Artigos Direito Penal

STF e drogas: dissipando a cortina de fumaça

“Aquele que é crédulo demais tem um coração leviano”.

Eclesiástico 19, 4.

“Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos”.

Miguel de Cervantes, Dom Quixote, p. 534. [1]

1-INTRODUÇÃO

Com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506), restou estabelecido, em apertada síntese, que o ilícito previsto no artigo 28 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) não é um crime, mas infração administrativa no que tange especificamente à maconha. Também foi decidido que a quantidade de 40 (quarenta) gramas da droga ou 6 (seis) pés da planta (maconha), a princípio e na dependência de outras circunstâncias legais, caracterizaria o portador como usuário e não traficante. [2]

Salta aos olhos o fato de que o Supremo Tribunal Federal extrapolou suas funções e formulou um julgamento que invade atabalhoadamente searas do legislativo (Congresso Nacional) e do executivo (Ministério da Saúde – ANVISA).

Parece que o nosso STF atua como nos versos da Eneida de Virgílio (Livro VII, verso 310): “flectere si nequeo superos, Acheronta movebo” (“se os deuses do alto não me valerem, então moverei todo o Inferno”). Na passagem completa:

“Bem, se meus poderes não forem grandes o bastante, não hesitarei – isso é verdade – em pedir auxílio onde quer que possa ser encontrado. Se os deuses do alto não me valerem, então moverei todo o Inferno”. [3] Vale tudo em nome da ideologia, se o executivo e o legislativo não tocam adiante a agenda progressista, então não há hesitação em buscar meios espúrios para fazê-la andar.

É notável que não caberia ao Supremo Tribunal Federal ultrapassar a análise da constitucionalidade abstrata do dispositivo legal no que se refere a tratar-se ou não de uma criminalização legítima, tendo em vista o conflito entre a autodeterminação individual e o interesse público ou coletivo; autolesão penalmente indiferente ou conduta que contém perigo de lesão ou efetiva lesão a bem jurídico tutelável criminalmente. Estabelecer a legitimidade faria com que nada se alterasse. Apontar a ilegitimidade dessa criminalização significaria tão somente reconhecer que o dispositivo legal em discussão (artigo 28 da Lei de Drogas) seria inconstitucional e que somente haveria ali a descrição de uma proibição administrativa relativa a todas as drogas consideradas ilícitas por norma do Ministério da Saúde. Jamais caberia ao STF imiscuir-se em pequenos detalhes normativos, tais como destacar uma droga em específico para ser tratada de forma diferenciada (maconha), muito menos pretender estabelecer critérios para diferenciação entre traficantes e usuários com indicação de quantidade a partir da qual estaria caracterizado o tráfico (40 gramas).

Com sua conduta o STF não solucionou a questão que lhe foi remetida nos limites de sua atuação constitucional. Sua resposta jurisdicional foi confusa e causou muito mais problemas do que soluções.

O imbróglio criado nos lembra das dificuldades da tecnocracia distópica descrita na ficção de Herberto Sales, com a diferença de que temos no Brasil atual uma juristocracia distópica (não, espere caro leitor, não temos no Brasil uma distopia, daquelas que não existem e são ficcionais, temos uma realidade infeliz ou, se é possível, uma distopia real):

A solução de um problema leva a novos problemas, que levam a novas soluções, soluções que levam a novos problemas, na dinâmica dos problemas solucionais. Em verdade, nenhum problema produz uma solução sem que essa solução produza novos problemas. [4]

O Supremo Tribunal Federal atropelou sem peias e de uma só lapada o disposto no artigo 1º., Parágrafo Único da Lei 11.343/06, onde se determina que serão consideradas “drogas” incriminadas aquelas previstas em “lei” ou em “listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”, bem como o artigo 28,§ 2º., do mesmo diploma, que estabelece os critérios para  a distinção entre traficantes e usuários. É notório que a legislação atribui essas missões ora assumidas arbitrariamente pelo Judiciário ao Legislativo Federal e ao Executivo Federal. Mas, para quem viola a toda hora a Constituição pela qual deveria zelar, o que é profanar alguns dispositivos legais ordinários?

A atuação da Corte revela nitidamente a prática do que se convencionou chamar de “Constitucionalismo Abusivo”. Na concepção de Oliveira:

“O constitucionalismo não é achado de um grupo de juristas e/ou políticos, senão resultado de muitos séculos de ensaios, erros e acertos, tornando sua análise, por natureza, complexa”. Em geral o constitucionalismo se apresenta garantista, firmador de objetivos políticos, sociais e jurídicos por meio da limitação do poder arbitrário. Tipicamente sua natureza é emancipatória e democrática. Acontece que o constitucionalismo também pode se degenerar. Quando esse ponto de inflexão é alcançado o remédio (constitucionalismo) se transforma em veneno. Surge, então, o constitucionalismo abusivo, que se utiliza de mecanismos aparentemente constitucionais, mas que manobrados por quaisquer dos atores constitucionais relevantes, incluindo a própria Corte Constitucional, “são capazes de tornar um Estado significativamente menos democrático do que antes e gerar o risco de transição a regimes autoritários”. [5]

No mesmo diapasão, Molt’alverne, Leitão e Sousa, ao estudarem os desbordamentos do STF:

Embora seja verdade que os estudos sobre constitucionalismo abusivo geralmente se concentram no Poder Executivo, nada impede que ele seja exercido por qualquer um dos poderes, ramos ou órgãos do Estado. [6]

O que temos visto é o STF afetar uma inércia judicial para acatar pleitos ideológico – políticos formulados por determinados setores, deturpando os instrumentos constitucionais para satisfazer os anseios desses grupos, ainda que seja por meio da extrapolação de suas funções e de infração à própria Constituição e à lei. Nada mais nada menos do que aquilo que Landau descreve como o “uso de mecanismos de mudança constitucional para fazer o estado significativamente menos democrático do que era anteriormente”. [7]

Realmente não se pode ignorar o alerta de Rui Barbosa, segundo o qual “o Judiciário é o pior dos Poderes quando estabelece uma tirania”. [8]

E ainda temos que assistir o Ministro Barroso expressando uma espécie de ensinamento de submissão humilde à ordem jurídica, afirmando em entrevista que gostemos ou não da descriminalização da maconha, ela terá de ser cumprida, como ocorre com a lei e qualquer decisão judicial. Afinal, segundo Barroso, “é muito importante na vida a gente não quebrar o espelho por não gostar da imagem” (sic). [9] É de estranhar tanta lição de humildade e submissão ao ordenamento exposta por pessoa que já quebrou tantos espelhos porque não gostava subjetivamente da imagem. Como já vimos o espelho da Constituição tem sido quebrado várias vezes por Barroso e companheiros e agora acabaram de quebrar novamente tanto o espelho da Constituição como o da Lei de Drogas, trocando os espelhos por quadros com seus retratos.

O discurso do Ministro, como tem sido comum nos dias de hoje, consiste em nada mais do que um “detestável” “Grandstanding moral”, enfim, um mero “exibicionismo moral”, uma necessidade incontida de “indicação de virtudes” que geralmente nem sequer são possuídas pelo indicador, utilizando-se “do discurso moral para fins de autopromoção”. [10]

Como aduz Zimmer, “o certo é que a Corte demonstra que direciona seus esforços, tantos quantos sejam necessários, para seguir sua linha de decisões de clarividência ideológica e política”. [11]

Presenciar esses arroubos nos lembra do que disse George Washington a respeito do Estado e, acrescentamos, aplicável a alguns de seus altos funcionários:

“O Estado é, na melhor das hipóteses, um empregado petulante e, na pior das hipóteses, um senhor tirânico”. [12]

Além de nítida invasão de atribuições (legislativo e executivo), o STF pretendeu dar uma solução objetiva e única a questões que são subjetivas e casuísticas. Não há como reduzir a análise da prática de posse para consumo próprio ou posse para tráfico com regras que se pretendam total ou marcadamente objetivas e retilíneas. A Lei de Drogas já estabelece em seu artigo 28, § 2º. os critérios a serem observados pelas autoridades (Delegados de Polícia, Ministério Público e Juízes) para distinguir entre situações de meros usuários e de traficantes. São regras abertas e maleáveis, pois que devem ser casuisticamente aplicadas e decididas nos acontecimentos concretos. Qualquer tentativa de generalizar regras para essa espécie de decisão é um fracasso que deveria ser previsto por Ministros de um tribunal supremo. Não é possível reduzir algo grandemente subjetivo e casuístico a uma objetividade dura. Insistir nisso é contraproducente e pode gerar tanto um laxismo com a questão das drogas como, ao reverso do que se sente pretender o Tribunal Supremo, em uma aplicação mais rigorosa das normas, tendendo a reconhecer como traficantes indivíduos que não o seriam normalmente antes da desastrosa decisão judicial em comento (v.g. presunção de tráfico com 41 g. de droga, sem maiores análises do caso concreto).

Como veremos, a partir da decisão do STF surgem diversos questionamentos e problemas que seriam absolutamente desnecessários.

Acaso entendêssemos que essa espécie de atuação do STF fosse de natureza exclusiva ou mesmo predominantemente jurídica, seria assustador constatar a falta de conhecimento dos Ministros acerca dos limites de suas funções constitucionais e até mesmo sua falta de percepção conceitual relativa à capacidade de distinção entre coisas que podem ser tratadas de forma objetiva e linear e outras que não o podem. Seria assustador presenciar o descolamento dos Ministros da realidade.

Contudo, é preciso ter consciência de que todo o agir da maioria dos Ministros do STF não se refere a um entendimento jurídico, mas a um ativismo judicial arraigado em ideologias progressistas que antecedem até mesmo a atuação do Tribunal, vindo de grupos de pressão minoritários que pretendem impor suas vontades, bem como do próprio Legislativo no trato da questão ao longo dos anos. Demonstraremos que o STF nada mais fez do que dar mais um passo progressista que não foi até agora dado pelo Legislativo ou pelo Executivo. Como tem sido uma marca do Supremo, mais uma vez não foi capaz de exercer a chamada “autocontenção” e, não resistindo à inércia dos demais poderes, levou a termo uma agenda ideológica, coisa que não deveria determinar as decisões de um órgão judicial.

Essa conduta não somente é ilegítima juridicamente, mas prejudica até mesmo a compreensão e produção de conhecimento do Direito Constitucional. É, sem peias, um crime epistemológico. Häberle destaca a função da interpretação constitucional enquanto exercício de um saber científico:

Uma questão especial refere-se à legitimação da Ciência Constitucional. Ela tem uma função catalizadora e, por traduzir – publicamente – a interpretação metodicamente refletida e, simultaneamente, conformar a preparação dos intérpretes oficiais, atua de maneira singular em todos os campos da interpretação. (…). Constituição enquanto objeto é (também) coisa da ciência. (…). Constitui, (…), tarefa da Ciência formular suas contribuições de forma acessível, de modo que ela possa ser apreciada e criticada na esfera pública. [13]

Agora, como é possível obter um norte interpretativo metódico e devidamente refletido juridicamente quando a Ciência Constitucional se deixa invadir e sobrepujar pela política e ideologia. Não uma presença impossível de se evitar em qualquer área, mas uma verdadeira colonização que provoca a desfiguração da ciência em questão?

A Juristocracia acaba criando uma “Constituição de solo titulo” (“só de nome”). Afetando uma falsa submissão à autoridade da Constituição, na verdade, impõe uma vontade subjetiva (voluntarismo) que não passa de intolerância à verdadeira autoridade que deveria emanar da Carta Magna. Como nos ensina desde antanho Lassale, com sua visão constitucional sociológica, [14] a Constituição se converte, nessas circunstâncias, em uma simples “folha de papel” que não retrata a realidade politico – social e nem mesmo jurídica de um país. [15] A diferença é que não é a Constituição em si que se encontra em descompasso com a realidade, é a Juristocracia como caixa de ressonância ideológica que, artificiosamente, faz com que a Carta Constitucional pareça apartada do mundo da vida, da realidade político – social e das forças reais que atuam ou deveriam atuar no país. A usurpação do poder legítimo faz com que se desconfigure a realidade.

Não é aceitável fazer uma análise perfunctória dessa questão da descriminalização das drogas, passando ao largo da ideologia que a sustenta e fazendo de conta que tratamos tão somente de questões jurídico – científicas imparciais. Como bem aduz Nina Power, em seu artigo na Revista “Compact”, sob o título traduzido livremente de “Contra a Intolerância Progressista”:

“Opor-se à intolerância progressista requer não apenas defender a verdade, mas superar o medo de ser denunciado por se relacionar com o tipo errado de pessoas (…)” (tradução livre). É preciso, na realidade, denunciar “a falsa pureza do ‘bom’” (tradução livre), [16] esse “bom” que se autointitula e exclui qualquer discussão, que “quebra espelhos por não gostar da imagem”, mas não quer permitir que ninguém mais o faça.  

Para compreender melhor a questão é imprescindível uma descrição histórica da “evolução” (?) do tema:

A primeira “Lei de Entorpecentes” foi a Lei 6.368/76, a qual tratava da posse para consumo próprio em seu artigo 16, prevendo pena de detenção, de 6 meses a 2 anos e multa.

Com o advento dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95) ainda permaneceu possível a Prisão em Flagrante do usuário e seu processo e julgamento perante o juízo comum. Isso porque, na sua versão original, a Lei dos Juizados Especiais Criminais somente considerava como infração de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes para os quais fosse cominada pena máxima até um ano de procedimento comum.

No caso do artigo 16 da antiga “Lei de Entorpecentes” a pena máxima cominada era de dois anos, bem como o ilícito tinha previsão de procedimento especial na lei esparsa. Portanto, não cabia aplicar as benesses da Lei 9.099/95.

No ano de 2001, com o surgimento da Lei dos Juizados Especiais Criminais Federais (Lei 10.259/01), ficou estabelecido que no âmbito federal a definição de infração de menor potencial seria a de crimes com pena máxima até dois anos, independentemente de o seu procedimento ser especial ou comum (artigo 2º., Parágrafo Único da Lei 10.259/01).

Percebe-se que essa novel legislação acabou criando um conflito. Havia uma definição mais restrita de infração de menor potencial no âmbito estadual e uma definição mais alargada no âmbito federal. Não tardou para que a doutrina e a jurisprudência, em aplicação de princípios como os da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, viessem a apontar para a necessidade de unificação da mencionada definição, a fim de que não houvesse critérios distintos em nível federal e estadual.

Observe-se que, por exemplo, com relação ao artigo 16 da então Lei 6.368/76, no âmbito estadual não seria infração de menor potencial, mas o seria na Justiça Federal.

A tese prevalente era a de que a nova definição da Lei dos Juizados Federais deveria ser estendida para os Juizados Estaduais e isso começou a ser colocado em prática por via jurisprudencial.

Não demorou para que o legislativo corrigisse essa anomalia, revogando o Parágrafo Único do artigo 2º., da Lei 10.259/01, dando nova redação ao seu “caput” e também dando nova redação ao artigo 61 da Lei 9.099/95, tudo isso por meio da Lei 11.313/06.

A partir daí passou a vigorar uma definição una de infração de menor potencial ofensivo, abrangendo todas as contravenções penais e os crimes com pena máxima até 2 anos, independentemente do procedimento comum ou especial. Ou seja, a definição que adveio com a Lei dos Juizados Especiais Federais foi generalizada.

Temos aqui, iniciando em 2001 e atingindo seu ápice e solidez em 2006, uma primeira atenuação no trato do porte de drogas para consumo próprio. Note-se que este passou de um crime comum para uma infração de menor potencial ofensivo, sem possibilidade, em regra, de Prisão em Flagrante, com elaboração de Termo Circunstanciado e encaminhamento ao Juizado Especial Criminal, ensejando todas as suas benesses.

No mesmo ano de 2006 vem a lume a nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06). Apenas menos de dois meses depois da alteração da definição de infração de menor potencial, que passou a abranger a posse de drogas para consumo próprio, exsurge a nova Lei de Drogas com seu artigo 28 que até hoje regula a matéria. Esse artigo elimina qualquer penalidade de prisão, estabelecendo como penas principais o que seriam anteriormente penas alternativas. A competência prossegue sendo dos Juizados Especiais Criminais e a impossibilidade de Prisão em Flagrante é agora, não a regra sujeita a exceções, mas uma regra absoluta, já que inexiste pena privativa de liberdade prevista. Seria então absurdo haver uma modalidade de prisão cautelar ou pré – cautelar quando não há nem mesmo pena de prisão quando de uma condenação criminal definitiva.

O que é possível vislumbrar dessa “evolução” histórica da matéria relativa à posse de drogas para consumo próprio?

Há um nítido movimento no sentido da despenalização e descarcerização com potencial para a descriminalização e até mesmo, num futuro, a legalização. [17]

Também é visível que esse movimento tem origem no Poder Legislativo e uma eventual contribuição da doutrina e da jurisprudência, mas sempre baseadas nas alterações legais que foram sendo operadas ao longo do tempo.

Essa tendência de atenuação com relação à questão do consumo de drogas não retrata o posicionamento predominante da população brasileira, que é frontalmente avessa a qualquer liberalidade nesse campo. [18] A tese de atenuação do tratamento da posse de drogas ilícitas para consumo próprio e até mesmo de sua liberação é muito difundida nos meios acadêmicos insulados, nos movimentos progressistas minoritários e, consequentemente, atinge um bom número de juristas, profissionais do Direito, bem como parte dos componentes de nossos tribunais.

Não é, portanto, sem algum constrangimento e com certa dose de insídia que o movimento em direção à atenuação do trato criminal dos usuários é levado a termo pelo Poder Legislativo, o qual, embora tenha alguma consideração pela vontade popular e a opinião pública, cede às pressões de grupos minoritários e suas ideologias.

Esse constrangimento relativo do Poder Legislativo e até mesmo do Judiciário é o único óbice para que não tenhamos no Brasil já uma liberação total das drogas. Isso porque esses grupos de pressão minoritários, embora diminutos em número e até representatividade política, são extremamente ardilosos e barulhentos em face de uma população que, em sua maioria, está mergulhada em um dia a dia de luta pela sobrevivência e dedicação ao trabalho, permanecendo calada ou tendo seus anseios sufocados.

Como bem demonstra Mendes em obra especializada, o “lobby” da maconha e demais iniciativas laxistas com relação às drogas é extremamente poderoso não somente no nível local, mas global. A maconha é o carro – chefe, com sua apresentação como uma “droga leve” (sic) e de possível aplicação medicinal. [19] Ironicamente a maconha é reconhecida na realidade dos fatos como a droga que é a porta de entrada para outras mais destrutivas; ao mesmo tempo é também a porta – estandarte do movimento de liberação das drogas, apresentando-se como o limiar de uma ladeira escorregadia. A liberação da maconha é o primeiro degrau para a liberação geral das drogas hoje consideradas como ilícitas no Brasil e em nível global. [20]

Neste ponto já é possível fazer notar a razão pela qual o processo de atenuação do tratamento dos usuários de drogas ilícitas se dá de forma lenta e paulatina e, especialmente por que o STF, em sua decisão, se aferra à maconha de forma específica e ainda não generaliza sua posição.

Todo o movimento do legislativo e do judiciário no Brasil com relação às drogas é, para quem tenha a capacidade de enxergar minimamente, uma concreção do movimento global do “lobby” das drogas e suas estratégias gradualistas. Sabendo que uma liberação brusca pode ser mal recebida pelas populações, opta-se por uma tática de pequenos passos quase imperceptíveis em um projeto de engenharia social ao fim do qual a liberação definitiva de quaisquer drogas será acatada bovinamente por todos sem a percepção de que foram objetos de manipulação. E para aqueles que têm na manipulação das pessoas uma de suas principais armas, como não será cômoda e agradável uma população em grande parte inebriada pelo consumo massivo de drogas, não é mesmo? Outras manipulações serão muito mais fáceis e rápidas de serem implementadas diante de indivíduos embotados.

Essa atuação gradual que se inicia no legislativo brasileiro e vai se desenvolvendo no judiciário é claramente a aplicação prática daquilo que Bernardin, apresentando o escólio de Freedman e Fraser, [21] expõe como o fenômeno do “pé na porta”. Seu princípio reitor é o seguinte:

começa-se por pedir ao sujeito que faça algo mínimo (ato aliciador), mas que esteja relacionado ao objetivo real da manipulação, que se trata de algo bem mais importante (ato custoso). Assim, o sujeito sente-se engajado, ou seja, psicologicamente preso por seu ato mínimo, anterior ao ato custoso. [22]

A própria argumentação apaziguadora de Ministros como Luís Roberto Barroso em suas manifestações no plenário é sintomática do emprego dessa técnica insidiosa e manipuladora. [23]

Mencionamos anteriormente a questão da despenalização, descarcerização, descriminalização e legalização. São realmente conceitos diversos. Na despenalização e descarcerização uma conduta que era crime e para a qual era prevista uma pena, continua sendo crime, mas a pena é afastada por diversos meios, tais como institutos despenalizadores (v.g. transação penal, suspensão condicional do processo, acordo de não persecução penal etc.). Também pode ocorrer que o preceito secundário da norma que antes previa uma pena privativa de liberdade passe a estabelecer penalidades que seriam alternativas ou substitutivas de forma direta (descarcerização). Foi exatamente o que aconteceu com o porte de drogas para consumo próprio num primeiro momento histórico. A ‘evolução” da pena privativa de liberdade, passando por institutos despenalizadores e descarcerizadores até chegar à previsão de sanções não privativas de liberdade, descarcerizadoras ou desprisionalizadoras (1976, 2001, 2006). Já na descriminalização não somente se elide a aplicação de pena para determinada conduta incriminada. Tal conduta passa a ser considerada como não criminosa. Ela pode ser totalmente descriminalizada, tornando-se lícita ou descriminalizada apenas parcialmente no âmbito penal, permanecendo, porém, como ato ilícito civil e/ou administrativo. Esse foi o segundo passo histórico dado pelo STF diante da inércia do Congresso Nacional que não foi capaz de prosseguir no projeto ideológico programado, empacando na fase da despenalização e descarcerização. Finalmente, a legalização significa a liberação total da prática de uma conduta que era considerada crime. Opera-se a “abolitio criminis”, mas não só isso. Também se torna a conduta aceitável socialmente sem qualquer elemento de inibição normativa. O que era ilícito, inclusive no âmbito criminal, se torna lícito em todas as searas, civil e administrativa também. Pode até tornar-se mais que lícita uma conduta, mas convertê-la no exercício de um “direito individual”. Por exemplo, liberar as drogas e estabelecer um dever do Estado de fornecê-las gratuitamente a usuários e dependentes. Legalizar o aborto e transformá-lo em um “direito fundamental da mulher” como ocorreu na França recentemente. [24]

Ora, argumentações como a de Barroso, [25] que ocultam o gradativo andamento de uma agenda ideológica que se iniciou por uma despenalização e descarcerização que não se menciona, demonstram claramente um procedimento astucioso. Ocultando a fase inicial de despenalização e descarcerização segue-se para um alegado esclarecimento quanto à distinção entre descriminalização e legalização, apontando para o fato de que não se está promovendo (ao menos agora) a segunda e sim a primeira. Tudo isso é procedimento típico da estratégia do “pé na porta” tão bem descrita por Bernardin, Freedman e Fraser. É como se fosse dito: “Fiquem tranquilos. Não estamos legalizando as drogas e nem dizendo que são aceitáveis, apenas estamos deixando de considerar a sua posse para consumo como um crime. Continuará sendo uma conduta reprovável juridicamente, mas na seara administrativa”. O que não é revelado é o processo em que essa descriminalização está inserida, vindo da inicial despenalização e descarcerização, passando pela dita descriminalização e não terminando obviamente aí. Seu rumo é o da legalização e liberação das drogas em geral numa evidente ladeira escorregadia que se torna muito visível se as coisas são expostas no devido contexto histórico – ideológico e não fingindo tratar-se de uma questão exclusiva ou mesmo preponderantemente técnico – jurídica e científica. Aliás, é desesperador presenciar profissionais do Direito, estudiosos, juristas, professores, discutindo essa decisão do STF tão somente em termos científicos e jurídicos numa tenebrosa alienação político – ideológica, de modo a ensejar exatamente o que se deseja, ou seja, o ocultamento da verdadeira matéria em questão. Ninguém praticamente se dispõe a dissipar a cortina de fumaça criada em torno da questão do tratamento legal do porte de drogas para consumo próprio. A grande maioria do que seriam as chamadas “cabeças pensantes” encontra-se como que inebriada por uma fumaça entorpecente. Isso facilita em muito a vida daqueles que usam de manipulação. E aqueles que deveriam estar preocupados com questões de fundo e não submetidos a uma distração artificiosa somente nos fazem compreender e lamentar que sua tranquilidade leviana torne cada vez mais verdadeiro o dito popularesco de que “a ignorância é uma benção”. Afinal, nada percebendo, se envolvem em discussões alienadas e pensam que exercem a função de intelectuais no mundo jurídico. São como tolos satisfeitos em comparação com um Sócrates inquieto.

No entanto, ficamos com Mill:

É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente é porque só conhecem o seu próprio lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados. [26]

Não é possível discutir essa decisão e todo o processo de “evolução” do tratamento do tema do porte de drogas para consumo próprio sem uma visão mais ampla que supere a ilusão de que estamos em um diálogo honesto em bases científicas e jurídicas. Não podemos nos contentar em ver claramente que o rei está nu e continuar dizendo que sua roupa é belíssima!

Os agentes envolvidos estão influenciados pela necessidade de sinalizar virtude para uma “bolha de pertencimento”, [27] absorvidos por aquilo que Tosi e Warmke chamam de “virtuosismo moral”. Tornam-se assim “exibicionistas morais” com o desejo incontido de que “os outros pensem que eles são moralmente especiais”, espécies de “santos ou heróis da moralidade” ou, pelo menos, “pessoas moralmente decentes”. Querem garantir uma posição de superioridade moral em relação aos não iluminados. [28]

Além da gradual abordagem do tema que “evolui” da despenalização e descarcerização para a descriminalização e tende à legalização, é preciso atentar para a manobra apaziguadora de membros do STF em focar tão somente na maconha. É evidente que se trata também de uma técnica de “pé na porta”. Ora a descriminalização de todas as drogas de uma só vez poderia gerar alguma reação social indesejada. Então é muito mais fácil, tendo em vista também o teatro já erigido mundialmente ao redor dessa droga, [29] colocá-la em destaque, como se fosse algo quase inócuo. “Afinal, é só da maconha que estamos tratando no momento, nada que cause maiores preocupações”.

