Tema: Direito Administrativo
Subtema: Processos Sancionatórios
Tese: Proprietário de veículo multado pode comprovar quem foi o autor da infração após prazo administrativo.
Aplicação: Processos judiciais nos quais a parte autora pretenda provar que não era a condutora do veículo quando foi aplicada a multa de trânsito e no qual não tenha sido realizado o pedido administrativo de mudança de condutor ou tenha transcorrido prazo superior a quinze dias.
Conteúdo da tese jurídica:
I. O PRAZO DE QUINZE DIAS PARA INDICAR O AUTOR DA INFRAÇÃO DE TRÂNSITO SOMENTE SE APLICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. DIREITO À INDICAÇÃO DO VERDADEIRO AUTOR NA ESFERA JUDICIAL EM PRAZO SUPERIOR.
A legislação brasileira de trânsito confere o direito aos condutores principais ou proprietários de veículo automotor que indiquem à autoridade administrativa, em prazo de quinze dias, o verdadeiro autor da infração de trânsito, quando multados por alguma irregularidade. Esta previsão está contida no § 7º do artigo 257 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB:
Art. 257. As penalidades serão impostas ao condutor, ao proprietário do veículo, ao embarcador e ao transportador, salvo os casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código.
§ 7º Não sendo imediata a identificação do infrator, o principal condutor ou o proprietário do veículo terá quinze dias de prazo, após a notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o Conselho Nacional de Trânsito (Contran), ao fim do qual, não o fazendo, será considerado responsável pela infração o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo.
Em suma, como os veículos são devidamente registrados nos órgãos administrativos, presume-se que os condutores sejam aqueles devidamente cadastrados. Tal presunção, no entanto, não é absoluta e, para se evitar injustiças, foi adotada a previsão acima.
Ocorre que por razões diversas, nem sempre é viável ou possível que o sujeito sancionado se dirija à autoridade administrativa nesse exíguo prazo e indique quem estava efetivamente conduzindo o veículo quando constatada a irregularidade. Por esta razão, e, principalmente, sob pena de desrespeito ao disposto no inciso XXXV da Constituição Federal[1], o prazo mencionado acima não se aplica na esfera judicial.
Na verdade, como bem sedimentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o prazo previsto no § 7º do artigo 257 do Código de Trânsito Brasileiro se refere exclusivamente à esfera administrativa.
Este é o entendimento adotado pelo Ministro Gurgel de Faria, do Superior Tribunal de Justiça, em precedente de maio de 2019:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. INDICAÇÃO DO CONDUTOR DO VEÍCULO. INÉRCIA DO PROPRIETÁRIO. COMPROVAÇÃO DO VERDADEIRO RESPONSÁVEL EM SEDE JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC” (Enunciado Administrativo n. 3).
2. Aplica-se o óbice da Súmula 284 do STF quando a alegação de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a indicação precisa dos vícios de que padeceria o acórdão impugnado.
3. O decurso do prazo previsto no art. 257, § 7º, do CTB acarreta somente a preclusão administrativa, não afastando o direito de o proprietário do veículo, em sede judicial, comprovar o verdadeiro responsável pelo cometimento da infração, sob pena de ofensa ao que dispõe o art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República.
4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido para cassar o acórdão impugnado.[2]
Aliás, frise-se que não se trata de um entendimento isolado, mas já pacífico no âmbito do STJ:
ADMINISTRATIVO. TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÃO IMPUTADA AO PROPRIETÁRIO EM RAZÃO DO QUE DISPÕE O ART. 257, § 7º, DO CTB.
PRECLUSÃO TEMPORAL ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE ANDAMENTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. COMPROVAÇÃO, EM SEDE JUDICIAL, DE QUE O INFRATOR NÃO ERA O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. RESPONSABILIDADE DO CONDUTOR. INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL.
1. Em relação à malversação do art. 257, § 7º, do CTB – que determina que “não sendo imediata a identificação do infrator, o proprietário do veículo terá quinze dias de prazo, após a notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o CONTRAN, ao fim do qual, não o fazendo, será considerado responsável pela infração” -, é preciso destacar que a preclusão temporal que tal dispositivo consagra é meramente administrativa.
2. Assim sendo, a verdade dos fatos a que chegou o Judiciário é suficiente para afastar a presunção jurídica de autoria (e, conseqüentemente, de responsabilidade) criada na esfera administrativa.
3. Agravo regimental não provido.[3]
Por esta razão, requer-se o reconhecimento de que o prazo de quinze dias previsto no Código Brasileiro de Trânsito para indicação do verdadeiro condutor do veículo não se aplica à esfera judicial. Portanto, estando devidamente documentado que a penalidade administrativa foi aplicada indevidamente ao autor, que não era o verdadeiro condutor, a multa deve ser redesignada para a parte legítima.
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[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
[2] STJ, REsp 1774306/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019
[3] STJ, AgRg no Ag 1370626/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 27/04/2011