Anna Paula Sena de Gobbi[1]
1. INTRODUÇÃO
Não se desconhece que o procedimento arbitral se mostra como prestação jurisdicional adequada para a rápida resolução de conflitos, especialmente decorrente da grave crise de eficiência que enfrenta o Poder Judiciário.
As vantagens da escolha arbitral são inúmeras, indo desde a formalidade reduzida dos atos procedimentais, a escolha de árbitros pela sua expertise até a previsão enxuta de recursos contra o laudo arbitral, demonstrando a celeridade e economicidade da jurisdição alternativa.
Diante da crescente utilização da Arbitragem como meio alternativo de solução de controvérsias, e com as tendências governamentais de fomento por meio de parcerias com a iniciativa privada, o uso dessa forma de solução de conflitos envolvendo a Administração Pública cresceu exponencialmente, causando controvérsias sobre a possibilidade de os entes públicos participarem de forma legitima dos processos arbitrais.
Tal questão ficou pacificada após a inserção direta dessa possibilidade na Lei 13.129/2015, que alterou a Lei 9.307/1996, mas não deixa de causar comoção na doutrina e até na jurisprudência quando o assunto são os entes estatais.
Desde a questão da obrigatoriedade da previsão das clausulas arbitrais nos contratos administrativos, até a coerência da derrogação das prerrogativas processuais da Fazenda Pública no processo arbitral, longo ainda parece ser o caminho a ser trilhado até que se encontre uma voz unanime que pacifique a construção da doutrina envolvendo o uso da arbitragem nos litígios com o Poder Público.
No entanto, considerando as qualidades especiais que a Administração Pública detém, a execução do laudo arbitral envolvendo conflitos cujo Estado (lato sensu) é partícipe encontra algumas particularidades, principalmente no que diz respeito às obrigações de pagar.
Se por um lado, não se admite com conforto a autoexecutoriedade das decisões arbitrais que envolvam dispêndio do erário, por outro, a submissão da decisão alternativa ao longo e cansativo artigo 100 da Constituição Federal de 1988 vai de encontro à finalidade de eficiência e celeridade da arbitragem.
Diante disso, a parte vencedora do processo arbitral, neste caso, o particular, vê-se diante da regra usual de execução da sentença, que segue o rito do artigo 535 do Código de Processo Civil (execução de titulo extrajudicial contra a Fazenda Pública), cujo pagamento inevitavelmente recairá no regime constitucionalmente previsto, resultando em expedição de precatório, que seguirá a ordem cronológica para pagamento – o que se mostra ineficaz e desinteressante, já que a existência de ordens de preferência atrasa os pagamentos decorrentes de natureza contratual.
A ideia de fugir ao regime constitucionalmente previsto para pagamento de obrigações decorrentes de sentença arbitral por meio de precatório poderia criar uma espécie de ‘credor privilegiado’ em detrimento de todos os que estão aguardando o pagamento por meio de precatório, violando gravemente, neste caso, o princípio da isonomia.
Assim é que, em que se pese a finalidade e todos os princípios que guiam o processo arbitral em si, a execução de laudo arbitral em face da Administração Pública no que concerne a obrigação de pagar parece ganhar um caráter diferente, e ligeiramente retrógrado, do restante do procedimento, pela adoção do sistema de precatórios, com vistas a respeitar a previsão constitucional do artigo 100 e garantir a isonomia entre todos os credores dos entes públicos.
Além disso, é preciso se ater que a sentença arbitral, em si, direcionará muito do caminho da sua própria execução, a depender da forma como redigido seu dispositivo, o que pode influenciar mais na condução do processo em si do que a posição majoritária da doutrina, como se verá na análise de um caso concreto envolvendo o Estado de São Paulo.
2. EXECUÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL EM FACE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: PANORAMA GERAL E PROBLEMÁTICA
Prolatada a sentença arbitral, encerra-se a investidura dos árbitros e sua própria jurisdição, não mais existindo juízo arbitral para dirimir questões relacionadas à arbitragem ou à sentença arbitral, ou qualquer decorrência de seus efeitos.