Atuam tendo em mira não desbordar o contorno da chamada “Janela de Overton”, ou seja, um espaço de ideias e/ou políticas que podem ser socialmente toleráveis ou factíveis em dado período em uma sociedade. O termo foi criado em homenagem ao analista político, Joseph P. Overton, representando uma gama de ideias que variam entre as mais acatadas até as mais reprovadas ou impopulares. Movendo-se no intervalo entre o aceitável e o repugnante, o agente político pode caminhar aos poucos com ideias intermediárias, manipulando a opinião pública e chegando, paciente e lentamente, a seus objetivos mais ousados.

Conforme se encontra no site do “Mackinac Center For Public Policy”:

A Janela Overton é um modelo para compreender como as ideias na sociedade mudam ao longo do tempo e influenciam a política. O conceito central é que os políticos estão limitados nas ideias políticas que podem apoiar – geralmente apenas prosseguem políticas que são amplamente aceites em toda a sociedade como opções políticas legítimas. Estas políticas estão dentro da Janela Overton. Existem outras ideias políticas, mas os políticos correm o risco de perder o apoio popular se defenderem essas ideias. Estas políticas estão fora da Janela Overton.

Mas a Janela Overton pode mudar e expandir-se, aumentando ou diminuindo o número de ideias que os políticos podem apoiar sem arriscar indevidamente o seu apoio eleitoral. Às vezes, os próprios políticos podem mover a Janela de Overton, endossando corajosamente uma política que está fora da janela, mas isso é raro. Mais frequentemente, a janela move-se com base num fenómeno muito mais complexo e dinâmico, que não é facilmente controlado de cima: a lenta evolução dos valores e normas sociais. [30]

Causa espécie constatar que agentes públicos do judiciário sejam claramente movidos muito mais por estratégias político – ideológicas do que por qualquer orientação científico – jurídica, mas é preciso perceber isso para compreender correta e completamente suas atitudes. Mesmo porque podemos constatar com Borges e Silva o seguinte:

“A corrupção da ciência nunca esteve tão visível. O campo científico é marcadamente um campo político, muito distante dessa noção de neutralidade que mora no imaginário de algumas pessoas”. [31]

Certamente não desconhecem os Ministros o fato de que mesmo sua decisão específica sobre a maconha tende a criar, devido a princípios gerais do Direito e especiais do Direito Penal, um entendimento de que o “decisum” não pode ficar restrito à maconha, mas desde logo deve abranger todas as demais drogas (isonomia, proporcionalidade, razoabilidade, analogia “in bonam partem” etc.). Sabem ou deveriam saber os Ministros que sua decisão no sentido de que o artigo 28 é uma norma administrativa e não penal não pode ficar restrita a uma espécie de droga apenas. É a norma que foi julgada, não a droga “X” ou “Y”. Havendo descriminalização esta não se limita ou não é limitável a uma ou outra espécie de droga ilícita. Pouco importa que os Ministros façam uma confusão entre o abstrato e o concreto em toda a sua decisão. Também não cabe nessa situação alegar que houve uma espécie anômala de “modulação de efeitos”, porque tal modulação afrontaria os já mencionados princípios gerais do Direito e especiais do Direito Penal, tornando-a ilegítima e ineficaz. Mas, nada disso é publicizado claramente, permanecendo por trás de uma cortina de fumaça proposital. E se não for proposital, então é ainda mais assustador, porque significaria uma inépcia inadmissível de profissionais do Direito que ocupam as cadeiras do mais alto Tribunal do país.  

Acontece que a verdade sempre se impõe, porque ela não somente “existe”, mas “insiste” e “resiste”. [32] Tanto é fato que o Defensor Público paulista, Rafael Muneratti que atuou no caso ora em discussão perante o STF, já deixou clara sua satisfação com a decisão do Tribunal e que “o próximo passo é descriminalizar outras drogas”. [33]

Após essa introdução necessária, contextualizando e dimensionando a decisão do STF a respeito do artigo 28 da Lei de Drogas, poderemos estudar vários aspectos e problemas dessa questão, sem perder de vista sua real amplitude e o que se encontra oculto.

Iniciaremos por uma abordagem da sempre polêmica discussão acerca da liberação das drogas com análise de argumentos pró e contra, bem como de experiências internacionais já levadas a efeito.

No seguimento apresentaremos o desenvolvimento doutrinário – jurisprudencial acerca da natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas, a qual vem sendo debatida desde a promulgação do diploma legal respectivo em 2006, passando, inclusive, por decisão pretérita do próprio STF que atribuiu, inicialmente, a natureza de crime ao dispositivo em destaque. Esse estudo é importante para situar o leitor quanto à hesitação sobre o tema em termos doutrinários e jurisprudenciais. Mais uma vez é importante retomar esta introdução e perceber nessas questões que a própria hesitação acaba sendo um efeito de um processo em direção a uma postura ideológica. Efeito este que certamente não é involuntário.

Finalmente, abordaremos de forma pontual os vários questionamentos jurídicos que surgiram após a malfadada decisão do STF a respeito da descriminalização da maconha. Há questões de toda espécie, envolvendo direito material, processo e procedimento.

Depois de toda essa exposição, proceder-se-á a um encerramento conclusivo, retomando os principais temas desenvolvidos.

2-A VELHA POLÊMICA SOBRE A CRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS [34]

Muito se tem discutido acerca da “irracionalidade da criminalização do uso e comércio de drogas”, sendo destacável o trabalho da lavra de Maria Lucia Karam [35] que apresenta um parecer acerca do tema.

Inicialmente, toma-se a liberdade de elencar os principais fatores abordados pela autora na pretensa demonstração da veracidade de sua assertiva, os quais certamente apresentam extrema coerência e não são de difícil recepção por qualquer interessado numa análise racional deste intrincado e polêmico tema, deixando claro desde logo que a pretensão deste ponto não é ser infenso às ideias em destaque, mas, ao contrário, reafirmá-las e, principalmente, a exemplo do título, constituir-se numa questão, numa problematização, trazendo à baila aspectos não abordados e de suma importância na ponderação das consequências de uma descriminalização no campo das drogas.

Sucintamente pode-se dizer que a autora expõe oito fatores elucidativos:

1- É irracional e mesmo contrária ao Estado Democrático de Direito a criminalização do porte para uso pessoal, pois viola a intimidade do indivíduo em conduta que não diz respeito à coletividade.

2- A proibição é contraditória com o próprio objeto jurídico (Saúde Pública), uma vez que “cria maiores riscos à integridade física e mental dos consumidores” pela ausência de controles fiscais quanto à qualidade, higiene etc.

3- A clandestinidade gera ansiedades no indivíduo que realimentam sua fragilidade, acoroçoando sua tendência à dependência e, dificultando ainda a busca de tratamento.

4- O pretenso controle repressivo do tráfico é reconhecidamente ineficiente e sua relação custo/ benefício é deficitária.

5- O mercado informal das drogas cria oportunidades de “acumulação de capital e geração de empregos”, sendo lógico que a repressão não é capaz de impedir a contínua reposição dos interessados nos seus ganhos e oportunidades, a despeito dos riscos a serem assumidos.

6- Os consumidores sofrem “superexploração decorrente dos preços artificialmente elevados”, por obra inerente à clandestinidade que torna o produto de difícil acesso e submetido a riscos relevantes. Isto, por seu turno, atua como fator criminógeno porque os usuários frequentemente praticam outros crimes, mormente contra o patrimônio, para possibilitar-lhes poder aquisitivo para obtenção de entorpecentes.

7- A criminalização cria um mercado artificial altamente lucrativo que, ao contrário de evitar, incentiva o interesse no ingresso em sua dinâmica, gerando ainda o grave problema da corrupção de órgãos Estatais.

8- O Sistema Penal sob o pretexto de fornecer “proteção, tranquilidade e segurança”, finda por estimular situações delitivas e criar maiores e mais graves conflitos. Ou seja, pela criminalização das drogas o Estado produz marginalidade e consequentemente mais “criminalidade e violência”.

Face ao exposto e ao conteúdo do tema em estudo, há que se considerar que toda a discussão se direciona teleologicamente à finalidade da redução da violência e criminalidade claramente presentes no bojo do problema das drogas e ainda a uma abordagem mais humana quanto ao usuário ou dependente, ampliando o campo de assistência, recuperação e preservação de sua saúde física e mental.

Observe-se que Karam, assim como todos os defensores da legalização das drogas, apresenta um quadro de soma – zero. Como se a repressão ao tráfico e porte fosse excludente absoluta dos cuidados para a prevenção e recuperação dos dependentes e usuários. É bom destacar que isso não corresponde à realidade. Não há relação de exclusão entre o combate ao tráfico e ao uso e os cuidados profiláticos e de tratamento dos usuários e dependentes. Se isso fosse verdadeiro, a própria legalização não seria também solução, pois é óbvio que a mercancia clandestina continuaria a existir e teria de ser criminalmente combatida, ainda que por meio de outro tipo penal contra a Saúde Pública, como acontece com a comercialização ilícita ou clandestina de medicamentos e drogas lícitas.

É no primeiro aspecto acima destacado que se faz presente uma indagação quanto à eficiência da descriminalização enquanto fator redutor da violência. Sabe-se que boa parcela dos homicídios registrados diariamente nas grandes cidades está frequentemente relacionada com o submundo do tráfico. Logicamente, num raciocínio simplista, poder-se-ia afirmar que com a eliminação do caráter criminoso das drogas, essa atividade marginal se tornaria lícita e, portanto, não mais geradora de violência, operando-se, consequentemente, decréscimo nos decantados índices estatísticos.

Entretanto, se num primeiro momento é inegável que a violência afeta ao tráfico iria se extinguir juntamente com este, faz-se necessária uma detida reflexão sobre que tipo de legado seria deixado à sociedade pelo “finado tráfico de entorpecentes”. Isso sem considerar o fato de que a experiência demonstra que a mercancia clandestina de drogas continua como mercado paralelo e os mesmos problemas que antes existiam.

Aparentemente, na realidade nacional, a criminalização dos entorpecentes pode ser metaforicamente comparada à criação de um “monstro” cuja destruição apenas o faria reaparecer adotando novas formas.

Senão vejamos, nos itens 5 a 7 verifica-se que a atividade do comércio de drogas, enquanto marginal ou clandestina, propicia condições artificiais que tornam possível o acesso de indivíduos normalmente excluídos pelo sistema capitalista à acumulação de riquezas ou ao menos ao exercício de uma atividade “laborativa” financeiramente gratificante.

Estes indivíduos somente são aptos ao domínio desse mercado artificial, pois que naturalmente excluídos, marginalizados e levados pela própria perversão do sistema social capitalista a ocupar esse espaço informal, proscrito da economia.

A realidade é que a sociedade e o próprio Sistema Penal já pré-determinam a posição marginal dessa parcela significativa da população. ZAFFARONI[36] retrata com nitidez este fato:

O sistema penal atua sempre seletivamente e seleciona de acordo com estereótipos fabricados pelos meios de comunicação de massa. Estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência de colarinho branco, dourado, de trânsito etc.).

Nas prisões encontramos os estereotipados. Na prática, é pela observação das características comuns à população prisional que descrevemos os estereótipos a serem selecionados pelo sistema penal, que sai então a procurá-los. E, como a cada estereótipo deve corresponder um papel, as pessoas assim selecionadas terminam correspondendo e assumindo os papéis que lhes são propostos (…)

Na América Latina, o estereótipo sempre se alimenta das características de homens jovens das classes mais carentes, (…) (grifo nosso).

Assim sendo, de acordo com nossa realidade, suprimidas as condições específicas marginais do comércio de entorpecentes, não é crível que os indivíduos desse submundo se transmudem do dia para a noite em prósperos comerciantes, industriais, comerciários, industriários ou agricultores. A tendência é que esse novo mercado seja recebido pelo sistema formal e dominado pelos mesmos detentores “legais” das riquezas acumuladas.

Os “selecionados” ou “estereotipados”, conforme acima exposto, certamente continuarão cumprindo os papéis que lhes foram verticalmente impingidos pela sociedade que os marginaliza.

Portanto, a esses sujeitos somente restará a vereda da procura de uma nova atividade clandestina ou marginal, de modo que se verifica uma forte indicação no sentido do aumento da violência no que se refere a outras modalidades delitivas, inclusive devido ao poder bélico adquirido para a operacionalização da violência inerente ao tráfico de drogas. E ainda restando a continuidade do comércio clandestino dessas substâncias que seguirá sendo um fator criminógeno.

A primeira questão refere-se então à indagação quanto à eficácia da descriminalização para uma redução efetiva da violência, o que, aparentemente, não se operaria em nossa realidade, rumando sim para um aumento de crimes como roubos a banco, extorsão mediante sequestro e outros, os quais também teriam o condão de tornarem-se altamente lucrativos e corruptores. Sempre lembrando que a experiência internacional ainda demonstra que o próprio comércio clandestino não acaba com a legalização.

Anote-se, ainda, que a liberação das drogas não acabaria jamais com a chamada “Guerra às drogas” (“War on drugs” ). Acaso o Estado pretenda controlar toda a linha de produção e distribuição legais, haverá ainda o mercado negro, que deverá ser reprimido e, portanto, “guerra às drogas”. Não haverá pacificação. Doutra banda, se a questão da produção e distribuição for deixada à iniciativa privada, também haverá o problema do mercado negro e novamente a continuidade da “guerra às drogas”. Um exemplo típico e próximo é o caso do Uruguai, que liberou a “maconha” há alguns anos e até agora somente 40% da produção é legal. Ou seja, 60% da “maconha” é produzida no mercado negro ou clandestino.[37] E mais:

O Diretor Nacional de Polícia do Uruguai, Mario Layera, disse nesta terça-feira que a legalização da maconha, aprovada em 2013, não implicou diretamente na queda do tráfico desta droga e que o narcotráfico aumentou o número de assassinatos.

“No ano passado tivemos os níveis históricos mais altos de confisco no país proveniente de outra região. Por isso, entendemos que o tráfico para o Uruguai não se ressentiu de maneira notável”, comentou Layera em entrevista à rádio El Espectador, sobre a vigência da lei.

Em dezembro, a Brigada de Narcóticos indicou que a droga mais confiscada em 2016 foi a maconha, chegando a 4,305 toneladas até 18 de dezembro, sendo que em 2015 havia sido de 2,52 toneladas.

Layera também sustentou que pelo tráfico de drogas constatado nos últimos tempos, houve um aumento “dos níveis de crimes e homicídios”.

“O aumento da taxa criminal, que medimos de 2005 em diante, foi crescendo com base nos fenômenos de oferta e consumo de drogas”, indicou.

Nos últimos anos a polícia verificou o aumento de assassinatos, principalmente de homens jovens, que em muitos casos se tratavam de ajustes de contas entre pessoas ligadas ao tráfico.

Layera também falou que há autoridades ameaçadas por conta das novas estratégias e medidas aplicadas para combater o crime organizado.

“Várias autoridades do Ministério do Interior foram ameaçadas além de juízes, procuradores e algumas personalidades dos Direitos Humanos”.[38]

Mesmo autores como Thornton que, em uma análise econômica da questão, pugnam por um caminho de liberação, apontam para essa situação paradoxal da descriminalização da posse para uso e incriminação da produção e comércio. Vejamos:

A única solução de longo prazo para os problemas produzidos pela “utilização equivocada” de um produto, sustento, é a legalização desse produto. Com a legalização, em oposição à descriminalização e outras formas de intervencionismo governamental, o governo trata o produto ou serviço que é mal utilizado tal como se fosse soja, chips de computador, ou lápis. O mercado é controlado pelo autointeresse e por restrições legais normais, tais como a lei de responsabilidade pelos produtos.

Este livro pode ser considerado como um desafio para os defensores das proibições, para que apresentem uma teoria que descreva os benefícios da proibição. Também pode ser visto como um desafio para aqueles que recomendam que a proibição seja substituída por alguma forma de descriminalização. Embora possa ser uma boa política de transição, a descriminalização (farmácias do governo, alta tributação, multas pesadas etc.) manteria um mercado negro, é uma política instável e não cria pré – condições necessárias para reverter ou limitar o abuso de drogas. [39]

E mais à frente apresenta um diagnóstico que indica para a grande dificuldade em lidar com essas políticas:

“Mudanças substantivas na política são no mínimo difíceis, e quando acontecem são quase sempre uma substituição de uma forma de intervenção governamental por outra”. [40]

Vale destacar a pertinente indagação e o alerta de Silva:

E quem irá fornecer a droga para os usuários hipossuficientes? O Estado? Certamente que não! O usuário continuará a comprar a droga dos traficantes. Mesmo que o Estado passe a fornecer a droga de forma controlada, nem assim o tráfico irá acabar. A procura será muito maior do que a oferta. E o Estado não terá condições de fornecer todos os tipos de drogas, o que o traficante saberá explorar. Além do que, mesmo que fornecida por particular autorizado pelo Estado, o preço praticado pelo traficante, livre de impostos e taxas, será bem mais vantajoso para o usuário. [41]

E em arguta manifestação, desta feita em videoaula, o mesmo autor deixa claro que a descriminalização da maconha somente favorecerá aos traficantes com o aumento de seu uso, rumando nosso país para tornar-se um “narcoestado”. Além disso, destaca que pelo mundo afora as experiências de descriminalização ou liberação, inclusive somente da maconha, têm sido grandes fracassos criadores de caos social. Apresenta os exemplos de São Francisco, Los Angeles, Califórnia, Colorado, nos Estados Unidos e também a experiência do Canadá. Em todos os casos há hoje um intento de revisão dessa medida porque suas consequências foram invariavelmente funestas. [42]

Outro aspecto que merece comentário se refere às consequências da liberação das drogas quanto à disseminação de seu uso e até que ponto este seria deletério à sociedade. Neste diapasão vale ainda destacar a ideia da ampliação da assistência, proteção e recuperação do dependente dentro da conjuntura brasileira.

Argumenta-se em ambos os sentidos: os defensores da liberação acenando com a vulgarização que produziria uma diminuição no interesse pelas drogas, e os conservadores alegando que a liberação produziria um aumento considerável no consumo pela facilidade criada, gerando nefastas consequências, especialmente junto à população jovem.

A resposta a esta polêmica parece-me que somente se poderia verificar na prática. Neste ponto há que se questionar se vale a pena a experimentação, se podemos assumir os riscos de um eventual resultado negativo, cujas sequelas poderiam ser incorrigíveis. Churchill já nos alertava que “o futuro está diante de nós para criar ou estragar”. [43]

A experiência internacional desastrosa da Holanda deveria ser um norte. Constata-se que aquele país, após liberar a maconha não experimentou a extinção do tráfico nem uma considerável diminuição do uso de drogas, mas uma degradação social e a atração de um “turismo de drogas”. [44]

E mais, sabe-se que o consumo das chamadas “drogas permitidas” (álcool, tabaco etc.) é generalizado no convívio social, não havendo, portanto, garantia na redução do consumo de entorpecentes devido à liberação. Então é desejável que a discussão em torno do tema também caminhe para uma pesquisa demonstrativa da capacidade de causar dependência dos entorpecentes, cujo uso se pretenda liberar. Seria possível que uma pessoa consumisse “maconha” ou “cocaína” socialmente, sem tornar-se dependente? Certamente é uma questão a ser discutida, especialmente quanto ao perigo da colocação de substâncias de alto poder dependenciante [45] ao alcance da exploração econômica, cuja inescrupulosa atuação “legal” muitas vezes é mais prejudicial que a maioria das condutas típicas.

Vale transcrever o entendimento de Silva:

Aquele velho argumento de que o álcool também é droga, sinceramente não convence. Não é porque a situação está ruim que nós vamos piorá-la. O número de pessoas alcoolistas é enorme, e não é por isso que vamos aumentar a quantidade de viciados em drogas.

Um dos motivos que inibe o uso da droga é o fato dela ser proibida. Liberando o seu uso, que é o que a descriminalização irá fazer, certamente vai incentivar a dela se valerem aqueles que têm medo das consequências, seja na área penal ou na social. Se, é permitido, porque não posso fazer uso social da maconha, da cocaína, do crack e de outras drogas? Essa indagação passará pela cabeça de inúmeras pessoas, mormente das mais jovens. [46]

E mais adiante, conclui o mesmo autor:

A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal não é o caminho. Ela somente irá aumentar o número de usuários e de viciados, além de fomentar o tráfico e colaborar para o aumento dos crimes violentos. Glamourizar o uso de drogas, enaltecer ou mesmo justificar a conduta daquele que as vende, dentre outros motivos, para saciar seu vício, é atitude impensada, irresponsável e que prejudicará ainda mais o combate ao comércio maldito. [47]

Também relevante é a observação de que na área da saúde pública, sob o ângulo da proteção à integridade do usuário de drogas, ante a falta de recursos, pouco mudaria. Ora, o Estado não atende com dignidade sequer os doentes que abarrotam os corredores dos hospitais, não fiscaliza adequadamente produtos de primeira necessidade (carne, leite etc.) que são produzidos e consumidos inadequadamente e com higiene precária. A descriminalização teria a capacidade de mudar este estado de coisas e possibilitar repentinamente melhores condições de consumo e tratamento aos dependentes e usuários?

Consigne-se, por oportuno, o parecer de Silva:

Que me desculpem os defensores da legalização das drogas, mesmo que somente a maconha, mas os argumentos empregados não se sustentam, não sendo razoável trazer para o debate o “sucesso” em alguns países de primeiro mundo, que estão a anos luz de desenvolvimento humano, material e social do Brasil.

E mesmo esse “sucesso” é discutível, vez que há países, como o Uruguai, com desenvolvimento social semelhante ao nosso, que a situação só piorou, havendo aumento da traficância e dos crimes a ela relacionados. [48]

Conforme exposto, eis as questões que se afiguram como cruciais na discussão do assunto em tela, entre outras que certamente deverão merecer um amplo debate na sociedade para que qualquer decisão seja tomada madura e conscientemente.

Finalmente, deve-se salientar novamente o reconhecimento da coerência e justiça das ideias relacionadas pela autora em destaque no texto, colocando-o como um questionamento salutar. No entanto, não se pode deixar de notar que a solução da criminalidade não está no Direito Penal, seja exacerbando seu conteúdo repressivo-punitivo, seja procurando minimizar sua incidência. O problema é interdisciplinar e passa fundamentalmente por mudanças estruturais da sociedade.

Possivelmente numa ordem social justa com divisão equitativa de riquezas ou ao menos não tão injusta e heterogênea, a descriminalização das drogas fosse indiscutivelmente um fator redutor da violência. O mesmo se pode dizer quanto à questão dos usuários, acaso fosse viável uma efetiva prestação de serviços no sentido de melhorar a garantia de suas integridades física e mental. A pedra de toque está em alterar a visão pontual das reformas sociais, escapando à ilusão de que com alterações em um único ou poucos campos se poderão obter transformações de relevo, especialmente quanto à questão da violência.

Fato é que países mais desenvolvidos e com melhor distribuição de renda do que o Brasil fracassaram com a liberação de drogas. Não há motivos para considerar que em nossa realidade precária insistir numa mesma solução infrutífera e até contraproducente em ambientes mais propícios, milagrosamente, produziria efeitos diversos e positivos. [49] Isso nada mais é do que insistir em fazer as mesmas coisas, esperando resultados diversos.

Mais uma vez percebe-se que há uma agenda progressista descolada da realidade e do senso comum da população, encastelada na academia nefelibata e nos meios jurídicos por ela influenciados. Trata-se, na verdade, da imposição vertical da convicção de uma espécie de “casta” que parece considerar que se a realidade não se adequa à suas ideias, pior para a realidade.

Karam, como muitos outros autores, consciente ou inconscientemente, cai num argumento circular quanto à deslegitimação do Direito Penal e a tendência ao chamado “Abolicionismo”. Apresentam-se funções impossíveis de ser concretizadas pelo Direito Penal e se lhe atribui a obrigação de satisfazê-las. Neste caso específico, o tratamento profilático e terapêutico do uso e abuso de drogas. Isso não é missão do Direito Penal, tal como não lhe pode ser imposta a finalidade de recuperação dos criminosos. Atribuir ao Direito Penal essas funções impossíveis a ele é deslegitimá-lo de pronto e cair no abolicionismo sem maiores cautelas. Bem explica essa viciosa propensão Canto Júnior:

E por que impõem que a função da pena é, também, ressocializadora? Simples: quando você impõe um dever impossível a algo, ou a alguém, esse algo ou alguém perde totalmente a legitimidade. Com o Direito Penal não conseguindo fazer o impossível, o caminho para dizer o quanto ele seria inútil já está pavimentado. Mais meia- dúzia de argumentos e, quem acreditou na função ressocializadora da pena, acreditará no abolicionismo penal (na extinção de qualquer pena, afinal, ela “não funciona”). [50]

Ao final e ao cabo, o que resta em meio a todo esse imbróglio é mesmo aquilo que já denunciamos desde o início. A questão não é jurídica, não é de Direito. Trata-se de técnica de engenharia social em prol de uma determinada orientação ideológica e política. Voltando a Canto Júnior, é de concordar com sua afirmação:

“A engenharia social é melíflua: seduz o homem a acreditar que está raciocinando criticamente quando, na verdade, está sendo feito, sem meias palavras, de otário”. [51]

Pode o leitor se preocupar com sua imagem em meio a toda essa discussão, temendo receber a pecha de “punitivista” por parte de alguns setores, ao questionar o mantra da legalização ou da descriminalização como solução. Sobre isso, somente podemos dizer que a atribuição de um epíteto como “punitivista” não é argumento respeitável numa discussão de um problema jurídico e social. Não passa de uma expressão sentimentalista injuriosa. Deixamos, em encerramento, o caro leitor com a orientação de Bonfim a respeito dessa questão:

Punitivista é expressão vazia que alguns repetem sem pensar. Ontologicamente todos são “punitivistas” (não trato aqui dos santos) ou não se busca “punir” de alguma forma, em qualquer perspectiva que seja, alguém que infrinja alguma regra ou mesmo um conceito particular? A rigor, nem vejo ofensa nisso, mas, quem assim chama a outrem, intenta “puni-lo” com o que acredita ser uma ofensa, apenas por pensar diversamente. É, pois, um “ataque” para o espelho. Mas, “o que responder se alguém assim me chamar, professor?”. Nada. É hora de silêncio, paciência e comiseração. A ignorância é cruz cruel que se arrasta sobre a terra.  [52]

3-DA NATUREZA JURÍDICA DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS

A polêmica instalou-se na interpretação doutrinária acerca da natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas, tendo em vista a previsão de penas inusitadas pelo legislador a ensejarem verdadeira perplexidade ante a premência da resposta quanto a tratar-se o ilícito ali previsto de um crime, de uma contravenção penal ou de mero ilícito administrativo.

