Direito Empresarial

A empresa individual de responsabilidade limitada: aspectos societários, tributários e econômicos

A partir de janeiro de 2012, os interessados em explorar atividade empresarial no Brasil passaram a ter mais uma opção, além das já conhecidas sociedade empresária e empresário individual. Trata-se da “empresa individual de responsabilidade limitada” ou “EIRELI”.

 

Inserida no ordenamento pela Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, a empresa individual de responsabilidade limitada, conforme o Projeto de Lei que lhe deu origem (nº 4.605/2009), surge com o intuito de incentivar a formalização de milhares de empreendedores que atuam em nosso país de forma desorganizada e de desestimular a criação de sociedades que na prática são constituídas por uma única pessoa, com o intuito de se beneficiar da limitação de responsabilidade.

 

Atuando como empresário individual[1], a pessoa física tem a vantagem de tomar as decisões e orientar o rumo dos negócios isoladamente, sem necessidade de convocar reuniões ou deliberar com sócios – porque inexistentes –, acelerando sobremaneira o processo decisório. Além disso, o empresário individual equipara-se à pessoa jurídica empresária para fins de tributação[2].

 

Em contrapartida, ao compor sociedade, as pessoas físicas e/ou jurídicas envolvidas obtêm duas principais vantagens sobre o empresário individual. A primeira é a união de capitais e de conhecimentos, que são compartilhados entre os sócios no desenvolvimento da atividade[3]. A segunda é a separação patrimonial entre os sócios e a sociedade e a decorrente limitação de responsabilidade, presente nas espécies societárias mais utilizadas, a sociedade limitada e a sociedade anônima[4]. Em ambos os casos, com a ressalva do capital social estar totalmente integralizado na limitada, o sócio responde unicamente pela integralização de suas cotas ou ações, sem ser afetado pelo endividamento da sociedade – ressalvadas algumas questões, que podem conduzir à desconsideração da personalidade jurídica, principalmente de ordem trabalhista, tributária, ambiental e consumerista. O empresário individual, por sua vez, responde ilimitadamente pelas obrigações assumidas no exercício da atividade empresarial[5].

 

A novidade trazida pela nova lei é justamente a de inserir entre essas duas figuras a possibilidade de uma empresa individual, com autonomia do empresário para suas decisões à frente do negócio, típica do empresário individual, e com limitação de sua responsabilidade, tal como a sociedade limitada.

 

Em termos teóricos, a solução dada pelo legislador, corroborada pelo entendimento do Departamento Nacional de Registro do Comércio, corresponde à tendência antecipada por Calixto Salomão, que via no Direito Brasileiro uma inclinação para a modalidade societária de proteção patrimonial do empresário individual.[6] Com efeito, a EIRELI foi incluída no rol das pessoas jurídicas de direito privado[7]. O DNRC, por sua vez, com a Instrução Normativa nº 117/2011, regulou as “decisões do titular”, a possibilidade de continuidade da empresa pelos sucessores do titular falecido e a transferência de titularidade, em declarada opção por um modelo societário de proteção patrimonial do empresário individual que adote a forma da EIRELI para condução dos seus negócios.

 

1.    Aspectos societários:

 

1.1. Separação patrimonial e limitação de responsabilidade:

 

Com as modificações no Código Civil trazidas pela Lei nº 12.441/2011, a mencionada vantagem da limitação de responsabilidade deixou de ser exclusiva das sociedades. Os interessados em explorar empresa individualmente passaram a ter ao seu dispor uma espécie de pessoa jurídica sem sócios e com a vantagem da responsabilidade restringir-se, via de regra, à integralização do capital social.

 

De acordo com o caput do artigo 980-A do Código Civil, “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.

 

O § 6º do citado dispositivo, por sua vez, estabelece que “aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”.

 

Portanto, a limitação de responsabilidade, decorrente da separação patrimonial entre a pessoa do titular e a EIRELI, será aquela prevista no artigo 1.052 do Código Civil. Ou seja, idêntica àquela aplicável aos sócios da sociedade limitada, com a ressalva de que o titular da EIRELI não possui sócios para responder solidariamente por eventual não integralização do capital.

