Todos sabemos que a grande manifestação do Direito, no Brasil, é por meio do processo judicial. Em outros países a realidade é diferente. No Japão, por
exemplo, conciliação e mediação são as grandes forças motrizes que solucionam os conflitos. Porém, em nosso país, é nos fóruns e tribunais que
realmente vemos o Direito em movimento.
O brasileiro sofre de algo que um professor uma vez nomeou de “síndrome do homem provinciano”. Sua natureza ocidental, judaico-cristã e latina o
empurra naturalmente ao encontro da necessidade de ter um “ser superior”, inalcançável, detentor de todo o conhecimento, algo como um “semideus”, a
decidir sua questão e principalmente dizer quem está certo e quem está errado.
Por essa razão nós, operadores do Direito, deveríamos ter grande apreço pela processualística, tratando-a como nossa grande amiga e parceira no
cotidiano jurídico. No entanto, essa não é a realidade para a grande maioria.
Passamos a faculdade com certo “temor” do processo judicial, haja vista sua grande quantidade de minúcias e armadilhas; ante a possibilidade de que
perder uma causa, de que propor uma ação sem certo documento pode ser algo irreversível e, pois, causador de perdição. A segurança naturalmente surge
com a prática e, com isso, vem muitas vezes o conforto para transformar o processo em um diálogo.
A pérola a seguir tem uma essência um tanto quanto positiva para nossa reflexão. Surgiu em um processo no qual o advogado da autora aparentemente se
surpreendeu com o trabalho desenvolvido pelo causídico oposto e consignou a seguinte observação:
Eu, pelo menos, consegui sentir daqui um pouco do desespero do advogado da autora, vocês não?
O que esse trecho nos mostra é um fato bastante básico acerca do dia a dia das ações judiciais: o processo é, antes de mais nada, um diálogo. É por
meio dele que o autor conta seu caso, mostra seu ponto de vista e solicita algo a ser perfectibilizado pela prestação jurisdicional, enquanto a parte
ré rebate as questões postas em tela e, via de regra, pleiteia sejam postas de lado. E por ser um diálogo, o que se espera das partes? Que “falem”, que
“conversem”.
Aqui já entramos um pouco na seara do estilo de escrita, porém não é nada errado tratar a peça como um discurso ou diálogo, no qual se chama a atenção
do destinatário da mensagem (no caso, o julgador) a algo ou mesmo se conversa com a parte contrária. Ora, estamos acostumados a acusar a parte adversa
de litigância de má-fé (algo como reclamar pra mãe que o irmão está trapaceando no joguinho), então por que não traçar comentários que vão além disso
ou mesmo falar diretamente à parte contrária?
Quando trabalhava em gabinete sempre me incomodavam as peças nas quais se escrevia algo como “Ora, Excelência, a questão é clara”, porém agora, na posição de advogado , vejo que é algo praticamente inevitável, pois como seria na fala, você sente a
necessidade de se dirigir diretamente ao receptor de seu discurso. Novamente, e por que não falar com a parte contrária?
Alguns advogados preferem manter a objetividade. E não discordo: quanto mais objetivo, melhor. Enrolação só atrapalha. Entretanto esse tipo de
manifestação, sendo breve e bem articulada, pode trazer certo enriquecimento à peça , que muitas vezes chega a ser uma obra.
O processo e principalmente a elaboração de peças não é algo estanque, “travado”. Não há diferença caso se escreva “nesses termos, pede deferimento” ou
“termos em que pede deferimento” (“pede justiça” é cafona, principalmente se vier com vários pontos de exclamação). Não há certo ou errado no estilo de
escrever – novamente, estamos diante de um diálogo, de uma conversa, então converse!
Muitos advogados colocam personalidade em sua produção. Uma peça que demonstrou invejável emprego do vernáculo e uma elasticidade no diálogo é a que
foi desenvolvida pelo advogado do Estadão, Manuel Alceu Affonso Ferreira, para informar sua recusa ao pedido de desistência formulado por Fernando
Sarney na ação que censurou aquele rotativo. Um discurso de qualidade inquestionável. A leitura é recomendadíssima (na segunda metade da página):
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI101351,91041-Censura+!+Estadao+nao+aceita+desistencia+do+empresario+Fernando
O mais gozado do trecho de hoje é que, conhecendo a banca de procuradores que representa a ré na ação, não se trata de “advogado de renome”, mas sim de
profissional competente, o qual sabe o que faz e tem conhecimento daquilo que pretende e assim desestabilizou por inteiro o outro procurador. Isso
demonstra que qualidade vence processo, não “jeitinho”.
Uma coisa é fato no cotidiano judicial brasileiro: geralmente, quando um advogado menos capacitado vê seu trabalho desarmado, esmiuçado e
desconstituído por meio de uma exposição que de forma pormenorizada demonstra a improcedência dos pedidos, sua primeira reação é bradar que a parte
contrária pretende tumultuar o processo e usar de artimanhas. Ora, operando-se na licitude, tudo vale. Então o que eu diria é: respire fundo e responda
à altura, não com acusações, mas com trabalho de qualidade.
E só mais uma coisa: nunca entendi esse ditado popular. Culpa no cartório? De que cartório estamos falando? Registro de imóveis? Títulos e documentos?
Judicial? Se for esse último, de que vara? Aliás, o rol dos culpados fica no cartório? Acho que quem inventou essa tirada não entende muito de processo
criminal…