Um dos primeiros autores a manifestar-se corajosamente nesse terreno irregular e minado foi Luiz Flávio Gomes, defendendo a tese de que a Lei 11.343/06 teria promovido verdadeira “Abolitio Criminis”, descriminalizando a posse de drogas para consumo próprio. Em seu entender, o que justificaria tal conclusão seria o fato de que, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Penal (artigo 1º.), não se poderia classificar o dispositivo nem como crime, pois não prevê pena de reclusão ou detenção, nem como contravenção, já que também não prevê multa isolada ou prisão simples. Portanto, o artigo 28 do diploma comentado não mais trataria de uma “infração penal”, embora mantendo a ilicitude da conduta. [53]

Gomes lembra sobre a divisão da descriminalização em duas espécies [54]:

  1. “Descriminalização Penal”, que “retira o caráter de ilícito penal da conduta, mas não a legaliza”.
  2. “Descriminalização Plena ou Total”, a qual “afasta o caráter criminoso do fato e lhe legaliza totalmente”.

Como é nítido, para o autor o caso enfocado caracterizaria uma “descriminalização penal”, de forma que a posse de drogas para consumo próprio não seria mais uma “infração penal” (crime ou contravenção), mas continuaria sendo proibida, de maneira a conformar uma “infração ‘sui generis’” [55] ou ainda uma “infração para – penal”. [56]

Descarta inclusive o autor a possibilidade de que se pudesse considerar o artigo 28 da Lei de Drogas como um “ilícito administrativo”, vez que “as sanções cominadas devem ser aplicadas não por uma autoridade administrativa e sim por um juiz (juiz dos Juizados Criminais)”. Enfim, tratar-se-ia de um “ilícito ‘sui generis’”, nem penal, nem administrativo. [57]

Seguindo linha de raciocínio semelhante, João José Leal chega, porém, à conclusão de que o artigo 28 da Lei de Drogas representaria sim uma infração penal, embora nem crime nem contravenção. Teria sido criada pelo legislador o que o autor denomina de uma “infração penal inominada”, no bojo de uma “descriminalização branca”. [58]

Por seu turno, Rodrigo Iennaco de Moraes defende a tese de que não houve descriminalização ou “Abolitio Criminis”. Para ele o artigo 28 da Lei 11.343/06 descreveria uma “contravenção penal”, na medida em que seria uma infração penal que não é punida com reclusão ou detenção. Além disso, aduz o autor que a Lei 11.343/06 prevê que em caso de descumprimento das penalidades arroladas no artigo 28, poderá haver a aplicação de pena isolada de multa (artigo 28, § 6º., II), de forma a coadunar-se a referida infração penal ao conceito de contravenção delineado pelo artigo 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal. [59]

Finalmente, constata-se que a maioria da doutrina até o momento tem se posicionado pelo reconhecimento de que o artigo 28 da Lei de Drogas prevê mesmo um “crime”. [60]

Para fundamentar essa conclusão têm sido acenados alguns argumentos:

Em primeiro lugar tem sido mencionado o fato de que o artigo 28 está alocado no Capítulo III, cujo sugestivo título é “Dos crimes e das penas”. Ademais, as medidas que podem ser impostas aos infratores são também denominadas pela própria lei de “penas” (vide artigo 28, “caput”, “in fine”).

Particularmente, considera-se tal argumentação extremamente superficial e contaminada por um legalismo similar à antiga “Escola da Exegese”, caracterizada pela limitação a uma “interpretação passiva e mecânica das leis”. [61] Ademais, sob o prisma epistemológico sugere a adoção de uma espécie de “nominalismo” que não perscruta a verdadeira natureza ou substância das coisas.

Para determinar a natureza jurídica de um instituto não basta ao intérprete constatar a “etiqueta” imprimida pelo legislador. Este não tem o poder de alterar de uma penada a natureza jurídica dos institutos, o que está ligado a muito mais do que as palavras da lei. Está relacionado à conformação íntima de cada instituto, em suma, ao seu verdadeiro espírito, que não pode ser perscrutado sem maiores aprofundamentos. [62]

Entretanto, a corrente doutrinária em estudo não se limita a essa linha argumentativa tão frágil e que somente pode ser encarada como ancilar de fundamentos mais robustos.

Efetivamente traz à colação o fato de que uma vetusta lei ordinária (Decreto – Lei 3914/41 – Lei de Introdução ao Código Penal) não pode limitar os contornos das infrações penais no atual estágio da legislação brasileira, inclusive em face de inovadores preceitos constitucionais que versam sobre o tema.

Realmente o artigo 5º., XLVI, alíneas “a” a “e”, CF, apresenta um rol muito mais amplo do que as penas de reclusão, detenção, prisão simples e multa previstas pela legislação ordinária de 1941. Frise-se ainda que esse rol mais amplo nem sequer é taxativo, mas meramente exemplificativo, pois que o dispositivo arrola as penas ali elencadas com a ressalva de que o legislador as poderá adotar “entre outras”. [63]

Aliás, a velha lição de que o Brasil é partidário do chamado “Sistema Dicotômico ou Bipartido” no que tange às infrações penais, dividindo-as em crimes e contravenções e não em crimes, delitos e contravenções como ocorre no chamado “Sistema Tricotômico ou Tripartido” adotado por outros países como, por exemplo, a França, [64] vem sendo posto em cheque, considerando as inúmeras inovações legislativas que praticamente implodiram o sistema, ampliando sobremaneira as possibilidades de classificação das infrações penais brasileiras.

Muito bem descreve esse fenômeno Artur de Brito Gueiros Souza ao destacar o surgimento de uma justificada dúvida quanto a saber se realmente o Brasil continua adepto de um sistema bipartido ou se já migrou para um sistema tripartido ou até mais ampliado, mencionando-se uma suposta classificação em “crimes hediondos”, “crimes não – hediondos” e “infrações de menor potencial ofensivo”, as quais abrangem alguns crimes e todas as contravenções (inteligência das Leis 8072/90 e 9099/95).[65] Isso sem contar uma possível subdivisão das infrações, acrescentando uma categoria que se denominaria de “infrações de médio potencial ofensivo”, composta pelos tipos penais que comportam a suspensão condicional do processo nos termos do artigo 89 da Lei 9099/95, o que conduziria até mesmo a um sistema quadripartido.

Dessa forma, ter-se-ia operado com o advento do artigo 28 da Lei 11.343/06 uma “descarcerização”, mas não uma “descriminalização” ou “Abolitio Criminis”.

Como já consignamos em obra anterior em conjunto com Francisco Sannini:

O caso, aliás, foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 430.105, da relatoria do Min. Sepúlveda Pertence. Na ocasião, a Corte rejeitou “o argumento de que o art. 1º do DL 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais) seria óbice a que a novel lei criasse crime sem a imposição de pena de reclusão ou de detenção, uma vez que esse dispositivo apenas estabelece critério para a distinção entre crime e contravenção, o que não impediria que lei ordinária superveniente adotasse outros requisitos gerais de diferenciação ou escolhesse para determinado delito pena diversa da privação ou restrição da liberdade”.

Nessa mesma oportunidade o STF firmou o entendimento de que não houve “descriminalização”, mas uma “despenalização”, com a impossibilidade da adoção de penas privativas da liberdade. Com a devida vênia também ao STF, mas não se pode falar em “despenalização”, haja vista que o próprio tipo do artigo 28 estabelece que os autores desse crime estarão submetidos “às seguintes penas”, que somente não serão privativas da liberdade, mas, ainda assim, de natureza sancionatória penal. Houve, na verdade, uma verdadeira “descarcerização”[66] ou “desprisionalização”[67] e não uma “despenalização”.

Note-se que esse viés descarcerizador adotado pelo legislador no caso do usuário de drogas é reforçado no artigo 48, §§2º e 3º, da Lei 11.343/06, onde se estabelece a impossibilidade de prisão em flagrante nas hipóteses do artigo 28. [68]

Observe-se, portanto que o Supremo Tribunal Federal vem atuando de forma errática a respeito da determinação da natureza jurídica da conduta de posse de drogas para consumo próprio. No bojo do RE 430.105 afirma que houve “despenalização” (sic) ou “descarcerização”, sem “descriminalização”. O dispositivo era então interpretado como um crime.

No entanto, ao agora julgar o RE 635659, com repercussão geral (Tema 506), acaba deixando de lado seu próprio precedente para reconhecer uma “descriminalização” da conduta prevista no artigo 28 da Lei 11.343/06, que passa a encarar como um “ilícito administrativo”.

Na verdade, o STF já havia reconhecido o artigo 28 como um “crime” no julgamento do RE 430.105. Agora lhe cabia apenas afirmar se esse “crime” era constitucional ou não, se era legítimo ou ilegítimo. Mas, que era um crime previsto pelo legislador, o próprio STF já havia decidido. Parece que o Tribunal Supremo se perdeu e confundiu os objetos dos dois Recursos Extraordinários, olvidando que já havia proferido decisão antecedente quanto à natureza jurídica do artigo 28 da Lei de Drogas. Agora o tema era apenas da sua constitucionalidade abstrata.

Acabou fazendo uma confusão entre “despenalização” e “descriminalização” e promovendo dificuldades e perplexidades em uma legislação já consolidada. Conforme entende Capez:

A decisão do STF, ao confundir despenalização com descriminalização, vai gerar novamente insegurança jurídica. A Lei nº 11.343 está em vigor desde 8 de outubro de 2006, sem qualquer declaração anterior de inconstitucionalidade. A opção política do legislador em criminalizar o perigo de circulação da droga deve ser respeitada, pois, além de não conflitar com a CF, atende ao comando de seu artigo 5º, caput, que exige proteção eficiente ao bem jurídico. A lei obedeceu ao princípio da proporcionalidade, ao não cominar pena privativa de liberdade e atendeu às exigências do princípio da alteridade, não criminalizando o uso, apenas a posse para uso futuro. Estabeleceu ainda clara diferenciação em relação ao tráfico, punido em grau bem mais elevado de censurabilidade (reclusão de 05 a 15 anos e multa pesada). É uma lei equilibrada e criteriosa.

A excessiva incursão principiológica tem levado o Poder Judiciário a revogar leis, com base em princípios genéricos, fazendo prevalecer concepções pessoais dos julgadores sobre a vontade objetiva da lei. Os princípios devem atuar de modo excepcional porque são mandamentos vagos de otimização, desprovidos de conteúdo definitivo e com instabilidade conceitual em seus comandos. [69]

Quando a ideologia se exacerba nos julgadores surgem decisões teratológicas como esta do RE 635659, Tema 506. No afã de fazer andar a agenda progressista de liberação das drogas, o Supremo acaba retomando uma questão já decidida que já não era objeto da controvérsia, alterando sua própria posição e tomando medidas que não são de sua competência ou atribuição.

Poderia também fazer andar sua tão cara agenda simplesmente reconhecendo o artigo 28 da Lei 11.343/06 como inconstitucional e promovendo “abolitio criminis” com legalização das drogas hoje ilegais no Brasil, ao menos para a posse para consumo próprio. Acontece que, como já visto neste texto, essa agenda é construída aos poucos a fim de não chocar a opinião pública, de forma que quando houver uma liberação total ninguém ou muito poucos se deem conta, já que estarão embotados pela normalização paulatina das drogas. Há uma estratégia que impede movimentos bruscos.

Daí surgem as limitações que têm o objetivo não declarado, certamente inconfessável, de tornar palatável uma medida apresentada como de menor relevância, a qual servirá, futuramente, de alicerce ou degrau para a sustentação de providências mais amplas e radicais.

E nessa toada, acaba-se criando um monstrengo e uma série de problemas e dúvidas.

Afinal, o que o STF fez foi afirmar que o artigo 28 da Lei de Drogas não seria um crime, operando uma “descriminalização”. Seria então um “ilícito administrativo”. A ideia é não assumir o intento de “legalização” de qualquer droga, já que continuaria sendo um ilícito, embora não criminal. Além disso, impõe o Supremo outro limite com relação à espécie de droga cuja posse para consumo seria apenas ilícito administrativo, qual seja, a “maconha”.

Dessa forma, nos deparamos com um monstrengo jurídico de duas cabeças:

a)O artigo 28 da Lei 11.343/06 seria ilícito administrativo quando se tratar de posse de maconha;

b)O mesmo dispositivo continuaria como ilícito penal (de acordo com a decisão precedente do próprio STF no RE 430.105, seria um “crime”).

Como já dito, a ideologia exageradamente impregnada em decisões judiciais acaba criando teratologias nunca antes vistas. Temos agora, por força jurisprudencial, um dispositivo legal que, ao mesmo tempo, é crime e não é crime; é ilícito administrativo e não é ilícito administrativo. Isso notoriamente contraria o mais comezinho princípio lógico da “não contradição”, o qual determina que uma coisa não pode ser e não ser concomitantemente. Mas, quem se preocupa com a lógica, a racionalidade e cientificidade quando a ideologia se sobrepõe a tudo?   

De qualquer forma, vale lembrar o ensinamento de Amerio:

Mas é impossível para a mente humana, ou para qualquer mente, fazer coexistir termos contraditórios, isto é, o verdadeiro e o falso. Essa coexistência só seria possível com uma condição impossível: se o pensamento não se dirigisse ao ser das coisas, ou se o ser e o não – ser fossem equivalentes. [70]

No próximo item abordaremos os diversos problemas, questionamentos e dúvidas que surgem com essa decisão, para dizer o mínimo, inusitada, do Supremo Tribunal Federal.

4-TENTANDO SOLUCIONAR OS PROBLEMAS E DÚVIDAS

4.1-HÁ OU NÃO UM BEM OU OBJETO JURÍDICO TUTELADO PELO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS?

Um dos fundamentos para a descriminalização das drogas e até mesmo para sua legalização é o acatamento da tese de que a incriminação da posse para consumo violaria a autodeterminação individual e puniria as pessoas por uma conduta que não ultrapassa o âmbito da autolesão. Enfim, a conduta de posse de drogas para consumo próprio não teria força transcendente para atingir terceiros em seus bens jurídicos.

Nesse passo a criminalização da posse para consumo configuraria, na visão de autores como Feinberg, uma espécie de “Paternalismo Legal” que seria “censurável” porque trata adultos capazes como se fossem pessoas incapazes, forçando-os “a agir ou deixar de agir de certa maneira”, o que constitui uma violação “à autodeterminação e autonomia de vontade de seres competentes”. [71]

Como já expusemos em obra anterior,

de forma minoritária, encontramos na doutrina posicionamento no sentido de que os tipos penais da Lei 11.343/06 não tutelam bem jurídico algum, sob a perspectiva de que se a preocupação do legislador fosse, de fato, a saúde pública, a opção pela criminalização da produção e do consumo de drogas não seria a mais adequada, especialmente se considerarmos a arbitrariedade existente na distinção entre as drogas lícitas e ilícitas e a ausência de um controle oficial sobre a qualidade das substâncias produzidas ilegalmente. [72]

Na visão de QUEIROZ, “a alegação de que tutelaria a saúde pública constitui simples pretexto para legitimar uma opção político-criminal irracional, violenta e absolutamente desastrosa”. O mencionado autor afirma que a tese não se sustenta e expõe seus argumentos:

Primeiro, porque a proibição indiscriminada acaba por inviabilizar a realização de um controle oficial mínimo sobre a qualidade da droga produzida e consumida, inclusive porque as autoridades sanitárias nada podem fazer a esse respeito, em razão da clandestinidade; segundo, porque os consumidores não têm, em geral, um mínimo de informação sobre os efeitos nocivos das substâncias psicoativas; terceiro, porque o sistema de saúde (hospitais, médicos, planos de saúde etc.) não está minimamente aparelhado para atender aos usuários e dependentes; quarto, porque o próprio usuário é ainda tratado como delinquente, e, pois, como alguém que, mais do que tratamento, precisa de castigo. [73]

É preciso destacar que, de acordo com esse pensamento, não seria somente a posse de drogas para consumo próprio ou apenas da maconha que não se legitimaria à criminalização. Seria desprovida de legitimidade a criminalização de qualquer posse de qualquer droga e também a sua produção e comércio. Se há a assunção de que inexiste bem ou objeto jurídico penalmente tutelável, cai por terra qualquer espécie de incriminação.

Portanto, o teor da decisão do STF não se conforma com a citação dessa espécie de argumento.

Para que o STF tenha mantido a incriminação da produção e comércio, bem como da posse, ainda que para consumo próprio de outras drogas diversas da maconha, é preciso que tenha partido do entendimento da existência de um objeto jurídico ou bem jurídico tutelável penalmente.

Neste sentido também já nos manifestamos em obra anterior:

O direito fundamental tutelado pelos tipos penais incriminadores previstos na Lei 11.343/06 é a Saúde Pública, ameaçada pelo perigo social causado pela circulação de drogas ilícitas no território nacional. Vale consignar que estamos diante de crimes de perigo abstrato, onde, com base em dados empíricos, são punidas algumas condutas que colocam em risco o bem jurídico penalmente tutelado.

Isso significa que os crimes da Lei de Drogas dispensam a comprovação do risco efetivo à Saúde Pública, bastando a comprovação da conduta, sendo o risco presumido pela própria lei. [74]

Diverso não é o posicionamento de Silva:

Não está sendo punida a autolesão, como apregoam muitos, mas o perigo que o uso da droga traz para toda a coletividade. Também não está sendo violada indevidamente a intimidade e a vida privada do usuário de drogas, uma vez que esses direitos não são absolutos e podem ceder quando entrarem em conflito com outro direito de igual ou superior valia, como a saúde e a segurança da coletividade.

Se, é certo, que o uso de drogas prejudica a saúde do usuário, o que ninguém coloca em dúvida, também é certo que ele não é o único prejudicado. A coletividade como um todo é colocada em risco de dano. A saúde pública é bem difuso, mas perceptível concretamente. E cabe ao Estado proteger seus cidadãos dos vícios que podem acometê-los. O vício das drogas tem o potencial de desestabilizar o sistema vigente, desde que quantidade razoável de pessoas for por ele atingida.

Não há levantamento do número de mortes por overdose ou por doenças causadas pelo uso de drogas ilícitas. Também não há estatística confiável do número de crimes que são cometidos por pessoas sob o seu efeito. E, também, não são sabidos quantos crimes são praticados pelo fato de a vítima ser usuária de drogas.

Mas uma coisa não pode ser negada, o malefício das drogas, seja de forma direta ou indireta, é muito grande.

Bem por isso esse crime é considerado de perigo abstrato, ou seja, o risco de dano não precisa ser provado, sendo presumido de forma absoluta.

Quem milita na área penal, notadamente no Júri, sabe que boa parte dos crimes de homicídio é cometida por pessoas que se encontram sob o efeito de drogas, sejam lícitas ou ilícitas. Muitos crimes são praticados contra os usuários de drogas por algum motivo relacionado ao seu vício (desentendimentos, pequenos crimes, dívida com traficantes etc.). [75]

Mantidas parcialmente as incriminações da Lei 11.343/06 é forçoso concluir que se admite (incluso o STF) a existência de bem jurídico penalmente tutelado.

Nesse passo é incompreensível a descriminalização seletiva de uma droga específica (maconha) que não foi retirada da lista de substâncias proscritas da Portaria ANVISA/MS 344/98 (Anexo I, Lista E, item 1, “Cannabis Sativum”) por quem de direito.

É claro que bens jurídicos também podem ser tutelados por outros ramos do Direito (v.g. administrativo, civil etc.). Mas, não é compreensível como poderia um Tribunal atropelar o legislativo e o executivo que apontaram para a tutela penal das drogas, incluindo a maconha, sem abrir mão da existência de um objeto jurídico tutelável no âmbito criminal. E de qualquer maneira, mantendo a proibição administrativa e penalidades mesmo para o usuário, não é possível afirmar que se tenha abandonado certo grau elevado de “paternalismo negativo”. Albergar esse argumento do suposto “paternalismo negativo” quanto às drogas somente levaria à sua liberação geral, inclusive comércio e produção, com meras fiscalizações naturais atinentes a medicamentos e produtos alimentícios, nada mais que isso.

Reafirmar a legitimidade da Lei 11.343/06 em quase sua totalidade e deslegitimar a incriminação da posse da maconha, sem que o complemento das normas penais em branco próprias ou heterogêneas, que compõem o diploma em estudo tenham sofrido qualquer alteração técnica pelo Ministério da Saúde é algo insustentável, não somente por invasão de atribuição do executivo, extrapolação da matéria constitucional do Recurso Especial respectivo, mas por não conter o mínimo de lógica e racionalidade demonstrável. A única lógica e racionalidade que se pode constatar é a da ideologia que impulsiona o ativismo judicial a satisfazer uma agenda programada e uma estratégia já aqui exposta.

Percebe-se que a decisão do STF é ilegítima, carece do mais mínimo fundamento. Mas, tendo em vista a atual realidade nacional em que esse Tribunal Superior impõe verticalmente sua vontade, sobrepondo-se aos demais poderes constituídos, à lei e também à Constituição que deveria proteger, fato é que diante de um caso de posse de maconha, haveremos de considerar a presença de mero ilícito administrativo. Antes diríamos, mesmo diante de uma lei defeituosa, “legem habemus” numa conformidade desanimada e faríamos uma proposta de solução de “lege ferenda”. Hoje passamos a dizer “decisum habemus” numa submissão daquele que não tem alternativa.

4.2-ARTIGO 28 DA LEI DROGAS: NORMA MUTANTE, HÍBRIDA, QUIMÉRICA, BIFRONTE, TRANSFORMER OU FLUÍDA?

Em meio à embriaguez que tomou conta do STF, em raro momento de sobriedade, o Ministro Dias Toffoli parece ter intuído a ilogicidade da criação de uma norma que se transmuda de ilícito administrativo para penal; de inconstitucional para constitucional ao soprar do vento (ou, quem sabe, da fumaça). Manifestou-se (sejamos favoráveis ou não) pela descriminalização coerente de todas as drogas e não somente de uma delas. [76] Afinal, o que cabe ao Supremo não é detalhar normas, isso é missão do legislador ordinário, e sim analisar e declarar sua constitucionalidade ou não. Conforme o decidido, a norma terá validade e eficácia ou perderá esses atributos, ainda que permaneça vigente, “tertium non datur”. É claro que é possível que apenas parte de uma norma seja considerada inconstitucional, mas então essa parte será invalidada “in totum”, inexiste possibilidade de uma espécie de meio termo. Ou há inconstitucionalidade ou não, não existe norma “meio inconstitucional” assim como não existe uma mulher “meio grávida”.

A verdade é que a decisão do STF, ainda que contendo uma espécie de “modulação” quanto ao objeto (maconha) não será capaz de aplacar a enxurrada de interpretações doutrinárias e jurisprudenciais tendentes a ampliar o escopo da normatização jurisdicional levada desastrosamente a efeito.

Ocorre que não é possível “modular” a aplicação de princípios gerais do Direito e especiais do Direito Penal, tais como a isonomia, a proporcionalidade, a razoabilidade, o “Favor Rei” e a analogia “in bonam partem”.  

É praticamente impossível não reconhecer, face aos princípios gerais do Direito e especiais do Direito Penal a ampliação da abrangência do “decisum” do STF para abarcar todos os casos de posse de drogas para consumo próprio. Já é monstruosa essa decisão só para maconha. Já é medonho fugir da abstração da questão constitucional para adentrar em espécies de drogas, quantidades, procedimentos etc. Já basta toda essa loucura. A analogia benéfica se apresenta impositiva por um mínimo de isonomia e justiça em meio a essa bagunça. Será realmente crível que aqueles membros do STF que votaram para a descriminalização somente da maconha não sabiam desses efeitos praticamente inevitáveis? Ou queriam mesmo uma descriminalização total, sem o ônus de arcar com a responsabilidade de tal decisão? Queriam, talvez, poder mais tarde lavar as mãos, dizendo: “descriminalizamos somente a maconha, foi o mundo jurídico que reagiu e ampliou nossa decisão”.

Um questionamento pode ser validamente apresentado diante desse quadro: se consideramos que a atuação do STF foi absolutamente ilegítima quanto à descriminalização da maconha, não estaríamos, contraditoriamente, ampliando essa mesma ilegitimidade, estendendo seu efeito a outras drogas ilícitas? Não estaríamos avançando mais que o próprio STF no tema?

A resposta é positiva, mas acontece que, como já exposto, porque o STF desrespeita continuamente os mais variados regramentos e princípios jurídicos não se pode e não se deve assimilar esses erros e abandonar todo o arcabouço normativo e principiológico que sustenta a juridicidade e a cientificidade do Direito. As consequências jurídicas de decisões que acabam, por força abusiva, sendo impositivas, não podem ou devem ser afastadas sob qualquer pretexto. Isso significaria esboroar todo o edifício jurídico já carcomido por atuações ilegítimas. A metodologia é realmente cruel e impassível, de maneira que parece contar mesmo com os efeitos daquilo que ainda pode restar de juridicidade e cientificidade no Direito, exatamente para ampliar pontual e casuisticamente os efeitos de seus desbordamentos. Malgrado isso, fiquemos com a lição de Josemaria Escrivá:

“Não te esquives ao dever. Cumpre-o em toda a linha, ainda que outros deixem de cumpri-lo”. [77]

Como já foi dito aqui, questões jurídicas aparecem em torno dessas e outras decisões do STF, mas o Tribunal não atua sempre juridicamente.  Há muita farsa, muita encenação no sentido teatral. Para começar a entender essas estratégias, é preciso iniciar pela leitura de Pascal Bernardin em seu livro “Maquiavel Pedagogo”, conforme já exposto neste texto. Neste quadrante, especificamente, estamos diante de uma estratégia sutil de “normalização” sócio – cultural das drogas. Não se trata de nada jurídico nem mesmo clínico, é engenharia social lenta e paciente.