A tendência natural – ou pelo menos o que é esperado ao fim do processo arbitral – até pelo encerramento da investidura dos árbitros, é o cumprimento espontâneo das decisões arbitrais, já que primeiro e antes de tudo, as partes convencionaram se submeter à decisão arbitral.
No entanto, o legislador estava atento ao fato de que existe uma postura arraigada ligada à teimosia do vencido em cumprir espontaneamente as decisões que lhes são desfavoráveis, mesmo tendo ciência da imagem desleal que isso pode causar o cenário em que contende habitualmente, e conferiu à sentença arbitral as mesmas propriedades da sentença judicial, inclusive, enumerando-a como título executivo hábil a ser perscrutada por meio de processo de execução forçada.
É de se reforçar, também, que o cumprimento não espontâneo pode fazer surgir penalidades como a aplicação de multas, o que não é interessante para a parte vencida e estimula o cumprimento não forçado das decisões arbitrais.
Em relação ao Poder Público, existe, ainda, outro elemento que chama a atenção – deve o ente público observar a moralidade em todas as suas condutas (no caso, na conduta de seus agentes públicos). Daí porque, o cumprimento espontâneo das decisões arbitrais é sempre estimulado e esperado nos cenários negociais, mesmo quando a parte vencida for a Administração Pública.
A despeito disso, porém, em relação à Administração, algumas particularidades colocam o cumprimento espontâneo de decisões arbitrais em discussão, especialmente no que se refere às obrigações de pagar, que merecem atenção especial, como se verá.
2.1 Obrigação de fazer e não fazer
A sentença arbitral que determina uma obrigação de fazer ou não fazer para a Administração Pública não encontra nenhum empecilho para seu cumprimento imediato, já que a obrigação de não fazer consiste apenas em um ato omissivo, enquanto a obrigação de fazer consiste na realização de determinada conduta. Nesse sentido, vale vislumbrar que não existe regime constitucional específico para cumprimento de obrigações, nestas hipóteses, o que simplifica a vida do administrador que se vê diante de uma condenação arbitral em fazer ou não fazer.
Sobre as obrigações de fazer e não fazer, Bruno Megna resume:
Por vezes, esse cumprimento pode se dar no âmbito da simples gerência administrativa (e.g., condenação de disponibilizar uma doca portuária). Outras vezes, esse cumprimento implicará despesa (e.g., condenação em disponibilizar a área da obra livre de entulhos), caso em que se recorrerá não ao sistema de precatórios, mas à dotação orçamentária do próprio contrato, cabendo, se for o caso, solicitar crédito suplementar — não se cogita que a sentença arbitral possa criar obrigação inédita, não prevista no contrato, a ensejar a necessidade de crédito especial e muito menos crédito extraordinário — ou fazer a inclusão da despesa no próximo orçamento.[2]
Diante do não cumprimento espontâneo da sentença arbitral que determina uma obrigação de fazer ou não fazer, a parte interessada deve valer-se do poder judiciário para exigir o adimplemento forçado, vez que falta ao árbitro, como já dito, o poder coercitivo para determinar o implemento de suas próprias decisões.
Para tanto, deverá seguir o rito previsto no artigo 515, parágrafo único do Código de Processo Civil de 2015 – “o devedor será citado no juízo cível para o cumprimento da sentença ou para a liquidação no prazo de 15 (quinze) dias.
A partir daí, o cumprimento se dará totalmente no âmbito jurisdicional.
2.2 Obrigação de pagar
Diferente, e mais problemático, é o caso da obrigação de pagar.
As condenações que envolvem obrigações de pagamento pela Fazenda Pública são atos complexos e, a princípio, a doutrina se divide entre a necessidade da instauração obrigatória de um novo processo legal, por meio da citação do devedor nos termos do artigo 535 do Código de Processo Civil, que resultará na expedição de precatório, consoante o regime previsto no artigo 100 da Constituição Federal e a possibilidade do ente estatal (salvo as empresas de sociedade mista e empresas públicas, que são pessoas jurídicas de direito privado e, para todos os fins, estão excluídas do regime de pagamento de débito constitucional) pagar de forma alternativa (leia-se, excepcionando-se o regime dos precatórios) as dívidas decorrentes das obrigações resultantes de sentença arbitral, por meio de pagamento espontâneo.
