Tema: Direito Administrativo
Subtema: Concurso Público
Tese: Licença não remunerada de cargo público não afasta incompatibilidade com atividade cartorária
Aplicação: Requerimento administrativo, petição inicial, réplica ou recursos judiciais para obter o reconhecimento da ilegalidade em dar posse a candidato aprovado em concurso público para cartorário que seja servidor público sem que haja pedido de exoneração do cargo ao qual está vinculado, sendo impróprio, inclusive, o mero pedido de licença não remunerada. Esta tese pode ser utilizada tanto no âmbito administrativo como no judicial.
Conteúdo da tese jurídica:
I. CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO PARA CARTORÁRIO. POSSE CONDICIONADA À EXONERAÇÃO DE CARGO ANTERIOR, CONFORME DISPOSTO NO ART. 25 DA LEI Nº 8.935/1994. MERO PEDIDO DE LICENÇA NÃO REMUNERADA NÃO AFASTA A INCOMPATIBILIDADE PREVISTA EM LEI. PRECEDENTES.
Os serviços notariais e de registro são atividades exercidas em caráter privado, estritamente por delegação pública. Esta delegação decorre de aprovação em concurso público, conforme previsto no § do artigo 236 da Constituição Federal:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
Para regulamentar o exercício e a própria delegação destes serviços, foi promulgada a Lei nº 8.935, conhecida como Lei dos Cartórios. No capítulo IV da referida legislação, estão previstas as incompatibilidades e impedimentos do cargo. Mais especificamente, está previsto no artigo 25 o seguinte:
Art. 25. O exercício da atividade notarial e de registro é incompatível com o da advocacia, o da intermediação de seus serviços ou o de qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão.
Nesse sentido, ainda que o serviço cartorário seja de caráter privado, seu exercício está condicionado à aprovação em concurso público e, ao mesmo tempo, a titularidade da prestação deste serviço não poderá ser concedida àqueles que são agentes públicos, no seu mais amplo sentido.
Neste sentido, não é adequado que seja conferida titularidade àquele que é agente público – ainda que esteja em licença provisória sem remuneração. Isso porque a vacância do cargo, conforme minuciosamente previsto nos artigos 33, 34 e 35 da Lei Federal nº 8.112/1990, não se perfectibiliza com a mera licença provisória sem remuneração.
Deste modo, o candidato aprovado em concurso público e ao qual é delegada a função notarial e de registro, não pode se manter no cargo pretérito, em razão da incompatibilidade legal.
Esse é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se verifica do recente julgamento, ocorrido em maio de 2019:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. ARTS. 1.022, II, PARÁGRAFO ÚNICO, II E 489, § 1º, IV DO CPC/2015. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. CANDIDATO APROVADO EM CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PRETENSÃO DE POSSE NA SERVENTIA SEM A NECESSIDADE DA EFETIVA EXONERAÇÃO DO CARGO PÚBLICO CONCOMITANTEMENTE OCUPADO PELO IMPETRANTE. LICENÇA NO CARGO PÚBLICO QUE NÃO ENSEJA O INGRESSO NA ATIVIDADE CARTORIAL. EXEGESE DO ART. 25 DA LEI 8.935/94. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.
1. O art. 25, caput e parágrafo único, da Lei 8.935/1994 (que “Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro”), de modo expresso, estabelece a impossibilidade de se acumular o exercício da atividade notarial e de registro com qualquer cargo, emprego ou função públicos, ainda que em comissão.
2. Para fins de caracterização de indevida acumulação com a atividade cartorial, basta a comprovação de que houve a posse em cargo público, donde se conclui que a licença não remunerada do servidor não tem o condão de afastar a vedação de acumulação em tela. Precedentes: STJ – RMS 57.573/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 20/08/2018; STJ, RMS 50.731/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 28/10/2016; STF – MS 27.955 AgR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, DJe 04/09/2018).
3. Recurso especial do Estado de Mato Grosso do Sul conhecido e provido, com a conseqüente denegação da segurança.[1]
Aliás, conforme amplamente mencionado no acórdão, esta não é uma decisão isolada, mas uma jurisprudência consolidada nos tribunais superiores, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como se constata da decisão de relatoria do Ministro Barroso:
Direito Administrativo. Agravo interno em mandado de segurança. Ato do CNJ. Cumulação de delegação de serventia extrajudicial com cargo público. Servidor em licença não remunerada.
1. Apesar de não ocuparem efetivo cargo público, a função exercida pelos titulares de serventias extrajudiciais possui inegável natureza pública.
2. Dessa forma, aplicável ao caso a vedação prevista no inciso XVII do art. 37 da Constituição Federal, que estende a proibição de cumulação também para as função públicas.
3. A impossibilidade de acumulação de cargos, empregos e funções se mantém, mesmo tendo sido concedida licença para o servidor. A concessão de qualquer licença, ainda que não remunerada, “não descaracteriza o vínculo jurídico do servidor com a Administração”(RE 382.389-AgR, Segunda Turma, Relª. Minª. Ellen Gracie).
4. Agravo a que se nega provimento por manifesta improcedência, com aplicação de multa de 2 (dois) salários mínimos, ficando a interposição de qualquer recurso condicionada ao prévio depósito do referido valor, em caso de decisão unânime (CPC/2015, art. 1.021, §§ 4º e 5º, c/c art. 81, § 2º).[2]
Deste modo, deve-se reconhecer a impossibilidade de concessão da titularidade da função pública de notarial àqueles detentores de cargo, emprego ou função pública, ainda que esteja em licença não remunerada.
Pela razão acima, o candidato aprovado e ao qual foi concedida a titularidade de cartório, mas que se mantém vinculado à Administração Pública, deve ser devidamente afastado. Por consequência, deve ser concedida à parte autora, cuja classificação no concurso público para notarial é a subsequente, a titularidade do cartório.
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[1] STJ, REsp 1742926/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 16/05/2019
[2]STF, MS 27.955 AgR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, DJe 04/09/2018