STF

Informativo nº 607 do STF

Informativo STF

Brasília, 1º a 5 de novembro de 2010 – Nº 607.


Este Informativo, elaborado a partir de notas
tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos
não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos
ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste
trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da
Justiça.

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SUMÁRIO


Plenário
CPI e convocação de magistrado
Repercussão Geral
Sociedades de economia mista e regime de precatórios –
1

Sociedades de economia mista e regime de precatórios –
2

Sociedades de economia mista e regime de precatórios –
3

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos
contraídos junto à Seguridade Social – 1

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos
contraídos junto à Seguridade Social – 2

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos
contraídos junto à Seguridade Social – 3

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos
contraídos junto à Seguridade Social – 4

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos
contraídos junto à Seguridade Social – 5

1ª Turma
2ª Turma
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
Delitos Societários – Acusação Genérica –
Inadmissibilidade (HC 105953 MC/SP)


PLENÁRIO

CPI e convocação de
magistrado


O Plenário deferiu, em parte, habeas corpus no qual questionada a convocação de
magistrado para prestar esclarecimentos perante Comissão Parlamentar de
Inquérito – CPI destinada a investigar a prática de delitos de pedofilia e a
relação desses com o crime organizado. A impetração aduzia que o requerimento
não teria indicado expressamente se o paciente seria ouvido na condição de
testemunha ou de investigado. Alegava, dentre outros, não caber à CPI convocar
magistrado para ser objeto de investigação quando em trâmite, pelos mesmos fatos,
inquérito perante o Poder Judiciário. Entendeu-se que esse argumento perdera o
objeto, porque o tribunal competente já teria afastado o paciente do cargo de
magistrado da Justiça do Trabalho. Entretanto, verificou-se que, no caso,
estaria demonstrado o fundado receio do paciente relativamente à possível
ofensa de garantias constitucionais. Assim, concedeu-se a ordem tão-somente
para que lhe seja assegurado: a) o direito de ser assistido por seu advogado e
de se comunicar com este durante a sua inquirição; b) a dispensa da assinatura
do termo de compromisso legal de testemunha; c) o exercício do seu direito ao
silêncio, incluído o privilégio contra a auto- incriminação, excluída a
possibilidade de ser submetido a qualquer medida privativa de liberdade ou
restritiva de direitos em razão do exercício de tais prerrogativas processuais.
Asseverou-se, ainda, que o paciente não estaria dispensado da obrigação de
comparecer perante a denominada “CPI da Pedofilia” na audiência pública a ser
designada oportunamente. Determinou-se, por fim, a expedição de salvo-conduto,
nesses termos, e a comunicação, com urgência, à autoridade coatora.
HC 100341/AM, rel. Min. Joaquim Barbosa, 4.11.2010.
(HC-100341)
Audio

REPERCUSSÃO GERAL

Sociedades de
economia mista e regime de precatórios – 1


O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se o
regime de precatórios se aplica, ou não, a sociedades de economia mista.
Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pelas Centrais
Elétricas do Norte do Brasil S/A – ELETRONORTE contra acórdão que reputara não
se aplicar o regime de execução dos precatórios às sociedades de economia
mista, por possuírem elas personalidade jurídica de direito privado e por não
se confundir o regime de execução com a impossibilidade de penhora de bens que
comprometam o fornecimento do serviço público. O Min. Ayres Britto, relator,
deu provimento ao recurso. Entendeu que, se as atividades genuinamente estatais
são protegidas com o regime especial do precatório, este deveria ser estendido
às empresas que prestam serviços públicos essenciais, não importando a natureza
jurídica delas, mas atividade estatal em si, titularizada pelo Estado, ponto
avançado do constitucionalismo social. Ao fazer remissão aos fundamentos de seu
voto no julgamento da AC 1947/DF e da AC 669/SP (DJU de 26.5.2006) e definir a
natureza jurídica do precatório, afirmou que a razão de ser do regime especial
de execução de dívidas seria a de responder à necessidade maior de impedir o
risco de uma súbita paralisia nas atividades de senhorio estatal (de domínio ou
titularidade estatal), das quais dependeriam a qualidade de vida e, até mesmo,
a sobrevivência física da população, atividades marcadas, por isso, pelo signo
da irrestrita continuidade.
RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010.
(RE-599628)
Audio