A expedição de precatórios observa a posição de príncipe da Fazenda Pública em juízo por retardar o pagamento das dívidas públicas de maneira a adequá-las às previsões orçamentárias futuras, obedecendo, portanto, às diretrizes orçamentárias, pelas quais, “Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”[3].
Ocorre que o processo arbitral, ainda que tenha reconhecidamente natureza de jurisdição (voluntária, mas ainda assim, jurisdição), não forma decisão judiciária, na forma literal da expressão, o que abre espaço para discutir a possibilidade de que a execução de laudo arbitral não siga, obrigatoriamente, o sistema de pagamentos por meio de precatório, já que estaria, em tese, fora do escopo constitucional.
Além do mais, tendo o procedimento arbitral características tão distintas do processo judicial comum, a questão que se coloca é: por que os pagamentos derivados de condenações em laudo arbitral devem seguir os mesmos ritos procedimentais previstos para litígios judiciários, já que se tratam de jurisdições diferentes, com ritos diferentes e fundamentos diferentes?
Tal questão, como dito acima, não encontra posição unânime (embora a prática se encaminhe mais para o sentido ao respeito das normas constitucionais) dividindo a doutrina entre quem defende a adoção do sistema de precatório para pagamentos decorrentes de execuções de laudo arbitral[4], o que respeita os princípios da legalidade e isonomia entre credores, e quem defende que o procedimento constitucionalmente previsto viola a finalidade maior do procedimento arbitral, qual seja, a celeridade na resolução da polêmica[5].
A última hipótese, no entanto, gera controvérsias, pois, neste caso, ao não adotar o regime do sistema de precatórios, criar-se-ia uma lista de ‘credores privilegiados’ que receberiam seus créditos antes dos demais credores do Estado, que aguardam o pagamento na fila dos precatórios, violando, assim, a isonomia.
2.2.1. Pagamento pelo Regime de Precatórios
Duas são as premissas principais para defender que as condenações impostas à Fazenda Pública derivadas do processo arbitral devem ser pagas mediante a inserção do crédito em precatório.
Em primeiro lugar, assim como previsto no artigo 31, a Lei de Arbitragem deu à sentença arbitral o mesmo status jurídico da sentença judicial. Essa equiparação é necessária, sobretudo, ante a adoção da teoria mista, em que a arbitragem tem início num cenário privado, mas se desenvolve sob a égide de um processo de caráter jurisdicional, e sob o manto da teoria geral do processo.[6]
Partindo desse pressuposto, a sentença arbitral não pode ter um regime de execução diferenciado do regime da sentença judicial, e não pode a Fazenda Pública, portanto, em privilégio às demais sentenças que lhe são desfavoráveis, cumprir o laudo arbitral de outra forma que não pelo processo executivo previsto no artigo 534[7] e seguintes do Código de Processo Civil, garantindo, assim, a isonomia entre todos os seus credores e a legalidade.
Como resultado do processo de execução previsto no Código de Processo Civil, a sentença judicial torna-se documento hábil a ser inscrito na ordem de precatórios, como determina o artigo 100, §6º da Constituição Federal:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o sequestro da quantia respectiva.
A necessidade da criação do sistema de precatórios tem explicação orçamentária pois permite ao administrador organizar as finanças do ente estatal, bem como, prever os gastos que serão ordenados para os anos seguintes com os pagamentos relativos a decisões judiciais, evitando surpresas e rombos nos orçamentos, que levariam os Estados à falência.
Trata-se, portanto, de “regra de direito financeiro constitucional de caráter cogente”[8], e não mera prerrogativa processual do Estado em juízo.
É importante ressaltar que nenhuma obrigação pecuniária pode ser contraída pelo Estado – ou imposta – sem prévia dotação orçamentária[9]. Deve ser permitido ao administrador público a possibilidade de elaborar um programa contábil e financeiro para manter o equilíbrio das contas públicas de forma ordenada e o mais previsível possível. E o sistema de precatórios permite essa “previsão” orçamentária sem afetar o restante do orçamento para as demais despesas e repassas obrigatórios do Estado, conforme prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal.
