Política

A realidade do mal

12/03/2011


“Lágrima segue-se às lágrimas”.

Goethe, no Fausto

Abrir os jornais de hoje foi um exercício
chocante. O destaque ficou por conta do grande terremoto no Japão, que gerou
imagens televisivas espetaculares de destruição em massa. Objetos e pessoas,
por maiores que fossem, pareciam brinquedos sendo esmagados diante dos
elementos em fúria. O fato de a ciência ter uma explicação razoável para o
fenômeno dos terremotos não alivia o pavor que a fragilidade humana sente
diante dessas grandes catástrofes. Ficamos novamente como os homens sempre
ficaram diante das tragédias dadas pelo mal natural: pasmos, contemplativos,
inquirindo no íntimo a razão de ser assim. Os homens sempre buscaram uma
filosofia do mal, necessariamente derivada da vivência de Deus, a realidade
suprema que o explica e dele redime os homens.

Ainda na mesma edição dos jornais de hoje
temos o relato de que continua o massacre dos cidadãos líbios. O mal aqui toma
a forma de mal político. Não é menos letal que omal natural, muito ao
contrário. As Grandes Guerras, os regimes nazista e comunista, os
totalitarismos de toda ordem têm sido mais impiedosos e assassinos do que
qualquer catástrofe natural. Basta comparar o número de vidas ontem
sacrificadas no Japão com aquelas que desapareceram na II Guerra Mundial. O mal
natural é brinquedo perto do mal político. No meio islâmico podemos ver hoje a
desgraça acontecer diante de nossos olhos. O impulso destrutivo ocorre não se
sabe bem a origem, mas nela está certamente a soberba, a ganância e o ímpeto de
dominação inerentes à condição humana.

No jornal O Estado de São Paulo tem hoje um
excelente artigo do cardeal-arcebispo Dom Odilo P. Scherer (Quanta violência!
Por quê?), no qual defende a tese da relativa inutilidade da repressão aos
crimes e maldades do cotidiano, sem que as pessoas não aceitem a lei moral no
seu íntimo. Nas suas palavras: “A conduta reta, ou o seu contrário, depende da
educação; virtude e vício têm mestres e currículos próprios. Valores e
princípios são ensinados e apreendidos; e a inteligência humana é capaz de
reconhecê-los, de distinguir entre o que é bom e o que é mau. Por sua vez, a
consciência pessoal e a vontade, quando bem esclarecidas e motivadas,
inclinam-se para o bem e rejeitam o mal.A lei exterior, por si, é constritiva,
porque vem acompanhada pela ameaça, não muito eficaz, do castigo e da pena.
Eficácia maior da lei é garantida pela adesão interna e livre ao valor
protegido por ela.”

O mais notável no artigo de Dom Odilo é o
relato que fez dos crimes comuns que foram destaques na nossa imprensa nos
últimos dias. O mal moral em ação.

A visão que o mundo moderno tornado agnóstico
construiu sobre o mal tomou forma com um terremoto, o de Lisboa, em 1755,
quando Goethe tinha apenas sete anos e ficou vivamente impressionado com o
fato. Aquela geração na Europa, que já questionava o Deus cristão e a doutrina
da Igreja sobre o mal no mundo, passou a percebê-lo de forma diversa, não
apenas contra os ensinamentos da Igreja, mas a cultuá-lo abertamente. O poema
Fausto, que será objeto de curso ministrado por mim (Cultura Sem Limites) no
próximo mês de maio, é o registro poético desse momento. Goethe elevou um canto
universal à nova visão do mal. Fez a crônica do seu tempo e a profecia do que
viria: o drama da Alemanha do século XX, que é o mesmo drama universal.

Ler os jornais de hoje obriga a meditar mais
profundamente sobre aquilo que, poeticamente, Goethe nos propôs no seu
magnífico Fausto.

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente
em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento,
escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

http://www.nivaldocordeiro.net/

Como citar e referenciar este artigo:
, Nivaldo Cordeiro. A realidade do mal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/politica/a-realidade-do-mal/ Acesso em: 29 jul. 2025