 

Importa destacar que o veto presidencial ao § 4º do artigo 980-A da Lei nº 10.406/2002 encontra razão na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que busca evitar a utilização abusiva ou fraudulenta do instituto da separação patrimonial. A redação original do mencionado parágrafo previa que o patrimônio do titular da EIRELI não seria afetado por dívidas da pessoa jurídica “em qualquer situação”, conflitando com o artigo 50 do Código Civil.

 

1.2. Estruturas societárias:

 

Questão de central relevância no tocante à nova pessoa jurídica de direito privado diz respeito à natureza jurídica de seu titular.

 

Conforme a Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, que implica nas correspondentes alterações no Código Civil:

 

Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.

§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

§ 4º (VETADO).

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.

§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.

[…]

Art. 1.033. …………………………………………………………………………………………………………

………………………………………………………………………………………………………………………….

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

 

Analisando os dispositivos acima se questiona se seria possível a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada por uma pessoa jurídica. A pergunta é de suma importância para os estudiosos e atuantes no ramo do direito societário, pois, caso afirmativa a resposta, uma nova possibilidade surgirá no planejamento de estruturas societárias, ao lado da holding, da controlada, da coligada, da subsidiária integral, da sociedade de propósito específico e da sociedade em conta de participação.

 

A tese aqui sustentada é a de que não há impedimento legal para que uma pessoa jurídica titularize o capital social de uma EIRELI e, sob o primado de uma ordem jurídica liberal, afirma-se que o que não está proibido ou ordenado é permitido[8]. Esta leitura decorre diretamente do princípio da legalidade, consagrado no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

 

Mais especificamente, no âmbito do direito privado, onde se enquadra o direito societário, a pessoa, física ou jurídica, é livre para explorar, na forma que desejar, as atividades econômicas, salvo previsão legal em sentido contrário.

 

Dessa forma, não havendo proibição prevista na lei, a pessoa jurídica tem os mesmos direitos da pessoa natural na constituição de sociedades ou empresas.

 

Como exposto a seguir, dos dispositivos legais aplicáveis à EIRELI não se extrai qualquer restrição à sua constituição por outra pessoa jurídica:

a)    O caput do artigo 980-A menciona que a “empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social”. A expressão utilizada é ampla (“pessoa”), sem especificação ou restrição quanto ao titular ser pessoa física ou jurídica;

b)   O § 1º do citado artigo traz a possibilidade de denominação social, seguida da expressão “EIRELI”, o que pode ser perfeitamente aplicável na hipótese do titular ser pessoa jurídica;

c)    Diferente do caput, a restrição do § 2º do artigo 980-A trata especificamente da pessoa natural, proibindo a constituição de mais de uma EIRELI nesse caso. Tal restrição coaduna-se com o sistema atual, levando-se em conta, por exemplo, que a sociedade anônima pode constituir mais de uma subsidiária integral[9], mas a pessoa natural pode ter somente um registro como empresário individual;

d)   As previsões do § 3º do artigo 980-A e do parágrafo único do artigo 1.033 não implicam qualquer restrição à constituição de EIRELI por uma sociedade empresária, uma vez que esta também pode deter participação em outras sociedades e acabar por adquirir a totalidade das cotas ou ações ou obter a concentração por outros meios. A previsão do parágrafo único do artigo 1.033 reforça especialmente tal entendimento, ao permitir que o sócio remanescente, que pode ser pessoa jurídica, requeira a transformação para empresa individual de responsabilidade limitada;

e)   O § 5º do artigo 980-A, por sua vez, não traz prescrições ou restrições relativas ao tema em comento, afinal o termo utilizado é “titular” (sem restringir à pessoa física) e os direitos autorais podem pertencer a pessoa jurídica;

f)    Já o § 6º determina a aplicação subsidiária do regime da sociedade limitada para a empresa individual de responsabilidade limitada. Tanto pessoas naturais quanto pessoas jurídicas podem constituir a sociedade limitada, logo, não há proibição nesse sentido.

 

Conclui-se, da interpretação literal e sistêmica dos dispositivos legais aplicáveis, que o ordenamento pátrio autoriza a constituição de EIRELI por uma pessoa jurídica, semelhante ao que já ocorre com a mencionada subsidiária integral.

