Tema: Direito Administrativo
Subtema: Responsabilidade Civil do Estado
Tese: É razoável a condenação do Estado à indenização por danos morais, na faixa de R$300 mil a R$500 mil, em caso de falha na prestação de serviço público ou bem de utilidade pública que cause sequelas permanentes, graves e irreversíveis ao indivíduo.
Aplicação: Petição inicial, réplica ou recurso para obter indenização do Estado por danos morais nas hipóteses em que a falha na prestação de algum serviço público ou bem de utilidade pública cause sequelas graves e irreversíveis, como, por exemplo, um acidente automobilístico por defeito na pista de rolamento que ocasione paraplegia. A tese jurídica é de que os valores da indenização podem variar de R$ 300 mil a R$500 mil, conforme a jurisprudência.
Conteúdo da tese jurídica:
I. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO QUE CAUSOU SEQUELAS GRAVES E IRREVERSÍVEIS. DEVER DE INDENIZAÇÃO ENTRE R$300 MIL E R$500 MIL. JURISPRUDÊNCIA.
O §6º do artigo 37 da Constituição Federal atribui a responsabilidade civil de natureza objetiva ao Estado brasileiro. Segundo o dispositivo, o Estado brasileiro é responsável por recompor os danos que seus agentes, no exercício de suas funções, causarem a terceiros, independentemente da comprovação de culpa ou dolo:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. [Grifou-se]
Em relação a este dispositivo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que, em se tratando de dano causado a terceiros, “aplica-se a norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, em decorrência da qual o Estado responde objetivamente, ou seja, independentemente de culpa ou dolo”.[1]
Tal análise decorre de uma simples interpretação do dispositivo constitucional, haja vista que a Constituição Federal, no §6º de seu artigo 37, não faz referências ao aspecto subjetivo do agente público em se tratando de atos que resultaram em dano a terceiro. Desse modo, embora no presente caso seja evidente a negligência dos agentes responsáveis pelo serviço público, não haveria sequer a necessidade de comprovação de dolo e culpa para se fazer valer o direito à indenização. Basta que se comprove a existência do dano e o nexo de causalidade com o serviço público ou o bem de utilidade pública que foi utilizado pela vítima.
A teoria do risco, que é amplamente aceita pelo ordenamento jurídico brasileiro, corrobora a responsabilidade civil objetiva do Estado, pelo fato de haver uma relação consequencial entre ambos. Nesse sentido, com o alicerce da lição de Maria Sylvia Zanella, evidencia-se que “a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente”, de forma que, diante da existência de dano causado a terceiros por agente que representa o Estado, este “responde como se fosse uma empresa de seguro em que os segurados seriam os contribuintes que, pagando os tributos, contribuem para a formação de um patrimônio coletivo”.[2]
No que concerne a este caso, é evidente que a responsabilidade civil do Estado, com fundamento no §6º do artigo 37 da Constituição Federal, contempla os danos causados por falhas na prestação de serviços públicos ou bem de utilidade pública, que são prestados aos cidadãos por determinação do artigo 175 da Constituição Federal[3].
A jurisprudência brasileira também fundamenta o presente pleito. Tome-se como exemplo o recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que se reconheceu a responsabilidade civil do Estado por danos morais em razão de acidente automobilístico causado por manutenção indevida da pista de rolamento.
É indubitável que a pista de rolamento se caracteriza como uma utilidade pública disponibilizada pelo Estado aos cidadãos e que a existência de defeitos nas vias resultam em condições inadequadas de tráfego. A falha na prestação dessa utilidade pública pode gerar acidentes automobilísticos com sequelas graves irreversíveis à vítima, que deverão ser indenizados pelo Estado.
Tratando-se do quantum indenizatório, a jurisprudência é pacífica no sentido de que o montante deve ser estipulado de acordo com a especificidade do caso concreto, respeitando-se o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Para o que interessa ao presente caso, cumpre registrar que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando as sequelas causadas são graves e irreversíveis, como no presente caso, os valores das indenizações em casos semelhantes costumam variar entre R$ 300 mil à R$ 500 mil.
Leia-se o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, publicado em março de 2019:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. SEQUELAS PERMANENTES E IRREVERSÍVEIS. PRETENDIDA REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. […]
II. Na origem, trata-se de Agravo de Instrumento, interposto pela Companhia Energética do Ceará – COELCE, em face de decisão que, em sede de liquidação de sentença, proferida em ação indenizatória ajuizada pelo recorrido contra a agravante e o Município de Fortaleza, fixou em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) o valor da indenização devida pelos demandados, a título de danos morais, a ser pago de forma solidária.
III. No que tange ao quantum indenizatório, “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a revisão dos valores fixados a título de danos morais somente é possível quando exorbitante ou insignificante, em flagrante violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não é o caso dos autos. A verificação da razoabilidade do quantum indenizatório esbarra no óbice da Súmula 7/STJ” (STJ, AgInt no AREsp 927.090/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/11/2016).