Sociedades de economia mista e regime de precatórios – 2


Em seguida, o Min. Ayres Britto observou que, no caso dos autos, tratar-se-ia
de prestadora de serviço público essencial que geraria e forneceria energia
elétrica para 9 Estados da região Norte, e que, apenas por modo formal, se
revestiria de sociedade de economia mista, tendo em vista que somente 0,77% do
respectivo capital não pertenceria ao setor público. Enfatizou que o art. 175
da CF abriria uma importante dicotomia, qual seja, setor público versus setor
privado. Esclareceu que, quando o Estado presta o serviço público, por órgão da
Administração Direta, por entidade da Administração Indireta, ou recorrendo às
suas empresas, ele mesmo é que se faria presente, seria o setor público. Assim,
o advérbio “diretamente”, constante desse dispositivo (“Art. 175. Incumbe ao
Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”), significaria
que o Estado prestaria o serviço por si mesmo, ou seja, sem recorrer ao setor
privado. Logo, a prestação de serviço por meio de empresa pública e sociedade
de economia mista seria prestação do serviço público pelo Estado mesmo, pelo
setor público diretamente. Por outro lado, disse que, quando o Estado entrega a
prestação de serviço público a empresa privada, fazendo-o mediante concessão ou
permissão, a atividade continuaria pública, porém prestada pelo setor privado.
Frisou que, ao propor a extensão da expressão Fazenda Pública para as empresas
públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público, isto é,
que não exploram atividade econômica, nada mais estaria fazendo que dizer que
tal expressão seria sinônima de setor público. Portanto, ela não alcançaria
somente as clássicas atividades liberais do Estado, mas também os serviços
públicos, notadamente os chamados essenciais, parte do constitucionalismo social,
e que, por isso, não poderiam sofrer descontinuidade, o que eventualmente
ocorreria se ao setor público, seu prestador, não fosse aplicado o regime
especial de execução.
RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010.
(RE-599628)
Audio

Sociedades de economia mista e regime de precatórios – 3


Por fim, reputou inconsistente o argumento de que o regime de precatórios não
poderia ser estendido às empresas públicas e sociedades de economia mista por
não disporem elas de orçamento público. Frisou que, à luz do § 5º do art. 165
da CF (“§ 5º – A lei orçamentária anual compreenderá: I – o orçamento fiscal
referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da
administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União,
direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a
voto; III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e
órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os
fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.”), a realidade
financeira de todas as empresas estatais seria apanhada pela lei orçamentária
da União. Explicou que, na prática, os orçamentos das empresas estatais ora
fariam parte diretamente do orçamento fiscal da lei orçamentária, ora seriam
aprovadas por decreto do Poder Executivo, isso de acordo com a classificação da
empresa como dependente, ou não, do regular aporte de recursos financeiros da
União. Registrou que a sistemática legal de pagamentos de débitos judiciais
pelas empresas estatais dependentes seria praticamente idêntica ao mecanismo do
precatório, ou seja, esses débitos seriam pagos por dotações constantes do
orçamento fiscal da União, assim como o seriam aqueles formalizados em
precatórios ou em requisições de pequeno valor. No que se refere às estatais
não dependentes, expôs que seus orçamentos seriam aprovados por Decreto
presidencial, nos termos do art. 107 da Lei 4.320/64, os quais seriam
consolidados e acompanhados pelo Departamento de Coordenação e Governança das
Empresas Estatais – DEST. Essa consolidação de informações
econômico-financeiras das empresas estatais, dispostas de modo sistematizado,
seria denominada Programa de Dispêndios Globais – PDG, instrumento de
planejamento paralelo ao orçamento de investimentos, previsto no inciso II do §
5º do art. 165 da CF. A execução do PDG de cada estatal não dependente seria
supervisionada pelo Ministério federal a que ela se vincula, que, no caso da
ELETRONORTE, seria o Ministério das Minas e Energia. Concluiu, portanto, que
haveria sim um orçamento a governar as estatais, previsto em lei e regulado por
ato normativo do Poder Executivo, que se vincularia ao orçamento público geral,
seja por sua relevância para a definição do chamado orçamento de investimento,
por sua importância para a geração de resultados econômicos da própria União,
e, ainda, pela indispensabilidade de controle da gestão dos bens e recursos
públicos sob responsabilidade dessas empresas. Mencionou, por fim, a previsão
expressa de precatórios para a Administração Pública Indireta, sem qualquer
limitação a autarquias ou fundações, feita pela EC 62/2009, ao acrescentar o
art. 97 ao ADCT. Após, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.
RE 599628/DF, rel. Min. Ayres Britto, 3.11.2010.
(RE-599628)
Audio

Responsabilidade de
sócios cotistas por débitos contraídos junto à Seguridade Social – 1