A segunda premissa é que o pagamento mediante o regime de precatórios respeita dois importantes princípios: a igualdade e a isonomia entre os credores da Fazenda Pública.
Isso quer dizer que ao credor da Fazenda não deverá ser concedida nenhuma vantagem em virtude da natureza da jurisdição arbitral que o coloque numa posição de superioridade em relação ao credor em virtude de outras sentenças judiciais, como resultado, por exemplo, de uma demanda de servidor.
Sobre a sistemática de pagamento por meio de precatórios, Willeman assim assevera[10]:
Conforme se percebe, o instituto do precatório judicial visa a estabelecer e a preservar a igualdade de tratamento entre credores do Poder Público, assim reconhecidos por decisão judicial com trânsito em julgado, impedindo que subsista violação aos princípios da isonomia e da impessoalidade. Em suma, busca o regime de precatório judicial garantir a moralidade no pagamento de débitos do Poder Público quando oriundos de decisão judicial transitada em julgado, evitando favorecimentos pessoais de credores mais recentes em detrimento de credores mais antigos.
Não existe, portanto, nenhum credor estatal qualificado (salvo as exceções constitucionalmente previstas), já que o pagamento por meio de precatório respeita a ordem de cronológica de inscrição, o que impede privilégios indevidos entre credores. Assim, em tese, não havendo previsão na Lei Maior, não há como se abrir exceção de privilégios apenas em decorrência da natureza da jurisdição (estatal X arbitral).
Ora, ao fugir da sistemática do pagamento de precatórios apenas por consistir a obrigação de pagar derivada de sentença arbitral, o credor seria colocado numa posição superior, privilegiada em relação aos demais credores que aguardam o pagamento pela ordem cronológica do precatório – o credor arbitral, portanto, receberia muito tempo antes, ‘ferindo’ a ordem de pagamento constitucional, em detrimento aos credores judiciais que estão há anos esperando seu crédito ser quitado pela Administração Pública.
Em que se pese a argumentação de que não aplicar o regime de precatórios às decisões arbitrais desfavoráveis à Fazenda se coaduna com a finalidade da arbitragem que se trata de processo célere e eficaz, devendo seu resultado se dar, na mesma eficácia e celeridade, tal conduta inegavelmente viola a isonomia entre todos os demais credores da Administração.
Nesse sentido, bem afirma Marcus Vinicius Armani Alves:
O sistema de precatório foi criado em vista do princípio que protege a igualdade entre os indivíduos e ainda permite uma regra, uma fila para pagamentos. Com efeito, esse sistema se baseia na dura realidade das finanças públicas, que impôs a criação da fila dos precatórios como forma de promover o pagamento dos créditos, respeitando uma sequência cronológica e sem impor um sacrifício aos princípios da execução orçamentária. A realidade é que, se não houvesse tal sequência, grande parte das finanças públicas estaria comprometida com dívidas decorrentes de condenações judiciais[11].
Como a Administração está pautada nos princípios da legalidade, isonomia e moralidade, e deve estrita observância à Constituição, nos parece lícito afirmar que, a princípio, a obediência ao sistema de pagamento por meio do regime de precatórios é plenamente viável às condenações decorrentes de sentença arbitral, ainda que se mostre anti-eficiente à finalidade da arbitragem enquanto método alternativo de solução de conflitos, pela evidente demora na quitação da obrigação de pagar que dai resultará da inscrição do débito pela ordem cronológica.
Além de tudo quanto o exposto, é paradigmático citar o pronunciamento da E. Corte Superior proferido por meio do voto do I. Min. Marco Aurélio no Recurso Extraordinário 132.031-/SP, sobre o regime de precatórios e a violação a ordem cronológica de credores:
EMENTA: EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA- QUANTIA CERTA- REGIME CONSTITUCIONAL DOS PRECATÓRIOS – DESRESPEITO Á ORDEM CRONOLÓGICA- SEQÜESTRO DETERMINADO- PRETENSÃO DO PAGAMENTO PARCELADO (ADCT, ART.33)- IMPOSSIBILIDADE- RE NÃO CONHECIDO
– O regime constitucional de execução por quantia certa contra o Poder Público- qualquer que seja a natureza do crédito exeqüendo (RTJ 150/337)- impõe a necessária extração de precatório, cujo pagamento deve observar, em obséquio aos princípios ético- jurídicos da moralidade, da impessoalidade e da igualdade, a regra fundamental que outorga preferência apenas a quem dispuser de precedência cronológica (prior in tempore, potior in jure).