O mundo jurídico se vê em polvorosa diante das teratologias ocasionadas pelo espúrio amálgama entre ideologia e Direito.

Nestor Távora vem a publico para tentar solucionar o mistério da “norma” ou das “normas” que se poderiam extrair da tresloucada decisão do STF. Afirma que a partir do julgamento do RE 635659, Tema 506 (repercussão geral) passaria a existir duas modalidades de posse de drogas para consumo próprio ou de “usuários”: A “simples” (infração administrativa – maconha – “cannabis sativa”) e a “qualificada” (infração penal, crime – demais drogas ilícitas). [78]

É permitido afirmar que se Távora pretendeu criar nomenclaturas para espécies ou tipos de “usuários” tão somente, considerando o teor literal da decisão do STF, isso até pode ser aceitável teoricamente. No entanto, se há a pretensão de referir-se às infrações em si, acenando com uma forma “simples” e outra “qualificada”, isso é inviável. Ocorre que quando há previsão de um ilícito “simples” e “qualificado” isso só pode se dar num mesmo ramo do Direito. No caso, seria o Direito Penal. Em um dado tipo penal podemos ter uma forma simples e outra ou até várias qualificadoras. São exemplos de trivial conhecimento o furto (simples e qualificados); o roubo (simples e qualificados); o homicídio (simples e qualificados) etc. Agora, quando uma dada infração é um ilícito administrativo e outra é penal, não há falar em forma “simples” (administrativa) e “qualificada” (penal). Nessa situação o que existe são normas de diversa natureza que se referem a ramos diferentes do Direito. Nunca se falou que se alguém submetido ao exame do etilômetro resultasse positivo para álcool, mas sem atingir as margens para configuração do crime do artigo 306, CTB, haveria uma figura “simples” de mero ilícito administrativo e, por outro lado, se atingido o patamar necessário para configuração do crime do artigo 306, CTB, haveria uma figura “qualificada” de caráter criminal. Não, o que existe é o ilícito administrativo num caso (artigo 165, CTB) e o ilícito penal (artigo 306, CTB) no outro. Foi essa distinção que pretendeu fazer o STF, demarcar (muito mal e desastrosamente) o limiar entre a seara administrativa e a penal. Não houve, como seria ainda mais teratológico do que já é tudo isso, a criação de um ilícito “simples” (administrativo) e um “qualificado” (penal), variando de acordo com a espécie de droga ilícita portada pelo usuário ou dependente. A distinção é de “natureza da infração”, não da qualidade ou quantidade (formas simples ou qualificadas) no seio de uma mesma “natureza compartilhada”. O que complica a situação é que normalmente os ilícitos administrativo e penal são previstos em normas diversas (como no exemplo dos artigos 165 e 306, CTB) e não no mesmo dispositivo legal que passa a ser uma espécie de “transformer”. Quando afirmamos que essa atuação do STF criou muita confusão, isso fica evidente ao vermos essas incipientes manifestações na doutrina, capazes de induzir à criação de quimeras ainda mais horripilantes do que jamais pretendeu o próprio Tribunal.

Mesmo a pretensão de divisão teórico – nominativa entre usuários “simples” e “qualificados”,  se melhor estudada, apresenta-se como inadequada, ainda que diante da literalidade da decisão judicial enfocada. A nomenclatura foi criação de Távora, até aí tudo bem, (simples, qualificado), mas o absurdo não foi dele, foi de quem inventou essa insanidade toda. Talvez o mais correto fosse uma classificação das drogas e não dos usuários, mesmo porque ninguém garante que quem é pego com maconha não consuma outras drogas. Então talvez coubesse uma classificação doutrinária em face da decisão do STF: drogas lícitas e drogas ilícitas, mas agora, nesta segunda categoria, teríamos a maconha (droga ilícita administrativa) e as demais (drogas lícitas criminais ou penais). Isso sem considerar a hipótese de extensão dos efeitos da decisão judicial para todas as drogas indistintamente, tendo em vista a principiologia jurídica que rege a matéria.  

Passemos adiante. O STF não somente acenou com a descriminalização da maconha para consumo próprio. Também se aventurou em estabelecer uma quantidade de droga que levaria a uma espécie de “presunção” (relativa) [79] de pose para consumo, afastando a imputação de tráfico. Essa quantidade foi estabelecida em 40 gramas.

Acaso a literalidade da decisão do Tribunal prevaleça, só haverá ilícito administrativo e não penal para a maconha, bem como essa quantidade servirá apenas para uma inicial distinção entre usuário e traficante no caso isolado da maconha e não para as demais drogas ilícitas.

Porém, se a tese acatada for de que foi o artigo 28 da Lei de Drogas que foi reduzido a mero ilícito administrativo, abrangendo então não somente a maconha, mas todas as drogas ilícitas, então cabe solucionar a seguinte questão: também a quantidade de 40 gramas serviria de parâmetro para as demais drogas? Ou essa quantidade fica restrita à maconha?

Pode-se entender que a quantidade de 40 gramas de substância somente se refere ao caso da maconha, como foi literalmente estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal. No caso de outras drogas essa quantidade se mostraria exagerada para um usuário, ao menos em regra, considerando as demais circunstâncias do caso concreto. Doutra banda, não se vislumbra motivação plausível para essa quantidade que foi arbitrariamente imposta com relação à maconha (não há base científica, social, fática ou jurídica de qualquer espécie a sustentar essa quantidade para a maconha). Assim sendo, não há motivo algum para que essa quantidade arbitrária não se estenda para as demais drogas em analogia benéfica. “Alea jacta est”.  

Por derradeiro é interessante destacar que se acirra a característica mutante impingida ao artigo 28 da Lei de Drogas quando se tratar especificamente da substância maconha. De acordo com a literalidade da decisão da Corte Suprema, haveria ilícito administrativo para a posse de maconha para consumo e ilícito criminal para outras drogas proscritas. Aí já temos o artigo 28 como uma quimera bifronte, um monstrengo de duas cabeças.

Porém a coisa pode piorar, de acordo com a literalidade do “decisum” sob comento: quando a droga é a maconha, se a quantidade for até 40 gramas o ilícito será administrativo, mas se for superior, será criminal. Aqui a fluidez do dispositivo é ainda mais acentuada, pois com a mesma substância pode se transmudar entre ilícito administrativo e penal, ainda que se considere caracterizada a posse para uso (sempre respeitando as demais circunstâncias do caso, de acordo com o § 2º., do artigo 28, pois pode haver configuração de tráfico, seja de maconha ou de outras drogas, independentemente da quantidade como fator isolado). [80]

4.3-COM A DECISÃO DO STF O USUÁRIO PASSA A SER TESTEMUNHA CONTRA O TRAFICANTE E PODE SER PRESO POR FALSO TESTEMUNHO ATIVO OU OMISSIVO?

Tendo em vista a polêmica criada sobre a abrangência da decisão do STF apenas com relação à maconha ou também se estendendo para as demais drogas por questões principiológicas, sistemáticas e de equidade, passaremos a nos referir à posse de drogas para consumo, sendo que tal referência poderá no futuro ater-se somente à maconha ou ser mais ampla. Isso dependerá de como for o rumo da prática da aplicação da decisão do Supremo. Como neste exato momento não é possível precisar ou prever profeticamente a posição que virá a predominar, a fim de evitar a necessidade de fazer menção repetida à questão enfocada, usaremos então o termo genérico “posse de drogas para consumo próprio”.

Feito esse esclarecimento inicial, podemos abordar o questionamento objeto deste item.

Como o usuário não seria mais considerado praticante de um crime, seria possível convertê-lo em uma testemunha contra o traficante e, com isso, impor-lhe as penas de Falso Testemunho ativo ou omissivo?

Bitencourt chama a atenção para aquilo que denomina de “paradoxo de a condição de imputado ser travestida na de ‘testemunha’”. Aduz o autor:

O acusado não apenas tem direito ao silêncio, como, inclusive, o de faltar com a verdade, em sua própria defesa. A condição de acusado exclui, ipso facto, a de testemunha. (…). Quem é investigado tem assegurado pela Constituição não apenas o direito ao silêncio, mas fundamentalmente o direito de não produzir prova contra si mesmo. [81]

Mas, se poderia objetar que com a descriminalização das drogas para consumo próprio não haveria aplicação desse direito que compõe o devido processo legal, vez que o usuário não é incriminado, mas apenas responde administrativamente. Nada mais equivocado.

Marta Saad esclarece que “acusação”, em um sentido amplo, “é a atribuição a um indivíduo de um fato juridicamente ilícito”. [82] E é neste sentido amplo que a Constituição atribui o direito ao Devido Processo Legal, com seus corolários, aos “acusados em geral”. [83] Chama ainda à baila o escólio de Marcelo Fortes Barbosa, segundo o qual:

“Com a alusão a ‘acusados em geral’, tem-se por consequência a abrangência de todas as situações coativas, ainda que legais, a que se submetem os cidadãos diante de autoridades administrativas”. [84]

Também Maria Elizabeth Queijo, em seu estudo especializado a respeito do “Direito de não produzir prova contra si mesmo”, deixa evidenciado que essa garantia não se reduz ao Processo Penal (inteligência do artigo 5º. LV e LXIII, CF). [85]

Obviamente, portanto, o “nemo tenetur se detegere” é garantido também àquele a quem é imputada uma infração administrativa.

O Supremo Tribunal Federal, ao descriminalizar o porte de drogas para consumo próprio, deixou bem claro que não estava legalizando tal conduta, mas que esta seguia como um “ilícito administrativo”. Dessa forma, aquele flagrado com drogas, ainda que para consumo próprio, sofre a imputação de uma infração administrativa, não estando, assim, obrigado a produzir prova contra si mesmo no que tange às sanções administrativas aplicáveis.

Por isso não é possível constranger o usuário a prestar uma espécie de “depoimento” contra o traficante, já que isso implicaria em forçá-lo a confessar amplamente o ilícito administrativo que lhe é imputado. Sob ameaça de prisão por suposto falso testemunho, o usuário seria então constrangido, de forma reflexa, a produzir prova contra si mesmo no âmbito administrativo – disciplinar. Por obviedade, tratar-se-ia de abuso de autoridade e constrangimento ilegal, de maneira que a prova obtida seria ilícita.

Ademais, é nítido que o legislador brasileiro vem num movimento de atenuação da repressão ao usuário e o STF, com sua decisão, intensificou exatamente essa tendência. Seria um contrassenso pretender imputar ao usuário de drogas, com a decisão do Supremo, um crime muito mais grave do que aquele pelo qual responderia sem tal decisão. O intento não é, evidentemente, de agravar a situação criminal do usuário, mas até mesmo de afastar sua responsabilização neste campo do Direito. Ora, imputar-lhe por vias transversas, um crime muito mais gravoso iria à contramão do tratamento legislativo e jurisprudencial dado à matéria. Isso sem contar que esse tratamento transverso violaria frontalmente direitos e garantias constitucionais ligados ao devido processo legal no âmbito administrativo, conforme foi demonstrado.

Por derradeiro, até mesmo uma questão de ordem prática impede que tal possibilidade de tratar o usuário como testemunha de outro crime seja levada a efeito, ao menos mediante seu constrangimento pela ameaça de pena. Acontece que o usuário pode alegar que não consegue descrever o fornecedor, ou que, como é comum, comprou a droga de um caminhoneiro desconhecido, não sabendo descrevê-lo, as placas do caminhão ou onde possa estar. Essas e outras posturas do usuário não são passiveis, em geral, de contestação pelas Autoridades a ponto de fazer-lhe uma imputação razoável de prática de falso testemunho (se é que isso fosse possível legalmente). Como faria a Autoridade para provar o fato negativo e impressões subjetivas (“prova diabólica”) de que ele se lembra sim do traficante e está mentindo; de que não é um caminhoneiro desconhecido etc.?

Finalmente, é preciso consignar que o usuário poderá ser uma testemunha informante, sem o compromisso, de maneira voluntária ou mesmo espontânea. O que é inviável é seu constrangimento mediante a ameaça ilegal de prisão ou processo por falso testemunho quando tem o direito de silenciar e não produzir prova contra si mesmo na seara administrativa. Não poderia jamais ser levado a uma confissão de seu ilícito administrativo mediante coação consistente na suposta responsabilização penal. Não obstante o direito ao silêncio e não autoincriminação é disponível, o que não impede, portanto, que o usuário venha a testemunhar contra o fornecedor se assim o desejar livremente.

Outro aspecto importante: em havendo apreensão de drogas que, sendo ilícitas, somente podem derivar de tráfico, nada impede que celulares e outros objetos de interesse investigativo encontrados com o usuário sejam objeto de apreensão para descobrir o autor do comércio ilícito.

A apuração do tráfico se daria em separado em procedimento investigativo de natureza criminal (Inquérito Policial), devidamente instruído com a ocorrência de posse para consumo. É claro que essa medida somente pode ser tomada mediante manifestação devidamente fundamentada da Autoridade de Polícia Judiciária, obtendo-se, ademais a necessária ordem judicial para acesso do conteúdo de eventuais mídias, celulares, computadores, tablets etc. Nessa situação não se trata de autoincriminação do usuário ou violação de seu direito constitucional ao silêncio.

4.4-DADAS AS REDAÇÕES DOS ARTIGOS 28 E 33 DA LEI DE DROGAS, APÓS A DESCRIMINALIZAÇÃO DA POSSE PARA CONSUMO, PODERIA SER IMPUTADO AO USUÁRIO O CRIME DE TRÁFICO NA MODALIDADE DO VERBO “ADQUIRIR”?

Deixe-se claro que esse questionamento, a exemplo de vários outros abordados neste texto, não é produto de dúvidas surgidas entre jejunos na área jurídica, mas propostas por profissionais do Direito. Releva perceber quanta confusão e perplexidade pode causar uma decisão atabalhoada, em que o Tribunal extrapola sua competência legal.

É claro que a resposta para a questão supra é um sonoro “não”.

É verdade que o artigo 28 da Lei de Drogas contém o verbo “adquirir”. Seguindo um raciocínio de que o STF tratou somente de condutas que se referem à posse ou porte de drogas, então apenas os demais verbos teriam sido descriminalizados (guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo). Nessa toada o verbo “adquirir” restaria isolado como conduta que não se refere à posse ou porte, razão pela qual se advogaria a configuração de infração ao artigo 33 da Lei de Drogas que também contém o verbo “adquirir”.

Nada poderia ser mais absurdo. Não é na “tipicidade objetiva” que se distinguem os artigos 28 e 33 da Lei de Drogas. Vários verbos da conduta coincidem mesmo. Mas o que faz a distinção entre um dispositivo e outro nos casos concretos é o “elemento subjetivo do agente”, sua intenção de ter a droga para consumo próprio ou para mercancia ilícita. Não se pode simplesmente prescindir do “elemento subjetivo” nessa distinção entre os dois dispositivos e guiar-se tão somente pelos verbos.

A devida tipificação de qualquer conduta no artigo 28 ou no artigo 33 (posse para consumo ou tráfico) se dá pela aplicação das regras do artigo 28, § 2º., CPP que permite a análise das circunstâncias do caso concreto para ensejar a decisão sobre a presença de um ou outro elemento subjetivo. Não é porque a confusa decisão do Supremo Tribunal Federal acaba se referindo à posse e porte somente que a aquisição para consumo próprio vai migrar para o artigo 33 da Lei 11.343/06.

Aliás, essa espécie de raciocínio seria odiosa porque simplesmente equipararia traficante e usuário o que, por obviedade, viola toda a Política Criminal da Lei de Drogas e os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade. Viola até mesmo o sentido tomado pela decisão do STF. É evidente que, por mais esdrúxula que seja a decisão do STF, seu intento jamais foi o de tratar o usuário ou dependente adquirente de drogas como se traficante fosse. Ao reverso, a intenção foi claramente a descriminalização e o tratamento mais brando possível às condutas típicas de usuários.

4.5-NÃO SENDO MAIS O USUÁRIO OU DEPENDENTE CRIMINOSO, PODE ELE RESPONDER POR CRIME DE “RECEPTAÇÃO” DA DROGA?

Eis outro questionamento que surgiu, não em meio a aprendizes, mas no seio de discussões entre profissionais do Direito.

Novamente surge um raciocínio que vai à contramão de toda a evolução no trato do usuário de drogas. Essa evolução, como já visto, se dá no sentido do abrandamento.

Ora, como é possível que uma decisão que abrandou ainda mais esse tratamento, descriminalizando a conduta e tornando-a simples infração administrativa, viesse a dar azo à aplicação de um dispositivo penal alternativo muito mais gravoso ao usuário?

Ademais, é de trivial conhecimento o fato de que o tipo penal que trata da aquisição, posse e porte de drogas para consumo próprio (artigo 28, da Lei 11.343/06) se apresenta em relação à Receptação (artigo 180, CP) como uma situação de “concurso ou conflito aparente de normas”, solvível pela aplicação do “Princípio da Especialidade”. O tipo penal da Lei de Drogas prevalece, como tratamento especial em relação ao tipo do Código Penal. É a mesma situação que ocorre entre o Tráfico de Drogas e o Contrabando. [86] Portanto, não se trata de um questionamento que se possa levar adiante.  

Ademais, até mesmo um elemento típico do crime de receptação impede sua aplicação no caso de drogas. O artigo 180, CP faz menção a “produto de crime”, esse é o seu objeto material (da receptação).

Ora, produto do crime é o objeto conseguido diretamente por meio da prática criminosa. A droga não é “produto do crime” de tráfico, mas seu “objeto material” e até seu “instrumento”. O produto do crime de tráfico é dinheiro e bens materiais. Então, se até mesmo um advogado recebe, por exemplo, um carro comprado com recursos do tráfico, ciente disso, cometeria “receptação”. Trata-se realmente neste caso de “produto do crime”. Mas, se recebe drogas para consumo próprio como pagamento, comete o crime do artigo 28 da Lei 11.343/06 e se as recebe para fins de tráfico, incide no artigo 33 da mesma legislação. Isso porque a droga em si é “objeto material” e “instrumento” do tráfico, não seu “produto”.

Mirabete e Fabbrini são bastante didáticos ao comentarem a figura do “confisco” de instrumentos do crime, aqueles que têm “por destinação específica” a utilização “na prática de crimes”, dando como um de seus mais comuns exemplos o de “substâncias que causam dependência física ou psíquica”. [87] Por seu turno Martinelli e Bem deixam claro que os produtos não se confundem com os instrumentos. São “produtos do crime – producta sceleris – (…) os objetos, bens, valores, dinheiro ou qualquer outra coisa que represente proveito direta ou indiretamente derivado da ação criminosa”. [88]

Nesse passo, admitir a droga como “produto do crime” para configurar receptação seria similar a dizer que se alguém adquire o pé – de – cabra com o qual o ladrão praticou um furto mediante rompimento de obstáculo, seria receptador, mesmo sendo tal instrumento não furtado. Não, somente se pode receptar o “produto” do furto (v.g. uma televisão, um computador furtados), não o “instrumento” utilizado para a prática do furto. Por isso, quanto a drogas, o artigo 180, CP é um caso de “atipicidade relativa” pela falta do elemento “produto de crime”. [89]

Seja pela especialidade ou pela atipicidade relativa não é viável a tese da receptação. Mas pode surgir o pensamento de que, considerando que o ilícito penal não existe mais para a posse ou porte para consumo, não haveria mais tipicidade penal no artigo 28 da Lei de Drogas, afastando a questão da especialidade. E, dessa forma, poder-se-ia cogitar de aplicação do artigo 180, CP ao caso.

Esse raciocínio também é inviável. Primeiro, porque antes mesmo da questão da especialidade, interpõe-se a atipicidade. Como visto, a receptação se refere a “produto de crime” e as drogas não são “produto”, mas “instrumento”. Além disso, embora se possa alegar que o âmbito penal é independente do administrativo, de modo que a sanção administrativa não afastaria a penal, mesmo desconsiderando a questão da atipicidade e, somente “ad argumentandum tantum”, admitindo que fosse possível a tipificação do artigo 180, CP, isso seria inviável. Não porque a penalização administrativa impeça a penal, mas porque essa regra admite exceções. Há casos em que clara e evidentemente se objetivou cuidar da questão somente no âmbito administrativo, exatamente afastando o penal. Um exemplo clássico sempre foi o crime de desobediência (artigo 330, CP). Em havendo punição civil, administrativa ou processual, ele é afastado. [90]

Não cabe dizer que não existe tipificação para a posse de drogas para consumo. Existe. É um dispositivo administrativo (tipicidade administrativo – disciplinar). [91] A evidente opção é de punir administrativamente, não de criminalizar mais gravemente em outro tipo penal. Trata-se de aplicação do Direito Penal de “Ultima ratio”. O Direito Penal foi claramente afastado, não havendo legitimidade para sua aplicação.

No caso específico do artigo 28 da Lei de Drogas, a descriminalização pelo STF, como já foi aqui destacado, não teve o intuito de permitir um tratamento penal mais rigoroso para os usuários e dependentes, mas claramente teve por escopo afastá-los do âmbito penal. Dessa forma, não há falar em independência da seara penal em relação à administrativa. O intuito foi claramente o de aplicar somente sanção de natureza administrativa e afastar o campo criminal da questão (Princípios da “Ultima Ratio”, da Subsidiariedade e da Fragmentariedade). Portanto, a especialidade, a falta de adequação típica (produto x instrumento), a redução da questão ao âmbito administrativo na decisão do STF e as diretrizes de Política Criminal do legislativo e do judiciário, impedem de forma absoluta qualquer cogitação de crime de receptação para o adquirente de drogas ilícitas.

4.6-O QUE ACONTECE AGORA QUANDO UM ADOLESCENTE É FLAGRADO COM DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO?

A partir da decisão do STF, a posse de drogas para consumo próprio passa a configurar ilícito administrativo e não penal.

Dessa forma, se um adolescente é flagrado de posse de drogas para seu consumo não há mais “ato infracional”. Isso porque, como aduz Liberati:

(…) a Lei 8.069/90 considera ato infracional toda conduta descrita (na Lei) como crime ou contravenção penal, conforme dispõe o art. 103. Por esta definição, o legislador materializou  a regra constitucional da legalidade ou da anterioridade da lei, segundo a qual só haverá ato infracional, se houver uma figura típica penal anteriormente prevista na lei (nullum crimen sine lege). [92]

Sendo a posse para o consumo mera infração administrativa, não existe mais como “ato infracional”. Não obstante, continua a se tratar de um ilícito administrativo, bem como não se pode pretender discutir os malefícios das drogas para crianças e adolescentes. Alguma medida, portanto, precisa continuar sendo tomada em atenção à “proteção integral das crianças e adolescentes” (inteligência do artigo 227, CF c/c artigos 1º., 3º. e 4º. da Lei 8.069/90). Será então a aplicação de “medidas protetivas” (artigo 101 do ECA), não mais “medidas sócioeducativas” (artigo 112 do ECA).

A partir de agora não se legitima mais o processamento do caso do menor que porta droga para seu consumo na Delegacia de Polícia. Não há “ato infracional”, mas apenas necessidade de procedimento para aplicação de “medidas de proteção”. O andamento deve dar-se perante o respectivo Conselho Tutelar.

Surgem agora várias dificuldades:

Como ficará a apreensão das drogas? Onde serão guardadas? Como será requisitado o exame toxicológico preliminar e definitivo? Como fica a destruição dessas drogas?

Certamente, os registros iniciais deverão ser feitos pelo próprio Conselho Tutelar, inclusive auto de exibição e apreensão, mas a droga deverá ser encaminhada à Delegacia de Polícia com ofício para sua submissão a exame toxicológico e armazenamento respectivo. Isso porque o trâmite será perante o Conselho Tutelar, o Ministério Público e o Juízo da Infância e Juventude, os quais não são aparelhados suficientemente para armazenamento de drogas. O ideal é que esse procedimento seja regulamentado por lei. Também será necessário regulamentar por lei o procedimento para destruição dessas drogas. Por enquanto, o que se pode imaginar é que seguirá as normas da Lei de Drogas por analogia, incumbindo essa função à Polícia Judiciária.

Não obstante tudo isso é muito inseguro e sujeito a toda espécie de críticas com relação à falta absoluta de regulamentação legal, ausência de atribuições bem definidas relativas aos agentes públicos envolvidos (Conselho Tutelar, Polícia Judiciária, Polícia Militar etc.). O atropelo do Supremo Tribunal Federal gerou uma série de problemas e nenhuma solução.

Outro aspecto relevante é que, como o caso de apreensão de drogas, ainda que apenas 40 gramas ou menos, pode configurar tráfico, a primeira apresentação informal deve se dar perante a Autoridade de Polícia Judiciária. A esta cabe a atribuição de discernir sobre a prática de tráfico ou posse para uso, diante de todas as circunstâncias do caso e não somente a quantidade de drogas. Em se concluindo pelo tráfico, haverá ato infracional e tudo seguirá pela Delegacia. Confirmada a hipótese de posse para uso pessoal, a Autoridade Policial determinará o encaminhamento ao Conselho Tutelar e providências conforme acima mencionado deverão ser tomadas.

4.7-É VERDADE QUE ANTES DA DECISÃO DO STF NÃO HAVIA NA LEI CRITÉRIOS PARA DISTINGUIR USUÁRIOS E TRAFICANTES E HAVIA, PORTANTO UMA OMISSÃO OU LACUNA LEGISLATIVA SOBRE A MATÉRIA A SER COLMATADA PELO SUPREMO?

Essa narrativa foi uma espécie de ladainha que permeou toda a discussão no STF, pretendendo justificar seu ativismo ideológico.

Acontece que se trata de uma descarada mentira e o próprio STF nada mais fez do que, neste aspecto, repetir os critérios já previstos na legislação respectiva, fingindo não saber da existência do artigo 28, § 2º., da Lei 11.343/06.

Está ali escrito de forma induvidosa:

Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Mas, dirão alguns que o STF fez uma grande coisa ao estabelecer uma quantidade para presunção de consumo ou tráfico (os malfadados 40 gramas). [93] Na verdade essa quantidade estabelecida em nada muda o quadro, já que se trata de presunção relativa que será apenas, como sempre foi, um dos elementos para a classificação de tráfico ou uso. A “quantidade” de droga sempre esteve elencada no § 2º. do artigo 28 da Lei 11.343/06. Indicar um marco relativo de 40 gramas não muda a indeterminação abstrata da situação que somente pode ser aferida num conjunto de circunstâncias no caso concreto sob análise.

O Supremo Tribunal Federal agiu como está descrito na obra “O Leopardo” de Lampedusa: lutou “uma daquelas batalhas que se travam para que tudo fique na mesma”. [94] Melhor dizendo, se houvesse apenas mudado para que tudo continuasse igual, teria feito melhor. Na realidade, criou uma série de confusões e dúvidas, gerando mais insegurança jurídica do que aquela que tanto criticava. Tudo isso é explicável pelo afã de fazer andar uma agenda progressista de liberação gradual das drogas, independentemente do preço a ser pago em termos de juridicidade das decisões ou de insegurança jurídica.

4.8-COM A DECISÃO DO STF A QUANTIDADE ATÉ 40 GRAMAS GERA PRESUNÇÃO DE POSSE PARA USO? E A QUANTIDADE ACIMA DE 40 GRAMAS, GERA PRESUNÇÃO DE TRÁFICO?

Visando melhor didática e sistemática, vamos abordar as questões em itens separados:

a)Com a decisão do STF a quantidade até 40 gramas gera presunção de posse para uso?

A resposta neste caso é positiva. O STF criou (de forma espúria) uma espécie de presunção de posse para consumo próprio quando a quantidade de drogas for até no máximo 40 gramas. [95] A isso, como aduz Albeche, vai se convencionando chamar de “gramatura” (“definição do peso em gramas”) como um dos critérios orientadores para a tipificação como posse para uso ou tráfico. [96]

No entanto, essa presunção não é “absoluta” (“jure et de jure”), mas “relativa” (“juris tantum”), podendo ser afastada pela fundamentação do Delegado de Polícia nos casos de flagrante ou inquérito policial instaurado por Portaria e, depois, pela acusação, mediante a comprovação de que os demais elementos constantes do artigo 28, § 2º., da Lei de Drogas apontam para a prática de mercancia ilícita. E, finalmente, o Juiz deve analisar minudentemente cada caso concreto e os fundamentos fáticos e jurídicos apresentados pela Polícia e Ministério Público. [97] Como já visto, na própria decisão do STF, onde consta que não haveria critérios legais distintivos entre traficantes e usuários, há uma repetição dos mesmos critérios já estabelecidos em lei. [98]

Essa presunção de posse para uso jurisprudencialmente criada pode ser admitida porque opera a favor do réu.

b)E a quantidade acima de 40 gramas, gera a presunção de tráfico?

Aqui a resposta somente pode ser negativa. Não é possível a criação, nem mesmo por lei (quanto mais jurisprudencial) de uma presunção (relativa ou absoluta) em prejuízo do réu.

Não é nenhuma novidade a crítica às presunções em matéria criminal. Desde antanho já apontava Malatesta para a irracionalidade das presunções legais em matéria criminal. [99] Para o autor, “em matéria penal, não se pode afirmar a culpabilidade, se ela não se apresenta como real e efetiva”. [100]

Há realmente uma grande contradição interna em um ordenamento jurídico que estabelece a presunção de inocência e o “Favor Rei” como princípios norteadores e, concomitantemente, erige presunções contrárias ao réu que, na verdade, correspondem a espúrias “presunções de culpabilidade”.

Dessa forma, em havendo a posse de mais de 40 gramas de droga será necessário comprovar normalmente sua destinação à mercancia ilícita, com sustento nos critérios do artigo 28, § 2º., da Lei 11.343/06, nada se alterando com a decisão do STF. [101] Acatar a tese de uma presunção, ainda que relativa, seria ferir de morte o Princípio Constitucional da Presunção de Inocência ou Estado de Inocência (artigo 5º., LVII, CF), invertendo ilegitimamente o ônus probatório que cabe ao Estado e não ao acusado.

Não obstante, é importante um olhar para a prática do dia a dia no que se pode chamar de “chão de fábrica” do mundo jurídico: a atuação da Polícia Militar e a apresentação e primeiras providências de Polícia Judiciária pelo Delegado de Polícia.

Induvidosamente será muito comum que em casos de apreensão de mais de 40 gramas de drogas haja um automatismo policial no tratamento do caso devido a um efeito ilegítimo da decisão do STF. Possivelmente a quantidade acima de 40 gramas irá induzir desde o policial da rua (PM) até o Delegado Plantonista à tipificação no tráfico sem maiores esforços hermenêuticos, o que certamente se transmitirá ao Ministério Público quando da análise e elaboração da denúncia e até mesmo ao Judiciário na decisão final.

Doutra banda, a quantidade de 40 gramas ou menos terá efeito indutor de afastamento do tráfico, mesmo diante de outras circunstâncias que tendem a ser ignoradas pela objetividade e facilidade do critério meramente quantitativo. Conforme bem observa Capez:

Se o sujeito estiver com até 40 gramas de maconha, haverá agora uma presunção de natureza objetiva que reduz a quase nada os demais critérios de avaliação. A decisão do STF, embora pautada em justas preocupações quanto a abordagens preconceituosas contra segmentos socialmente mais vulneráveis, não considerou que tais erros são eventuais e podem ser corrigidos na audiência de custódia.

Por outro lado, o novo critério de presunção levará as organizações criminosas a modernizarem suas estratégias de distribuição, disseminando a maconha em pequenas porções por traficante e recrutando distribuidores ainda sem antecedentes criminais, que atuarão camuflados de falsos usuários. Abordados pelos policiais, se limitarão a dizer que estão dentro do patamar de presunção de atipicidade e que qualquer ato de constrição será fruto de suposição arbitrária e discriminatória, a configurar abuso de autoridade. É evidente que tal risco já existia anteriormente, mas agora há o respaldo judicial da descriminalização pelo patamar quantitativo, que é objetivo. Por essa razão, seria recomendável ao STF uma reavaliação dessa decisão. [102]

4.9-AGORA QUE A POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO É APENAS UM ILÍCITO ADMINISTRATIVO, FICA DISPENSADA A PERÍCIA DA DROGA?

Considerando que o usuário ou dependente permanecerá sendo responsabilizado, ainda que apenas administrativamente, a perícia das drogas apreendidas em seu poder para comprovação de sua espécie, qualidade e quantidade é imprescindível, devendo ser seguido o regramento constante no artigo 50, §§ 1º. a 3º. da Lei 11.343/06.

A mudança criada arbitrária e açodadamente pelo STF não é imune a consequências. A perícia é imprescindível, pois não é admissível que alguém seja punido, ainda que administrativamente, sem prova de materialidade infracional. No entanto, o STF determina provisoriamente o trato dos casos de posse pela Polícia, Ministério Público e Judiciário, bem como aplicação provisória dos dispositivos da Lei de Drogas. Fica a se determinar qual será o órgão responsável por esses casos de ilícito meramente administrativo tão logo a questão seja regulada por lei. E quando o for, se o for, como se dará o trânsito entre a Autoridade de Polícia Judiciária e tal órgão, pois a avaliação inicial sobre o tráfico ou porte para uso é da Polícia Judiciária. Algo como uma apresentação preliminar na Polícia Judiciária e, após avaliação, encaminhamento ao órgão com atribuição administrativa deve ocorrer. E a Polícia Militar ou outras forças ostensivas? Certamente terão também que manter o primeiro contato com esses casos, levar à Polícia Judiciária e, se for necessário, depois, ao órgão administrativo com atribuição. Órgão este que simplesmente não existe no momento em que o STF toma uma decisão atabalhoada sem medir consequências ou sequer sopesar a questão prática, a “logística” de tudo isso.

Também os exames e procedimentos para armazenamento e destruição das drogas apreendidas, ainda que por uso, devem permanecer os estabelecidos na Lei 11.343/06 (artigos 31, 32, 50, §§ 3º. a 5º., 50 – A e 72). Ao menos até que a questão seja devidamente regulada. Enfim, uma mixórdia infernal!

4.10-O USUÁRIO DETIDO POR INFRAÇÃO MERAMENTE ADMINISTRATIVA PODE SER CONDUZIDO À DELEGACIA DE POLÍCIA?

Obviamente isso não seria o ideal, mas diante da necessidade de deliberação pela Autoridade de Polícia Judiciária (Delegado de Polícia) sobre a configuração de posse para uso ou tráfico, nos termos do artigo 28, § 2º., da Lei de Drogas, nos parece inafastável tal procedimento. Mesmo porque no momento continuará sendo aplicado o procedimento da Lei de Drogas e da Lei 9.099/95. Mas, nem mesmo por alguma regulamentação ulterior é possível evitar a apresentação inicial à Autoridade de Polícia Judiciária, já que não se pode prescindir da avaliação jurídica acerca da configuração de tráfico ou porte para uso.

Em caso de recalcitrância do suposto usuário, poderá ser utilizada força necessária e haverá possível responsabilização por crimes como desobediência e resistência (Artigos 330 e 329, CP, respectivamente). O usuário que até então cometia apenas uma infração de natureza administrativa, passa a incidir em tipos penais dado seu comportamento.

Não se pode chegar a outra conclusão ante o disposto na Tese 3 do Julgamento do STF:

Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença. [103]

Leitão e Caldart tecem sérias críticas a essa deliberação da Suprema Corte:

Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) determine que o indivíduo surpreendido na situação porte de maconha para consumo pessoal deva ser encaminhado à Delegacia de Polícia, entendemos demasiadamente equivocada essa imposição, uma vez que a própria Carta da República confere à Polícia Judiciária a atribuição de apurar autoria e materialidade de crime e não ilícito administrativo. [104]

Contudo, embora tenham em parte razão, fato é que necessariamente esses casos deverão, ao menos inicialmente, serem apresentados ao Delegado de Polícia, pois que, como já dito, é a Autoridade com atribuição para discernir se a posse é para uso ou tráfico, mesmo em casos de quantidade igual ou inferior a 40 gramas, já que o critério quantitativo não é o único a ser analisado. Ainda que mais tarde se crie um órgão com atribuição específica para os casos de uso, há que, primeiramente passar pelo crivo da Autoridade de Polícia Judiciária para ulterior encaminhamento. Hoje sequer temos tal órgão.

4.11-REGULAMENTAÇÃO FUTURA PELO CNJ?

Sim, como visto acima, na decisão do STF consta que o procedimento nos casos do artigo 28 da Lei de Drogas será determinado pelo CNJ. Mas, isso é possível?

Na verdade, não. O Conselho Nacional de Justiça não é órgão legislativo e sim meramente consultivo, propositivo e articulador. [105] Não lhe caberia jamais regulamentar coisa alguma referente a processo ou procedimento administrativo – disciplinar ou administrativo – punitivo.

Neste sentido, criticando a atuação do STF com fulcro em clara violação do artigo 24, XI, CF se manifestam Leitão e Caldart. [106]

O correto é que essa regulamentação se dê no corpo da Lei de Drogas por iniciativa do Congresso Nacional.

Não obstante, não é o que o Supremo Tribunal Federal afirma em sua tresloucada decisão. Infelizmente já estamos nos acostumando com essas violações arbitrárias de competências e atribuições, especialmente relativas à separação dos poderes.

4.12-E A PEC 45/23 [107] QUE PREVÊ UM MANDADO CONSTITUCIONAL DE CRIMINALIZAÇÃO DE QUALQUER QUANTIDADE DE DROGAS, AINDA QUE PARA CONSUMO PRÓPRIO?

A questão de criminalizar ou não a posse de drogas ou mesmo a sua produção e comércio é de Política Criminal de atribuição do Poder Legislativo.

A nosso ver, descriminalizar a posse e continuar criminalizando a produção e mercancia é um paradoxo que não tem como funcionar. Ou bem se descriminaliza ou não, essa posição intermédia é certamente a menos viável.

Fato é que os usuários alimentam o tráfico. Sem procura não se sustenta a oferta de nenhuma mercadoria, seja ela legal ou clandestina. Afrouxar a repressão do usuário e manter o tráfico incriminado é contribuir grandemente para o fortalecimento e crescimento deste segundo.

Há uma visão monocular da proteção a ser conferida aos cidadãos, como se a atuação estatal estivesse condicionada somente a abstenções e obrigações negativas. Como bem lembram Fischer e Pereira:

(…) não se pode esquecer jamais que há obrigações de o Estado agir positivamente para exatamente garantir também a proteção dos direitos fundamentais dos demais integrantes da sociedade, e não apenas daqueles que, por suas ações, possam ter violado o ordenamento jurídico. [108]

Não é possível aderir ao que se tem denominado de “Garantismo Hiperbólico Monocular”, o qual exatamente enxerga e descreve o Garantismo apenas sob sua concepção negativa, levando ao extremo as garantias do indivíduo perante o Estado, sem a contrapartida do chamado “Garantismo Positivo”. Essa é uma visão evidentemente pervertida da teoria. Outra, que se constitui na correta concepção garantista, tem sido chamada de “Garantismo Integral”, abrangendo o “Garantismo negativo” ao lado do “Garantismo positivo” em uma relação de complementariedade. Pugna-se pela proteção de todos os direitos fundamentais, sejam eles atinentes a investigados ou réus, sejam relativos às vítimas ou qualquer prejudicado por uma conduta dotada de reprovabilidade (a sociedade em geral). Por isso se fala em “proibição de excesso” (limites ao Estado perante o indivíduo, evitando o arbítrio) e “proibição de insuficiência protetiva” (impossibilidade de deixar bens jurídicos sem a devida, razoável e proporcional proteção). [109]

A descriminalização da posse de drogas para consumo, mediante um abusivo ativismo, ou até melhor, militantismo judicial, com infração à literalidade do sistema da legislação ordinária penal pode justificar uma legítima reação do Poder Legislativo, devido à usurpação escandalosa de suas funções e, consequentemente, à violação da tripartição de poderes constitucionalmente estabelecida. A doutrina especializada chama essa reação de “Backlash”. Conforme ensina Fernandes:

Nessa perspectiva, o backlash pode ser compreendido como uma forma de colaboração do legislador com o Tribunal: um apelo do legislador à autocrítica do Tribunal. Assim como o Tribunal emite decisões de apelo ao legislador, este também pode dialogar com o tribunal pela via da reedição de lei de conteúdo idêntico ou similar ao de lei declarada inconstitucional. Mesmo diante do elevado risco de nova declaração de inconstitucionalidade, a mensagem exortativa é clara. E pode conter a ameaça implícita de uma reação mais incisiva, pela via de uma emenda constitucional, por exemplo. [110]

Chamam a atenção para essa questão Leitão e Caldart, com sustento no escólio de Victor:

Não se pode descartar, neste cenário, o desencadeamento do efeito backlash que, segundo Harvard Cass R. Sunstein, é uma “intensa e sustentada rejeição pública a uma decisão judicial, acompanhada de medidas agressivas para resistir a essa decisão e remover a sua força legal”. [111]

Em suma, é possível por meio desse procedimento restaurar a usurpação cometida com o abusivo ativismo ou militantismo judicial, recompondo a tripartição de poderes e, juntamente com ela, o Estado Democrático de Direito.

Como bem aduz Silva:

Invadir a esfera de competência de outro Poder coloca em risco a própria democracia, posto que fere a harmonia entre os Poderes da República, levando muitas vezes a sérias crises Institucionais, que são resolvidas pelo próprio Poder Judiciário, que dá a última palavra, mas não pode se sobrepor e nem invadir a esfera de competência do Legislativo e do Executivo, que se encontra expressamente prevista no texto constitucional.

Com efeito, considerando que cada Poder da República funciona de forma independente e harmônica, podendo ser fiscalizado naqueles casos expressamente previstos na Constituição Federal, mas nunca ser invadido em sua esfera de competência privativa e exclusiva, evidente que pode o Legislativo apresentar e aprovar proposta de emenda constitucional que criminalize o porte de droga para consumo pessoal, tal como fez o senador Rodrigo Pacheco, de forma lúcida e sensata, que apresentou PEC inserindo no artigo 5º da Carta Magna o direito fundamental de ficar nosso país livre das drogas, tanto a nível do uso quanto do seu comércio ilícito. Diz a proposta:

“Art. 1º O caput do art. 5º da Constituição Federal passa a viger acrescido do seguinte inciso LXXX:

Art. 5º ………………………………………………………….

………………………………………………………………………

LXXX – a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.”

A partir do momento que a criminalização da posse e do porte de drogas para consumo pessoal sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar passa a ser direito fundamental de toda pessoa em âmbito nacional, a decisão do Supremo é tornada sem efeito para os fatos posteriores à promulgação da emenda constitucional, visto que a declaração de inconstitucionalidade alcançou uma lei ordinária e nem de longe pode impedir que o Congresso exerça sua competência constitucional de elaborar normas, seja a nível infraconstitucional ou constitucional.

E se tratará de direito fundamental de toda pessoa, que evidentemente prepondera sobre o direito à intimidade do usuário de drogas, que é um direito relativo como qualquer outro.

Enfim, com o devido respeito, seja pela invasão da competência do Congresso ou pela decisão equivocada no meu modo de ver, (…), não só pode como deve o Congresso aprovar a aludida proposta de emenda constitucional para que seja retomada a normalidade constitucional e para que a sociedade não tenha ainda mais usuários e dependentes de drogas, colocando em evidente risco a saúde pública e a segurança de toda população, o que a descriminalização irá fazer, como se tem visto em vários países pelo mundo afora. [112]

Não obstante, não é de se duvidar que o Supremo Tribunal Federal venha a declarar a inconstitucionalidade mesmo de uma Emenda Constitucional, utilizando-se de algum malabarismo, como de costume, para justificar o reconhecimento de “normas constitucionais inconstitucionais”. [113]

4.13-AS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS QUE VÃO SURGINDO

Quando um Tribunal começa a agir mais politico – ideologicamente do que juridicamente é natural que incite reações da mesma espécie.

Nesse quadro, já surgem legislações estaduais, visando coibir a posse de drogas para consumo próprio, sob a alegação de que não haveria tal proibição via lei federal.

Em primeiro lugar, essas reações são fruto de clara e evidente demagogia política e eleitoreira. Isso porque o STF apenas “descriminalizou” as drogas para consumo próprio (na dicção restrita do STF, somente a maconha). Não houve uma “legalização”, isso fica muito claro no “decisum”. Também fica claro que o artigo 28 nesses casos será uma infração administrativa prevista em lei federal. Portanto, qualquer iniciativa de criação de normas estaduais sobre o tema já legislado é puramente uma reação simbólica dispensável.

As coisas vão rumando para o trágico – cômico. No Espírito Santo já é objeto de Projeto de Lei Estadual (PL 402/2024) a restrição de consumo de maconha em determinados ambientes públicos (v.g. edifícios públicos, cinemas, teatros, quadras esportivas, ônibus, hospitais, lojas, terminais e paradas de ônibus, entre outros locais). [114] Mas, quando e quem disse que a posse ou consumo de maconha em locais públicos ou privados foi em algum momento liberado no Brasil, seja por lei federal seja pelo Supremo Tribunal? A posse para uso próprio ou o consumo de quaisquer drogas ilícitas é proibido em todo local, seja público ou privado. A Lei Estadual em proposta é de uma inutilidade absoluta!

Também já surgem projetos criando ilícito administrativo no âmbito estadual para a posse de drogas para consumo, prevendo sanções de natureza pecuniária. É exemplo o que se passa no Estado de Santa Catarina, onde o Governador propõe que a pessoa flagrada usando drogas ilícitas (pelo menos é em qualquer lugar, público ou privado) será submetida à penalidade de multa de um salário mínimo (PLE 425/2021). [115]

Para além da absoluta inutilidade dessas iniciativas, já que não houve “legalização” ou “liberação” das drogas, é preciso analisar juridicamente a questão.

Considerando sob um enfoque literal que somente a maconha foi “descriminalizada” pelo STF, então as demais drogas continuam com sua posse prevista como crime na Lei 11.343/06 (Lei Federal). Assim sendo, não caberia ao legislador Estadual, ao menos a princípio, criar punição administrativa para a conduta. Haveria, de certa forma oblíqua, invasão da atribuição Federal de legislar sobre Direito Penal.  [116]

Neste aspecto discordamos. O que ocorreria é que na Lei Federal haveria previsão de crime e na Lei Estadual previsão de infração administrativa independente. Sabendo-se que as searas penal e administrativa são autônomas, não haveria problema algum com essa previsão dupla. Não obstante, certamente é visível que a norma estadual seria inócua.

Agora, mesmo considerando que não somente a posse de maconha para uso próprio foi descriminalizada pelo STF, mas que essa decisão se espraia para todas as drogas ilícitas ou ainda que restringindo a questão à maconha, fato é que teríamos ou quanto a todas as drogas ou quanto à maconha em específico, dupla apenação administrativa pelo mesmo fato sem que haja justificativa para tanto. Não se trataria (ou para todas as drogas ou somente para a maconha, conforme a interpretação) de reação penal e reação administrativa independentes, mas de dupla reação administrativa pelo mesmo fato.  Desse modo, a nosso ver, a norma Estadual deveria ceder espaço à Federal em um conflito, sob pena de se institucionalizar indevido “bis in idem”.

Em qualquer caso, é visível que essas normatizações estaduais não passam de oportunismos políticos simbólicos e inúteis.

4.14-A NOVA “MODA” DA “INTERPRETAÇÃO JUDICIAL OU JURISDICIONAL AUTÊNTICA”

Como já vimos em diversos momentos no decorrer deste texto, a confusão criada com a decisão do STF sob comento foi tão grande que foi necessária a expedição pelo Tribunal de uma “Informação à Sociedade”, visando esclarecer ao menos parte das inúmeras dúvidas suscitadas. [117]

Sempre estivemos habituados com as espécies de interpretação segundo a figura do intérprete arroladas pela doutrina especializada. No caso, a chamada “interpretação autêntica” seria aquela levada a termo pelo próprio legislador na mesma lei ou em diploma ulterior. [118] Somente seria possível conceber uma “interpretação autêntica” levada a cabo pelo Juiz sob uma ótica kelseniana que defende que a decisão judicial é criadora de uma “norma jurídica” individualizada. [119]  Já a “Interpretação Judicial ou Jurisdicional” é aquela procedida pelo Juiz “ao aplicar a norma ao caso concreto”, adstringindo-se ao julgamento. [120]

Mas, com a sua “Informação à Sociedade” temos agora um híbrido tão ao gosto da nossa Corte Suprema, que se pode chamar de “Interpretação Judicial ou Jurisdicional Autêntica”, a qual se refere às situações (que parecem ser infelizmente cada vez mais comuns) nas quais as decisões judiciais precisam ser explicadas pelos seus próprios prolatores em uma espécie de “embargos de declaração” autoimpostos ou espontâneos (o que também seria uma inovação do STF). A decisão judicial deveria, pela própria natureza, ser clara e despida de dúvidas e não elusiva a ponto de exigir uma explicação ou esclarecimento à sociedade e até mesmo aos atores jurídicos.

E Aristóteles já nos avisou há muito tempo que “a linguagem que não transmite um significado claro falha em desempenhar a própria função da linguagem”. [121] Mas, parece que para muita gente esse alerta de nada serviu, já que temos tartamudos jurídicos até nos mais altos cargos.

Caminhando de um monstrengo híbrido a outro, parece que rumamos para uma espécie de “Ordem Jurídica da Família Adams”, com bem mais tragédia do que comédia.

4.15-A DESCRIMINALIZAÇÃO DA POSSE PARA C0NSUMO POR VIA JURISPRUDENCIAL DEVE RETROAGIR PARA BENEFICAR CONDENADOS ANTERIORES?

Com a decisão do STF no Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506), é verdade que a consideração de que a infração prevista no artigo 28 da Lei 11.343/06 é mero ilícito administrativo, constitui-se em nova interpretação benéfica. Não há a menor dúvida quanto a isso, pois o que era considerado anteriormente pelo próprio STF (RE 430.105, da relatoria do Min. Sepúlveda Pertence) como crime se convola em ilícito administrativo.

A irretroatividade da lei mais gravosa e retroatividade da lei mais benigna é assentada no Direito Penal (vide artigos 1º. c/c 2º., Parágrafo Único, CP c/c artigo 5º., XL, CF). Sobre o tema não existe o que debater, já que se trata de princípios básicos do Direito Penal expressamente positivados. Na dicção de Noronha, “o princípio é, pois, da irretroatividade da lex gravior e da retroatividade da lex mitior, isto é, irretroatividade in pejus e retroatividade in mellius” (grifos no original). [122]

A questão que se apresenta no caso enfocado é se a alteração de um posicionamento jurisprudencial em benefício do réu deve também obedecer à retroatividade benigna.

Pelas penas de Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar surge a defesa da retroatividade da jurisprudência benéfica. Vejamos:

Quando, (…), a jurisprudência massivamente muda de critério e considera atípica uma ação que até esse momento qualificara como típica (ou quando julga simples o delito que até então considerava qualificado, ou justificado o que considerar antijurídico etc.) provoca um escândalo político, pois duas pessoas que realizaram idênticas ações reguladas pela mesma lei terão sido julgadas de modo que um resultou condenada e a outra absolvida, só porque uma delas foi julgada antes. Elementares razões de equidade, assim como o artigo 5º. da Constituição impõem que se tome aquela primeira condenação como uma sentença contraposta ao texto expresso da lei penal reinterpretada, viabilizando sua revisão (art. 621, inc. I CPP). [123]

No mesmo sentido:

A fim de tornar efetivas as garantias do princípio da legalidade no direito penal, a regra da anterioridade deve prevalecer na jurisprudência da mesma forma que em relação à lei e, nesse sentido, merece ser acolhida e utilizada. Se o objetivo da uniformização da jurisprudência é fazer com que desapareçam as consequências indesejáveis dos contrates na aplicação do direito, é importante eliminar a possibilidade de alguém ser responsabilizado criminalmente de um modo que não poderia prever no momento em que atuou, em razão de um entendimento sedimentado em sentido diverso do que lhe foi aplicado. [124]

Aduz Moreno que o significado da palavra “lei” expressa nos dispositivos que regulam a matéria da retroatividade deve ser amplo de forma a “englobar todas as manifestações normativas”. [125] E daí conclui:

(…), parece óbvia a conclusão no sentido de que a retroatividade benigna/irretroatividade prejudicial não pode se limitar à “lei penal”, devendo esta expressão ser interpretada de forma ampla, haja vista que as manifestações normativas não se restringem à lei stricto sensu. Assim, é evidente que o Judiciário, ao dar concretude aos enunciados legais, atribuindo-lhes significado normativo, submete-se à garantia insculpida no art. 5º., XL, da Constituição Republicana, de sorte que alterações jurisprudenciais de relevo não podem restar incólumes à vedação de retroação desfavorável ao acusado, admitindo-se, em contrapartida, a retroação que lhe seja benéfica.

Portanto, se o Estado – Juiz, ao apreciar determinado caso penal, estabelecendo o significado da norma incidente a ele, conclui que o fato é atípico, não pode, posteriormente, tendo em vista a alteração de seu entendimento, pretender alcançar situações albergadas pela interpretação adotada inicialmente. Na hipótese em tela, os autores da conduta que passou a ser considerada típica incidiriam em erro de proibição, devendo ter a sua culpabilidade afastada.

De outra banda, se o fato passa a ser considerado atípico, o novo enquadramento deve retroagir, beneficiando aqueles que sofreram condenações embasadas no entendimento anterior, sob pena de vulneração do princípio da isonomia (…). [126]

Não obstante a questão da retroatividade da jurisprudência benéfica ao réu não é pacífica como ocorre com a lei. No TJDF encontram-se decisões afirmando que a jurisprudência não é dotada de retroatividade, ainda que benéfica, por não se tratar de lei “stricto sensu”. Para que venha a retroagir, exigem essas decisões que haja “modulação de efeitos” determinando essa retroação. Vejamos:

A alteração de entendimento jurisprudencial não se aplica retroativamente aos casos já definitivamente julgados, ainda que em benefício do réu, independentemente da via processual eleita, seja por agravo em execução penal, seja por revisão criminal, justamente por não se tratar de lei, em sentido formal, mais vantajosa (Acórdão 1725295, 07001056120238070000, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Câmara Criminal, data de julgamento: 5/7/2023, publicado no PJe: 22/7/2023).

O Requerente fundamenta seu pedido na mudança de entendimento Jurisprudencial ocorrida a partir do julgamento sob a sistemática do Recurso Repetitivo que deu origem ao Tema nº 1.087 da Corte Superior de Justiça, Terceira Seção, o qual firmou orientação no sentido de que a causa de aumento de repouso noturno não pode ser aplicada quando se tratar de condenação por furto qualificado. 

(…)  

A proteção à coisa julgada tem envergadura constitucional (art. 5º, inciso XXXVI), constituindo pilar da preservação da estabilidade das relações jurídicas (segurança jurídica). Admitem-se exceções, estabelecidas na própria Constituição Federal, as quais, no entanto, devem ser interpretadas restritivamente, de modo a permitir a maior efetividade possível à norma regra, em consonância com o princípio de hermenêutica constitucional da concordância prática ou harmonização. 

Esse é o caso da previsão constitucional segundo a qual a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, CF), que excepciona a imutabilidade da coisa julgada e, portanto, não deve receber interpretação extensiva, sob pena de restrição indevida ao princípio da segurança jurídica. 

Daí porque não se pode admitir que a simples mudança de interpretação jurisprudencial, ainda que qualificada e mais benéfica ao réu, seja equiparada a mudança legislativa, para fins de afastar a coisa julgada. 

(…) 

Dessa forma, não é cabível a aplicação retroativa de entendimento jurisprudencial alterado, superveniente ao trânsito em julgado das ações penais. 

Nesse caso, como visto, a observância à coisa julgada e à segurança jurídica, não permitem aplicação retroativa do referido entendimento, ainda que fixado sob a sistemática vinculante. Se o julgamento ocorreu em conformidade com a Jurisprudência existente à época, que entendia ser compatível o furto qualificado com a causa de aumento de repouso noturno, a mudança do posicionamento Jurisprudencial não autoriza a desconstituição da coisa julgada, conforme exposto. 

Por fim, relevante consignar que, conquanto se admita que a alteração jurisprudencial oriunda de julgamento de casos vinculantes por Tribunais Superiores (art. 927, § 3º, do CPC), seja objeto de modulação de efeitos no interesse social e com vistas a resguardar a segurança jurídica; no julgamento dos REsp’s nºs 1888756/SP, 1890981/SP e 1891007/RJ, que originou a edição da Tese 1.087 do STJ, não houve modulação dos efeitos para determinar sua aplicação retroativa.  

Portanto, inviável o pedido do Requerente de exclusão da causa de aumento de repouso noturno de suas condenações, com a readequação das penas, aplicando retroativamente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, fixado no tema nº 1.087, uma vez que mudança de entendimento Jurisprudencial não autoriza a aplicação do art. 66, inciso I, da LEP ou a desconstituição da coisa julgada (Acórdão 1680480, 07433904120228070000, Relator: CESAR LOYOLA, Câmara Criminal, data de julgamento: 22/3/2023, publicado no PJe: 7/4/2023). [127] 

Sublinhe-se, porém, que mesmo o TJDF nessas decisões somente repele a retroatividade de jurisprudência benéfica em face da “coisa julgada”. Não apresenta contrariedade à aplicação do entendimento mais favorável a casos em andamento. Senão vejamos:

A vinculação do precedente fixado no Tema nº 1.087 do Superior Tribunal de Justiça é restrita aos processos de conhecimento ainda em curso, não sendo aplicável aos títulos executivos acobertados pelo manto da coisa julgada (Acórdão 1736603, 07150955720238070000, Relator: ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Câmara Criminal, data de julgamento: 26/7/2023, publicado no PJe: 3/8/2023). [128]

Essas mesmas limitações aos processos em curso e não aos definitivamente julgados, salvo em casos excepcionais com “modulação de efeitos”, também é adotada tanto em decisões do STJ como do STF:

Alteração de entendimento jurisprudencial – impossibilidade de ajuizamento de revisão criminal 

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que a mudança de entendimento jurisprudencial não autoriza o ajuizamento de revisão criminal, ressalvadas hipóteses excepcionalíssimas de entendimento pacífico e relevante, o que não se vislumbra na espécie (RvCr 5.620/SP, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 14/6/2023, DJe de 30/6/2023).

Alteração de entendimento jurisprudencial – processo em curso – inaplicabilidade dos princípios da irretroatividade ou tempus regit actum   

Ainda que se tratasse de mudança de entendimento jurisprudencial, é pacífico nesta Corte de Justiça que eventual alteração é aplicável imediatamente aos processos em trâmite, porquanto se trata de mera interpretação, não de criação de nova regra a se submeter ao princípio da irretroatividade ou do tempus regit actum (AgInt no AREsp 2229621/MG, Relator: Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 27/03/2023, DJe de 29/03/2023).  

Recurso interposto anteriormente ao novo entendimento jurisprudencial – possibilidade de aplicação   

Esta eg. Corte Superior já decidiu que a alteração de entendimento jurisprudencial é aplicada ao recurso pendente de análise, ainda que interposto antes da mudança de posicionamento pretoriano. Precedentes.         (EDcl no AgRg na RvCr 5608/DF, Relator: Ministro Jesuíno Rissato (desembargador convocado do TJDFT), Terceira Seção, julgado em 23/11/2022, DJe de 29/11/2022).  

Retroatividade de norma penal benéfica – inaplicabilidade a precedentes jurisprudenciais  

O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, salvo exceções devidamente justificadas no decisum, não se aplica às interpretações jurisprudenciais (HC 213605 AgR, Relator Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 24/10/2022, publicado em 18/11/2022).  [129]

Conforme se vê, é possível a adoção da tese da retroatividade da jurisprudência benéfica sem maiores obstáculos de acordo com a doutrina e jurisprudência nos casos em andamento. Já com relação a casos julgados em definitivo a retroação benéfica estaria a depender de uma “modulação de feitos” constante da própria decisão.

No decisório do STF em estudo, SMJ., não se encontra menção a “modulação de efeitos” com relação a casos transitados em julgado. Dessa forma, o natural seria, de acordo com os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais expostos, a aplicação do novo entendimento jurisprudencial a casos em andamento e aos ocorridos após sua prolação. Relativamente aos casos em andamento haveria, portanto, um efeito retroativo do “decisum”, já que seria aplicado a fatos ocorridos anteriormente.

Não obstante já se noticia que o CNJ irá promover um “mutirão” para revisão de prisões e condenações em desacordo com a decisão do STF. E o Ministro Barroso, manifestando-se costumeiramente fora dos autos, via imprensa, parece ter pretendido empreender uma “modulação de efeitos jornalística”. Em matéria da CNN, afirma o Ministro que “’possivelmente’ as pessoas condenadas por tráfico por quantidade de maconha igual ou inferior ao estipulado poderão buscar a revisão da condenação”. [130]  Ora, se faz referência a “revisão” e “condenação” parece considerar casos já com trânsito em julgado e sujeitos a “Revisão Criminal”. Não obstante, não existe “modulação de efeitos jornalística”, ou seja, procedida fora dos autos em entrevista.

Como já dito, portanto, o natural, de acordo com os entendimentos expostos, seria que a decisão seja aplicada aos casos vindouros e somente tenha retroatividade para os em andamento. Em havendo trânsito em julgado (coisa julgada), na ausência de “modulação de efeitos” ou eventual “regra de transição” nos termos do artigo 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto – Lei 4.657/42, com nova redação dada pela Lei 12.376/2010), [131] não deveria haver retroação. Malgrado isso, não é possível assegurar como a aplicação dessa decisão se dará de fato, já que estamos acostumados (infelizmente) à total desvinculação das decisões judiciais das leis, da própria jurisprudência, da melhor doutrina e até mesmo da Constituição.

Um aspecto que pode levar à conclusão mais segura de que seriam abrangidos pela retroatividade benéfica até mesmo casos já transitados em julgado é a constatação de que essa decisão do STF não tem efeitos apenas “inter partes”, mas sim “erga omnes” pela própria natureza de Repercussão Geral (Tema 506).

Afinal, como alertam Martins Júnior e Jacob:

(…) não se discute que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal com efeito erga omnes, bem como as súmulas editadas com caráter vinculante, retroajam para beneficiar os réus e acusados em geral a exemplo do que ocorre com a novatio legis in mellius. A controvérsia fica por conta das decisões que são proferidas em casos concretos, porém sem eficácia para todos e sem caráter vinculante. [132]

Partindo então desse reconhecimento de que a natureza da decisão em estudo é “erga omnes”, independentemente de “modulação de efeitos”, será possível concluir pela sua retroação ampla, abrangendo fatos ocorridos antes de sua prolação, mesmo transitados em julgado.

Seria tudo muito mais fácil se tivesse constado do “decisum” e não de entrevista jornalística a abrangência maior ou menor de seus efeitos.

Toda essa controvérsia também nos demonstra o quanto é importante perceber que a deliberação do STF não é de natureza jurídica, mas sim político – ideológica.

Discutimos exaustivamente a questão da retroatividade da decisão. Pois bem, será que essa retroatividade ou não é mesmo tão importante?

A verdade é que a decisão do STF nada mais é, ao fim e ao caso, do que uma manifestação gradualista para firmar uma agenda ideológica de futura liberação das drogas, conforme já demonstrado.

Em termos jurídicos a alteração da natureza do artigo 28 da Lei de Drogas para infração administrativa é algo, na verdade, desimportante. Isso porque, como já visto, o abrandamento gradual do tratamento da posse para consumo é parte de todo um processo ao qual adere o STF e, com certa impaciência pela inércia do legislativo, força um passo simbólico adiante. Nada mais que isso.

Vejamos:

Houve alteração “in mellius” da redação quanto à conduta sujeita a sanções, constante do artigo 28 da Lei de Drogas? Não, nada se alterou na redação do dispositivo.

Foram alteradas as sanções a serem aplicadas ao usuário, em seu benefício? Não, as sanções são as mesmas já previstas no artigo 28 da Lei de Drogas desde 2006.

Aconteceu alguma alteração quanto aos efeitos da condenação pelo artigo 28 em estudo, em benefício do infrator? Também não. Desde antanho já estabeleceu a jurisprudência, inclusive do STJ e do STF, que a condenação pelo artigo 28 da Lei 11.343/06 não gera reincidência nem maus antecedentes e somente tem aplicação para fins de nova condenação pelo mesmo dispositivo, quanto à dosimetria das penalidades ali previstas. [133] Ou seja, o significado da “reincidência” prevista no § 4º., do artigo 28 da Lei 11.343/06 “não reflete o sentido técnico adotado pelo Código Penal” reduzindo-se somente à “reincidência específica” do mesmo artigo 28. [134] Assim sendo, não é o reconhecimento agora pelo STF da natureza de mera infração administrativa para o artigo 28 da Lei de Drogas que afasta a reincidência propriamente dita. Essa situação já era reconhecida jurisprudencialmente e doutrinariamente e continuará a ser da mesma forma com relação unicamente à dosimetria das sanções do artigo 28, sejam como sanções penais ou administrativas.

Nos termos expostos, é possível concluir que a decisão do STF somente faz alterar a natureza jurídica do artigo 28, passando de infração penal para ilícito administrativo. No entanto, não há alteração da conduta sancionada, das sanções aplicáveis e nem mesmo de seus efeitos penais e extrapenais. Tudo isso já era objeto de abrandamento legal e jurisprudencial ao longo do tempo.

O que retroagirá beneficamente será apenas o simbólico tratamento da infração como administrativa e não criminal.

Poder-se-á objetar que no que tange à presunção de uso para a quantidade de 40 gramas de droga haveria mudança de relevo. Na verdade não. A quantidade de drogas, como já exposto neste texto, gera uma presunção meramente relativa (“juris tantum”) e condicionada a um conjunto de circunstâncias que é o mesmo já previsto legalmente no próprio artigo 28, § 2º., da Lei 11.343/06, que o STF nada mais fez do que repetir e fazer uma espécie de exortação para seu devido cumprimento em decisões fundamentadas dos Delegados de Polícia, Promotores e Juízes.

Torna-se um mistério desvendar o que o CNJ pretende fazer em seu “mutirão”. Quanto aos casos abrangidos pelo artigo 28 da Lei de Drogas não haverá nada a mudar, salvo se for para fazer constar que a condenação foi por uma infração administrativa e não penal. Mas, isso sem efeito prático, porque as sanções não mudam e não há reincidência propriamente dita. No que tange à reincidência específica no artigo 28, esta continua existindo e não foi alterada pelo STF. Será aplicável no âmbito administrativo, que não desconhece o conceito de reincidência.

E quanto aos casos de condenações ou prisões por tráfico com quantidade de drogas apreendida de 40 gramas ou menos? Também não há nada a ser feito. A quantidade é apenas um dos indicativos, uma presunção relativa. Os demais fatos e circunstâncias certamente já foram analisados nos termos do artigo 28, § 2º., da Lei de Drogas, que não sofreu alteração com o “decisum” da Corte Suprema. Não há razão alguma para alterar nenhuma decisão anterior, salvo se fosse admitido o entendimento de que a presunção quantitativa trazida pelo STF seria “absoluta”. Mas isso entra em conflito direto com as próprias Teses elaboradas pelo Supremo com relação ao seu julgamento (Tese 4), apontando claramente para a presunção “juris tantum” (relativa).

Na ausência de fatos novos, a decisão em si do STF não é capaz de modificar em nada as decisões anteriores de autoridades. É claro que tais decisões podem ser revistas mediante o uso dos recursos disponíveis no Processo Penal, questionando-se seus fundamentos fáticos e jurídicos. Mas, isso sempre decorreu do duplo grau de jurisdição, da ampla defesa e do devido processo legal, não sendo criação da atual decisão do STF acerca da quantidade de drogas que, a princípio, configuraria posse para uso ou posse para fins de mercancia ilícita. Destaque-se que para os casos com trânsito em julgado, a ação de Revisão Criminal exige o surgimento de fatos novos, o que não se coaduna com a simples previsão de uma quantidade de drogas que gera uma presunção meramente relativa, a qual certamente já foi objeto de decisão e fundamentação nos termos do vigente artigo 28, § 2º., da Lei 11.343/06. Mais uma vez é preciso destacar que a presunção quantitativa estabelecida pelo Supremo é relativa, de forma que a alteração de decisões anteriores se faria não por contrariedade ao texto expresso do “decisum” do STF, nem por ser contraditória com a evidência dos autos, nem por falsidade patente de depoimentos, documentos e exames, nem por descoberta de novas provas ou circunstâncias que levem à absolvição ou diminuição de pena, nem por nulidade processual (inteligência dos artigos 621 e 626, CPP). Tratar-se-ia de indevida reapreciação do caso e de seus fundamentos sem esteio nas hipóteses revisionais. [135]  

Em suma, na realidade a retroatividade legítima da decisão proferida pelo STF seria somente dotada de um efeito simbólico para os casos específicos de porte para consumo, reconhecendo que a infração é administrativa e não penal, mas sem alterar suas consequências efetivas. Por outro lado, no caso de condenados por tráfico em que a quantidade seja igual ou inferior a 40 gramas, não há o que retroagir. Eventuais equívocos decisórios devem ser corrigidos pelos recursos normalmente cabíveis. E nos casos de responsabilização somente por uso com quantidades de drogas acima de 40 gramas também nada se altera, ainda com maior razão. Não há presunção alguma de tráfico, ainda que relativa, conforme já visto. E mesmo que houvesse, apenas “ad argumentandum tantum”, não seria possível Revisão Criminal “pro societate”. [136] Obviamente, quanto aos condenados por tráfico com quantidades de drogas maiores do que 40 gramas também nada haveria a fazer, a não ser pelas vias recursais normais.

Enfim, a decisão proferida pelo STF gerou muito barulho, mas efeitos jurídicos diminutos, exatamente porque não passa de uma exortação político – ideológica, de modo que seus efeitos são sentidos apenas simbolicamente.

4.16-QUAL O PRAZO PRESCRICIONAL PARA O ILÍCITO ADMINISTRATIVO DE POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO?

Temos evitado a dicotomia entre o tratamento da maconha e outras drogas ilícitas em nossos comentários, conforme já alertado aos leitores, a fim de evitar rodeios e repetições argumentativas. Neste item, porém, faremos uma abordagem em dupla perspectiva, ou seja, primeiro considerando a maconha com tratamento diverso das demais drogas (literalidade da decisão do STF) e depois tendo em consideração as drogas ilícitas sem distinção. O motivo é que nessa forma será mais didático o desenvolvimento do assunto.

a)MACONHA COMO ILÍCITO ADMINISTRATIVO E DEMAIS DROGAS ILÍCITAS COMO CRIME

a.1)A MACONHA

Considerando o STF a posse de maconha para consumo próprio como ilícito administrativo, diversamente das demais drogas ilegais resta a dúvida quanto ao prazo prescricional da infração.

O STF em suas Teses 2 e 3 deixa consignado que as penas previstas no artigo 28 da Lei de Drogas continuarão a ser aplicadas na forma de sanções administrativas, adotando-se por agora as regras contidas na Lei de Drogas e na Lei 9.099/95.

Sobre a questão da prescrição surge um conflito. A Lei de Drogas prevê, em seu artigo 30, um prazo prescricional de 2 anos para o artigo 28. Mas, esse prazo se aplica como regra especial em relação ao Código Penal (3 anos – artigo 109, VI, CP). Portanto, se refere ao prazo prescricional de natureza penal e não administrativo.

Quando o STF afirma que a infração do artigo 28 da Lei de Drogas é um ilícito administrativo, surge a dúvida quanto à aplicabilidade do prazo prescricional inscrito no artigo 30 da Lei 11.343/06, muito embora o próprio Tribunal tenha mantido em geral as regras da Lei de Drogas e da Lei 9.099/95, conforme já destacado.

A solução poderia ser aplicar o prazo prescricional previsto em geral para as infrações administrativas. Tal prazo, conforme artigo 1º., da Lei 9.873/99, é de 5 anos.

Eis o dispositivo:

Art. 1o  Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

Estabelece o artigo 1º., § 2º., da Lei 9.873/99 que “quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal” (grifo nosso). Seria essa uma orientação para a aplicação do prazo prescricional de 2 anos do artigo 30 da Lei de Drogas? Infelizmente não. Isso porque se a posse for de maconha, trata-se de infração administrativa e não de crime. O crime somente haveria para a posse de demais drogas ilícitas. Não existe crime correlato para a posse de maconha se estamos tratando da dicotomia literal do STF. Assim esse crime previsto no artigo 28 para as demais drogas não se confundiria com a posse de maconha, de forma que seu prazo prescricional não poderia se estender por força do disposto no artigo 1º., § 2º., da Lei 9.873/99. O fato é previsto como ilícito administrativo e não também como crime. É somente ilícito administrativo. O crime do artigo 28 se refere a outras drogas, não à maconha.  

Agora estamos diante de um dilema. Não há prazo prescricional previsto especificamente para a posse de maconha para consumo próprio. Essa infração administrativa recém-criada por via jurisprudencial não tem correlato penal. Com a dicotomia do STF, resta claro que para as demais drogas a prescrição da pose para consumo (artigo 28) é de 2 anos (artigo 30). Mas e para a posse de maconha? Não há previsão expressa em local algum e o crime contido no artigo 28 não se refere à maconha.

Nesse quadro certamente não seria possível afirmar a imprescritibilidade, já que tal “solução” seria inconstitucional e desproporcional. Poderia haver a hipótese de aplicação do prazo prescricional de 5 anos previsto na legislação administrativa citada. No entanto, mesmo o crime (outras drogas) prescreveria em 2 anos. Não seria razoável e proporcional que a mera infração administrativa prescrevesse em 5 anos, especialmente levando em consideração a lógica da Política Criminal  adotada de abrandamento para com os usuários. Aumentar o prazo prescricional seria algo por demais incoerente, mesmo no quadro de insanidades que temos presenciado.

Parece-nos que a única solução viável é a de aplicar o prazo prescricional de 2 anos, conforme previsto no artigo 30 da Lei 11.343/06, não porque este se estenda à maconha por força do artigo 1º., § 2º., da Lei 9.873/99, mas por analogia benéfica e considerando que o STF manteve, até surgimento de lei específica, as regras da Lei de Drogas e da Lei 9.099/95.

a.2)AS DEMAIS DROGAS ILÍCITAS

Conforme já exposto, permanecendo na dicção literal do STF a posse para consumo das demais drogas ilícitas como crime, nada muda em relação ao prazo prescricional, aplicando-se normalmente os 2 anos previstos no artigo 30 da Lei 11.343/06 que regula expressamente a matéria.

b)MACONHA E DEMAIS DROGAS ILÍCITAS COMO ILÍCITO ADMINISTRATIVO

Aproveitando o que já foi exposto no subitem anterior, resta claro que nessa situação não seria viável o emprego das regras administrativas com relação a quaisquer situações de posse de drogas para consumo próprio. O aumento do prazo prescricional não se coaduna com a Política Criminal adotada em relação aos usuários.

Também não seria possível aplicar o disposto no artigo 1º., § 2º., da Lei 9.873/99 porque, nesta situação ora em estudo, inexistiria crime de posse de drogas correlato, mas somente ilícitos administrativos não importando a espécie de droga.

Novamente a única solução seria a aplicação do prazo de dois anos do artigo 30 da Lei 11.343/06 por analogia benéfica e considerando a determinação do STF de continuidade, por agora, de utilização das regras da Lei de Drogas e da Lei 9.099/95.

4.17-COMO FICA O PROCEDIMENTO PARA A POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO?

A partir do momento em que se convola em mero ilícito administrativo a posse de drogas para consumo próprio, na verdade, a atuação das Polícias Civil e Militar, bem como do Ministério Público e do Judiciário tornam-se impraticáveis e carentes de regulação legal. [137]

No entanto, o STF, em mais uma incursão ilegítima, de certa forma e muito debilmente, apresenta uma solução provisória em suas Teses 2 e 3. Vejamos:

2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta.

3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença (grifo nosso).

O que mais assusta (se é que algo ainda nos assusta, vindo da Corte Suprema) é a determinação de que o CNJ irá regular a matéria do procedimento relativo ao ilícito de posse de drogas para consumo. Isso certamente não é tema de atribuição do CNJ, mas do Congresso Nacional. Ou seja, além de, por sua conta, violar o STF a Separação de Poderes, ainda determina que outro órgão também venha a violar, no caso, o CNJ. Estamos diante do que poderíamos chamar de uma “Violação Primária” da Separação de Poderes (diretamente pelo STF) e de uma subsequente “Violação Secundária” da mesma regra (derivadamente ou em perspectiva pelo CNJ)!

Mas, não havendo nada a fazer a respeito, deixemos de lado mais esse vilipêndio à Constituição.

Em resumo, o que o STF faz é criar funções anômalas para as Polícias, MP e Judiciário, que passarão a tratar de questões administrativas de posse de drogas para consumo próprio em processos administrativos – disciplinares, aplicando as mesmas regras hoje vigentes de acordo com as Leis 11.343/06 e 9.099/95.

Pode-se dizer, então, que o procedimento não se modifica, apenas se convola de criminal em administrativo, não gerando qualquer efeito penal. Isso também é bastante relativo porque o artigo 28 da Lei de Drogas, conforme já visto, não tinha repercussões propriamente penais, não sendo previstas penas privativas de liberdade e não constando para fins de reincidência ou maus antecedentes.

Os procedimentos de apreensão, guarda e destruição de drogas não se alteram. Também, como já visto, não se prescinde de exame toxicológico e o infrator pode perfeitamente ser levado à Delegacia porque será a Autoridade de Polícia Judiciária que irá, num primeiro momento, deliberar pela posse para consumo ou tráfico, mesmo sendo a quantidade igual ou inferior a 40 gramas, já que há outros fatores a serem analisados nos termos do artigo 28, § 2º., da Lei de Drogas e a presunção de posse para uso é relativa (“juris tantum”) (Teses 5 e 6 do STF).

Não obstante vários outros problemas seguem sem solução:

O Delegado de Polícia elaborará Termo Circunstanciado e encaminhará ao Juizado Especial Criminal. Até aí tudo bem. Aberta vista ao Ministério Público, o que ele deve fazer?

Sempre pedir arquivamento porque não há ilícito penal? E depois disso? Encaminha ao Juízo para aplicação das sanções administrativas? Mas sanções, ainda que administrativas, podem ser aplicadas sem uma imputação acusatória, sem ampla defesa, contraditório, enfim, devido processo legal? O Juiz fará, por si mesmo, sem o Ministério Público, proposta de Transação Penal? E se não couber transação? Condenações criminais anteriores continuam impedindo a transação? Pode haver transação se o caso já foi arquivado por atipicidade penal? Pode-se, enfim, sequer falar em “Transação Penal” se não há ilícito penal, mas apenas administrativo? O STF criou então uma espécie de “Transação Administrativa Anômala”?