É inconstitucional o art. 13 da Lei 8.620/93, na parte em que estabeleceu que
os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem
solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade
Social. Essa a conclusão do Plenário ao manter acórdão que declarara
inconstitucional o referido dispositivo por ofensa ao art. 146, III, b, da CF.
Preliminarmente, ressaltou-se que a revogação do citado preceito pela Medida
Provisória 449/2008, convertida na Lei 11.941/2009, não impediria o julgamento,
em razão de não se estar no âmbito do controle direto de constitucionalidade,
mas do controle difuso. Acrescentou-se o fato de o dispositivo impugnado ter
vigorado por quase 16 anos e a existência de milhares de feitos aguardando o
pronunciamento definitivo do Supremo sobre a matéria. No mérito, salientou-se,
de início, inexistir dúvida quanto à submissão das contribuições de seguridade
social, por terem natureza tributária, às normas gerais de direito tributário,
as quais reservadas, pelo art. 146, III, b, da CF, à lei complementar.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010.
(RE-562276)
Audio

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à
Seguridade Social – 2


Na seqüência, afirmou-se ser necessário verificar se a matéria relacionada à
responsabilidade tributária estaria contida na relação das normas gerais.
Ressaltou-se que o art. 146, III, b, da CF, ao se referir a obrigação,
lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários, teria apresentado
relação meramente exemplificativa, que se somaria aos conteúdos indicados nas
outras alíneas desse inciso e a tudo o que se poderia entender alcançado pelo
conceito de norma geral em matéria de legislação tributária. Salientou-se que
as normas gerais orientariam o exercício da tributação, sendo passíveis de
aplicação por todos os entes tributantes e que o Código Tributário Nacional –
CTN teria sido recepcionado pela CF/88 com nível de lei complementar por
apresentar normas que cumpririam essa função. Considerou-se que a definição dos
traços essenciais da figura da responsabilidade tributária, como o de exigir
previsão legal específica e, necessariamente, vínculo do terceiro com o fato
gerador do tributo, estaria incluída no rol das normas gerais de direito
tributário que orientam todos os entes políticos. Aduziu-se que, do mesmo modo,
a previsão de regras matrizes de responsabilidade tributária aplicáveis à
generalidade dos tributos também se encontraria no âmbito das normas gerais,
assegurando uniformidade de tratamento dos terceiros perante o Fisco.
Assentou-se ser adequado reconhecer caráter de normas gerais aos dispositivos do
CTN que tratam da responsabilidade tributária, sem prejuízo da permissão de que
o legislador preveja outros casos específicos de responsabilidade, nos termos
do art. 128 do CTN. Reputou-se, então, correto conferir ao art. 135 do CTN
(“São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações
tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo
anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores,
gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”) o nível
de lei complementar por disciplinar matéria abrangida pelo art. 146, III, da
CF.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010.
(RE-562276)
Audio

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à
Seguridade Social – 3


Frisou-se, ademais, ser essencial à compreensão do instituto da
responsabilidade tributária a noção de que a obrigação do terceiro, de
responder por dívida originariamente do contribuinte, jamais decorreria direta
e automaticamente da pura e simples ocorrência do fato gerador do tributo.
Registrou-se que do fato gerador só surgiria a obrigação direta do
contribuinte, visto que cada pessoa seria sujeito de direitos e obrigações
próprios e o dever fundamental de pagar tributos estaria associado às revelações
de capacidade contributiva a que a lei vinculasse o surgimento da obrigação do
contribuinte. Nesse sentido, a relação contributiva dar-se-ia exclusivamente
entre o Estado e o contribuinte em face da revelação da capacidade contributiva
deste, sendo que o terceiro apenas poderia ser chamado a responder na hipótese
de descumprimento de deveres de colaboração para com o Fisco, deveres estes
seus, próprios, e que tivessem repercutido na ocorrência do fato gerador, no
descumprimento da obrigação pelo contribuinte ou em um óbice à fiscalização
pela Administração tributária. Assinalou-se que a referência ao responsável
enquanto terceiro evidenciaria, justamente, que não participaria da relação
contributiva, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária,
inconfundível com aquela. Portanto, a referência do art. 121 do CTN ao
contribuinte e ao responsável como sujeitos passivos da obrigação tributária
principal deveria ser compreendida no sentido de serem eles sujeitos passivos
de relações jurídicas distintas, com suporte em previsões legais e pressupostos
de fato específicos.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010.
(RE-562276)
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Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à
Seguridade Social – 4