A exigência constitucional pertinente à expedição de precatório- com a conseqüente obrigação imposta ao Estado de estrita observância da ordem cronológica de apresentação desse instrumento de requisição judicial de pagamento- tem por finalidade (a) assegurar a igualdade entre os credores e proclamar a inafastabilidade do dever estatal de solver os débitos judicialmente reconhecidos (RTJ 108/463), (b) impedir favorecimentos pessoais indevidos e (c) frustar tratamentos discriminatórios, evitando injustas perseguições ditadas por razões de caráter político- administrativo.
PODER PÚBLICO- PRECATÓRIO- INOBSERVÂNCIA DA ORDEM CRONOLÓGICA DE SUA APRESENTAÇÃO.
– A Constituição da república não quer apenas que a entidade estatal pague os seus débitos judiciais. Mais do que isso, a Lei Fundamental exige que o poder Público, ao solver a sua obrigação, respeite a ordem de precedência cronológica em que se situam os credores do Estado.
– A preterição da ordem de precedência cronológica- considerada a extrema gravidade desse gesto de insubmissão estatal às prescrições da constituição- configura comportamento institucional que produz, no que concerne aos Prefeitos Municipais, (a) conseqüências de caráter processual) seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito- CF, art. 100, § 2º), (b) efeitos de natureza penal (crime de responsabilidade, punível com pena privativa de liberdade- DL n. 201/67, art. 1º XII) e (c) reflexos de índole político- administrativa (possibilidade de intervenção do Estado no município, sempre que essa medida extraordinária revelar-se essencial à execução de ordem ou decisão emanada do Poder Judiciário- CF, art. 35, IV in fine).
PAGAMENTO ANTECIPADO DE CREDOR MAIS RECENTE- ALEGAÇÃO DE VANTAGEM PARA O ERÁRIO PÚBLICO– QUEBRA DA ORDEM DE PRECEDÊNCIA CRONOLÓGICA- INADMISSIBILIDADE. (g.n)
Parece-nos, portanto, que o sistema de precatórios é o caminho mais aceito pela jurisprudência superior, pelo menos, nessa lógica constitucional de preservar a isonomia.
2.3. Exceção ao regime de precatórios
A segunda corrente doutrinária defende que o pagamento por meio de precatórios seria uma desvirtuação da finalidade da arbitragem em si, pela evidente demora que a ordem cronológica imporá ao credor da sentença arbitral em face da Administração Pública, tornando o processo arbitral, no fundo, ineficiente, já que seu resultado final demanda uma lógica diferente do procedimento jurisdicional anterior.
Essa corrente se baseia em duas premissas distintas.
A primeira, como já mencionado, está relacionada aos princípios que norteiam a finalidade da arbitragem. Tratando-se de um meio adequado de solução de conflitos, com procedimento próprio, que visa a dar celeridade, eficiência e rapidez à resolução de um litígio, não faria sentido que a finalização do processo, isto é, seu resultado prático, demorasse vinte ou trinta anos para se consolidar, uma vez que o tempo médio de duração da arbitragem, em si, não passa de quatorze meses.
A verdade é que o pagamento de dívidas da Fazenda Pública decorrentes de sentença arbitral por meio do regime de precatórios simplesmente não se enquadra com a celeridade, eficiência e objetividade do processo arbitral.
Ademais, as partes contrataram se submeter à decisão arbitral – concordaram e manifestaram sua vontade de se submeter a decisão do árbitro, não podendo, no momento que lhes é conveniente, ou seja, logo após a ciência da decisão que lhe for desfavorável, criar empecilhos para seu descumprimento.
Nessa toada, Francisco José Cahali[12] argumenta que
Ainda, aponta-se que como vantagem na arbitragem o cumprimento espontâneo das decisões. No pressuposto de que os interessados elegeram o julgador por vontade própria, pela confiança e considerando ser ele conhecedor da matéria, a experiência demonstra que as partes respeitam a sentença arbitral, e a ela se submetem voluntariamente. Em outras palavras, as partes estão comprometidas em aceitar como imperativo a sentença arbitral por eles encomendada.
