Uma das mudanças acontecidas com o Código Civil de 2002 foi a possibilidade de mudança do regime de bens no casamento.
O Código Civil de 1916 estabelecia a irrevogabilidade e proibia toda e qualquer modificação do regime matrimonial após a celebração do ato nupcial, para dar segurança aos consortes e terceiros.
Porém, antes de entendermos a mudança de regime de bens durante o casamento, temos que entender melhor a instituição desses regimes.
Segundo Maria Helena Diniz, “regime matrimonial é o conjunto de normas aplicáveis às relações e interesses econômicos resultantes do casamento. É o estatuto patrimonial dos consortes”.
Portanto, o regime de bens regula o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.
O Código Civil atual prevê e disciplina 4 regimes matrimoniais:
1) Regime de Comunhão Parcial: é aquele em que são excluídos da comunhão os bens que os cônjuges possuem ao casar ou que venham a adquirir por causa anterior e alheia ao casamento e inclui na comunhão os bens adquiridos posteriormente ao casamento.
2) Regime de Comunhão Universal: é aquele em que todos os bens dos cônjuges, adquiridos antes ou depois do casamento, tornam-se patrimônio comum, constituindo uma só massa, uma verdadeira sociedade.
3) Regime de Participação Final dos Equestos: é aquele em que há formação de massas particulares incomunicáveis durante o casamento, mas que na dissolução da sociedade conjugal é credor da metade do que o outro adquiriu onerosamente na constância do matrimônio.
4) Regime de Separação de Bens: é aquele em que cada um dos cônjuges conserva, com exclusividade o domínio, a posse e a administração de seus bens presentes e futuros e a responsabilidade pelos débitos anteriores e posteriores ao casamento.
Há para os cônjuges liberdade de escolha entre esses 4 regimes, além de permissão para que as partes regulamente as suas relações econômicas, fazendo combinação entre eles, desde que não estipulem cláusulas que atentem contra a ordem pública ou contrariem a natureza e os fins do casamento.
Diz o artigo 1655, CC:
“Será nula a convenção ou cláusula que contravenha disposição absoluta da lei”.
A convenção deve ser celebrada em pacto nupcial e deverá ser feito por escritura pública.
No silêncio das partes ou se a convenção for nula ou ineficaz, “vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”. (art.1640, CC).
Constata-se com isso que os cônjuges, ao optarem pelo casamento, se deparam com o Principio da Variedade de Regimes, onde poderão escolher o regime mais adequado para suas vidas e o Princípio da Liberdade dos Pactos Nupciais, podendo combinar os regimes, formando um regime misto ou especial, desde que feito seguindo as leis.
Porém, tanto a escolha do regime de bens como a feitura do pacto nupcial são decisões que deverão ser tomadas antes da celebração do casamento.
Imutabilidade Absoluta X Mutabilidade Motivada
O código Civil de 1916 estabelecia a irrevogabilidade ou a inalterabilidade do regime de bens entre os cônjuges, que deveria perdurar enquanto subsistisse a sociedade conjugal. Toda modificação poderia acontecer antes da celebração. Celebrado o casamento, ele tornava-se imutável. O regime de bens era irrevogável. A imutabilidade era absoluta.
Com o Código Civil de 2002, atualmente, a imutabilidade do regime de bens não é mais absoluta.
Diz o artigo 1639 parágrafo 2º:
“É admissível alterações do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.
Portanto, para que o regime de bens no casamento possa ser modificado, são necessários 4 requisitos:
a) Pedido formulado por ambos os cônjuges
b) Autorização judicial
c) Razões relevantes
d) Ressalva dos direitos de terceiros.
OBS: não poderão ser modificados os regimes de bens para o obrigatório de separação de bens, imposto no art. 1641, CC: a) às pessoas que contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; b) à pessoa maior de 60 anos, c) a todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Houve com o novo Código Civil a substituição do Princípio da Imutabilidade Absoluta do Regime de Bens pela Mutabilidade Motivada ou Justificada.
Como explica Carlos Roberto Gonçalves, “A Inalterabilidade continua sendo a regra e a mutabilidade a exceção, pois esta somente pode ser obtida em casos especiais, mediante sentença judicial, depois de demonstrados os comprovados, em procedimento de jurisdição voluntária, a procedência da pretensão bilateralmente manifestada e o respeito a direito de terceiros”.
Não é fácil e simples conseguir a passagem de um regime para outro, pois não se admite pedido isolado de um dos cônjuges. O pedido precisa ser conjunto e motivado ao juiz competente, necessário apresentações em juízo de certidões negativas de ações judiciais e protestos, devida publicidade do procedimento judicial respectivo, com publicação em editais, além dos registros próprios da sentença homologatória, dentre os quais o Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.
O alcance da alteração deve constar de modo expresso e precisa da sentença modificativa do regime de bens, declarando especialmente se os seus efeitos atingem os bens adquiridos anteriormente ou se prevalece, quanto a estes, o regime inicialmente adotado.
A averbação da sentença modificativa será feita, tanto no Registro Civil das Pessoas Naturais como na Junta Comercial, se for comerciante qualquer dos cônjuges.
E como ficam os casamentos realizados segundo o Código Civil de 1916, onde havia a imutabilidade absoluta?
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “a inovação que permite a alteração motivada do regime de bens admite a sua utilização por pessoas casadas anteriormente à vigência do novo diploma”.
Porém, uma das preocupações com a mudança de regime é a divisão dos bens, uma vez que a mudança de regime não pode prejudicar nenhum dos cônjuges nem a terceiros.
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao decidir, por unanimidade, ser admissível à alteração do regime de bens de casamentos ocorridos na vigência do Código Civil de 1916. Mas o relator aduziu que: “os bens adquiridos antes da decisão que eventualmente autorizar a alteração de regime permanecem sob as regras do pacto de bens anterior, vigorando no novo regime sobre os bens e negócios jurídicos comprados e realizados após a autorização”.
Conclusão
Com a possibilidade da mutabilidade motivada, mesmo sendo ela difícil de ser concretizada, pois os motivos tem que ser relevantes, de acordo mútuo e sem prejudicar ninguém, abre-se uma possibilidade para os casais que ao se casarem, muitas vezes nem conhecimento tinham dos 4 tipos de regime de bens, uma vez que não é exigido que se motive a escolha para a realização do casamento.
A imutabilidade absoluta seria injusta com os casais que tivessem escolhido equivocadamente o regime de bens para seu casamento. Afinal, todos podem cometer erros em suas escolhas e devem ter o direito de poder modificá-las, principalmente quando esses equívocos interferem na felicidade conjugal.
Referências Bibliográficas:
GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume VI. Direito de Família. Editora Saraiva. 6° edição revista e atualizada. 2009.
DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. Editora Saraiva. 23º edição. 2008.
VADE MECUM. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 7° edição atualizada e ampliada. 2009.
* Renata Santini Nunes, 7ª etapa do curso de Direito. UNAERP – Universidade de Ribeirão Preto, SP.