Asseverou-se que o art. 135, III, do CTN constituiria uma regra matriz de
responsabilidade tributária que não se confundiria com a regra matriz de
incidência de qualquer tributo, que possuiria estrutura própria, e partiria de
um pressuposto de fato específico, sem o qual não haveria espaço para a
atribuição de responsabilidade. O caráter geral desse dispositivo viabilizaria
aplicação relativamente aos diversos tributos. Referido pressuposto de fato ou
hipótese de incidência da norma de responsabilidade seria a prática de atos,
por quem estivesse na gestão ou representação da sociedade, com excesso de
poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos e que tivessem implicado,
se não o surgimento, ao menos o inadimplemento de obrigações tributárias.
Destacou-se jurisprudência no sentido de que tais ilícitos, passíveis de serem
praticados pelos sócios com poderes de gestão, não se confundiriam com o
simples inadimplemento de tributos por força do risco do negócio, isto é, com o
atraso no pagamento dos tributos, incapaz de fazer com que os diretores,
gerentes ou representantes respondessem, com seu próprio patrimônio, por dívida
da sociedade. Seria necessário, para tanto, um ilícito qualificado, do qual
decorresse a obrigação ou seu inadimplemento. A regra matriz de
responsabilidade do art. 135, III, do CTN, portanto, responsabilizaria aquele
que estivesse na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e
atuasse em excesso ou abuso de poder, de forma a qualificar um ilícito, o que
resultaria no dever de responder pelo tributo devido pela sociedade. Tendo isso
conta, entendeu-se que o art. 13 da Lei 8.620/93, ao vincular à simples
condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da
sociedade limitada perante a Seguridade Social, teria estabelecido exceção
desautorizada à norma geral de direito tributário consubstanciada no art. 135,
III, do CTN, o que demonstraria a invasão da esfera reservada à lei
complementar pelo art. 146, III, da CF. Afastou-se, em seguida, o argumento da
União segundo o qual o art. 13 da Lei 8.620/93 estaria amparado pelo art. 124,
II, do CTN, dado que este, que prevê que são solidariamente obrigadas as
pessoas expressamente designadas por lei, não autorizaria o legislador a criar
novos casos de responsabilidade tributária sem observância dos requisitos
exigidos pelo art. 128 do CTN, nem a desconsiderar as regras matrizes de
responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral pelos artigos 134
e 135 do mesmo diploma legal.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010.
(RE-562276)
Audio

Responsabilidade de sócios cotistas por débitos contraídos junto à
Seguridade Social – 5


Enfatizou-se, ainda, que a solidariedade estabelecida pelo art. 13 da Lei
8.620/93 também se revestiria de inconstitucionalidade material, porquanto não
seria dado ao legislador estabelecer simples confusão entre os patrimônios de
pessoa física e jurídica, mesmo que para fins de garantia dos débitos da
sociedade perante a Seguridade Social. Asseverou-se que a censurada confusão
patrimonial não poderia decorrer de interpretação do art. 135, III, c, da CF,
nem ser estabelecida por nenhum outro dispositivo legal, haja vista que impor
confusão entre os patrimônios da pessoa jurídica e da pessoa física no bojo de
sociedade em que, por definição, a responsabilidade dos sócios é limitada,
comprometeria um dos fundamentos do Direito de Empresa, consubstanciado na garantia
constitucional da livre iniciativa. Afirmou-se que a garantia dos credores,
frente ao risco da atividade empresarial, estaria no capital e no patrimônio
sociais, e que seria tão relevante a delimitação da responsabilidade no
regramento dos diversos tipos de sociedades empresárias que o Código Civil de
2002 a teria disciplinado no primeiro capítulo destinado a cada qual.
Reconheceu-se tratar-se de dispositivo de lei ordinária, mas que regularia a
limitação do risco da atividade empresarial, inerente à garantia de livre
iniciativa. Concluiu-se que a submissão do patrimônio pessoal do sócio de
sociedade limitada à satisfação dos débitos da sociedade para com a Seguridade
Social, independentemente de ele exercer, ou não, a gerência e de cometer, ou
não, qualquer infração, tolheria, de forma excessiva, a iniciativa privada, de
modo a descaracterizar essa espécie societária, em afronta aos artigos 5º,
XIII, e 170, parágrafo único, da CF. Os Ministros Ayres Britto, Dias Toffoli e
Gilmar Mendes reconheceram apenas o vício formal da norma em questão.
Aplicou-se, ainda, o art. 543-B do CPC a todos os processos sobrestados.
RE 562276/PR, rel. Min. Ellen Gracie, 3.11.2010.
(RE-562276)
Audio

1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo
3ª parte Vídeo

PRIMEIRA TURMA

Não houve sessão ordinária da 1ª Turma em 2.11.2010.

SEGUNDA TURMA

Não houve sessão ordinária da 2ª Turma em 2.11.2010.