É de se considerar, ainda, que a Fazenda Pública enquanto partícipe do processo arbitral não possui prerrogativas processuais inerentes à sua condição de Príncipe, tão comuns no processo judicial, pelo que, não seria estranho que, nessas condições, restasse afastada a obrigatoriedade de assistir ao comando do artigo 100 da Constituição Federal, que é cediço tratar-se de uma postergação de dívidas, ainda que em decorrência de uma lógica orçamentária necessária à saúde do erário.
A segunda premissa importante para essa corrente diz respeito a terminologia utilizada pelo legislador constituinte. Ao determinar que “os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária (g.n.)” parte da doutrina que defende o pagamento espontâneo das condenações decorrentes de sentneças arbitrais entende que houve uma opção do legislador em não utilizar a expressão sentença judicial, e sim judiciária.
Em se tratando de execução de sentença judicial, pouca ou nenhuma diferença faz essa questão terminológica.
No entanto, para fins dessa segunda premissa, a opção terminológica sentença judiciária reforça a teoria de que ao Poder Público é possível pagar condenações derivadas de sentença arbitral por meio diverso do sistema de precatórios, de forma espontânea.
Explica-se. A Constituição, ao determinar que as sentenças judiciárias devem seguir o rito de pagamento pela via do precatório excluiu, para todos os efeitos, as sentenças que não forem proferidas na seara do Poder Judiciário. A arbitragem, conquanto tenha inerente poder jurisdicional, não faz parte da atividade jurisdicional do Poder Judiciário, pelo que, suas decisões não se enquadram no conceito de sentenças judiciárias proferidas por um juiz togado. Logo, por via de consequência, não sendo judiciárias, não se enquadram na obrigatoriedade prevista na hipótese do artigo 100 da Constituição Federal.
Tal premissa, bem analisada, não feriria a isonomia ou a legalidade porque não criaria uma casta de credores privilegiados, vez que se trataria de uma classe de credores de origem completamente distinta daquela prevista no artigo 100 da Carta Magna.
Essa linha de pensamento da doutrina entende, inclusive, que já existe previsão legal para que o pagamento de débitos oriundos de sentenças arbitrais não adote a sistemática do regime de precatórios. A possibilidade mais consistente, nesse sentido, é a previsão em Fundo Garantidor, que serviria como forma de garantir o pagamento decorrente de condenações em sentenças arbitrais.
2.4 Previsão em Fundo Garantidor
Idealizada por Flávio de Araújo Willeman, a hipótese traz o conceito de que seria possível a não submissão ao regime de precatórios por meio da criação de um fundo especial provisionado para o cumprimento de obrigações contratuais, entre elas, as decorrentes de condenação prolatadas em sentença arbitral, em previsão prévia à sentença, cujo “valor” já será provisionado de antemão, a não depender de futura deslocação orçamentária ou previsão posterior em lei para sua consecução.
Segundo o doutrinador
Situação diversa e que, ao nosso sentir, excepcionará as conclusões acima apresentadas, é aquela em que o próprio ordenamento jurídico prevê a possibilidade de as obrigações pecuniárias eventualmente impostas ao Ente Público por força de uma sentença arbitral ser objeto de garantia por um fundo público ou privado, ou mesmo por um bem público especialmente destinado a essa finalidade.
Tal exceção deve ser compreendida no contexto das mudanças dos paradigmas do Direito Administrativo, sobretudo das novas teorias de interpretação da contratação pública, surgidas a partir da necessidade de se buscar na iniciativa privada soluções para investimentos em setores sensíveis para a sociedade, como acontece nas áreas de saneamento básico, saúde, etc. Por certo, esta alteração de paradigmas, ressalvado o respeito aos princípios gerais do direito público, autoriza a previsão legislativa que permita a mitigação do sistema de cumprimento de uma obrigação tipicamente contratual tida por descumprida por uma sentença arbitral que imponha uma condenação pecuniária ao Poder Público.(g.n.)