 

Nesse sentido, o próprio Projeto de Lei nº 4.605/2009, de iniciativa do deputado federal Marcos Montes Cordeiro, ao reproduzir o artigo publicado na Gazeta Mercantil, de 30 de junho de 2003, pág. 1 do caderno “Legal e Jurisprudência”, sob o título “Sociedade limitada e a nova lei”, de autoria do Prof. Guilherme Duque Estrada de Moraes, menciona:

 

Aqui mesmo, na América do Sul, o Chile acaba de introduzir em seu ordenamento jurídico a empresa individual de responsabilidade limitada. Não faltarão, assim, referências ao legislador brasileiro, que poderá cercar-se dos cuidados necessários, como, por exemplo, determinar que uma mesma pessoa física ou jurídica não possa ser titular de mais de uma empresa individual de responsabilidade limitada. (grifou-se)

 

Contrariamente, em 22 de novembro de 2011, o Departamento Nacional de Registro do Comércio – DRNC, através da Instrução Normativa nº 117, aprovou o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, onde consta que somente pessoa natural pode ser titular de uma EIRELI (item 1.2.10 do Manual).

 

Todavia, a competência outorgada ao DNRC pela Lei nº 8.934/1994 não prevê a possibilidade de criar proibição não prevista em lei. A capacidade de “solucionar dúvidas ocorrentes na interpretação das leis[10], não autoriza a criação de limitações inexistentes no diploma normativo e que ainda afrontam a livre iniciativa. A controvérsia posta deverá ser sanada pelo Judiciário ou por nova intervenção legislativa.

 

Feita essa ressalva e considerando-se positiva a resposta à questão levantada, observa-se o surgimento de mais um instituto jurídico no âmbito do planejamento societário, inclusive com a possibilidade de constituição de várias empresas individuais por uma mesma pessoa jurídica, conforme parágrafo segundo do artigo 980-A.

 

Acerca da pessoa física, pode-se aventar a possibilidade, que parece não ter sido excluída pela lei, de exercer atividade empresária simultaneamente como empresário individual (artigo 966) e como empresa individual (artigo 980-A). Todavia, de forma a manter a coerência com a atual sistemática, sugere-se que a restrição do citado § 2º do artigo 980-A seja interpretada abrangendo-se também o registro de empresário individual. Ou seja, que a pessoa física tenha direito a somente um registro como empresário individual ou como empresa individual de responsabilidade limitada.

 

1.3. Requisitos para constituição:

 

Conforme o artigo 980-A do Código Civil, alguns requisitos deverão ser observados na constituição da empresa individual de responsabilidade limitada: (1) registro na Junta Comercial; (2) o capital terá de ser igual ou superior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no Brasil à época do registro; (3) o capital social deverá estar totalmente integralizado no ato da constituição; (4) a firma ou denominação social deve incluir a expressão “EIRELI”; e (5) a pessoa natural somente pode ser titular de uma empresa individual de responsabilidade limitada.

 

As Juntas Comerciais são responsáveis pelo registro público das empresas mercantis e lá devem ser registrados o empresário e a sociedade empresária, conforme os artigos 45 e 1.150 do Código Civil e a Lei nº 8.934/1994. Referidas normas não foram alteradas pela lei que inseriu no ordenamento a empresa individual de responsabilidade limitada, de forma a prever expressamente o registro da EIRELI na Junta Comercial. Porém, numa interpretação sistêmica dos citados dispositivos, conclui-se que, como pessoa jurídica de direito privado vinculada exclusivamente à atividade empresarial, a EIRELI adquire personalidade jurídica com seu registro na Junta Comercial competente.

 

Portanto, observadas as prescrições legais, cabe ao Departamento Nacional de Registro do Comércio estabelecer as normas procedimentais para registro e arquivamento dos atos da empresa individual de responsabilidade limitada[11], que serão levadas a cargo pelas Juntas Comerciais. Tal regulamentação faz-se necessária, especialmente tendo em vista que se aplica subsidiariamente à EIRELI o regime da sociedade limitada e os requisitos para registro do empresário individual, por sua vez, localizam-se em capítulo distinto do Código Civil, no artigo 968. Com esse intuito foi editada a supracitada Instrução Normativa nº 117/2011 do DNRC.

