem bacharéis, como uma petição, uma sentença, um parecer, contratos, atos constitutivos entre tantos outros documentos do cotidiano do operador do Direito.
Diogo e Pedra justificam sua escolha afirmando que “com esta estratégia de ensino-aprendizagem, é possível que o aluno articule conhecimento teórico, habilidades e atitudes. Estes, entendidos como componentes do que genericamente denominam-se conteúdos.” (2010, p. 32)
O objetivo da oficina jurídica é criar situações que propiciem o desenvolvimento de determinadas habilidades e competências, em especial, aquelas que dizem respeito à interpretação e a capacidade de relacionar teoria, prática e fenômenos sociais de modo a buscar soluções jurídicas para a realidade de seu tempo. Além disso, vez que a atividade é feita em grupos, os alunos também têm a oportunidade de desenvolver habilidades adequadas ao trabalho em equipe como a capacidade de ouvir, negociar e tomar decisões em conjunto. Outra habilidade que pode ser desenvolvida é a “capacidade de conhecer o perfil de seu interlocutor e o contexto de sua inserção na sociedade, conduzindo o relacionamento orientado pelas características e peculiaridades detectadas e pelas normas de ética profissional.” (PEDRA e DIOGO, 2010, p. 33 e 34)
Para a realização da oficina jurídica, os alunos são divididos em grupos com quatro alunos cada e recebem um caso prático. É recomendado que o caso seja real mas, por vezes, serão necessárias adaptações que serão percebidas e realizadas pelo docente durante seu planejamento. Os alunos recebem orientação para o desenvolvimento da atividade e podem tirar dúvidas com o professor responsável e outros docentes da instituição. Após 15 dias do recebimento da atividade, os alunos devem trazer para a aula uma minuta da petição inicial. No dia da entrega, recebem nova orientação que consiste em um novo elemento – um elemento surpresa – relativo ao seu caso e, desse modo, têm o período da aula (100 minutos) para fazer os ajustes necessário e entregar a peça pronta.
Na aula de devolução, os grupos apresentam seus casos e seus argumentos jurídicos para a turma e ocorre um debate.
A oficina jurídica é uma estratégia que pode ser utilizada desde o início do curso e faz com que o aluno perceba que as soluções jurídicas não estão prontas nos livros e devem, sim, ser construídas. (PEDRA e DIOGO, 2010, p. 38)
Além disso, o trabalho em grupo permite a troca de experiência e o desenvolvimento de habilidades interpessoais como a negociação, a capacidade de ouvir e chegar em uma solução que contemple, ainda que parcialmente, diversas opiniões e/ou interesses.
3. 5. Ensino com pesquisa
O ensino com pesquisa é uma técnica que favorece o desenvolvimento da autonomia dos alunos, pois um problema ou questionamento lhes é apresentado e os alunos devem buscar uma (possível) resposta para o problema apresentado.
O ensino com pesquisa é uma estratégia de ensino e aprendizagem que insere a pesquisa no cotidiano da sala de aula, fazendo com que seus fundamentos associem-se aos do ensino, Uma dúvida ou um problema de pesquisa é apresentado aos alunos, que devem partir para sua investigação e análise. Desta forma, o professor deixa de ter o papel central, que passa a ser do aluno. É ele que deve ir a busca de conhecimento e elaborar a sua síntese, “geralmente levando o estudante a um vínculo maior com seu papel de acadêmico, construtor da realidade ou de sua visão sobre ela” (ANASTASIOU e ALVES, 2006, p. 99) (OLIVEIRA; ESTEVES, 2010, p. 106)
Além disso, o ensino com pesquisa é uma estratégia que permite o desenvolvimento de outras habilidades, como explicam Oliveira e Esteves (2010, p. 98)
O ensino com pesquisa exige dos alunos habilidades específicas, tais como: organização do tempo, seleção de textos pertinentes, organização de ideias, trabalho em equipe, planejamento, leitura crítica, análise e interpretação de dados e utilização do raciocínio jurídico, lógico, argumentativo e dialético. Além disso, “o ensino com pesquisa oferece condições para que os estudantes adquiram maior autonomia, assumam responsabilidades, desenvolvam disciplina” (ANASTASIOU; ALVES, 2006, p. 98)
Note-se que não se confunde com o ensino para a pesquisa, próprio do curso de pós-graduação, em que a pesquisa tem caráter eminentemente autônomo e individual e os pós-graduandos recebem orientações pontuais dos orientadores.
No ensino com pesquisa, toda a atividade se desenrola sob a supervisão constante do professor que indica caminho, corrige percurso e interfere toda vez que entender conveniente, já que o objetivo é a construção do conhecimento de forma ativa e significativa para o aluno.
Oliveira e Esteves relatam a experiência que tiveram em sala de aula. Na fase de planejamento, as autoras definiram o problema e se ocuparam das questões práticas do desenvolvimento da atividade. Por esse motivo, a questão proposta aos alunos foi o acesso à justiça no núcleo de prática jurídica da própria faculdade, já que o acesso às informações seria facilitado e todos poderiam participar sem maiores dificuldades.