A previsão legislativa a que faz referência o autor é a Lei Federal nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004 (Lei das Parcerias Público-Privadas), que em seu artigo 8º admitiu que as obrigações pecuniárias envolvendo as entidades públicas poderão ser garantidas, entre outros, por um fundo garantidor. Vejamos:
Art. 8º As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:
I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal ;
II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;
III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público;
IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;
V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;
VI – outros mecanismos admitidos em lei. (g.n.)
Parece claro que o fundo garantidor somente é lícito se previsto em contrato administrativo prévio à instituição da arbitragem, assumindo a natureza de execução de garantia, o que serviria perfeitamente para cobrir as condenações decorrentes de sentenças posteriores, já que o valor provisionado já estaria assegurado para determinado contrato, não prescindindo de inclusão em lei orçamentária posterior para sua quitação.
Para Willeman, o artigo acima é constitucional e de perfeito enquadramento em nosso ordenamento jurídico, ressaltando o autor, ainda, que não há óbice constitucional e legal para a Administração se submeter a um regime jurídico contratual, respeitando os princípios de direito público, estabelecendo em lei, como garantia para a eventualidade de prejuízos oriundos de seu inadimplemento que os valores serão pagos por um fundo com personalidade jurídica de direito privado ou de bens públicos especialmente destinados a este tipo de garantia[13].
Em relação ao Fundo Garantidor, é preciso ter atenção ao que dispuseram as Leis Federais nº 12.766/2012 e 12.712/2012, que deram contorno jurídico ao instituto. Com efeito, não se encontra no escopo legal do artigo 18, parágrafo 5º[14] a definição da sentença arbitral nas hipóteses de ‘uso’ do Fundo Garantidor, o que pode gerar distorções não só em relação a finalidade dessa modalidade de garantia, como, ainda, a necessidade de posterior autorização legal para regularizar e autorizar, de uma vez, essa opção ao administrador.
No entanto, considerando que a constituição do Fundo Garantidor se dá em momento pré contratual, momento em que já é feita a reserva orçamentária destinada à execução do contrato pretendido, seu uso enquanto garantia de pagamento de uma condenação prevista em sentença arbitral não pode ser considerado ilícito.
2.5. Perspectivas sobre o futuro das sentenças arbitrais face a Fazenda Pública
Esse tópico tem apenas o intuito de fazer algumas considerações a respeito do que se pode esperar sobre o futuro das sentenças arbitrais em face da Fazenda Pública, diante da análise de um caso concreto e recente no Estado de São Paulo.
Por mais que se especule a respeito de qual seria o mais correto ou mais lícito caminho de cobrar os créditos fazendários decorrentes de sentenças arbitrais, parece-nos importante observar, também, que a experiência começa a mostrar que a sentença arbitral tem fundamental importância na condução de sua própria execução.
Se por um lado, a tecnicidade do árbitro é um dos grandes chamativos da arbitragem, por outro, essa tecnicidade não necessariamente envolvida no direito nos faz pensar sobre a qualidade técnica do laudo enquanto decisão qualificada com competência jurisdicional.
Isso porque é esperado de um juiz togado que o dispositivo de sua sentença seja claro e determinado a respeito da condenação e distribuição dos ônus a cada parte – mas e quando o árbitro não formado no campo do direito, cuja experiência não é questionada nesse sentido e cuja decisão, na parte jurídica, deixa a desejar?
E quando essa ‘falha técnica’ envolve a condenação de pagar e atinge o ente público e afasta as possibilidades de adotar o previsto regime constitucional de precatórios?
