O plebiscito, o referendo e o exercício do poder – Marcos Antônio Striquer Soares
Thiago André Marques Vieira *
Democracia Direta
A democracia direta tem por fundamento básico o exercício do poder daqueles que tem maior interesse na manutenção do Estado, no caso o povo. O povo, em tese, deveria ter o poder de decisão, ao mínimo, no que diz respeito aos rumos do Estado. Ou seja, está na vontade individual o poder de decisão.
Este conceito de democracia foi muito utilizado na instauração da democracia grega, nas famosas Cidades-Estados do povo grego. O povo na Grécia antiga não era o detentor da democracia, e sim apenas os chamados cidadãos, fato este que excluíam os estrangeiros, as mulheres, os escravos e as crianças. Sendo assim, não havia o problema de um grande número de indivíduos aptos a tomarem decisão. Outro fator importante pela manutenção de tal tipo de democracia nesta época é que os indivíduos não se preocupavam com profissões e outras obrigações que o mundo contemporâneo reserva, na Grécia antiga os aptos a decidir tinham como profissão o exercício da cidadania.
Com este rápido exemplo é possível perceber diversos problemas para implantação deste modo de democracia no atual modelo de Estado. Sendo um deles o tamanho dos atuais Estados. Pois, sendo o Estado muito grande inviabiliza a consulta ao povo – sendo que todos indivíduos a partir de certa idade, no caso do Brasil a partir dos 16 anos têm o direito a voto e acima de 18 têm o dever ao voto – detêm o direito e dever a voto. Além disso, Estados com um grande tamanho normalmente têm uma diversidade em sua cultura, hábitos e modo de pensar o que ainda torna mais inviável a democracia direta.
Pelo que foi visto, o único ponto em que o povo tem o poder de decisão é na montagem das Câmaras Legislativas e nas cadeiras do Poder Executivo, passando assim que a Assembléia tenha a responsabilidade de saber a vontade individual de cada habitante. Fazendo com que a vontade da assembléia seja a vontade individual e não que a vontade individual seja à vontade da assembléia, ou seja, tirando do povo o controle dos rumos do Estado.
Democracia Indireta
A democracia indireta, ao contrario da direta, não é exercida diretamente pelo povo, mas por representantes que este o elege. Ou seja, o povo que na democracia direta é o titular do exercício do poder, na indireta o passa para uma assembléia.
Segundo exposto há dois modos de democracia indireta, o mandado imperativo e o mandado geral.
O mandado imperativo pode ser considerado a transição da democracia direta pra a democracia indireta realmente. Pois no mandado imperativo, o povo elege um representante que não possui liberdade de decisão perante a assembléia legislativa. Neste tipo de mandado o representante eleito tem que consultar o povo, a jurisdição, a comunidade que o elegeu antes de tomar qualquer posição nas discussões da assembléia legislativa. Sendo assim, a conclusão é que o representante representa cada eleitor que nele votou e não a nação, ou seja, os eleitos possuem uma responsabilidade muito grande para com o eleitor.
Já no mandado geral, o representante tem toda a liberdade de escolha na hora de tomar suas decisões. Ou seja, o representante pode decidir de acordo com a sua consciência, pois ele não deve uma satisfação direta ao seu eleitor e sim com toda uma nação. Este tipo de representação é respaldado por Montesquieu que afirma claramente que os representantes eleitos têm que ser livres na atividade legislativa e não devem explicações para cada eleitor que nele votou; traduzindo o eleito deve sua responsabilidade para o bem da nação, ou seja, a vontade geral e não com os seus eleitores – vontade particular. Montesquieu também afirma que o mandado representativo deve ser desta forma porque os eleitores não têm capacidades técnicas e nem tempo suficiente para decidirem sobre os rumos do Estado, no entanto, diz Montesquieu que os eleitores são capazes de forma espetacular para elegerem seus representantes. Então, para Montesquieu os eleitores são perfeitamente hábeis para elegerem seus representantes e os representantes são absolutamente hábeis para decidirem os rumos do Estado, portanto, estes devem ser livres e não devem receber instruções de seus eleitores. Isto é, a soberania de uma nação não pode ser considerada a soberania popular, pelos já motivos apresentados – como a falta de instrução técnica e tempo –, mas sim uma soberania realmente nacional, na qual os responsáveis pela atividade legislativa possuem o livre pensamento para decidir, como dito antes, o que é melhor para o conjunto nacional.
Democracia Semidireta
A democracia semidireta foi criada com o intuito de aproximar o povo um pouco mais do poder. Ela tem por primordial à volta da discussão de assuntos de suma importância para um Estado com o titular do poder, o povo. Isto deve-se ao fato que com a democracia indireta o povo foi afastado do poder, deixando os legisladores com uma vasta liberdade de deliberação, mesmo em questões em que o povo merecia e deveria ser consultado, como no caso do Referendo do Desarmamento em outubro passado. A democracia semidireta baseia-se, como na indireta, em representantes eleitos para as Casas Legislativas, no entanto, ela tem um caráter consultivo ao povo, com instrumentos como o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e o recall. Concluindo a democracia semidireta tem o por grande finalidade devolver a soberania popular, antes excluída no sistema de democracia indireta, ou seja, a aproximação do povo é feita de modo que haja uma retificação do antigo regime democrático e para que se restabeleça a soberania com o titular do poder, ou seja, o povo.
