- ENTRE
O PASSADO E O PRESENTE: A PERSPECTIVA DO OLHAR
Nenhum
método punitivo, nenhum sistema penal na história, veio para ficar e ficou. E,
é para esta dimensão que somos remetidos, ao enfrentar o tema Direito Penal
mínimo e abolicionismo penal. Esta abordagem tem o objetivo de ilustrar um
pouco da imensa complexidade em que o tema está imerso, e os cruzamentos
possíveis entre abolicionismo e minimalismo e, ainda eficientismo penal.
- NECESSIDADE
DE BUSCAR A DIFERENÇA E, PORTANTO, DE PLURALIZAR
O Abolicionismo
Abolicionismo como
movimento social (práxis): Uma das características mais comuns de seus líderes é a de
terem fundado grupos de ação ou de pressão contra o sistema penal e de haverem
levado adiante movimentos ou organismos com participação de pessoas com alguma
experiência no campo da criminalização. São líderes: Foucault e Hulsman.
Abolicionismo como
perspectivo teórica: existem diferentes tipos de abolicionismos, com diferentes
fundamentações metodológicas para a abolição. Inexiste uma essência do
abolicionismo, ou uma teoria totalizadora abstrata, que abarque todos os
aspectos de suas distintas variantes. Principais protagonistas: Foucault,
Thomas Mathiesen, Louk Hulsman e Nils Christie.
O Minimalismo
Minimalismo como
perspectiva teórica: Apresenta-se com profunda heterogeneidade. Há minimalismos
como meios para abolicionismos, que são diferentes de minimalismos como fins em
si mesmo, e de minimalismos reformistas. Entre os mais expressivos modelos está
o de Baratta e o de Zaffaroni.
Minimalismo como reforma
penal ou minimalismo reformista: Sob o signo despenalizador do princípio da
intervenção mínima e o uso da prisão como última ratio e da busca de penas alternativas a ela, esse modelo
desenvolve-se desde a década de 80. Já no Brasil, ele se desenvolve a partir da
reforma penal e penitenciária de 1984, com a introdução das penas alternativas.
- NECESSIDADE
DE CONTEXTUALIZAR: QUANDO?
Abolicionismo
e minimalismo são as matrizes que passam a ocupar o cenário de controle social
e das políticas criminais nas sociedades capitalistas a partir da década de 70.
O contexto, portanto, em que emergem, é o da deslegitimação dos sistemas
penais. Enquanto o abolicionismo protagoniza a abolição do sistema penal e
substituição por formas alternativas de resolução de conflitos, o Minimalismo
defende, associado ou não à utopia abolicionista, sua máxima contração.
- NECESSIDADE
DE SITUAR: O QUE É
O objeto da abolição e da
minimização
O
objeto da abolição/minimização não é o Direito Penal, mas o sistema penal em
que se institucionaliza o poder punitivo do Estado e sua complexa fenomenologia
a que os abolicionistas chamam de “organização cultural do sistema de justiça
criminal” e que inclui tanto engenharia quanto a cultura punitiva, tanto a
máquina quanto sua interação com a sociedade, de modo que se o sistema é,
formal e instrumentalmente, o “outro”, informal, difusa e perifericamente somos
todos nós (que o reproduzimos, simbolicamente).
Por
sistema penal entende-se a totalidade das instituições que operacionalizam o
controle penal (parlamento, Polícia, MP, Justiça, Prisão), a totalidade das
leis que programam e legitimam a sua atuação, e seus veículos de controle
social global (escola, mídia), na construção e reprodução da cultura e do senso
comum punitivo.
O retrato da
deslegitimação ou crise (estrutural) de legitimidade
O
sistema penal está deslegitimado porque está nu (todas as máscaras caíram), e
exerce, agora, abertamente sua função real.
a) Trata-se de uma
herança da doutrina escolástica medieval, assentada no maniqueísmo e numa visão
expiatória da pena como castigo pelo mal.
b) tem como marca a
eficácia invertida.
c) É incapaz de cumprir
as funções que legitimam sua existência.
d) Funciona seletivamente
e engendra mais problemas do que aqueles que se propõe a resolver.
e) Só atua sobre um
número reduzidíssimo de casos: é a ilusão de segurança jurídica.
f) É um sistema de
violação de direitos humanos.
g) Não escuta nem protege
as vítimas, mas sim o próprio sistema.
h) Sendo esse sistema o
próprio problema, ele deve ser abolido.
A Abolição
Ainda
que a abolição reconheça níveis macro e micro nos diferentes abolicionistas,
estão de acordo que ela não significa pura e simplesmente abolir as
instituições formais de controle, mas abolir a cultura punitiva, superar a
organização cultural e ideológica do sistema penal. Trata-se de desconstruir
toda uma semântica própria da discursividade penal, abolindo a prisão,
substituindo-a por outras formas de controle.
Conforme Hulsman, a justiça criminal
existe em quase todos nós, assim como em algumas áreas do planeta o preconceito
de gênero e o preconceito racial existem em quase todos. A abolição é, assim,
em primeiro lugar, a abolição da justiça criminal em nós mesmos: mudar
percepções, atitudes e comportamentos.
E nestas outras formas de controle o leque
é amplo e o universo é riquíssimo. Soluções alternativas a esse sistema podem
ser: desde os processos de descriminalização legal, judicial, ministerial,
despenalização, modelos conciliatórios, terapêuticos, indenizatórios,
pedagógicos. O abolicionismo, portanto, na implica na ausência de controle
social (não renuncia à solução de conflitos que devem ser resolvidos), apenas
parece propor uma reconstrução dos vínculos solidários de simpatia horizontais
ou comunitários, que permitam a solução desses conflitos sem a necessidade de
apelar para o modelo punitivo formalizado.