IV. No caso, o Tribunal de origem, à luz das provas dos autos e em vista das circunstâncias fáticas do caso, concluiu pela razoabilidade do valor fixado, pelo Juízo de 1º Grau, a título de indenização por danos morais – R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) -, considerando a extensão das sequelas sofridas pela vítima, “decorrentes de rotura parcial da medula cervical níveis sensitivo C4 e C5, com siringomielia no segmento compreendido de C3-C4 e C6-C7; ocasionando perda das funções motoras, sensitivas, funcionais, atrofias dos membros superiores e inferiores, incontinência urinária, disfunções intestinais, bexiga e intestino neurogênicos, hipertensão intracraniana, alterações da coluna cervical: escoliose torácica dextro-convexa, acentuação da cifose torácica, espondilose torácica e hipertrofia de ligamento amarelo em T5-T6 e T6-T7, obliterando a gordura epidural e comprimindo a face posterior do saco dural; locomoção totalmente prejudicada: andar de cadeiras de rodas e com auxílio de terceiros constante; além do prejuízo social, ocupacional e psicológico; tornando-se completa e permanente dependente de outras pessoas”. Segundo o laudo pericial, o agravado necessita de constante “cuidado de auxiliares, fisioterapia, terapia ocupacional; além de acompanhamento médico, principalmente neurológico e urológico; além do trauma psicológico que lhe acarreta insegurança e medo”. Nesse contexto, o quantum fixado não se mostra excessivo, diante das peculiaridades da causa, expostas no acórdão recorrido.
V. Agravo interno improvido.
(STJ – AgInt no AREsp: 1368846 CE 2018/0247199-4, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 21/02/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/03/2019)
É importante ressaltar que este não é um precedente isolado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Aliás, a corte superior referenda condenações que chegam até o valor de R$500 mil em casos semelhantes, que envolvem até mesmo danos causados no âmbito de outros serviços públicos, como nas falhas graves e irreversíveis causadas por erro médico. Leia-se:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIRO. VÍTIMA. GRAVIDADE DAS SEQUELAS. PARAPLEGIA. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexistentes no presente caso, em que o valor foi arbitrado em R$ 470.000,00 (quatrocentos e setenta mil reais), revelando-se, assim, justo e adequado diante dos severos prejuízos suportados pela ora agravada, que, em virtude do comportamento culposo do preposto da empresa ré, se viu envolvida em acidente automobilístico que lhe acarretou gravíssimas sequelas, dentre as quais: paraplegia permanente, perda da capacidade auditiva unilateral, comprometimento integral da capacidade sexual e incontinência urinária e fecal.
2. Agravo regimental não provido.
(STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1524412/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 27/10/2015). [grifou-se]
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. NEXO DE CAUSALIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA. VERIFICAÇÃO. REDUÇÃO DO QUANTUM FIXADO A TÍTULO INDENIZATÓRIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. […]
2. Alterar a fundamentação do Tribunal de origem, no sentido de que a prova produzida nos autos resta inequívoca quanto à ocorrência dos danos e ao nexo de causalidade, bem como que a sentença proferida em primeira instância não extravasou os limites do que foi formulado pelo autor, inexistindo julgamento extra petita, é tarefa que demandaria, necessariamente, incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado ante o óbice preconizado na Súmula 7 deste Tribunal.
3. A jurisprudência do STJ admite a revisão do quantum indenizatório fixado a títulos de danos morais em ações de responsabilidade civil quando configurada situação de anormalidade nos valores, sendo estes irrisórios ou exorbitantes.
4. Na hipótese em questão, foi com base nas provas e nos fatos constantes dos autos que o Tribunal de origem entendeu que é justo o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), arbitrado a título de indenização por danos morais, eis que baseado nos danos decorrentes de erro médico, o qual ocasionou paralisia cerebral e retardo mental severo no recorrido. Desta forma, a acolhida da pretensão recursal demanda prévio reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado ante o óbice preconizado na Súmula 7 deste Tribunal.
5. Agravo regimental não provido.
(STJ, AgRg no REsp 1405910?RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25?11?2014, DJe 02?12?2014)
Diante deste arcabouço legal e jurisprudencial, é seguro concluir que o Estado tem o dever de ressarcir a vítima de falha na prestação de serviço público ou bem de utilidade pública, sendo que, no presente caso, em razão das sequelas graves e irreversíveis, o valor de tal reparação deve ser fixado em entre R$ 300 mil à R$ 500 mil, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
*É proibida a cópia ou reprodução, total ou parcial, deste conteúdo, em qualquer meio. Fica autorizada a utilização deste conteúdo exclusivamente em petições dirigidas ao Poder Judiciário ou à Administração Pública.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 685.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 719-720.
[3] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.