Diário de Estagiário

Um guia para uma boa peça – capítulo 1

 

Não restam dúvidas que em qualquer lugar do mundo a principal ferramenta de trabalho dos operadores do Direito é a comunicação, seja na oralidade da common law ou na predominância da escrita do direito estatutário. Por mais que haja a sustentação oral no ordenamento brasileiro – algo que pode de fato mudar as vias de uma ação –, é a peça escrita a engrenagem central de qualquer litígio judicial.

 

Nesse sentido resolvi fazer um leve guia cuja intenção é conduzi-los a uma boa peça. Não me entendam mal, ainda sou um estagiário e evidentemente não tenho a pretensão de dizer a nenhum colega como fazer o seu trabalho, nem me acho mais qualificado que ninguém, longe de mim. Na realidade o que exponho aqui é o resultado do que leio todos os dias em gabinete, assim como das conversas com magistrados e assessores e as experiências próprias desse tempo gasto com inúmeros cadernos processuais que inundam o judiciário.

 

Portanto, como disse, isto deve ser encarado como uma série de dicas vindas de quem lida com as peças e deve dar resolução ao que elas apresentam.

 

Antes de mais nada, a primeira dica não é sequer uma preliminar, mas uma “previedade”. Quando cogitamos nos postar em frente ao teclado e colocar as ideias em ação devemos pensar dessa forma: se vamos escrever uma peça, estaremos escrevendo para uma criança de dez anos.

 

Certo, eu entendo que acabei de me chamar de criança já que integro o grupo dos que leem, mas a intenção é clara. Quantas vezes não escrevemos um e-mail, mandamos um SMS ou mesmo falamos algo que nos parecia claro como água e não é entendido pelo receptor? Evidente que para nós não restou dúvida quando passamos a mensagem, mas como vamos saber o modo de raciocínio da pessoa que além de recebê-la terá de interpretá-la e convertê-la em ação?

 

Não consigo contar quantas vezes estava “compulsando os autos” (acho horrorosa essa expressão) e não consegui entender nadica de nada do que o advogado escreveu. Imagino que pra ele eu deva ser um tanto retardado: “Como não entendeu?!”. Mas a realidade é que… eu não entendi! E não são só peças das partes, mas termos de audiências; sentenças; acórdãos e muitos outros! Sim, estou botando a culpa na redação do indivíduo.

 

Não há como descrever o quão prejudicado resta o caso para a parte que não consegue transmitir a mensagem. Imagine-se falando com um menininho, ele olhando você com aquela cara de poodle, torcendo a cabeça para o lado. É assim que eu olhava a peça. Resultado? Saiu perdendo, porque não só o “estagiário burro”, mas também a assessora e a juíza não entenderam. Será que o sujeito se deu mal?

 

Assim, a base para escrever qualquer peça, seja a importantíssima petição inicial, um recurso extraordinário ou mesmo uma petição intercorrente é pensar que se está escrevendo para uma criança. Se tiver de desenhar, desenhe; se quiser comparar duas coisas ou mais, faça uma tabelinha… que seja! Um dos primeiros processos que analisei quando comecei a estagiar tinha uma tabela confrontando a versão apresentada pela polícia e a pelas testemunhas. Achei engraçado na hora, mas hoje vejo que é um recurso valiosíssimo.

 

Portanto, lembre-se: pense sempre que quem vai ler o que você escreveu é uma criança – e não muito esperta. Facilitará muito a sua vida.

Como citar e referenciar este artigo:
BELLI, Marcel. Um guia para uma boa peça – capítulo 1. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/colunas/diario-de-estagiario/um-guia-para-uma-boa-peca-capitulo-1/ Acesso em: 22 nov. 2024