Trata-se da ultrapassagem da ilusão de
solução hoje simbolizada no sistema penal, para buscar, efetivamente, soluções,
deslocando o eixo do Estado para a comunidade, de resposta não violenta. O
abolicionismo está ligado à revitalização do tecido social, sendo, neste
sentido, um autêntico ícone da cidadania (individual e coletiva).
Por fim, o abolicionismo não se conforma
com as receitas totalizadoras e valoriza as lutas micro de modo que, sem correr
o risco de dormir com o sistema penal e acordar sem ele, podemos exercer
práticas abolicionistas cotidianamente, às vezes até sem o saber, sempre que
levamos a sério a ultrapassagem do modelo punitivo.
A Minimização
Além
da máxima contração do sistema penal, o modelo minimalista também busca a
construção alternativa dos problemas sociais. É possível subdividi-lo em duas
linhas:
a) Modelos que partem
da deslegitimação do sistema penal para o abolicionismo ou minimalismos como meio: parte da aceitação da deslegitimação
do sistema penal, concebida como uma crise estrutural irreversível, assumem a
razão abolicionista porque não vêem possibilidade de relegitimação do sistema,
no presente e no futuro. São minimalismos como meio, ou seja, estratégias de
transição para o abolicionismo (Baratta e Zaffaroni).
b) Modelos que partem
da deslegitimação para a relegitimação do sistema penal ou minimalismos como fim em si mesmo: Esse modelo, denominado
garantismo, parte da deslegitimação do sistema penal, mas acredita que ele
possa ser relegitimado, e o minimalismo é apresentado como fim em si mesmo – um
direito penal mínimo para uma sociedade futura.
Enquanto
o abolicionismo põe em relevo os custos do sistema penal, o Direito Penal
mínimo de Ferrajoli centra-se nos custos potenciais de uma anarquia punitiva,
sustentando que o Direito penal mínimo estaria legitimado pelas necessidades de
proteger, a um tempo só, as garantias dos ‘desviantes’ e ‘não desviantes’.
- NECESSIDADE
DE BUSCAR A INTERSECÇÃO E, PORTANTO, DE REUNIR
Posicionar-se
pelos modelos minimalistas que são comprometidos com o abolicionismo ignorando
esse compromisso é inconseqüente perante os modelos e relegitimador perante o
sistema penal. Portanto, não devemos sustentar como fim minimalismos que
propõem como meios. Minimalismos como o de Ferrajoli, que se propõe como fim,
neste sentido polemiza com o abolicionismo, vulgarizando uma oposição que não
tem lugar quando se abre o leque minimalista.
Não
se pode perder tempo, como afirma Zaffaroni, buscando discutindo as diferenças
entre abolicionismo e minimalismo, já que se tratam de posições que não estão
distantes umas das outras. Não se deve perder tempo nessa discussão, já que uma
ação contra o sistema não pode esperar: é emergencial.
No
campo da prática, no entanto, abolicionismos e minimalismos oferecem
ferramentas de trabalho preciosíssimas para ser apropriadas cotidianamente, na
prática do sistema, em todos os níveis, e na militância societária, para conter
violência e proteger direitos humanos, aqui e agora, relativamente a todas as
ações e decisões do sistema, mas também para avançar.
Um
exemplo abolicionista e minimalista utilizando os princípios minimalistas de
Baratta, associados aos princípios constitucionais de liberdade: seria
humanamente inadmissível a criminalização de uso e tráfico de (algumas) drogas,
e o genocídio doloroso provocado por esta criminalização.
- NECESSIDADE
DE CONFRONTAR ABOLICIONISMO E EFICIENTISMO PARA RESIGNIFICAR OS
MINIMALISMOS: BIPOLARIDADE E PENDULARISMO
Na
era da globalização neoliberal há uma expansão gigantesca da relegitimação do
sistema penal orquestrada pelo eficientismo penal. Como está comprovada a
eficácia invertida do sistema, fala-se de uma crise de eficiência, ou seja, em
atribuí-la a distorções conjunturais e de operacionalização do poder punitivo,
negando-se, solenemente, a sua deslegitimação. O discurso oficial da “Lei e
Ordem” proclama que se o sistema não funciona, é porque não é suficientemente
repressivo. É necessário, portanto, criminalizar mais, penalizar mais, aumentar
os aparatos policiais, judiciários e penitenciários.
Os
movimentos de Lei e Ordem têm como exemplo o “sucesso” no “combate a
criminalidade” das Políticas de Tolerância Zero implantadas nos EUA, sobretudo
pelo Prefeito Rudolf Giuliani de NY. Tal política seduziu nossos governantes
muito, os quais passaram a correr atrás de cursos e palestras, na mesma
intensidade que a ideologia Lei e Ordem. A demanda por segurança pública
através do sistema penal e das Políticas criminais passa a colonizar, também, a
pauta dos partidos políticos. O fato é que a maioria das pessoas ainda acredita
que o sistema penal é uma resposta razoável ao crime, e talvez a melhor, e que não
a trocariam por alguns ideais vagos. A crise do sistema penal nesta era da
globalização neoliberal se complexifica.
Enquanto
o minimalismo teórico tem se dialetizado com o abolicionismo, o minimalismo
pragmático reformista tem se dialetizado com o eficientismo e relegitimado,
paradoxalmente, a expansão do sistema penal. O dilema, portanto, não é a
escolha entre minimalismo e abolicionismo, mas a concorrência entre a
totalizadora colonização do eficientismo e a aversão ao abolicionismo, mediados
pelo pretenso equilíbrio prudente de minimalismo de hibrida identidade.
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