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

3.11.2010

4.11.2010

29


Turma


Turma



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L


DJe de 5 de novembro de 2010

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 630.137-RS
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DESTINADA AO CUSTEIO DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL. IMUNIDADE CONCEDIDA NA HIPÓTESE DE ACOMETIMENTO DO SERVIDOR
PÚBLICO POR DOENÇA INCAPACITANTE.
ACÓRDÃO-RECORRIDO QUE ENTENDE SER A NORMA DE IMUNIDADE PLENAMENTE APLICÁVEL.
AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR. TOMADA DE EMPRÉSTIMO DE LEGISLAÇÃO LOCAL
DEFINIDORA DAS DOENÇAS QUE PERMITEM A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL.
REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS. EXISTÊNCIA.
Tem repercussão geral a discussão acerca da:
1. Eficácia da norma de imunização tributária prevista no art. 40, § 21 da
Constituição (EC 47/2005), se plena (independente de intermediação por lei
federal ou lei local), limitada (dependente de intermediação por lei federal ou
lei local) ou contextual (em razão do transcurso do tempo, caracterizado pela
omissão legislativa); e da
2 Possibilidade de o Judiciário utilizar as hipóteses estabelecidas em lei
local específica para os casos de aposentação especial (Lei 10.098/1994) para o
reconhecimento da imunidade tributária (separação dos Poderes).

Decisões Publicadas: 1


C L I P P I N G  D O  DJ


3 a 5 de novembro de 2010

EXTRADIÇÃO N. 1.167- REPÚBLICA ARGENTINA
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: EXTRADIÇÃO. REPÚBLICA ARGENTINA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. TRATADO DE
EXTRADIÇÃO. REQUISITOS OBSERVADOS. PEDIDO DEFERIDO.
Satisfeitos os requisitos previstos na Lei 6.815/1980, bem como no Tratado de
Extradição firmado entre Brasil e Argentina e, ainda, no Acordo de Extradição
celebrado entre os Estados Partes do Mercosul, impõe-se o deferimento do pedido
de extradição formulado pelo Estado requerente.
Não há espaço no processo de extradição para a discussão da alegação de que os
fatos imputados ao extraditando não teriam ocorrido da forma como expostos pelo
Estado requerente, assim como também não impede a extradição a assertiva de que
o estrangeiro não teria criado qualquer embaraço à Justiça argentina ou à sua
prisão.
O extraditando não trouxe aos autos qualquer elemento de convicção a confirmar
a afirmação de que ele estaria seriamente doente, não obstante o fato de ele
ter sido, por duas vezes, instado a fazê-lo.
Extradição deferida.

RE N. 564.413-SC
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
IMUNIDADE – CAPACIDADE ATIVA TRIBUTÁRIA. A imunidade encerra exceção
constitucional à capacidade ativa tributária, cabendo interpretar os preceitos
regedores de forma estrita.
IMUNIDADE – EXPORTAÇÃO – RECEITA – LUCRO. A imunidade prevista no inciso I do §
2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas
exportadoras.
LUCRO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – EMPRESAS EXPORTADORAS.
Incide no lucro das empresas exportadoras a Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido.
*noticiado no Informativo 595

HC N. 101.981-SP
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
EMENTA: Habeas corpus. Constitucional. Processual penal. Excesso de prazo.
Superveniência de sentença de pronúncia. Prisão mantida por novo fundamento.
Novo título prisional. Habeas corpus prejudicado. Decreto fundado na gravidade
abstrata do delito e na consequente periculosidade presumida do réu.
Inadmissibilidade. Fuga posterior do réu do distrito da culpa. Fato
irrelevante. Precedentes. Constrangimento ilegal caracterizado. HC concedido de
ofício.
1. A superveniência de sentença de pronúncia com novo fundamento para a
manutenção da prisão cautelar constitui novo título prisional, portanto,
diverso da prisão preventiva. Prejuízo da presente impetração.
2. É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na gravidade abstrata
do delito e na consequente periculosidade presumida do réu. Ademais, em
situações excepcionalíssimas, é legitima a fuga do réu para impedir prisão
preventiva que considere ilegal.
3. Habeas corpus prejudicado. Ordem concedida de ofício.
* noticiado no Informativo 596

