Rafael Cataneo Becker*
SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.
O QUE É ANTROPOLOGIA?
A antropologia estuda natureza e cultura numa análise descritiva e comparativa que gera um panorama do homem em suas várias manifestações. Pelo seu estudo, oscila entre a especificidade e a generalidade; uma necessária ao aprofundamento, outra necessária à visão abrangente. Ocupa-se de lingüística, biologia, economia, religião bem como de aspectos de desenvolvimento histórico. Superficialmente, dentro do campo antropológico, destacam-se três ramos: o tema pragmático, o tema romântico e o tema científico.
O colonialismo ibérico, com os missionários, representou o uso de estudos dos povos nativos como forma de dominação, resguardadas as devidas exceções de alguns padres. Com o neocolonialismo britânico, francês e holandês, diversos estudiosos foram a fundo na cultura autóctone das respectivas colônias com puro interesse comercial.
Tudo isso por um fato social e econômico. No entanto, muitos pesquisadores se envolveram de tal maneira com as civilizações de seu interesse que foram defensores ávidos de sua condição bem como muitos outros incorporaram definitivamente suas demonstrações culturais e em seu meio foram viver.
Para além do pragmatismo e romantismo, a antropologia constitui-se também como ciência. Isso se deve, especialmente, a dois intelectuais do início do século XX. Franz Boas, judeu-alemão, foi um físico que ocupou a primeira cadeira de antropologia social numa universidade americana tendo participado da primeira expedição antropológica destinada a fins unicamente científicos. Bronislaw Malinowski, um polonês formado em matemática, deu sua contribuição desenvolvendo um método científico, o da ‘’observação participativa” no tempo em que conviveu com povos nativos das ilhas Trobriand, no sul do Pacífico, escrevendo diversos livros sobre a experiência.
Com base nesses dois estudiosos e nos demais de sua época, a antropologia incorporou preceitos que podem ser divididos em quatro. Um é o da observação participante que requer convivência do antropólogo na sociedade de sua análise o que, através do ‘’choque cultural”, o torna um ser multicultural.
Outro, obviamente, é o da superação do etnocentrismo, a atribuição da verdade ou superioridade a uma cultura sobre outra (‘’Cultura, no sentido antropológico, é o conjunto de conhecimentos, crenças e valores de uma sociedade (p.5)”)
Um terceiro consiste no conceito de ‘’comparação controlada”, que propõe o conhecimento do gênero humano de maneira geral partindo de suas diversas fenomenologias culturais.
Por quarto e último tem-se o foco em sociedades ‘’primitivas”, ou seja, ‘’povos com tecnologias e estruturas políticas relativamente simples e independentes, tanto quanto possível, das forças econômicas e políticas dos impérios modernos (p.6)”. Posteriormente, já em meados do século XX, a ‘’conexão entre as sociedades pequenas e simples e os Estados modernos (p.7)” passou a ser estudada eliminando a pretensa intocabilidade de algumas comunidades que eram tomadas como objeto de pesquisa.
Neste século ainda se desenvolveram importantes correntes como o estruturalismo, a lingüística, a arqueologia, a economia, a biologia -e a genética- dentro dos ramos antropológicos. O fenômeno urbano também entrou em destaque nas análises sobre religião, fábricas, escolas de samba e bairros, por exemplo.
O QUE É ANTROPOLOGIA LEGAL?
Como cientista da natureza, o antropólogo observa a lei não só como parte de uma estrutura jurídica de normas e sanções, mas sim sua inserção e funcionamento sociais. Portanto, há um ‘’postulado básico da antropologia legal, o de que as regras são feitas a partir de bases sociais e econômicas e precisam ser vistas em seu conteúdo social (p. 12)”.
A antropologia legal é o termo utilizado para designar a extensão de estudos antropológicos no que diz respeito às ‘’sociedades simples” e a seu ‘’direito primitivo”. A imersão em tal universo nos permite constatar a relação implícita entre direito e experiência, não entre direito e lógica; além de nos fazer vislumbrar sociedades que, pela transmissão oral de sua cultura, constituem sistemas jurídicos fundamentalmente densos, sem adendos supérfluos, do conhecimento de todo membro social. Mas nada é mais interessante, do ponto de vista da cultura européia, que a resignação dos teóricos políticos frente à possibilidade de haver leis sem o aparelho do Estado.
A antropologia jurídica aprofunda-se nas modernas instituições de direito enquanto o direito comparado une as duas vertentes bem como aprofunda cada uma delas.
A HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA LEGAL
A antropologia legal tem três grandes escolas: a britânica, a holandesa e a americana.
O Império Britânico tinha interesse puramente mercantil em suas colônias. Nesse intuito, desenvolveu uma forma de domínio indireto preservando o direito consuetudinário dos hindus e africanos. Algumas práticas, no entanto, eram tomadas pelos ingleses como ilegais -o preço pago pelo noivo à família da noiva na tradição de
alguns povos africanos, por exemplo-. Conflitos foram gerados ao serem coibidas tais
manifestações sociais. O governo britânico, então, estimulou o estudo de costumes legais dos povos dominados. Só na década de 1930, com Malinowski, a antropologia britânica assumiu caráter estritamente científico propondo questões teóricas e voltando-se para problemas de posse da terra, casamento, juízes, etc.
Pela mesma razão se deu o início da antropologia na Holanda: para melhor governar o império colonial. Sua curiosidade é o foco na Indonésia, sua maior zona de domínio e o fato de ter contado com antropólogos particulares. Já a antropologia legal nos Estados Unidos sempre teve forte tendência ao direito comparado. As Filipinas foram local de dominação indireta do país e a origem do primeiro estudo de antropologia legal realizado por um americano, Roy Barton. Ele foi lecionar nas ilhas e lá se envolveu profundamente com o povo Ifugao. Entre os livros publicados sobre a experiência, um deles (The half-way sun – 1930) refere-se ao conflito entre o direito americano e o direito Ifugao. Karl N. Llewellyn e E. Adamson Hoebel estudaram um povo americano nativo no livro The Cheyenne way (1941).
Desenvolveram o Método de Estudo dos Casos Legais baseando-se em comportamentos, não em relatos de comportamentos. ‘’Llewellyn e Hoebel estudaram
as leis dos nativos americanos para aprender com eles uma maneira de aperfeiçoar a
estrutura jurídica dos Estados Unidos, para fazer o direito mais suscetível às necessidades do povo (p.20)”. Outros estudos importantes de direito comparado com
base na antropologia legal foram realizados por Mary Shephardson e Jane F. Coller.
ALGUMAS APLICAÇÕES DA ANTROPOLOGIA LEGAL E DA ANTROPOLOGIA JURÍDICA NO BRASIL
O Brasil sofre, judicialmente, de uma separação radical entre teoria e prática evidenciada pela força do informal -para não dizer ilegal- nas predisposições constitucionais.
Há também uma secção entre legitimação e repressão. Faz-se importante o conceito de legitimação em Max Weber na obra Economy and society. Legitimação é o ‘’processo de criar poder, ou um padrão de ordens e obediência justo na opinião das pessoas. A autoridade legítima é a autoridade sem oposição perceptível, obediência livre (p.13)”. No Brasil ocorre o contrário, a repressão. E isso porque, ao longo da história do país, o sistema judiciário prostrou-se aos interesses das sucessivas classes dominantes ou ao poder estrangeiro.
É papel da antropologia jurídica, nesse sentido, estudar as contradições de tal sistema e propor aprimoramento como, aliás, é comumente realizado nos EUA.
*Graduando de Direito da UFSC
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito