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Saiba como a inteligência artificial pode evitar a prática de ilícitos em compras governamentais

Introdução

A Inteligência Artificial (IA) vem revolucionando diversos setores da sociedade, e a área de compras públicas não é uma exceção. Ao aplicarmos a IA nesse contexto, podemos esperar benefícios significativos para promover a transparência, a eficiência e a lisura nos processos licitatórios.

Isso é o que se destacou no texto O que é uma Inteligência Artificial e como ela pode ser utilizada na Nova Lei de Licitações, onde, em linhas gerais, abordou-se os diferentes conceitos de Inteligência Artificial e como essa ascendente tecnologia pode ser utilizada nas compras públicas, conforme a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).

Contudo, cabe ainda explorar as várias aplicações específicas dessa tecnologia nas licitações, sobretudo como a Inteligência Artificial pode se tornar um potente instrumento no combate à corrupção, desvios e outros ilícitos em licitações públicas.

Nesse sentido, convida-se o leitor a explorar conosco as diversas possibilidades que a IA oferece para aprimorar a gestão das compras públicas e fortalecer a integridade nos processos licitatórios.

Nos próximos tópicos, será examinado como a IA pode ser aplicada para identificar práticas suspeitas, analisar dados em tempo real, acionar alertas preventivos e proporcionar maior transparência e eficiência nas compras governamentais.

Ao final, espera-se não apenas informar, mas também inspirar uma reflexão sobre como a Inteligência Artificial pode ser uma poderosa aliada na construção de um sistema de compras públicas mais justo, íntegro e eficiente.

A evolução da Inteligência Artificial (IA)

O tema “Inteligência Artificial” sempre esteve em pauta na história da humanidade. Uma das maneiras de externalizar a prematura preocupação com a ascensão dessas tecnologias foi por meio da arte. Podemos notar, principalmente nos anos pós-guerra, a crescente de produções como, por exemplo, 2001: Uma Odisséia no Espaço, e na pós-modernidade, com as inúmeras distopias e obras cinematográficas, tais como Exterminador do Futuro, que retratavam a derrocada da humanidade por robôs futuristas e as consequências advindas da evolução dessas tecnologias.

Contudo, o assunto hoje tomou proporções realistas antes jamais vistas. Com a chegada do ChatGPT e demais chatbots, a humanidade passou a experienciar empiricamente – em larga escala – o que essas tecnologias são capazes de realizar e as incertezas de sua evolução em um futuro não tão distante.

Qualquer pessoa hoje, acessando um simples site na internet, consegue utilizar uma tecnologia avançada de IA que, por meio do processamento de linguagem natural, são capazes de gerar respostas para as inúmeras questões, de forma (quase sempre) precisa, natural e semelhante a de humanos. Essas tecnologias têm se tornado cada vez mais sofisticadas e eficientes, capazes de entender perguntas complexas e fornecer respostas precisas em diversos setores.

Essas tecnologias, diferentemente dos sistemas desenvolvidos em outras linguagens, que se utilizam de definições e respostas prévias – como é o caso dos assistentes de voz – que não necessariamente precisam de um tratamento de dados, a IA é capaz de não só processar os dados, como organizá-los, catalogá-los e estruturá-los, conforme o necessário.

Como a inteligência artificial pode auxiliar na prevenção de ilícitos?

A licitação pública desempenha um papel essencial na promoção do interesse público ao buscar a contratação dos melhores fornecedores para suprir as necessidades do Estado e dos cidadãos. Ao estabelecer um ambiente competitivo, no qual as empresas privadas podem concorrer de forma justa e transparente, a Administração Pública busca garantir a obtenção de bens e serviços de qualidade, com preços adequados e em conformidade com a legislação vigente.

O efetivo desempenho das competências da Administração Pública, como a promoção da segurança pública, da educação e da saúde, está diretamente relacionado à forma como os recursos públicos são aplicados. A licitação, ao selecionar as propostas mais vantajosas, visa maximizar a eficiência e a eficácia do gasto público, buscando sempre o melhor custo-benefício para a sociedade.

Ocorre que, infelizmente, devido ao grande potencial de lucro advindos dos processos licitatórios, eles acabam sendo grandes alvos de fraudes, causando enorme prejuízo ao erário e à sociedade.

É importante destacar que fraude é diferente de erro, uma vez que na fraude a conduta é dolosa, enquanto a irregularidade nem sempre será acompanhada de ato fraudulento, podendo ser fruto de negligência, imprudência ou até mesmo de boa-fé, sendo apenas um ato culposo.