HC N. 94.441-RS
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. CABIMENTO CONTRA DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO E DE
DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL: IMPROCEDÊNCIA. FIXAÇÃO DA PENA AQUÉM
DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DE ATENUANTE GENÉRICA: IMPOSSIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA
ORDEM.
1. O cabimento do recurso especial é questão que se esgota no âmbito da
jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, sendo inadmissível a sua revisão em
recurso extraordinário, que se limita às questões constitucionais decididas em
única ou última instância. Precedentes. A situação é diversa, contudo, quando
se trata de habeas corpus que, tendo âmbito de cognição mais abrangente,
permite rever questões jurídicas decididas contra o réu no julgamento do
recurso especial, ainda que fundado em dissídio jurisprudencial. Precedentes.
2. A ementa do acórdão paradigma pode servir de demonstração da divergência,
quando nela se expresse inequivocadamente a dissonância sobre a questão federal
objeto do recurso especial fundado no art. 105, inc. III, alínea “c”, da
Constituição da República. Precedentes. Esse entendimento é de se aplicar ao
recurso especial que invoca verbete da Súmula da jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça e de cujo teor se extrai, de forma inequívoca, a
dissidência jurisprudencial.
3. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que,
ao contrário do que ocorre com as causas de diminuição, as circunstâncias
atenuantes não podem reduzir a pena aquém do mínimo legal. Precedentes.
4. Ordem denegada.

HC N. 103.824-RS
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS.
ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.
LASTRO FACTUAL IDÔNEO. QUADRO EMPÍRICO DA CAUSA. ORDEM INDEFERIDA.
1. A dosimetria da pena exige do julgador uma cuidadosa ponderação dos efeitos
ético-sociais da sanção e das garantias constitucionais, especialmente a
garantia da individualização do castigo.
2. Em matéria penal, a necessidade de fundamentação das decisões judiciais,
penhor de status civilizatório dos povos, tem na fixação da pena um dos seus
momentos culminantes.
3. Não há ilegalidade ou abuso de poder se, no trajeto da aplicação da pena, o
julgador explicita, coerentemente, os motivos de sua decisão. O inconformismo
da impetrante com a impossibilidade de substituição da reprimenda não é
suficiente para indicar a evidente falta de motivação ou de congruência dos
fundamentos da pena afinal fixada.
4. O quadro empírico da causa impede a imediata substituição da pena privativa
de liberdade por pena restritiva de direitos. Isso porque o paciente não
preenche o requisito subjetivo de que trata o art. 44 do Código Penal.
Inexistência de afronta às garantias constitucionais da individualização da
pena e da fundamentação das decisões judiciais (inciso XLVI do art. 5º e inciso
IX do art. 93 da CF).
5. Ordem denegada.

Acórdãos Publicados: 129


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma
compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço
trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial
o interesse da comunidade jurídica.

Delitos Societários – Acusação Genérica –
Inadmissibilidade (Transcrições)

(HC 105953 MC/SP)*

RELATOR: Min. Celso de Mello


EMENTA: CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. IMPUTAÇÃO PENAL DEDUZIDA CONTRA SÓCIOS
DA EMPRESA. ACUSAÇÃO QUE DEVE NARRAR, DE MODO INDIVIDUALIZADO, A CONDUTA
ESPECÍFICA QUE VINCULA CADA SÓCIO AO EVENTO SUPOSTAMENTE DELITUOSO. A QUESTÃO
DOS DELITOS SOCIETÁRIOS E A INADMISSÍVEL FORMULAÇÃO DE ACUSAÇÕES GENÉRICAS.
OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
– A invocação da condição de sócio e/ou de administrador de organização
empresarial, sem a correspondente e individualizada descrição de determinada
conduta típica que os vincule, de modo concreto, ao evento alegadamente
delituoso, não se revela fator suficiente apto a justificar, nos delitos
societários, a formulação de acusação estatal genérica ou a prolação de
sentença penal condenatória. Precedentes (STF).