No primeiro dia de aula, os alunos foram informados do projeto de pesquisa e, tendo sido a receptividade grande, a atividade foi posta em prática. Foram necessárias 5 aulas de 100 minutos cada para o projeto, com atividades específicas que são descritas a seguir.
Na primeira aula, os alunos foram divididos em grupos com quatro integrantes cada e se dirigiram ao núcleo de prática jurídica da faculdade para realizarem uma análise socioeconômica dos dispensados. Para tanto, utilizaram as fichas arquivadas no núcleo de prática jurídica dos anos de 2004 a 2008. O critério pré-determinado no projeto foi o critério renda maior que três salários-mínimos e os dados dos dispensados por esse motivo foram então separados para serem analisados em outro momento.
Assim, os grupos elaboraram um relatório parcial com esses dados. Foi estipulado um prazo para a entrega do relatório, que foram escritos fora do horário de aula. As professoras pediram para que todos os gráficos apresentados fossem do tipo pizza garantindo a padronização e maior facilidade no momento de interpretar e discutir os diversos relatórios. Os grupos foram desfeitos após o fim dessa etapa.
Houve então a realização de uma terceira etapa em que se coletou dados adicionais referentes aos dispensados pelo motivo renda. Esses dados foram coletados por meio de quatro perguntas, elaboradas e discutidas em sala pelos alunos. Então, a cada aluno coube ligar para 5 clientes dispensados no prazo de uma semana.
Na etapa seguinte, os alunos escreveram um artigo sobre a pesquisa e seus resultados. Organizaram-se novos grupos e cada grupo foi responsável por uma parte do artigo. Os grupos foram ao laboratório de informática e lá iniciaram a elaboração do artigo, que continuou na aula seguinte.
Prevendo que os grupos terminariam as respectivas partes em momentos diferentes, as docentes responsáveis pediram que o texto escrito na primeira aula fosse enviado por e-mail, assim, na aula seguinte, esse trabalho parcial pôde ser entregue a outro grupo que já havia terminado a atividade para análise e correção. Os grupos que não terminaram sua parte durante a segunda aula o fizeram mais tarde em horário extraclasse.
Como antecipado pelas docentes, o grupo da base teórica precisou de tempo maior e tiveram auxílio direto da professora de direito processual civil.
A redação final da totalidade do artigo foi analisada e corrigida pelos próprios alunos e, posteriormente, pelas professoras. Por fim, foi marcado um dia de entrega do artigo ao núcleo de prática jurídica como forma de agradecimento pela oportunidade de pesquisa. A participação ativa dos alunos, sua motivação e envolvimento foram apontados como pontos muito positivos dessa estratégia pelas professoras. Além disso, as docentes ressaltaram o fato de os alunos entrarem em contato efetivo com a realidade e o processo de construção do conhecimento que esse tipo de estratégia propicia.
4. Síntese conclusiva
Por meio de uma perspectiva histórica, o artigo procurou expor algumas características do ensino jurídico em nosso país, concluindo que, contemporaneamente, procura-se superar o paradigma da aula expositiva vez que a simples absorção de conteúdo não se traduz em formação adequada do bacharel. A mudança de paradigma passa pela redefinição dos papéis do professor e do aluno. Nesse sentido, há também a mudança do foco da aula, que deixa de ser o professor expositor, que fala a uma plateia amorfa e apática, e passa a ser o aluno-aprendiz, ou melhor, o aluno construtor do próprio conhecimento. Ao professor resta a orquestração dessa construção, é ele o responsável por criar as condições para que o processo de aprendizagem ocorra de maneira significativa para o aluno.
É essencial que o aluno perceba que o direito também é parte do fenômeno social e que o entenda como ferramenta apta a transformar essa realidade. Para tanto, é preciso que esse aluno desenvolva atitude crítica e investigadora em relação à realidade. Seja ainda capaz de construir soluções jurídicas e saiba trabalhar em equipe, inclusive, em contexto multidisciplinar. Por isso, diferentes estratégias pedagógicas devem ser exploradas em sala pelos docentes de modo a oferecer aos alunos oportunidades adequadas ao desenvolvimento dessas competências.
Esse tipo de abordagem requer bastante dedicação e preparo do professor que não pode contar apenas com as competências “tradicionais”, mas deve sim estar consciente de que competências como a capacidade de organizar, mediar, inter-relacionar-se assim como as capacidades de aliar teoria à prática e relacionar diversos campos do conhecimento humano serão ferramentas fundamentais àquele que pretende exercer o direito profissionalmente. Assim, percebe-se que o aforismo “o professor aprende sempre com seus alunos”, que para os mais desatentos parece apenas lugar-comum, é, em verdade, uma percepção acurada do processo de ensino-aprendizagem e o professor, enquanto aluno autônomo, tem o dever de auxiliar seus alunos a desenvolver sua própria autonomia.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei de 11 de agosto de 1827. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1827, Página 5 Vol. 1 pt. I.
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Telma Silva Araújo
Pós-graduanda do núcleo de direito processual civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada.
[1] A esse respeito, convém a leitura da dissertação de mestrado de SCHIMITZ (2016) cujo capítulo 2 – Revisão da literatura – mostra que ainda há poucos trabalhos sobre o tema tanto no país quanto no exterior.