A nosso ver, as funções anômalas atribuídas “ad baculum” às Polícias, MP e Judiciário, implicam em manter o procedimento sem nenhuma alteração, na dicção expressa da Tese 3 do STF, “segundo a sistemática atual”.

A Polícia Militar apresenta o caso à Autoridade de Polícia Judiciária (Delegado de Polícia). Formado o convencimento fundamentado de que se trata de posse para consumo e não tráfico, elabora-se o Termo Circunstanciado, apreende-se a droga, faz-se o exame preliminar e requisita-se o toxicológico definitivo, encaminhando o caso ao Juizado Especial Criminal. Ali, aberta vista ao Ministério Público, este deve avaliar a possibilidade de arquivamento, não por atipicidade penal, mas administrativa (v.g. o laudo toxicológico aponta que não se trata de droga). A atipicidade penal não é, neste caso, motivo para arquivamento, pois o MP estará tratando, anomalamente, de ilícito administrativo. Não sendo caso de arquivamento, o MP requer audiência preliminar para proposta de transação penal (ou “Transação Administrativa Anômala”), se for o caso. Não cabendo transação (v.g. autor do fato com condenação criminal) ou não aceitando o autor a proposta, deve haver a “Denúncia”, a qual será uma peça anômala, no exercício de função anômala pelo Ministério Público. Na verdade, a “Denúncia” nesses casos equivalerá a uma espécie de Portaria acusatória de procedimento administrativo – disciplinar. O processo, que não será mais criminal, mas administrativo, será presidido pelo Juiz dos Juizados Especiais Criminais, seguindo as regras da Lei 9.099/95 e da Lei 11.343/06. Os recursos continuam sendo os previstos na lei processual penal, mas que terão natureza administrativa, estendendo as funções anômalas aos Tribunais. Tudo isso pode parecer monstruoso, sim, pelo simples motivo de que é realmente monstruoso. Mas, ainda assim, é a melhor solução, em respeito ao devido processo legal administrativo.

A decisão do STF sob comento ocasiona uma série que parece interminável de problemas. Com razão preveem Leitão e Caldart dificuldades para legitimação de entrada em domicílio nos casos de flagrância de posse de drogas:

Outro reflexo do Supremo Tribunal Federal (STF), ao insistir na tese do art. 28. da Lei de Drogas ser um ilícito administrativo, reflete na impossibilidade de futuras abordagens para o ingresso ao domicílio em caso de suspeita de drogas, uma vez que, tratando-se de uma clara hipótese de uso pessoal, não se verifica a prática de infração penal e, portanto, restaria afastada a excepcionalidade da violação domiciliar para fazer cessar a conduta criminosa nos casos de flagrante delito, disciplinada no inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal.

Como se vê, o r. decisum afeta diretamente o cenário para a atuação policial nos casos de traficância, criando mais um problema no complexo sistema de enfrentamento das drogas. [138]

Parece-nos que nessas situações o ingresso poderá se dar com base na hipótese de estado flagrancial, vez que não é possível de plano discernir se há realmente mera posse para uso (ilícito administrativo) ou tráfico (ilícito penal). Presume-se a boa – fé do agente policial, movido por aparência de legalidade e causa provável para sua atuação.

A chamada “Teoria da Aparência”, originalmente moldada para o campo civil, não encontraria óbice em sua aplicação nessas circunstâncias.

Como aduz Kümpel:

O objetivo da teoria da aparência é transformar, para o sujeito de boa – fé, em algumas relações jurídicas, aquilo que se lhe apresentou, apenas de forma aparente, em vívida realidade jurídica, apenas na medida em que venha prestigiar a segurança jurídica e a boa fé das pessoas. [139]

E conclui:

“Portanto, o valor não está na realidade como ela é, mas na realidade como pode ser julgada existente”. [140]

As circunstâncias de uma busca realizada num contexto de drogas ilícitas com suspeita fundada de possibilidade de tráfico se adequa perfeitamente à conceituação dada por Álvaro Malheiros acerca do tema:

Poderíamos, reunindo esses elementos, tentar conceituar a aparência de direito como sendo uma situação de fato que manifesta como verdadeira uma situação jurídica não verdadeira, e que, por causa do erro escusável de quem, de boa fé, tomou o fenômeno real como manifestação de uma situação jurídica verdadeira, cria um direito subjetivo novo, mesmo à custa da própria realidade. [141]

A doutrina da aparência vem sendo acatada pelos nossos Tribunais Superiores. Na página de notícias do Superior Tribunal de Justiça encontra-se o seguinte sobre o tema:

​​Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a teoria da aparência – que leva ao reconhecimento de efeitos jurídicos em uma situação que apenas parece real – pode ser aplicada em casos muito diversos: de relações de consumo a comunicações processuais, da solidariedade na responsabilidade civil à autorização para o ingresso da polícia em imóveis (grifo nosso). [142]

Desde logo se vê a menção às situações de “ingresso pela polícia em imóveis”. Mais adiante, no corpo da notícia, são expostos diversos casos de aplicação da Teoria da Aparência, destacando-se, no que nos toca, um caso de busca e apreensão policial:

No julgamento do RMS 57.740, o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, observou que, embora a teoria da aparência tenha encontrado maior amplitude de aplicação no direito civil e no direito processual civil (particularmente em questões relativas ao consumidor), nada impede sua aplicação também na área penal.

Com esse entendimento, o ministro considerou válida a autorização de ingresso da polícia para cumprir mandado de busca e apreensão em uma empresa, dada por pessoa que já não fazia parte do quadro social da pessoa jurídica.

No caso analisado, a pessoa investigada informou que a sede da empresa se encontrava em local diverso do indicado e conduziu a polícia até lá, abrindo a porta com sua chave e fornecendo autorização por escrito para a busca.

“É de se reconhecer como válida, com base na teoria da aparência, a autorização expressa de realização de busca e apreensão em sede de empresa investigada, dada por pessoa que, embora tenha deixado de ser sócia formal da empresa desde 2013, continuou assinando documentação para os supostos certames fraudulentos”, explicou o magistrado. [143]

Não pode restar dúvida de que, “mutatis mutandis”, o entendimento acima exposto do STJ pode perfeitamente ser aplicado a um caso de busca em residência por provável estado flagrancial, não podendo o Policial descartar de plano o tráfico nem mesmo pela quantidade suposta de droga, já que este não é o único critério distintivo entre a mercancia ilícita e a posse para consumo.

Não obstante, certamente na prática essa situação indeterminada irá ocasionar a inibição da atuação policial, mesmo porque nunca vivemos uma realidade de insegurança jurídica tão gravosa como a da atualidade, de modo que o Policial, que já se acha abandonado no limbo entre o abuso de autoridade e a prevaricação, enfrentando a violência das ruas, ainda será constrangido por uma total falta de segurança para atuar. A atividade policial, que sempre foi árdua e desafiadora, torna-se algo a exigir um caráter sobre – humano temperado com as virtudes do heroísmo e da santidade do martírio.

Como já se disse, essa espécie de remendo apresentado pelo STF e a nossa tentativa de interpretação e aplicação é algo assustador. Não obstante, o mundo jurídico, diante de um problema, não se pode dobrar como outras ciências. O Direito tem sempre que dar uma resposta.

Uma diferença, portanto, deve ser bastante destacada entre o mundo jurídico e as demais ciências, bem como a própria filosofia. No âmbito jurídico não há espaço para a indecisão, para o “non liquet”.

Falam os anglo – saxões nos chamados “hard cases”, ou seja, “casos difíceis”, para os quais não há precedentes ou, em nossa versão, não há uma solução exata, preformatada na lei. Mais especificamente, onde não havia “hard case” algum, o Supremo Tribunal Federal criou, a seu talante, vários deles e deixou para que a sociedade e a comunidade jurídica resolvam.

Mas o Direito é uma ciência prática e não admite a falta de soluções. É necessária sempre uma resposta, ainda que não seja a mais adequada. O mundo jurídico exige respostas e não pode se contentar com o “non liquet”.

Vejamos o que diz Del Vecchio sobre isso:

Nenhum argumento é tão adequado para mostrar a natureza eminentemente prática do direito e sua plena e perfeita aderência à vida, como o seguinte: não há relação alguma entre os homens, não há controvérsia possível, por mais complicada e imprevista que seja, que não admita e exija uma solução jurídica certa.  As dúvidas e incertezas podem persistir durante largo tempo no campo teórico. Todos os ramos do saber e mesmo a jurisprudência como ciência teórica, oferecem exemplos de questões debatidas durante séculos, e apesar disso não se admite que sejam insolúveis no dia a dia forense. A pergunta sobre onde está o direito? Qual o limite do meu direito e do direito do outro? Deve em todo caso concreto ser respondida. Essa resposta, sem dúvida, não é infalível, mas é praticamente definitiva. [144]

E segue em nota de rodapé afirmando que isso não é fruto de uma suposta “megalomania jurídica” advogada por Kantorowicz:

Se o biólogo, o filólogo, o historiador confessam não haver resolvido todos os problemas que suas respectivas ciências apresentam, isso não se deve a que sejam mais modestos que o jurista (como aponta KANTOROWICZ), senão à circunstância de que os limites das dúvidas do saber teórico não suspendem o curso da vida. No entanto, ao contrário, quando se trata da Ciência Jurídica, que regula as ações humanas, a ciência se confunde de certo modo com o curso necessariamente contínuo de tais ações e não pode, por conseguinte, deixar de acompanhá-las com suas decisões, que têm unicamente um valor prático. Por isso, se é certo que também a ciência jurídica tem problemas que no campo teórico comportam discussões seculares, podendo ser debatidas ‘ad infinitum’, todavia, em toda nova controvérsia, ainda que se abarque questões cientificamente obscuras, há que lograr-se sempre uma sentença praticamente definitiva. [145]

Enfim, a decisão do STF e seu exercício descontrolado de poder são fatos incontornáveis. Nesse quadro, os atores do mundo jurídico são obrigados a agir e solucionar, ainda que precariamente, os problemas que vão surgindo.  

4.18-É POSSÍVEL APLICAR A MEDIDA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE AOS CASOS DE POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO, APÓS A DECISÃO DO STF?

Para responder a essa indagação é preciso atentar para a redação da Tese 1 do STF em sua “Informação à Sociedade”:

Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III) (grifo nosso).

É cristalina a observação de que a decisão do STF reduz os preceitos secundários da norma do artigo 28 da Lei de Drogas às penalidades de “advertência” e “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”, fazendo referência somente aos incisos I e III do artigo 28 do mesmo diploma. O inciso II não é mencionado, afastando, portanto, a possibilidade de sanção com “prestação de serviços à comunidade”. Certamente essa medida foi tomada no “decisum” do STF, tendo em vista a convolação da conduta de posse de drogas para consumo em ilícito administrativo, já que a pena de prestação de serviços à comunidade normalmente tem caráter criminal, embora geralmente alternativo ou substitutivo (inteligência do artigo 43, IV, CP).

Capez é assertivo sobre a questão:

“Foi cancelada, (…), a sanção do inciso II do referido artigo 28, que era a prestação de serviços à comunidade”. [146]

Certamente esse é o único aspecto em que, na prática e realmente, a decisão do STF beneficia o imputado por posse de drogas e muda o cenário para além do simbolismo ideológico, justificando efetivamente a sua retroação como “lex mitior”. Não cabe mais a aplicação da penalidade mais gravosa que era prevista nos preceitos secundários do artigo 28 da Lei 11.343/06.

5-CONCLUSÃO

Neste trabalho foi abordado o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506) e suas consequências sociais e jurídicas.

Constatou-se que houve a descriminalização da posse para uso de maconha até o limite quantitativo de 40 gramas ou 6 plantas. Não obstante a literalidade do “decisum” em destaque, resta a questão sobre a provável analogia benéfica com relação às demais drogas ilícitas.

Enfim a posse de drogas para consumo próprio, prevista no artigo 28 da Lei 11.343/06 convolou-se de crime para ilícito administrativo.

O ponto mais relevante em todo esse acontecimento é a percepção de que a decisão judicial em comento não é motivada realmente por fatores jurídicos e/ou científicos, mas fruto da colonização ideológica de nossa Corte Suprema pela mentalidade progressista. Exatamente por isso e com essa perspectiva, é possível perceber as razões de uma decisão tão atabalhoada e precipitada, tomada sem a menor regulamentação e com invasão reiterada de funções do Legislativo e do Executivo.

Foram finalmente estudados os diversos problemas e questionamentos que surgem da tresloucada decisão judicial, tentando apresentar algumas soluções em meio ao caos normativo. Possivelmente outras questões e problemas surgirão com o tempo e as tentativas de erro e acerto (Ou seria de erro e erro?) por parte de todos os envolvidos nessa nova realidade.

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Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia Aposentado, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia e Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós – graduação e cursos preparatórios.


[1] CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote de La Mancha. Segunda Parte. Trad. Francisco Lopes de Azevedo Velho de Fonseca Barbosa Pinheiro Pereira e Sá Coelho e Antônio Feliciano de Castilho. São Paulo: Ebooks Brasil, 2005, p. 534. Disponível digitalmente em https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/4/o/quixote2.pdf , acesso em 06.07.2024.

[2] Cf. JULGAMENTO Histórico: STF diz que usar maconha não é crime – maioria da corte votou para que o porte da substância deixe de ser ilícito penal e passe a configurar ilícito administrativo. Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/409743/julgamento-historico-stf-diz-que-usar-maconha-nao-e-crime , acesso em 06.07.2024. ANGELO, Tiago. STF estabelece 40 gramas para diferenciar uso e tráfico e fixa tese sobre maconha. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jun-26/stf-estabelece-40-gramas-para-diferenciar-uso-e-trafico-e-fixa-tese-sobre-maconha/ , acesso em 06.07.2024. STF, RE 635659, Repercussão Geral Tema 506. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4034145 , acesso em 06.07.2024. Em “Informação à Sociedade” emitida pelo STF consta: “O STF decidiu que ter pequenas quantidades de maconha para uso pessoal (40 gramas ou 6 pés) continua sendo proibido, mas não é crime”.  E estabeleceu a Tese 1: “Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III)”. Cf. INFORMAÇÃO à Sociedade. RE 635.659 (Tema 506). Porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal. Relator Ministro Gilmar Mendes. J. 26.06.2024. Disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/06/27103347/RE-635659-Tema-506-informacao-sociedade-rev.-LC-FSP-v2_27-6-24_10h11.pdf , acesso em 06.07.2024.

[3] VIRGÍLIO. Eneida. Trad. Manuel Odorico Mendes. Ebook: EbookLibris, 2005, Disponível em https://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html , acesso em 06.07.2024.

[4] SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre. São Paulo: Círculo do Livro, 1975, p. 97.

[5] OLIVEIRA, Lucas. O Constitucionalismo Abusivo na Justiça Constitucional Brasileira – um diagnóstico sobre o abuso constitucional na prática do Supremo Tribunal Federal. Londrina: Thoth, 2024, p. 21 e ss.

[6] MONT’ALVERNE, Martonio, LEITÃO, Rômulo, SOUSA, Francisco Arlem de Queiroz. O Constitucionalismo Abusivo do STF. Novos Estudos Jurídicos. Volume 28, n. 2, 2023, p. 208.

[7] LANDAU, David. Abusive Constitutionalism. Davis Law Review. Vol. 47, n. 1, 2013, p. 195.

[8] ZIMMER, Ianker. República Democrática do Pensamento Único. São Paulo: Edições 70, 2021, p.123,

[9] DECISÃO que descriminaliza maconha deve ser cumprida por quem gostou ou não, afirma Barroso. Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/410290/barroso-decisao-da-maconha-deve-ser-cumprida-ate-por-quem-nao-gostou , acesso em 10.07.2024.

[10] TOSI, Justin, WARMKE, Brandon. Virtuosismo Moral Grandstanding. Trad. Fábio Alberti. Barueri: Faro Editorial, 2021, p. 9.

[11] ZIMMER, Ianker. República Democrática do Pensamento Único. São Paulo: Edições 70, 2021, p. 97.

[12] Apud, MAUAD, João Luiz. A Sabedoria de George Washington. Disponível em https://www.institutoliberal.org.br/blog/pensadores/a-sabedoria-de-george-washington/ , acesso em 06.07.2024.

[13] HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2022, p. 34 – 35.

[14] NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2017, p. 130 – 133.

[15] LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição?  Trad. Leandro Farina. Campinas: Minelli, 2003, p. 35.

[16] POWER, Nina. Opposing Liberal Intolerance. Compact Magazine. Disponível em https://www.compactmag.com/article/opposing-liberal-intolerance/, acesso em 06.07.2024. No original: “Opposing liberal intolerance requires not only defending the truth, but getting over the fear of being denounced for consorting with the wrong sort of people (…)”. “Against the false purity of the ‘good’ (…)”.

[17] Esses conceitos serão melhor desenvolvidos oportunamente.

[18] AZEVEDO, Tatiana. Maioria de brasileiros é contra descriminalização da maconha, diz pesquisa. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/republica/maioria-de-brasileiros-e-contra-descriminalizacao-da-maconha-aponta-pesquisa/ , acesso em 06.07.2024. A pesquisa do Datafolha indica que pelo menos 67% dos brasileiros é contrário à descriminalização das drogas, incluindo a maconha. Cf. tb. Mais recente: JARDIM, Lauro. Pesquisa IPEC: 69 % dos brasileiros são contra  descriminalizar maconha para uso pessoal. Disponível em https://oglobo.globo.com/blogs/lauro-jardim/post/2024/07/pesquisa-ipec-69percent-dos-brasileiros-sao-contra-descriminalizar-maconha-para-uso-pessoal.ghtml , acesso em 20.07.2024.

[19] A aplicação medicinal da maconha é um jogo de palavras que não descreve a realidade. Não existe “maconha medicinal”, mas sim substâncias obtidas da planta que podem ter uso medicinal alternativo. Cf. SILVA, Antônio Geraldo da. Maconha Medicinal Não Existe. Disponível em https://portal.cfm.org.br/artigos/maconha-medicinal-nao-existe , acesso em 06.07.2024.

[20] Cf. MENDES, Alvaro. Maconha S.A. – o que os globalistas, a extrema – esquerda e o BIG THC escondem de você. Rio de Janeiro: CDB, 2022, “passim”.

[21] Para acesso ao original dos autores citados por Bernardin: FREEDMAN, J. L., FRASER, S. C. Compliance without pressure: the foot – in – the – door technique. Journal of Personality and Social Psychology. Vol. 4, n. 2, 1966, p. 195 – 202. Também disponível “on line” em https://www.bulidomics.com/w/images/6/6c/Freedman_fraser_footinthedoor_jpsp1966.pdf , acesso em 06.07.2024.

[22] BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo ou o ministério da reforma psicológica. Trad. Alexandre Müller Ribeiro. Campinas: CEDET, 2013, p. 21.

[23] BARROSO afirma que legalização das drogas não está sendo discutida no STF: “Droga é ruim”. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wvUFZIPkNT0 , acesso em 06.07.2024.

[24] Cf. FRANÇA torna-se o primeiro país do mundo a incluir aborto na Constituição. Disponível em https://brasilsemmedo.com/franca-torna-se-o-primeiro-pais-do-mundo-a-incluir-aborto-na-constituicao/ , acesso em 07.07.2024.

[25] BARROSO afirma que legalização das drogas não está sendo discutida no STF: “Droga é ruim”. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wvUFZIPkNT0 , acesso em 06.07.2024.

[26] MILL, Stuart. Utilitarismo. Trad. Pedro Galvão. Porto: Porto Editora, 2005, p. 51.

[27] BORGES, Nine, SILVA, Patrícia. Corrupção da Linguagem, Corrupção do Caráter – como o ativismo “woke” está destruindo o ocidente. São Paulo: Faro Editorial, 2024, p. 89.

[28] TOSI, Justin, WARMKE, Brandon. Virtuosismo Moral Grandstanding – As ideias por trás dos cancelamentos, boicotes e difamações nas redes sociais. Trad. Fábio Alberti. Barueri: Faro Editorial, 2021, p. 34.

[29] Cf. MENDES, Alvaro. Maconha S.A. – o que os globalistas, a extrema – esquerda e o BIG THC escondem de você. Rio de Janeiro: CDB, 2022, “passim”.

[30] A BRIEF explanation of the Overton Window. Disponível em https://www.mackinac.org/OvertonWindow , acesso em 10.07.2024. No original: “The Overton Window is a model for understanding how ideas in society change over time and influence politics. The core concept is that politicians are limited in what policy ideas they can support — they generally only pursue policies that are widely accepted throughout society as legitimate policy options. These policies lie inside the Overton Window. Other policy ideas exist, but politicians risk losing popular support if they champion these ideas. These policies lie outside the Overton Window.

But the Overton Window can both shift and expand, either increasing or shrinking the number of ideas politicians can support without unduly risking their electoral support. Sometimes politicians can move the Overton Window themselves by courageously endorsing a policy lying outside the window, but this is rare. More often, the window moves based on a much more complex and dynamic phenomenon, one that is not easily controlled from on high: the slow evolution of societal values and norms”.

[31] BORGES, Nine, SILVA, Patrícia. Corrupção da Linguagem, Corrupção do Caráter – como o ativismo ‘woke’ está destruindo o ocidente. São Paulo: Faro Editorial, 2024, p. 120.

[32] MARÍAS, Julián. Tratado Sobre a Convivência – Concórdia sem acordo. Trad. Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 23.

[33] Cf. RAMALHO, Renan. Próximo passo é descriminalizar outras drogas, diz defensor que atuou no caso da maconha no STF. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/proximo-passo-e-descriminalizar-outras-drogas-diz-defensor-que-atuou-no-caso-da-maconha-no-stf/ , acesso em 06.07.2024.

[34] Cf. CABETTE, Eduardo, SANNINI, Francisco. Tratado de Legislação Especial Criminal. 3ª. ed. Leme: Mizuno, 2023, p. 929 – 934.

[35] KARAM, Maria Lúcia.  Drogas: a irracionalidade da criminalização. Boletim IBCCrim. n. 45, Edição Especial, ago., 1996, p. 9 – 10.

[36] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em Busca das Penas Perdidas. Trad. Vania Romano Pedrosa. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 130 – 131.

[37] LUBIANCO, Julio.  Maconha no Uruguai, quatro anos após a legalização, muito a fazer. Disponível em https://projetocolabora.com.br/consumo/maconha-no-uruguai/ , acesso em 07.07.2024.

[38] LEGALIZAÇÃO da maconha não diminuiu tráfico no Uruguai. Disponível em https://istoe.com.br/legalizacao-da-maconha-nao-diminuiu-trafico-no-uruguai/ , acesso em 07.07.2024.  

[39] THORNTON, Mark. Criminalização: análise econômica da proibição das drogas. Trad. Claudio A. Téllez – Zepeta. São Paulo: LVM, 2018, posição 195 Kindle book.

[40] Op. Cit., posição 3253 Kindle book.

[41] SILVA, César Dario Mariano da. A criminalização da posse e do porte de drogas como direito fundamental. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-criminalizacao-da-posse-e-do-porte-de-drogas-como-direito-fundamental/2289867349 , acesso em 06.07.2024. 

[42] Cf. SILVA, Cesar Dario Mariano da. A descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e sua quantificação para ser tráfico. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Q4p6Kl68GLk&t=8s , acesso em 06.07.2024.

[43] CHURCHILL, Winston, apud LAMB, Sean. A Sabedoria de Winston Churchill – palavras de guerra e paz. Trad. Fabiano Flaminio. Cotia: Pé da Letra, 2020, p. 46.

[44] OLIVEIRA, Adeilson. A Holanda reconhece: legalizar a maconha foi erro. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-holanda-reconhece-legalizar-maconha-foi-erro/239200069#:~:text=A%20Holanda%20constatou%20ter%20sido,passeata%20pela%20legaliza%C3%A7%C3%A3o%20dessa%20droga , acesso em 07.07.2024.

[45] SANTOS, J. W. SEIXAS. A nova lei antitóxicos comentada. São Paulo: Pró – Livro, 1977, “passim”. Utiliza-se a terminologia proposta por esse autor quanto à nomenclatura das substâncias causadoras de dependência física ou psíquica.

[46] SILVA, César Dario Mariano da. A criminalização da posse e do porte de drogas como direito fundamental. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-criminalizacao-da-posse-e-do-porte-de-drogas-como-direito-fundamental/2289867349 , acesso em 06.07.2024. 

[47] Op. Cit.

[48] Op. Cit.

[49] Em posicionamento crítico com relação à descriminalização: SILVA, César Dario Mariano da. Descriminalização do Porte de Drogas: o risco de caos com referendo judicial. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/descriminalizacao-porte-drogas-risco-caos-com-referendo-judicial/ , acesso em 06.07.2024.

[50] CANTO JÚNIOR, Maurício Marques. Uma Gramática da Inteligência.  Santo André: Armada, 2024, p. 25.

[51] Op. Cit., p. 25.

[52] BONFIM, Edilson Mougenot. Punitivista? Disponível em https://www.facebook.com/emougenotbonfim/photos/a.330359640361606/2876981692366042/?_rdr , acesso em 06.07.2024.

[53] GOMES, Luiz Flávio, et al. (coord.). Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 109.

[54] Op cit., p. 108.

[55] Op.cit., p. 110.

[56] GOMES, Luiz Flávio. Drogas e Princípio da Insignificância: atipicidade material do fato. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/29412/drogas-e-principio-da-insignificancia–atipicidade-material-do-fato , acesso em 07.07.2024.

[57] GOMES, Luiz Flávio, et al. (coord.). Nova Lei de Drogas Comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 110.

[58] LEAL, João José. Política Criminal e a Lei 11.343/2006: descriminalização da conduta de porte para consumo pessoal de drogas? Boletim IBCCrim. n. 169, dez., 2006, p. 2 – 3.

[59] MORAES, Rodrigo Iennaco de.  Abrandamento Jurídico – Penal da “posse de droga ilícita para consumo pessoal” na Lei 11.343/2006: primeiras impressões quanto à não – ocorrência de “Abolitio Criminis”. Disponível em https://jus.com.br/artigos/8868/abrandamento-juridico-penal-da-posse-de-droga-ilicita-para-consumo-pessoal-na-lei-n-11-343-2006 , acesso em 07.07.2024.