DECISÃO: O E. Superior Tribunal de Justiça, ao denegar a ordem de “habeas
corpus” impetrada em favor dos ora pacientes, reconheceu o acerto do acórdão
emanado do E. TRF/3ª Região, no ponto em que a Corte regional enfatizou que
“(…) o fato de a denúncia imputar a todos os co-réus, sócios da mesma
empresa, idêntica conduta, não o fazendo de forma individualizada, não a torna
inepta”, pois, “(…) tratando-se de crime societário, como o do artigo 1º da
Lei 8.137/90, não se pode exigir que o órgão de acusação tenha, no momento de
oferecimento da denúncia, condições de individualizar a conduta de cada co-réu,
eis que tal participação somente será delineada ao cabo da instrução criminal”,
motivo pelo qual “(…) a jurisprudência tem admitido, nos crimes societários,
a mitigação dos requisitos da inicial acusatória, não se impondo a narração
pormenorizada da conduta de cada um dos agentes (…)”(grifei).
A presente impetração, ao sustentar a ocorrência de injusto constrangimento ao
“status libertatis” dos ora pacientes, apóia-se na alegação de inépcia formal
da denúncia e de transgressão, por parte do Ministério Público, às garantias
constitucionais que asseguram, a qualquer pessoa sob persecução penal do
Estado, a plenitude do direito de defesa e a presunção de inocência, eis que,
quanto a esta prerrogativa, incumbe, a quem acusa, o ônus de provar, para além
de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do agente.
Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de tutela cautelar ora
deduzido nesta sede processual.
Tenho enfatizado, em diversos julgamentos proferidos no Supremo Tribunal
Federal, que a denúncia deve descrever, de modo objetivo e individualizado, a
conduta delituosa atribuída aos sócios e/ou administradores das empresas.
Mesmo que se trate do denominado “reato societario”, a participação individual
de cada sócio (ou administrador) na suposta prática delituosa, alegadamente
cometida por intermédio de organização empresarial, há de resultar de narração
individualizada contida na peça acusatória (RTJ 163/268-269 – RTJ 165/877-878).
É que não basta, para satisfazer-se a exigência constitucional do devido
processo legal, que o Ministério Público, ao deduzir imputação penal contra
alguém, descreva-lhe, de modo genérico, a respectiva conduta, sob o argumento
de que a responsabilidade do acusado, na prática de delitos societários,
resulta do fato de ostentar a condição de sócio, de administrador ou de
representante da empresa (RTJ 163/268-269, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem advertido que a circunstância de
alguém meramente ostentar a condição de sócio ou de dirigente de uma empresa
não pode justificar, só por si, a formulação, pelo Estado, de qualquer juízo
acusatório fundado numa inaceitável presunção de culpa:

“SÓCIA QUOTISTA MINORITÁRIA QUE NÃO EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS – NECESSIDADE DE
DESCRIÇÃO DE DETERMINADO COMPORTAMENTO TÍPICO QUE VINCULE O SÓCIO AO RESULTADO
CRIMINOSO.
…………………………………………………
A mera invocação da condição de quotista, sem a correspondente e objetiva
descrição de determinado comportamento típico que vincule o sócio ao resultado
criminoso, não constitui, nos delitos societários, fator suficiente apto a
legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto
judicial condenatório.”
(HC 89.427/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

A formulação de acusações genéricas, em delitos societários, culmina por
consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com
todas as gravíssimas conseqüências que daí podem resultar, consoante adverte,
em precisa abordagem do tema, o ilustre Advogado paulista Dr. RONALDO AUGUSTO
BRETAS MARZAGÃO (“Denúncias Genéricas em Crime de Sonegação Fiscal”, “in”
Justiça e Democracia, vol. 1/207-211, 210-211, 1996, RT):

“Se há compromisso da lei com a culpabilidade, não se admite responsabilidade
objetiva, decorrente da imputação genérica, que não permite ao acusado conhecer
se houve e qual a medida da sua participação no fato, para poder se defender.
Desconhecendo o teor preciso da acusação, o defensor não terá como orientar o
interrogatório, a defesa prévia e o requerimento de provas, bem assim não terá
como avaliar eventual colidência de defesas entre a do seu constituinte e a do
co-réu. O acusado será obrigado a fazer prova negativa de que não praticou o
crime, assumindo o ônus da prova que é do Ministério Público, tendo em vista o
princípio constitucional da presunção de inocência.
A denúncia genérica, nos crimes de sonegação fiscal, impossibilita a ampla
defesa e, por isso, não pode ser admitida.” (grifei).