Referendo
O referendo é a consulta ao povo de decisões tomadas nas Assembléias Legislativas, ou seja, uma consulta popular de atitudes já tomadas. Ou seja, é a participação direta do povo no poder legislativo.
O referendo é um instituto de forma unilateral, ele não dá opções quanto a que decisão deve ser tomada, no referendo cabe a função de rejeitar ou ratificar certa decisão já outorgada.
Então, caso certo projeto já aprovado pelo parlamento cabe ao referendo ratificar, dando força de lei a tal projeto, ou rejeitar tal projeto, assim coibindo os parlamentares a criarem projetos de lei com aquilo já discutido com o povo. Ou seja, de certa forma o referendo tem a função de delimitar o poder dos representantes eleitos, para que estes não ajam livremente apenas de acordo com a sua consciência, e sim tenham por consideração a consulta popular já realizada. Assim, o referendo pode mostrar aos legisladores de forma sutil o modo com que um povo pensa, se ele é conservador ou liberal, se é republicano ou liberal, se sofre grande influência da Igreja ou não e diversos outros pontos.
Resumindo o conceito de referendo mais explícito é o de “manifestação popular que ratifica ou rejeita uma proposta dentro do processo de criação normativa, cuja solução delimita o campo de competência das autoridades governamentais” (pág. 62).
Plebiscito
O plebiscito, ao contrário do referendo, não traz questões de decisões previamente estabelecidas pelo poder Legislativo, ele em si tem por objetivo a discussão de questões políticas e princípios. O plebiscito é o ato que o povo tem de demonstrar uma vontade a priori, ou seja, o povo não irá ratificar ou rejeitar um ato normativo. Neste instituto a aprovação realizada é de um possível projeto de lei, uma anexação de território, uma mudança na forma de governo. No plebiscito, ao contrario do referendo, não há uma rejeição ou ratificação, e sim uma escolha de dois ou mais possíveis caminhos, como exemplo o plebiscito de 93, que tratava da forma de governo que o Brasil iria adotar. Ou seja, neste fato o povo brasileiro tinha que optar entre dois caminhos, ou monarquia ou república, se república ou presidencialista ou parlamentarista.
O plebiscito tem por essência uma simplicidade maior do que o referendo, já que este trata da aprovação ou não de normas e aquele já não possui a complexidade de ter que ser aprovado uma lei. Pois no plebiscito não há uma lei ou decisão anterior, e sim uma vontade de criar uma decisão ou tomar um rumo para o Estado. Lei e rumo que não foram discutidos pelo poder Legislativo, e, assim, os legisladores criarão uma lei com o objetivo escolhido pelo povo. E se caso, não se tratar de uma possível questão normativa, e sim de uma mudança brusca no Estado, como na forma de governo, não há lei a ser discutida no congresso, mas apenas como será implantada a tal forma de governo já escolhida.
Outro aspecto importante para a manutenção do instituto do plebiscito e da democracia semidireta é que o plebiscito não deve ser utilizado de forma que não haja um caráter vinculante da decisão tomada pelo povo com a decisão que será tomada no Congresso, pois se for utilizado desta forma o plebiscito acabará enfraquecendo a soberania popular reconquistada com a democracia semidireta.
A fim de concluir o conceito de plebiscito proposto, há no livro uma feliz passagem que o define perfeitamente: “manifestação popular que toma uma decisão política “a priori” sobre determinada medida, delimitando a competência da criação normativa”.
O Plebiscito e o Referendo na Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 tem um caráter de aproximação do povo com o poder, fato que pode ser comprovado no art. 1° do texto: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, ou seja, há expressa nesta frase três princípios de suma importância para a formação do Estado brasileiro que são: soberania popular, representação popular e a participação direta do povo no poder. O princípio da participação direta do povo no poder e o da soberania popular são os que contemplam o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.
Segundo a Carta Magna de 1988, o plebiscito e o referendo são os instrumentos de exercício de poder do titular do Estado, o povo. Estes dois institutos são apreciados por uma série de princípios, ou seja, vários princípios culminam nas instituições do plebiscito e do referendo. Como pode-se ver o princípio democrático é um princípio essencial em si, e dele derivam a soberania popular, o plebiscito e o referendo.
Vários autores designam de que princípios irão surgir os dois institutos em questão, mas o mais importantes são o de Pinto Ferreira que define que a soberania popular, o plebiscito e o referendo são princípios derivados, e segundo Canotilho a soberania popular é um princípio constitucional geral e o plebiscito e o referendo são princípios constitucionais especiais.
Concluindo, toda Constituição Nacional necessita de um alicerce para poder ser desenvolvida e criada, no caso da brasileira os alicerces foram o plebiscito e o referendo, tendo em vista os momentos históricos em que ela fora criada, ou seja, a Constituição Federal de 1988 prevê uma aproximação do povo com o poder, devido a ditadura militar em que o povo brasileiro foi subjugado, maltratado e excluído das decisões de Estado.
* Acadêmico de Direito da UFSC.
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