Para fins de compreensão do texto, podemos listar como exemplos de fraudes as seguintes práticas:

1. Cartéis em licitação pública;

2. Jogo de planilhas;

3. Superfaturamento;

4. Serviços fantasmas;

5. Vínculo entre licitantes;

Para conseguir verificar a incidência desses ilícitos, a Administração Pública, devido à amplitude de atuação dos órgãos controladores, precisa manejar um enorme número de dados que possuem baixa qualidade e difícil tratamento, também conhecido como big data.

Nesse sentido, sem o auxílio de uma máquina, é praticamente impossível analisar e processar tantos dados públicos de forma manual, sem o auxílio da tecnologia. É nesse contexto que a IA ganha importante relevância para a Administração Pública, uma vez que o Poder Público se torna capaz de organizar e processar os numerosos dados das licitações, tornando-se capaz de, a partir de eventos passados, acompanhar e prever eventos presentes, tornando mais efetivas as atividades de auditoria, por exemplo.

A IA oferece benefícios significativos, permitindo a identificação de padrões e tendências ocultas nos dados, algo que seria extremamente difícil ou mesmo impossível de ser alcançado manualmente. Além disso, a velocidade e a precisão com que a IA processa essas informações são incomparáveis com os humanos, tornando a tomada de decisões mais ágil e informada.

Um dos expoentes no uso de IA é o Tribunal de Contas da União (TCU), que desenvolveu diversos sistemas para o auxílio no âmbito dos processos de controle da atuação administrativa. Alguns exemplos são:

(i) o sistema Alice, acrônimo de Análise de Licitações e Editais, que tem como propósito analisar licitações e editais publicados no Diário Oficial da União. Por meio dessa análise, ela elabora relatórios e comunica ao TCU a quantidade de processos e indicação do risco de ocorrência de fraudes em cada um deles, permitindo a avaliação preventiva, tempestiva e automatizada dos processos de compras públicas, sendo passível de aperfeiçoamento com a inclusão de novas funcionalidades.

(ii) o sistema Adele, acrônimo de Análise de Disputa em Licitações Eletrônicas, é usado pelo TCU para monitorar pregões eletrônicos e identificar indícios de fraudes, restrição de competitividade ou conluio entre licitantes. O sistema também identifica o uso do mesmo IP (Internet Protocol) por licitantes diferentes, o que pode indicar múltiplos participantes usando o mesmo dispositivo eletrônico.

No Relatório Anual de Atividades do TCU do ano de 2021 e 2022, o Tribunal de Contas revelou que, no ano de 2021, o montante de benefícios decorrentes das análises efetuadas por meio do Sistema Alice totalizou o valor de R$ 426.204.562,86. Já apenas no ano de 2022, o montante de benefícios totalizou em R$ 720.231.589,50. Se juntarmos apenas os últimos dois anos, temos que os benefícios gerados pela IA Alice resultaram em 1,1 bilhão de reais.

Ainda segundo o TCU no relatório do ano de 2022: “a utilização do Sistema de Análise de Licitações e Editais (Alice) tem possibilitado a avaliação tempestiva e automatizada de editais de licitação e atas de pregão. Esse Sistema permite a identificação de indícios de irregularidades, fraudes, desvios e desperdícios de recursos públicos, viabilizando ações de controle mais eficientes e efetivas.

Conclusão

Como visto, os potenciais benefícios que o uso de sistemas de IA pode conferir para a Administração Pública são quase que inquantificáveis. A evolução da tecnologia permitiu que a Administração Pública (i) fosse capaz de gerar dados e abandonar em parte os primitivos papéis e, por meio disso, (ii) desenvolver ferramentas de IA capazes de processar esses dados e identificar possíveis irregularidades e condutas ilícitas em processos licitatórios.

Ressalta-se que o uso da IA foi potencializado pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), porque ao criar o Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP) centralizou todos os dados de licitações públicas do país em um só ambiente, permitindo que as IAs agora possuam acesso direto a um centro gravitacional de numerosos dados, o que, por consequência, torna o uso dessas tecnologias cada vez mais eficiente.

O uso de sistemas de IA devem ser cada vez mais incentivados pela Administração Pública no combate aos ilícitos em processos licitatórios, permitindo não só uma competição justa entre licitantes, como também o bom uso do dinheiro público e efetiva entrega de competências públicas à sociedade.

Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/inteligencia-artificial-ilicitos-em-compras-governamentais/

Como citar e referenciar este artigo:
CARVALHO, João Victor. Saiba como a inteligência artificial pode evitar a prática de ilícitos em compras governamentais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2023. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-digital/saiba-como-a-inteligencia-artificial-pode-evitar-a-pratica-de-ilicitos-em-compras-governamentais/ Acesso em: 21 nov. 2024