Daí a objeção exposta pelo saudoso Ministro ASSIS TOLEDO, para quem “Ser
acionista ou membro do conselho consultivo da empresa não é crime. Logo, a
invocação dessa condição, sem a descrição de condutas específicas que vinculem
cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar a denúncia” (RT
715/526 – grifei).
Vale ressaltar que esse entendimento tem merecido o beneplácito da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (HC 80.549/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – HC 85.948/PA, Rel.
Min.AYRES BRITTO – RHC 85.658/ES, Rel.
Min. CEZAR PELUSO –
HC 89.427/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“‘HABEAS CORPUS’ – CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL –
RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA – LEI Nº 7.492/86 (ART. 17) – DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO
ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AOS DIRETORES DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA –
INEXISTÊNCIA, OUTROSSIM, DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS QUE VINCULEM OS PACIENTES
AO EVENTO DELITUOSO – INÉPCIA DA DENÚNCIA – PEDIDO DEFERIDO.
PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO – OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA
JURIDICAMENTE APTA.
– O sistema jurídico vigente no Brasil – tendo presente a natureza dialógica do
processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter
essencialmente democrático – impõe, ao Ministério Público, notadamente no
denominado ‘reato societario’, a obrigação de expor, na denúncia, de maneira
precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta
prática delituosa.
– O ordenamento positivo brasileiro – cujos fundamentos repousam, dentre outros
expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no
postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do
‘due process of law’ (com todos os consectários que dele resultam) – repudia as
imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que
não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal
atribuída ao denunciado. Precedentes.
A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM
DENÚNCIA INEPTA.
– A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua
essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa
narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do
postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do
direito de defesa. Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da
conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como
denúncia inepta. Precedentes.
DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO
DESCREVE, QUANTO AOS DIRETORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA
ESPECÍFICA QUE OS VINCULE, CONCRETAMENTE, AOS EVENTOS DELITUOSOS – INÉPCIA DA
DENÚNCIA.
– A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição
financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado
comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não
constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou
a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.
– A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de
administração em instituição financeira não se revela suficiente, só por si,
para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema
jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa
particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal.
– Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de
práticas configuradoras de macrodelinqüência ou caracterizadoras de
delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da
responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como
princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa
(‘nullum crimen sine culpa’), absolutamente incompatível com a velha concepção
medieval do ‘versari in re illicita’, banida do domínio do direito penal da
culpa. Precedentes.
AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE,
EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA.
– Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a
sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma
inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado.
Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em
dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou,
para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a
obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de
20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.
– Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se
indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos
estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se
devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar
que é inocente.
– Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo
constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples
presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu.
Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem
qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por
presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.”
(HC 84.580/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“1. ‘Habeas Corpus’. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei no 7.492,
de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da denúncia, por ausência de
indicação da conduta individualizada dos acusados. 3. Mudança de orientação
jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a
denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a
indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da
sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos.
Precedentes: HC nº 86.294-SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de
03.02.2006; HC nº 85.579-MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de
24.05.2005; HC nº 80.812-PA, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o
acórdão, DJ de 05.03.2004; HC nº 73.903-CE, 2ª Turma, unânime, Rel. Min.
Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC nº 74.791-RJ, 1ª Turma, unânime, Rel.
Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 4. Necessidade de individualização das
respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devido
processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º,
LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Precedentes: HC nº
73.590-SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC
nº 70.763-DF, 1ª Turma,unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 6.
No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado
e suficiente, a conduta do paciente. 7. ‘Habeas corpus’ deferido.”
(HC 86.879/SP, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES -grifei)

“1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos típicos que
teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos descritos.
Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias
constitucionais do devido processo legal (‘due process of law’). Nulidade
absoluta e insanável. Superveniência da sentença condenatória. Irrelevância.
Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação do
art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de
narração deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos
poderes da defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da
sentença condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão.
2. AÇÃO PENAL. Delitos contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos
societários. Tipos previstos nos arts. 21, § único, e 22, ‘caput’, da Lei
7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a descrição de comportamentos
típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador
de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas jurídicas. Caso de
responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir
da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da ordem ao
co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18, 20
e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos.
No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito ‘crime
societário’, é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento
típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou
administrador de empresa.”
(HC 83.301/RS, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO -grifei)

“‘HABEAS CORPUS’. DENÚNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO PREENCHIDOS.
1 – A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido
reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao
direito de defesa. Precedentes.
2 – Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação,
não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.
3 – Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber
os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo.
Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas
ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.
4 – Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.”
(RTJ 195/126, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)

Essa, portanto, é a orientação que tem prevalecido, nesta Suprema Corte, em
tema de persecução penal instaurada por suposta prática de delitos societários.
Cabe verificar, nesta fase, em juízo de sumária cognição, se a denúncia
oferecida contra os ora pacientes satisfaz, ou não, os critérios que a
jurisprudência constitucional desta Corte consagrou no tema em causa.
Tenho para mim, em juízo de estrita delibação, que a peça acusatória em
questão, considerados os termos dela constantes, não se mostra, aparentemente,
em harmonia com referida diretriz jurisprudencial.
Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida
liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente
ação de “habeas corpus”, o curso do Processo-crime nº 2005.61.19.006525-3,
instaurado, contra os ora pacientes, perante a 2ª Vara Federal da 19ª Subseção
Judiciária do Estado de São Paulo (Guarulhos).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da
presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 148.979/SP), ao E.
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (HC 2009.03.00.017540-8/SP) e ao Senhor
Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Guarulhos/SP (Processo-crime nº
2005.61.19.006525-3).
Publique-se.
Brasília, 05 de novembro de 2010.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 11.11.2010

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Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 607 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-607-do-stf/ Acesso em: 21 nov. 2024
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