 

Classicamente sempre foi observada uma confusão terminológica entre a sociedade e a empresa[12]. O Código Civil, em seu artigo 966, define empresa como atividade (atividade econômica organizada, exercida profissionalmente, para a produção ou a circulação de bens ou de serviços). Sociedade, por sua vez, é uma das pessoas jurídicas de direito privado e pode ser empresária ou não[13].

 

A observação importa porque a Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, faz uso das expressões “capital social” e “denominação social” para a EIRELI. Todavia, apesar da empresa individual de responsabilidade limitada integrar o rol das pessoas jurídicas de direito privado, sua classificação é diversa da sociedade[14].

 

Ainda, a distinção entre sociedade e empresa é pertinente para compreender que as sociedades de profissionais que exercem atividade científica, literária ou artística não são, via de regra, empresas, conforme ditame contido no parágrafo único do artigo 966 do Código Civil.[15] Portanto, não é de se admitir que o profissional assim enquadrado possa constituir uma EIRELI, “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.

 

Com relação à exigência de integralização do capital social no ato de registro da empresa individual de responsabilidade limitada, percebe-se imensa dificuldade prática, pois as Juntas Comerciais, responsáveis pelo registro, não têm meios para fiscalizar o efetivo cumprimento da obrigação.

 

Logo, para o interessado basta dizer que o capital está integralizado, mesmo que não tenha havido o efetivo aporte para constituição do patrimônio da empresa. A questão é semelhante ao que ocorre atualmente com as sociedades empresárias, mas das quais não é exigido o requisito de integralização simultânea.

 

Apesar da dificuldade operacional da exigência, a consequência para o descumprimento é solucionada facilmente pelo mercado. Na hipótese da integralização não se ter operado efetivamente, o titular da EIRELI responde pela obrigação correspondente, da mesma forma que ocorre com a sociedade limitada, conforme artigo 1.052 do Código Civil. Da mesma forma, caso alegue-se a nulidade do registro da empresa individual de responsabilidade limitada por não cumprimento de requisito legal, o titular não pode eximir-se do cumprimento das obrigações contraídas, com base nos princípios gerais de direito[16] e semelhante ao que ocorre com o empresário individual[17].

 

1.4. Transformação decorrente da concentração de participação societária:

 

O parágrafo 3º do artigo 980-A do Código Civil prevê um procedimento semelhante à transformação para a EIRELI: A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

 

O inciso IV do artigo 1.033 do Código Civil prevê como causa de dissolução da sociedade a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 dias, ressalvada a previsão do parágrafo único: Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.

 

Dessa forma, caso venha a se operar, por qualquer razão, a concentração de toda a participação societária em um único sócio, é possível requerer sua transformação em empresa individual de responsabilidade limitada, se o sócio remanescente for pessoa jurídica, como exposto anteriormente no item 1.2, ou sua transformação em empresário individual ou EIRELI, caso o sócio remanescente seja pessoa física.

 

Importante destacar que o instituto da transformação encontra previsão nos artigos 1.113 a 1.115 do Código Civil, para as sociedades em geral, e nos artigos 220 a 222 da Lei nº 6.404/1976, para as sociedades por ações.

 

Apesar da expressão adotada pelo citado parágrafo 3º do artigo 980-A ser “concentração das quotas de outra modalidade societária”, a limitação do referido instituto unicamente aos tipos societários compostos por cotas (ou quotas), e não por ações, carece de sentido. Afinal, a sociedade anônima, observados os dispositivos acima, pode ser transformada em outro tipo societário, limitada por exemplo, que por sua vez pode transformar-se em EIRELI.

 

Exigir-se tal desperdício de tempo e recursos, incorrendo na burocracia de uma dupla transformação, vai de encontro à ideia de eficiência do direito empresarial, entendido como direito-custo. Além disso, a transformação direta da sociedade anônima em empresa individual de responsabilidade limitada não encontra qualquer óbice na Lei nº 6.404/1976, nem afeta os direitos de eventuais credores[18].

