Direito Civil

A Evolução Genética e a Vocação Hereditária

O presente artigo está sendo apresentado como exigência da disciplina “Direito de Sucessões”, ministrada pelo Prof. João B. Araujo, Docente na Universidade de Ribeirão Preto.

 

I – Introdução

 

Na matéria sucessória temos que o artigo 1798 do Código Civil determina quem tem a vocação hereditária para suceder o de cujus, no entanto, uma problemática surge à luz da evolução na técnica de reprodução e genética laboratorial. O que fazer com os filhos que surgiram por ventura de inseminação artificial após a abertura da sucessão? Quais os direitos hereditários dos mesmos?

 

A questão é ampla e polêmica.  Em matéria sistemática de direito de família tem-se o artigo 1597 do CC determinando o seguinte:

 

“Art. 1597- presumem-se concebidos na Constancia do casamento, sendo, assim, presumidamente, filhos do marido e seus herdeiros: II- os nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;…”. (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo. Editora Sairava. 35ª Edição 2003, pag. 345).

 

Ora, nesta via então, a matéria do próprio Código Civil entende que os filhos provenientes após a morte do autor da herança serão legítimos e serão presumidamente do autor.

 

A discussão pode chegar a parâmetros éticos como por exemplos o furto de sêmen, ou até a inseminação por banco de sêmens no que até o presente momento não se tinha ciência. No entanto, este não é o tema central deste estudo, mas sim, a questão da evolução hermenêutica do tema na sociedade contemporânea.

 

II- Problemática

 

Muitas teorias foram apresentadas quanto o problema em questão algumas das quais merecem destaque. No entanto, o tema já esta pacificado nos Tribunais de Justiça e Doutrinas de maiores conceitos, o que não nos impede de aproveitar do senso crítico para analisar a adequação do tema em questão.

 

Primeiramente, surge a luz da interpretação que a sistemática do Código Civil deve ser interpretada como um todo, ou seja, as matérias estão subdivididas meramente para facilitar a sistemática de estudo e uso das matérias no cotidiano. Assim, nesta via de luz, tem-se que a interpretação do CC deve ser de forma a entender que o artigo 1597 (citado supra) deve se correlacionar com o artigo 1798 do codex, no entanto, entende-se que mediante situações como a possível concepção de um filho após a morte do autor da herança não deve obstar ou barrar que o mesmo possua direito sucessórios conforme a teoria apresentada. Desta forma, mesmo que no momento da abertura da sucessão o herdeiro legítimo não tenha surgido, o seu direito ficaria resguardado para eventual partilha no futuro.

 

Já em outra mão, também se tem entendido que diante do surgimento do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a igualdade entre os filhos é preservada, nesta linha, não se poderia discriminar nem mesmo barrar o direito sucessório de filho com nascimento tardio por ser norma de eficácia plena constitucional. Assim, entende-se que o possível surgimento de herdeiro proveniente de inseminação artificial após a abertura da sucessão faria com que o instituto normativo regulamentado pelo artigo 1798 do CC viesse a se tornar inconstitucional por trazer, a luz de direito, discriminação de um dos filhos quanto aos outros por razão de não ser o mesmo nascido na época da sucessão.

 

Por fim, a teoria aceita e consagrada de que mesmo que a previsão de presunção de paternidade quanto ao filho proveniente de inseminação artificial seja prevista no capitulo de Direito de Família, em seu artigo 1597, não gera entendimento contrário ao previsto no artigo 1798 do CC pois, a sucessão hereditária possui os princípios que a regem de forma especial, exemplo o principio da coexistência, segundo Carlos Maximiliano: “Herdar é adquirir a propriedade do espólio. Ora o nada não pode adquirir. A sucessão transmite-se no momento da morte; logo nesse momento é preciso haver sucessor, coexistirem hereditando e herdeiro, testador e legatário”[1], bem como, o artigo na matéria de sucessões é taxativo ao determinar aqueles que tem a vocação hereditária. Portanto, a interpretação de forma a abranger outros possíveis herdeiros com vocação hereditária para o recebimento da herança, seria no todo um entendimento errôneo do próprio artigo do Código Civil.

 

III- Fundamentos

 

A fundamentação da teoria adotada vem no sentido de que o direito sucessório tem proveniência histórica na Roma antiga. Assim, em tempos de império surgiu a instituição do testamento, vindo logo após a conquista dos domínios Europeus aos quais hoje seria a atual Alemanha, se fundirem com os conceitos de sucessão legítima.

 

Fusão esta que gerou através dos anos, a sistemática sucessória encontrada hoje no Código Civil Brasileiro. Uma vez que desde a época das conquistas romanas houve o surgimento do princípio germânico de sucessão conhecido como Saísine, a não observação do princípio no caso em tela geraria uma contradição na matéria sucessória.

 

Ademais, observa-se que diante da taxatividade do artigo 1798 é impossível prever um direito hereditário que venha a surgir após a morte do autor da herança com exceção do fideicomissário e artigo 1799 previsto no Código Civil, mas que o ultimo tenha por requisito o nascimento antes da abertura da sucessão.

 

Outrossim, a vocação hereditária se refere tanto para a sucessão legítima quanto para sucessão testamentaria, neste sentido Carlos Roberto Gonçalves leciona: “O segundo princípio que se aplica a ambas as espécies de sucessão, legítima e testamentária, já mencionado, é o de que o herdeiro ou legatário tem de sobreviver ao de cujus. A herança não se defere no vazio, não se transmite ao nada”  (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4ª Edição. São Paulo Editora Saraiva. 2010) .

 

IV- Conclusão

 

De forma sumária, o que se destaca deste estudo é que a sucessão nos casos de filhos provenientes de inseminação artificial ocorrida após a morte do autor da herança não pode ser de forma legítima nem testamentária. Existem meios para transferência de eventual herança por talvez fideicomício, no entanto, os filhos concebidos após a abertura da sucessão, em tese, não possuem direitos sucessórios, mesmo que os mesmo comprovem a filiação de paternidade por eventual exame de DNA, por não possuírem vocação hereditária.

 

V- Bibliografia

 

GOMES, Orlando. Sucessão, 7. ei., Rio de Janeiro, Forense, 1997.

 

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v.6: direito das sucessões. 35.ed. rev. atual. Por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4ª edição. São Paulo Editora Saraiva. 2010.

 

Código Civil e Constituição Federal – Mini. 16ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva. 2010.

 

VI – Autora

 

Mariana I. da Fonseca

 

Aluna do 4º ano do curso de Direito da Faculdade “Laudo de Camargo” da Universidade de Ribeirão Preto.

 

 



[1] Direito das Sucessões, v. I, pag. 130.

Como citar e referenciar este artigo:
FONSECA, Mariana Isabel da. A Evolução Genética e a Vocação Hereditária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-evolucao-genetica-e-a-vocacao-hereditaria/ Acesso em: 22 nov. 2024