[60] Cf. VOLPE FILHO, Clóvis Alberto. Considerações pontuais sobre a nova lei antidrogas (Lei  11.343/2006) – Parte I. Disponível em https://jus.com.br/artigos/8852/consideracoes-pontuais-sobre-a-nova-lei-antidrogas-lei-n-11-343-2006 , em  08.09.06. MOREIRA, Reinaldo Daniel. Algumas considerações acerca da pretensa descriminalização do uso de entorpecentes pela Lei 11.343/2006. Boletim IBCCrim. n. 169, dez., 2006, p. 4 – 5. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: RT, 2006, p. 755. TAFFARELLO, Rogério F. Nova (?) Política Criminal de Drogas? Boletim IBCCrim. n. 167, out., 2006, p.  2 – 3. SAMPAIO, Denis. Inovação legislativa do uso de drogas diante de uma visão processual: nova medida descarcerizadora. Boletim IBCCrim. n. 170, jan., 2007, p. 7 – 8.

[61] BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 78.

[62] Afirma com acerto Serrano: “Os elementos de interpretação, por conseguinte, devem ser três: gramatical, lógico e científico. O primeiro diz respeito à forma exterior da lei, sua letra; o segundo e o terceiro dizem respeito à sua força íntima, seu espírito”. SERRANO, Pablo Jiménes. Interpretação Jurídica. São Paulo: Desafio Cultural, 2002, p. 38.

[63] É claro que essa liberdade do legislador ordinário não é absoluta, pois que a própria Constituição Federal proíbe determinadas espécies de pena (art. 5º. LXVII, alíneas “a” a “e”, CF).

[64] MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. Volume II, Campinas: Bookseller, 1997, p. 48 – 54.

[65] SOUZA, Artur de Brito Gueiros. Espécies de sanções penais: uma análise comparativa entre os sistemas penais da França e do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 49, jul./ago., 2004, p. 9 – 38.

[66] ROQUE, Fábio et al. Legislação Criminal para Concursos. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 503.

[67] NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit. p. 317.

[68] CABETTE, Eduardo, SANNINI, Francisco, Op. Cit., p. 950.

[69] CAPEZ, Fernando. 40 g de Maconha: STF confunde despenalização com descriminalização. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-01/repercussoes-da-decisao-do-stf-sobre-a-descriminalizacao-da-maconha/ , acesso em 30.07.2024.

[70] AMÉRIO, Romano. Iota Unum. Trad. Fabiano Rolim. Rio de Janeiro: Permanência, 2020, p. 47.

[71] ESTELLITA, Heloísa. Paternalismo, Moralismo e Direito Penal: alguns crimes suspeitos em nosso Direito Positivo. Boletim IBCCrim. n. 179, out., 2007, p. 17 – 18. No original: FEINBERG, Joel. Harm to self: The moral limits of the criminal law. Volume 3. Oxford: Oxford University Press, 1986, “passim”.

[72] CABETTE, Eduardo, SANNINI, Francisco, Op. Cit., p. 935.

[73] QUEIROZ, Paulo. A propósito do bem jurídico protegido pelo tráfico de drogas e afins.  Disponível: http://www.pauloqueiroz.net/a-proposito-do-bem-juridico-protegido-no-trafico-de-droga-e-afins/ , Acesso em 07.07.2024.

[74] CABETTE, Eduardo, SANNINI, Francisco, Op. Cit., p. 934 – 935.

[75] SILVA, César Dario Mariano da. A criminalização da posse e do porte de drogas como direito fundamental. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-criminalizacao-da-posse-e-do-porte-de-drogas-como-direito-fundamental/2289867349 , acesso em 06.07.2024.

[76] MATOS, Fábio. Por maioria, STF decide que não é crime portar maconha para uso pessoal; entenda. Disponível em https://www.infomoney.com.br/politica/stf-forma-maioria-para-descriminalizacao-do-porte-de-maconha-para-uso-pessoal/#:~:text=Na%20retomada%20do%20julgamento%20sobre,e%20n%C3%A3o%20apenas%20a%20maconha , acesso em 08.07.2024. “Na retomada do julgamento sobre o caso, o ministro Dias Toffoli esclareceu seu voto sobre o tema e informou que acompanharia o relator do caso, ministro Gilmar Mendes. Toffoli disse, aliás, que o seu voto abrange todas as drogas, e não apenas a maconha” (grifo nosso).

[77] ESCRIVÁ, Josemaria. Caminho. 14ª. ed. Trad. Alípio Maia de Castro. São Paulo: Quadrante, 2023, p. 33.

[78] TÁVORA, Nestor. Teremos dois tipos de usuário: o simples (ilícito administrativo – “cannabis sativa”) e o qualificado (ilícito penal – demais substâncias entorpecentes). STF RE 635.659. Disponível em https://www.instagram.com/reel/C8wbS25u0Dh/?igsh=bHNxYXpxOXZwcmt2 , acesso em 08.07.2024.

[79] Sobre a questão da presunção gerada pela quantidade de 40 gramas de droga, trataremos em tópico específico.

[80] Observe-se que a presunção de uso para a quantidade de 40 gramas é relativa. Dessa forma pode, de acordo com as demais circunstâncias legais e mesmo arroladas na decisão do STF, haver tráfico com menos de 40 gramas e uso com mais de 40 gramas. Isso será melhor desenvolvido quando tratarmos especificamente dessa presunção.

[81] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 5. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 348.

[82] SAAD, Marta. O Direito de Defesa no Inquérito Policial. São Paulo: RT, 2004, p. 232.

[83] Op. Cit., p. 235.

[84] BARBOSA, Marcelo Fortes. Garantias Constitucionais de Direito Penal e de Processo Penal na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 83.

[85] QUEIJO, Maria Elisabeth. O Direito de Não Produzir Prova Contra Si Mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 261. Ao leitor interessado num aprofundamento sobre o direito de não produzir prova contra si mesmo, indicamos: OLIVEIRA E SILVA, Sandra. O arguido como meio de prova contra si mesmo – considerações em torno do Princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”. Coimbra: Almedina, 2019, “passim”.

[86] Para ficam com um clássico: Cf. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 51.

[87] MIRABETTE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. Volume I. 31ª. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 341.

[88] MARTINELLI, João Paulo, BEM, Leonardo Schimitt de. Direito Penal Lições Fundamentais Parte Geral. 7ª. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2022, p. 1225.

[89] A atipicidade é relativa nesse caso porque se refere tão somente ao crime de receptação, subsistindo o artigo 28 da Lei de Drogas como fato típico. Atipicidade absoluta ocorre quando uma conduta não encontra tipificação penal em nenhum dispositivo do ordenamento jurídico. No mesmo sentido, ver por todos: GALVÃO, Fernando. Direito Penal Parte Geral. 13ª. ed. Belo Horizonte: D1Plácido, 2020, p 966.

[90]Vide por todos: JESUS, Damásio de. Direito Penal. Volume 4. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 265. “Inexiste desobediência se a norma extrapenal, civil ou administrativa, já comina uma sanção sem ressalvar sua cumulação com a imposta no art. 330 do CP. Significa que inexiste o delito se a desobediência prevista na lei especial já conduz a uma sanção civil ou administrativa, deixando a norma extrapenal de ressalvar o concurso de sanções”.

[91] A partir da Constituição de 1988 a melhor doutrina administrativa vem apontando para a necessidade de “tipicidade administrativo – disciplinar” para legitimar a punição de caráter administrativo à semelhança do que ocorre com o Direito Penal. Cf. BARROS FILHO, Mário Leite de. Direito Administrativo Disciplinar da Polícia “Via Rápida” Material e Processual. Bauru: EDIPRO, 2003, p. 85 – 86.

[92] LIBERATI, Wilson Donizeti. Processo Penal Juvenil. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 60.

[93][93] Ao menos o STF diz isso: “Como a Lei de Drogas não definiu a quantidade de maconha que caracteriza consumo pessoal, atualmente, a Polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário avaliam em cada caso se os acusados devem ser considerados usuários ou traficantes. A ausência de um critério preciso faz com que a lei seja aplicada de forma desigual. Enquanto jovens brancos e de classe média têm chances maiores de serem considerados usuários, é mais comum que jovens pobres, negros e pardos sejam considerados traficantes. Para evitar isso, o STF definiu um critério claro e objetivo: como regra geral, quem estiver com até 40 gramas ou 6 pés de maconha deve ser considerado usuário. Essa regra valerá até que o Congresso Nacional crie uma nova lei sobre o assunto”. Cf. INFORMAÇÃO à Sociedade. RE 635.659 (Tema 506). Porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal. Relator Ministro Gilmar Mendes. J. 26.06.2024. Disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/06/27103347/RE-635659-Tema-506-informacao-sociedade-rev.-LC-FSP-v2_27-6-24_10h11.pdf , acesso em 06.07.2024.

[94] LAMPEDUSA, Giuseppe. O Leopardo. Trad. Leonardo Codignoto. São Paulo: Nova Cultural, 2002, p. 42.

[95] Segundo a Tese 4 do julgamento: “Nos termos do §2º do artigo 28 da Lei 11.343/06, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito”. Vide INFORMAÇÃO à Sociedade. RE 635.659 (Tema 506). Porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal. Relator Ministro Gilmar Mendes. J. 26.06.2024. Disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/06/27103347/RE-635659-Tema-506-informacao-sociedade-rev.-LC-FSP-v2_27-6-24_10h11.pdf , acesso em 06.07.2024.

[96] ALBECHE, Thiago Solon Gonçalves. A posse de maconha para consumo e a criação de novo tipo legal. Disponível em https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2024/07/01/a-posse-de-maconha-para-consumo-e-a-criacao-de-novo-tipo-legal/ , acesso em 06.07.2024.

[97] Vide Tese 7 do Julgamento: “Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio”. Op. Cit.

[98] Vide INFORMAÇÃO à Sociedade. RE 635.659 (Tema 506). Porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal. Relator Ministro Gilmar Mendes. J. 26.06.2024. Disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/06/27103347/RE-635659-Tema-506-informacao-sociedade-rev.-LC-FSP-v2_27-6-24_10h11.pdf , acesso em 06.07.2024.

 “Esse critério não é absoluto, mas uma presunção relativa que pode ser afastada se ficar provado que a droga não seria usada para consumo próprio. Por exemplo: se uma pessoa for encontrada pela polícia com menos de 40 gramas de maconha, mas estiver com embalagens, balanças ou registros de venda, poderá ser presa em flagrante por tráfico”. Tese 5 do julgamento: “A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes”. E também a Tese 6 a respeito da devida fundamentação para afastamento da presunção: “Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários”. Diga-se de passagem que essa necessidade de fundamentação minudente não é novidade nenhuma, sempre existiu, na verdade até mesmo desde a Lei 6368/76 que até previa um Despacho Fundamentado apartado.

[99] MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1996, p. 192.

[100] Op. Cit., p. 265.

[101] Como não poderia deixar de ser, essa é a orientação do STF na Tese 8 do Julgamento: “A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário”. INFORMAÇÃO à Sociedade. RE 635.659 (Tema 506). Porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal. Relator Ministro Gilmar Mendes. J. 26.06.2024. Disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/06/27103347/RE-635659-Tema-506-informacao-sociedade-rev.-LC-FSP-v2_27-6-24_10h11.pdf , acesso em 06.07.2024.

[102] CAPEZ, Fernando. 40 g de Maconha: STF confunde despenalização com descriminalização. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-01/repercussoes-da-decisao-do-stf-sobre-a-descriminalizacao-da-maconha/ , acesso em 30.07.2024.

[103] INFORMAÇÃO à Sociedade. RE 635.659 (Tema 506). Porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal. Relator Ministro Gilmar Mendes. J. 26.06.2024. Disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/06/27103347/RE-635659-Tema-506-informacao-sociedade-rev.-LC-FSP-v2_27-6-24_10h11.pdf , acesso em 06.07.2024. Tese 3.

[104] LEITÃO JÚNIOR, Joaquim, CALDART, Ana Luiza Canavarro. O ativismo judicial desenfreado e a decisão do STF que descriminalizou o uso de maconha para consumo pessoal. Disponível em https://jus.com.br/amp/artigos/110051/o-ativismo-judicial-desenfreado-e-a-decisao-do-stf-que-descriminalizou-o-uso-da-maconha-para-consumo-pessoal , acesso em 30.07.2024. 

[105] Cf. Artigo 1º., da Portaria CNJ 642, de 29.10.2009. O CNJ pode, no máximo, propor ações, articular órgãos dos poderes e emitir pareceres e consultas, nada mais que isso.

[106] LEITÃO JÚNIOR, Joaquim, CALDART, Ana Luiza Canavarro, Op. cit.

[107] PEC 45/23. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/160011 , acesso em 22.07.2024.

[108] FISCHER, Douglas, PEREIRA, Frederico Valdez. As obrigações processuais positivas – Segundo as Cortes Europeia e Interamericana de Direitos Humanos. 2ª. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p.30.

[109] Cf. FISCHER, Douglas. Garantismo Penal Integral (e não o Garantismo Hiperbólico Monocular) e o Princípio da Proporcionalidade: breves anotações de compreensão e aproximação dos seus ideais. Revista de Doutrina do TRF – 4. Porto Alegre: n. 28, mar. 2009.  Disponível em https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao028/douglas_fischer.html , acesso em 03.08.2024.  Ver também a contraposição entre “Garantismo Binocular” e “Garantismo Monocular”: GARANTISMO Penal Binocular X Garantismo Monocular. Disponível em https://www.institutoformula.com.br/garantismo-penal-binocular-x-garantismo-monocular/ , acesso em 03.08.2024. “a) Garantismo binocular: analisado de forma bifronte, não nega ao réu os direitos à ampla defesa e ao contraditório, ou à presunção de inocência, mas preconiza que jamais se deve abolir a proteção do bem jurídico violado, pois o Estado não pode oferecer uma proteção deficiente à sociedade na defesa dos bens jurídicos relevantes. Visa resguardar os direitos fundamentais não apenas do réu ou do investigado, mas também os direitos fundamentais da vítima e os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade. Zela pela correta e justa aplicação da pena e por sua execução na defesa e na reafirmação do bem jurídico relevante lesado pela conduta criminosa.
b) Garantismo monocular: O garantismo monocular somente observa os direitos dos acusados, negando a eficácia do Direito Penal como forma de afirmação dos bens jurídicos valorados. É a negação disfarçada do Direito Penal como instrumento positivo de controle social e de justiça, entendendo que os demais ramos do direito e outras políticas públicas são suficientes para diminuir a criminalidade e solucionar os conflitos sociais. Preocupa-se apenas com os direitos fundamentais dos outros cidadãos, com os direitos da coletividade e com os deveres fundamentais. Por seu turno, no Garantismo hiperbólico monocular evidencia-se desproporcionalmente (hiperbólico) e de forma isolada (monocular) a necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais individuais dos cidadãos investigados, processados ou condenados”.

[110] FERNANDES, André Dias. Modulação de efeitos e decisões manipulativas no controle de constitucionalidade brasileiro – possibilidades, limites e parâmetros. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 310.

[111] LEITÃO JÚNIOR, Joaquim, CALDART, Ana Luiza Canavarro. O ativismo judicial desenfreado e a decisão do STF que descriminalizou o uso de maconha para consumo pessoal. Disponível em https://jus.com.br/amp/artigos/110051/o-ativismo-judicial-desenfreado-e-a-decisao-do-stf-que-descriminalizou-o-uso-da-maconha-para-consumo-pessoal , acesso em 30.07.2024. Cf. tb:  VICTOR, Sérgio Antônio Ferreira. Diálogo institucional e controle de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 206.

[112] SILVA, César Dario Mariano da. Pode o Legislativo criminalizar o porte de maconha para consumo pessoal? Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-03/pode-o-legislativo-criminalizar-o-porte-de-maconha-para-consumo-pessoal/ , acesso em 06.07.2024.

[113] BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Atlântida, 1977, “passim”.

[114] SALVADEO, Danilo. Projeto restringe locais para uso de maconha. Disponível em https://www.al.es.gov.br/Noticia/2024/07/47162/projeto-restringe-locais-para-uso-de-maconha.html , acesso em 22.07.2024. Vide também o inteiro teor desse tresloucado projeto: Cf. PROJETO de Lei 402/2024. Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Gabinete do Deputado Alcântaro Filho. Disponível em https://www3.al.es.gov.br/Sistema/Protocolo/Processo2/Digital.aspx?id=422781&arquivo=Arquivo/Documents/PL/422781-202407011600222946569TF2P1(9087097).pdf&identificador=3400320032003700380031003A005000#P422781 , acesso em 22.07.2024.

[115] MESMO após liberação pelo Supremo, Governador de Santa Catarina diz que vai sancionar lei que prevê multa para consumo e porte de maconha. Disponível em https://www.osul.com.br/mesmo-apos-liberacao-pelo-supremo-governador-de-santa-catarina-diz-que-vai-sancionar-lei-que-preve-multa-para-consumo-e-porte-de-maconha/ , acesso em 22.07.2024. JORGINHO Mello sanciona Projeto de Lei que prevê multa por porte e uso de drogas em locais públicos de Santa Catarina. Disponível em https://estado.sc.gov.br/noticias/jorginho-mello-sanciona-projeto-de-lei-que-preve-multa-por-porte-e-uso-de-drogas-em-locais-publicos-de-santa-catarina/#:~:text=sanciona%20Projeto…-,Jorginho%20Mello%20sanciona%20Projeto%20de%20Lei%20que%20prev%C3%AA%20multa%20por,locais%20p%C3%BAblicos%20de%20Santa%20Catarina&text=O%20governador%20Jorginho%20Mello%20sancionou,ambientes%20p%C3%BAblicos%20em%20Santa%20Catarina , acesso em 22.07.2024.

[116] SCHRAMM, Raquel, SOUZA, Lucas Schirmer. Projeto de Lei em Santa Catarina quer instituir multas por porte de drogas. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-10/projeto-de-lei-em-santa-catarina-quer-instituir-multas-por-porte-de-drogas/ , acesso em 22.07.2024.

[117] INFORMAÇÃO à Sociedade. RE 635.659 (Tema 506). Porte de pequena quantidade de maconha para uso pessoal. Relator Ministro Gilmar Mendes. J. 26.06.2024. Disponível em https://noticias-stf-wp-prd.s3.sa-east-1.amazonaws.com/wp-content/uploads/wpallimport/uploads/2024/06/27103347/RE-635659-Tema-506-informacao-sociedade-rev.-LC-FSP-v2_27-6-24_10h11.pdf , acesso em 06.07.2024.

[118] BATISTA, Rosangela de Fátima Jacó, COSTA, José Pereira da. Introdução à Ciência do Direito. Juazeiro: Franciscana, 2006, p. 272.

[119] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, “passim”.

[120] BATISTA, Rosangela de Fátima Jacó, COSTA, José Pereira da, Op. Cit., p. 272.

[121] ARISTÓTELES, apud, CORBETT, Edward P. J., CONNORS, Robert J. Retórica Clássica para o estudante moderno. Trad. Bruno Alexander. Campinas: CEDET, 2022, p. 474.

[122] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. Volume 1. 38ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 77.

[123] ZAFFARONI, Eugenio Raúl, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro. Volume I. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 224. No mesmo sentido: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume 1. 16ª. ed. Niterói: Impetus,2014, p. 128. QUEIROZ, Paulo. Curso de direito penal. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 290. Para Queiroz a retroatividade da jurisprudência benéfica ao réu é completa, aplicando-se também para casos com trânsito em julgado por via da Revisão Criminal.

[124] GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Direito Penal e interpretação jurisprudencial: do princípio da legalidade às súmulas vinculantes. São Paulo: Atlas, 2008, p. 173.

[125] MORENO, Rafael Alvarez. Submissão da jurisprudência ao primado da retroatividade da lex mitior e da irretroatividade da lex gravior (CF, art. 5º., XL). Boletim IBCcrim. n. 269, abr., 2015, p. 9. Vide ainda no mesmo sentido: DOTTI, René Ariel. A jurisprudência penal no tempo: a ultratividade e a irretroatividade do julgado (HC 126.292/SP). Revista Brasileira de Ciências Criminais. Volume 24, Volume Especial, n. 121, jul., 2016, p. 251 – 289. O autor destaca a “importância da jurisprudência enquanto fonte do Direito Penal”. Afirma que “a orientação dos tribunais também está sujeita às limitações e recomendações das vertentes temporais do nullum crimen sine lege, isto é: irretroatividade da orientação prejudicial; retroatividade da orientação favorável ao réu”. Também afirma, em nome da segurança jurídica, “que a interpretação da lei – especialmente a da Constituição –, pelos magistrados brasileiros” deve ser “a mais uniforme possível”.

[126] Op. Cit., p. 9.

[127] São ainda apontados acórdãos representativos desse entendimento do TJDF: Acórdão 1732192, 07242741520238070000, Relator: JAIR SOARES, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 20/7/2023, publicado no PJe: 29/7/2023;  Acórdão 1731747, 07247886520238070000, Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 20/7/2023, publicado no PJe: 31/7/2023; Acórdão 1725652, 07223749420238070000, Relator: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 6/7/2023, publicado no PJe: 16/7/2023; Acórdão 1725295, 07001056120238070000, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Câmara Criminal, data de julgamento: 5/7/2023, publicado no PJe: 22/7/2023; Acórdão 1725284, 07184853520238070000, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, Câmara Criminal, data de julgamento: 5/7/2023, publicado no PJe: 18/7/2023; Acórdão 1722566, 07204228020238070000, Relator: LEILA ARLANCH, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 29/6/2023, publicado no PJe: 10/7/2023. Cf. TJDF. Alteração de entendimento jurisprudencial – irretroatividade. Disponível em https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/jurisprudencia-em-detalhes/execucao-penal/alteracao-de-entendimento-jurisprudencial-2013-irretroatividade, acesso em 26.07.2024.

[128] Op. Cit.

[129] Op. Cit.

[130] MENDES, Lucas. Descriminalização da maconha no STF: condenações poderão ser revistas. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/descriminalizacao-da-maconha-no-stf-condenacoes-poderao-ser-revistas/ , acesso em 26.07.2024.

[131] “Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais” (grifo nosso). 

[132] MARTINS JÚNIOR, Odair, JACOB, Alexandre. A retroatividade do entendimento jurisprudencial consolidado em matéria penal como garantia de segurança jurídica. Disponível em https://repositorio.alfaunipac.com.br/publicacoes/2018/645_a_retroatividade_do_entendimento_jurisprudencial_consolidado_em_materi.pdf , acesso em 26.07.2024.

[133] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 178.512. Relator: Min. Edson Fachin. Julgamento em 22 de março de 2022. Diário do Judiciário Eletrônico, Brasília, DF, 20 de junho de 2022. Disponível em https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5815833. Acesso em 26.07.2024. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habes Corpus (HC) 453.437. Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 04 de outubro de 2018. Diário do Judiciário Eletrônico, Brasília, DF, 15 de dezembro de 2018. Disponível em https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaG…. Acesso em 26.07.2024.

[134] Cf. CABETTE, Eduardo, SANNINI, Francisco. Tratado de Legislação Especial Criminal. 3ª. ed. Leme: Mizuno, 2023, p. 962.

[135] Cf. LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 1838 – 1845.

[136] Renato Brasileiro de Lima esclarece que é inviável no Brasil a Revisão Criminal “pro societate” devido à adoção por nosso ordenamento do ne bis in idem processual. Princípio este “previsto expressamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, artigo 8º., § 4º.)”. Dessa forma, “ninguém pode ser processado duas vezes pela mesma imputação”. Op. Cit., p. 1834.

[137] Neste sentido, com razão, prevê Cesar Dario Mariano da Silva, uma verdadeira “liberação” das drogas, em especial da maconha, diante da decisão do STF porque, na prática, de fato e de Direito não existe autorização para atuação da Polícia Militar, Polícia Judiciária, MP e Poder Judiciário em caso de infração meramente administrativa. Cf. SILVA, Cesar Dario Mariano da. A descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e sua quantificação para ser tráfico. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Q4p6Kl68GLk&t=8s , acesso em 06.07.2024.

[138] LEITÃO JÚNIOR, Joaquim, CALDART, Ana Luiza Canavarro. O ativismo judicial desenfreado e a decisão do STF que descriminalizou o uso de maconha para consumo pessoal. Disponível em https://jus.com.br/amp/artigos/110051/o-ativismo-judicial-desenfreado-e-a-decisao-do-stf-que-descriminalizou-o-uso-da-maconha-para-consumo-pessoal , acesso em 30.07.2024.

[139] KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da Aparência no Código Civil de 2002. 2ª. ed. São Paulo: YK, 2023, p. 16.

[140] Op. Cit., p. 30 – 31. Para estudo também da “Teoria da Aparência” e sua aplicação no Brasil: CHAVINHO, Mateus Bicalho de Melo. Teoria da Aparência e seus Reflexos no Direito Brasileiro. 2ª. ed. Belo Horizonte: D’Placido, 2021, “passim”.

[141] MALHEIROS, Álvaro. Aparência de direito. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial. n. 6, 1978, p. 45. Também disponível eletronicamente em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3971672/mod_resource/content/0/RTDoc%2002-08-2017%209_48%20%28AM%29.pdf , acesso em 31.07.2024.

[142] ASSIM é, se lhe parece: a Teoria da Aparência nos Julgados do STJ. Disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/25042021-Assim-e–se-lhe-parece-a-teoria-da-aparencia-nos-julgados-do-STJ.aspx , acesso em 31.07.2024.

[143] Op. Cit.

[144] VECCHIO, Giorgio Del. Los Princípios Generales Del Derecho. Trad. Juan Ossorio Morales. 2ª. ed. Barcelona: Bosch, 1948, p. 41 – 42.

[145] Op. Cit., p. 42.

[146] CAPEZ, Fernando. 40 g de Maconha: STF confunde despenalização com descriminalização. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-01/repercussoes-da-decisao-do-stf-sobre-a-descriminalizacao-da-maconha/ , acesso em 30.07.2024.

Como citar e referenciar este artigo:
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. STF e drogas: dissipando a cortina de fumaça. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2024. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/stf-e-drogas-dissipando-a-cortina-de-fumaca/ Acesso em: 06 nov. 2024