 

Com relação ao empresário individual, o artigo 968, § 3º, do Código Civil prevê a possibilidade de transformação do empresário individual em sociedade, caso admita sócios e mediante requerimento. Nada impede que o referido procedimento seja adotado para a transformação da EIRELI em sociedade empresária.

 


 

 

2.    Aspectos tributários:

 

Como pessoa jurídica dedicada a atividade empresária[19], a empresa individual de responsabilidade limitada, observados os requisitos legais, pode optar pelo enquadramento nos seguintes regimes tributários: lucro real[20], lucro presumido[21]e Simples Nacional[22].

 

A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, trazendo prescrições de natureza societária e tributária, principalmente, e atendendo as previsões constitucionais dos artigos 146, inciso III, alínea “d”[23], e 170, inciso IX[24].

 

Em 10 de novembro de 2011 foi editada a Lei Complementar nº 139, que, dentre diversas alterações no diploma da Microempresa, adaptou-a às modificações operadas no Código Civil pela Lei nº12.441/2011.

 

Assim, o art. 3º, caput, da Lei Complementar nº 123/2006[25] passou a prever expressamente a empresa individual de responsabilidade, com a possibilidade de seu enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte, além de estabelecer novos limites para a receita bruta anual.

 

Todavia, com relação ao enquadramento como microempreendedor individual (MEI), tal possibilidade toca apenas ao empresário individual e não abrange a EIRELI, conforme artigo 18-A, § 1o, da Lei Complementar nº 123/2006[26] e artigo 91, caput, da Resolução 94/2011 do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN)[27].

 

3.    Aspectos econômicos:

 

A principal novidade introduzida pela Lei nº 12.441/2011 encontra-se na limitação de responsabilidade outorgada à pessoa física isoladamente. A limitação de responsabilidade permite o cálculo da atividade empresarial, incluído seu risco, de forma consideravelmente mais detalhada e segura. Isso estimula a livre iniciativa, especialmente dos milhares de pequenos empreendedores individuais do país, e o crescimento econômico daí derivado. O legislador, por outro lado, foi cauteloso ao exigir valor mínimo para o capital social, medida que, aliás, poderia estender-se a outras figuras societárias.

 

Além disso, caso a tese exposta anteriormente seja aceita pelo Judiciário, no sentido de que pode ser constituída EIRELI por pessoa jurídica, surge mais uma possibilidade para o desenvolvimento de estratégias societárias e tributárias. Importa destacar que não há prejuízo para o mercado, de qualquer forma, na referida possibilidade. Afinal, atualmente já é possível a criação da subsidiária integral, além da constituição de sociedades limitadas, anônimas e em conta de participação exclusivamente entre pessoas jurídicas.

 

A lei ainda prevê uma vantagem adicional àqueles que auferem renda através da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz, uma vez que poderão atribuir a referida receita à EIRELI[28]. Tal benefício mostra-se mais relevante na hipótese de empresa individual de responsabilidade limitada constituída por pessoa física, que optar pela exploração dos referidos direitos individualmente, como pessoa jurídica e com limitação de responsabilidade.

 

Referências

 

BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Apresentação Alaôr Caffé Alves. Bauru: Edipro, 2001.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – volume 1. 12ª ed São Paulo: Saraiva, 2008.

 

GONÇALVES, G. S., PEREIRA, L. F. C., STRAPAZZON, C. L. Direito Eleitoral Contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

 

SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

 

 

* Gustavo Miranda Schlösser, Professor de Direito Societário da Universidade do Sul de Santa Catarina. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getulio Vargas. Advogado.

 

** André Lipp Pinto Basto Lupi, Professor do Programa de Doutorado da Universidade do Vale do Itajaí. Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Advogado.



[1] Artigo 966 da Lei n. 10.406/2002, Código Civil.

[2] Artigos 146, II, e150 do Decreto n. 3.000/1999, artigo 4º da Lei n. 7.689/1988 e artigo 2º, inciso I, da Lei n. 9.715/1998.

[3] Artigo 981 da Lei n. 10.406/2002, Código Civil.

[4] Artigo 1.052 da Lei n. 10.406/2002, Código Civil, e artigo 1º da Lei n. 6.404/1976.

