Análise do texto do professor Gustavo Tepedino, titular de Direito Civil da UERJ
1) Introdução: vinte anos de renovação do direito civil: novas tendências
Contexto histórico:
- Evolução do direito civil brasileiro
- Redemocratização
- Constituinte de 1987
- Constituição Federal de 1988
Esse contexto histórico proporcionou uma reflexão crítica no âmbito do direito privado.
Revisitou-se então a metodologia do direito privado, mediante reconstrução se seus conceitos fundamentais:
- Pessoa humana
- Justiça social
- Fonte para produção intelectual
- Preocupação com a jurisprudência
O direito civil superou sua faceta patrimonialista e voltou-se para os valores constitucionais:
- Dignidade da pessoa humana
- Solidariedade social
- Igualdade substancial
- Valor social da livre iniciativa
Destaca-se também o I Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da cidade do Rio de Janeiro como encontro preocupado na busca de soluções
para os novos problemas que emergem na contemporaneidade.
Ao direito civil apresenta-se o desafio de incentivar os novos horizontes da ciência e tecnologia sem perder de vista, contudo, a promoção da
pessoa humana.
Ponto interessante, nessa emblemática, é o gradual aumento de hipóteses reparação admitidas pela jurisprudência.
As evoluções tecnológicas atingem hoje o direito civil de vários ângulos:
- Responsabilidade civil
- Tutela de personalidade
- Biodireito
- Direito das sucessões
- Direito contratual
Solucionar tais impasses está na competência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva.
Trata-se, em uma palavra, de estabelecer novos parâmetros para a definição de ordem pública, relendo o direito civil à luz da Constituição.
2) Complexidade e unitariedade do ordenamento
Como se vê, as novas temáticas do direito civil-constitucional associam-se à reflexão da tutela da pessoa humana.
É preciso compreender que a pluralidade das fontes do direito não caracteriza a segmentação do ordenamento jurídico, pois todas necessitam ser
traduzidas de uma forma unitária a partir da Constituição.
Com efeito, a Constituição exerce papel unificador do sistema, permitindo a harmonização da pluralidade de fontes normativas.
Fique claro que pluralidade de fontes é diferente de microssistemas dentro do ordenamento.
Com efeito, o ordenamento caracteriza-se por essa complexidade de fontes, dotadas de dinâmica própria, sensíveis às mudanças relevantes ocorridas na
sociedade, a denotar a abertura do sistema a múltiplos matizes culturais, informados por valores historicamente determinados, presentes no seio social.
Vale ressaltar que nessa pluralidade de fontes situa-se a discussão acerca da incorporação de tratados internacionais e supranacionais, a exemplo da
União Europeia e da América do Sul.
O autor faz menção ao equívoco da chamada “civilização do direito constitucional”.
Ele afirma que a visão unitária do ordenamento não caracteriza via de mão dupla, isto é, legislação inferior influenciando Constituição.
É via de mão única: a Constituição deve impregnar todo o ordenamento infraconstitucional com seus princípios e não deixar levar-se por noções
ultrapassadas adotadas de forma servil e acrítica.
O detalhamento que as regras hierarquicamente inferiores têm leva certos autores a lerem a norma constitucional à luz da norma infraconstitucional (e
não o contrário).
Tepedino chama essa técnica de oblíqua e intolerável do ponto de vista hermenêutico.
O intérprete não pode se deixar influenciar pela minúcia analítica de legislador infraconstitucional, supondo que tal detalhamento regulamentar
vincule mais do que cláusulas gerais veiculadoras de princípios hierárquicos superiores.
3) A tutela diferenciada das situações patrimoniais e existenciais
A pessoa humana é o centro do ordenamento, impedindo-se assim o tratamento diferenciado entre o interesses patrimoniais e os existenciais. Em
outras palavras, as situações patrimoniais devem ser funcionalizadas às existenciais.
Exemplo que o autor cita sobre a confusão de tais noções é a possibilidade de pessoa jurídica sofrer dano moral.
Tepedino diz que as pessoas jurídicas, especialmente as que desenvolvem atividade econômica, detêm apenas interesses patrimoniais.
Distinguir-se-ia, desse modo, nitidamente do dano moral, que se configura como o dano que atinge a dignidade da pessoa humana. Se as lesões atinentes
às pessoas jurídicas não atingirem diretamente as pessoas dos sócios ou acionistas não caracterizarão danos morais.
O Código Civil de 2002, em seu artigo 52, de maneira louvável, autorizou a utilização por empréstimo de técnica dos direitos da personalidade atinente
às pessoas físicas para as pessoas jurídicas no que couber, apesar de jamais ter equiparado estas duas figuras.
Problema semelhante associa-se a discussão em torno das relações de consumo.
O STJ, na corrente finalista, disse que consumidor é apenas o destinatário final econômico do bem ou serviço, ou seja, aquele que não o utilizará em
outra atividade empresarial.
A tutela prevista só pode ser invocada quando constatada a vulnerabilidade. A este respeito, sublinhou a Ministra Nancy Andrighi:
A necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC
nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo.
4) A reconstrução das categorias de direito privado na sociedade na legalidade constitucional
Um esforço na construção da nova dogmática é superar as noções antiquadas, fiéis à noção de subsunção e ao direito subjetivo tal qual concebido por
Savigny, e discutir com as lentes civilistas contemporâneas. Este cuidado é indispensável na formação de uma dogmática para o direito privado.
Em apego à visão voluntarista de direito subjetivo, amplamente criticada pelos civilistas modernos, imagina-se que a autonomia privada só passa ter
limites externos, sob pena de se reduzir a liberdade constitucionalmente garantida, como se a liberdade fosse o único princípio a que todos devessem
render homenagens.
Vivemos sob a égide de vários princípios, não um só.
Os civilistas, desde os anos 70, na Itália, entendem que a liberdade individual há de ser permanente e intrinsicamente ponderada, como princípios
fundamentais que se agregam às liberdades.
Cada princípio possui, com efeito, seu conteúdo inserido e definido no rol dos demais princípios constitucionais.
Professora Maria Celina Bodin de Moraes
Finalizando
A aplicação da norma pelo juiz ao caso concreto deve levar em conta, direta ou indiretamente, a Constituição da República, procurando aprimorar a
otimização dos princípios para a melhor legitimação da argumentação e, portanto, da própria decisão judicial;
A compatibilidade de fontes normativas (diálogo entre elas) se verifica através da harmonização axiológica no âmbito da unitariedade do ordenamento;
A busca da segurança jurídica deve ser feita através da coerência metodológica do processo de decisão judicial e da unicidade de critérios
interpretativos.
Gisele Witte
Acadêmica de Direito da UFSC
Estagiária no Tribunal de Justiça de Santa Catarina