[5] Artigo 591 da Lei n. 5.869/1973, Código de Processo Civil.

[6] SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 231. Nesta obra, o autor discorre acerca das diferentes teorias sobre o patrimônio e a subjetividade jurídica da empresa (ou do estabelecimento, na forma da lei portuguesa), identificando como as formas societárias trazem as vantagens da perpetuidade ou continuidade da empresa e sua transferibilidade, traços claramente incorporados ao regime brasileiro da EIRELI.

[7] Artigo 44, inciso VI, da Lei n. 10.406/2002, Código Civil, com a redação dada pela Lei n. 12.441/2011.

[8] A respeito, Bobbio leciona que a “função das normas permissivas é a de eliminar um imperativo em determinadas circunstâncias ou com referência a determinadas pessoas, e portanto, as normas permissivas pressupõem as normas imperativas.” Fora essa hipótese, elas então representam tudo que não está proibido ou comandado (a ausência de norma). BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Apresentação Alaôr Caffé Alves. Bauru: Edipro, 2001. p. 126.

[9] Artigo 251 da Lei n. 6.404/1976.

[10] Artigo 4º, inciso III, da Lei n. 8.934/1994.

[11] Artigo 4º, inciso VI, da Lei n. 8.934/1994.

[12] Sobre o tema: COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial – volume 1. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 63-64.

[13] Artigos 44, inciso II, e 982 da Lei n. 10.406/2002, Código Civil.

[14] Artigo 44, incisos II e VI, da Lei n. 10.406/2002, Código Civil. Observe-se, que o Direito Eleitoral já previu uma situação curiosamente semelhante à personificação de um patrimônio atrelado a um único titular pessoa natural. Veja-se, a respeito, a Instrução Normativa Conjunta SRF/TSE n. 609/2006, Lei n. 9.504/1997 e Resolução TSE 22.250/2006. Essa legislação vem comentada por SACOMAN, C. e CASTRO, F. B. Efeitos tributários e fiscais da pessoa jurídica “candidato” no Direito Eleitoral. In: GONÇALVES, G. S., PEREIRA, L. F. C., STRAPAZZON, C. L. Direito Eleitoral Contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 125-145.

[15] Art. 966 […] Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

[16] Nemo turpitudinem suam allegare potest.

[17] Artigo 973 da Lei n. 10.406/2002, Código Civil.

[18] Artigo 222, caput, da Lei n. 6.404/1976.

[19] Artigo 146, I, do Decreto n. 3.000/1999.

[20] Artigo 246 e seguintes do Decreto n. 3.000/1999.

[21] Artigo 516 e seguintes do Decreto n. 3.000/1999.

[22] Artigo 12 e seguintes da Lei Complementar n. 123/2006.

[23] Art. 146. Cabe à lei complementar:

[…]

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

[…]

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o artigo 239.

[24] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

[25] Art. 3º  Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: (Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 2011)

I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e (Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 2011)

II – no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). (Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 2011)

[26] Art. 18-A […] § 1º  Para os efeitos desta Lei Complementar, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo. (Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 2011)

[27] Art. 91. Considera-se Microempreendedor Individual – MEI o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 2002, optante pelo Simples Nacional, que tenha auferido receita bruta acumulada nos anos-calendário anterior e em curso de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) e que: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18-A, § 1º e § 7º, inciso III)

I – exerça tão-somente as atividades constantes do Anexo XIII desta Resolução; (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18-A, §§ 4º-B e 17)

II – possua um único estabelecimento; (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18-A, § 4º, inciso II)

III – não participe de outra empresa como titular, sócio ou administrador; (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18-A, § 4º, inciso III)

IV – não contrate mais de um empregado, observado o disposto no art. 96. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 18-C)

[28] Artigo 980-A, § 5º, da Lei n. 10.406/2002, Código Civil.

Como citar e referenciar este artigo:
SCHLÖSSER, Gustavo Miranda; LUPI, André Lipp Pinto Basto. A empresa individual de responsabilidade limitada: aspectos societários, tributários e econômicos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/a-empresa-individual-de-responsabilidade-limitada-aspectos-societarios-tributarios-e-economicos/ Acesso em: 22 dez. 2024