Em recentíssimo caso, na arbitragem envolvendo a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos e a Empresa CONSTRUCCIONES Y AUXILIAR DE FERROCARRILES S.A, no Estado de São Paulo, foi proferida sentença arbitral nos seguintes termos:
(i) Julgar procedente o pedido da CAF para (a) condenar o GESP [Estado de São Paulo] ao pagamento dos valores correspondentes a todas as faturas emitidas e não pagas pelos Requeridos e das inadimplidas durante o curso deste procedimento, todas elas acrescidas dos encargos previstos na Cláusula 15.5 das SCC do Contrato, (b) em relação às faturas ainda a serem emitidas, reconhecer a ilegalidade da recusa de pagamento, por parte dos Requeridos, que esteja fundada na exigência de demonstração do pagamento de tributos, em interpretações a respeito do regime de drawback ou na ocorrência de falhas técnicas alegadas neste processo;
(ii) julgar procedente o pedido da CAF para determinar que os Requeridos se abstenham de obstaculizar a emissão de novas faturas ou de reter novos pagamentos em razão do suposto não recolhimento de tributos especificados na Tabela 1A do Contrato ou de quaisquer outras exigências que tenham por base descumprimento de obrigações contratuais analisadas no âmbito deste procedimento arbitral;
(iii) condenar os Requeridos a reembolsar à CAF os montantes relativos aos honorários dos árbitros por ela arcados;
e
(iv) por consequência, julgar totalmente improcedentes todos os pedidos formulados pelos Requeridos.”
Entendeu a Companhia Requerente (CAF) que a sentença arbitral condenou o Estado de São Paulo a duas obrigações de não fazer: se abster de obstacularizar a emissão de novas faturas ou reter novos pagamentos e o pagamento direto dos valores retidos ou não pagos em atraso, por entender que a decisão arbitral tinha apenas natureza declaratória, e não condenatória. A parte defendeu que pagar os valores indevidamente retidos fazem parte da obrigação de não fazer.
Levando em conta o entendimento aqui já manifestado de que às obrigações de fazer e não fazer não foi determinado nenhum regime especial de pagamento, a parte vencedora requereu administrativamente o cumprimento da obrigação.
Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral do Estado, por meio do Parecer CJ/STM nº 187/2016, seguindo a majoritária doutrina, negou o pedido de pagamento administrativo da empresa, ressaltando que a sentença arbitral tem a mesma natureza da sentença judicial, merecendo o mesmo tratamento constitucional, pelo que, deveria o interessado ingressar com processo executório nos termos do artigo 535 e seguintes do Código de Processo Civil.
A empresa CAF, então, ingressou com ação de execução contra a Fazenda Pública para executar o laudo arbitral no valor de R$ 88.616.028,46 (oitenta e oito milhões, seiscentos e dezesseis mil, vinte e oito reais e quarenta e seis centavos).
No curso do processo, foi proferida decisão no seguinte sentido:
Vistos. As partes firmaram contrato administrativo, para a entrega de 40 trens, à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM. Durante sua vigência, houve impasse quanto a pagamentos a serem realizados pela contratante, o que motivou a abertura de procedimento arbitral, o que não só foi previsto em contrato, mas também ratificado pelas partes envolvidas (fls. 362/378). Em tal procedimento, após seus regulares trâmites, assim deliberou o Tribunal Arbitral: “(i) julgar procedente o pedido da CAF para (a) condenar o GESP ao pagamento dos valores correspondentes a todas as faturas emitidas e não pagas pelos Requeridos e das inadimplidas durante o curso deste procedimento, todas elas acrescidas dos encargos previstos na Cláusula 15.5 das SCC do Contrato, (b) em relação às faturas ainda a serem emitidas, reconhecer a ilegalidade da recusa de pagamento, por parte dos Requeridos, que esteja fundada na exigência de demonstração de pagamento de tributos, em interpretações a respeito do regime de drawback ou na ocorrência de falhas técnicas alegadas neste processo; (ii) julgar procedente o pedido da CAF para determinar que os Requeridos se abstenham de obstaculizar a emissão de novas faturas ou de reter novos pagamentos em razão do suposto não recolhimento de tributos especificados na Tabela 1A do Contrato ou de quaisquer outras exigências que tenham por base descumprimento de obrigações contratuais analisadas no âmbito deste procedimento arbitral; (iii) condenar os Requeridos a reembolsar à CAF os montantes relativos aos honorários dos árbitros por ela arcados; e (iv) por consequência, julgar totalmente improcedentes todos os pedidos formulados pelos Requeridos” (fls. 427). A questão foi levada ao Tribunal Arbitral posto que assim pactuado em contrato. A respeito, não há qualquer objeção. Caso não houvesse tal previsão contratual, provavelmente a contratada valer-se-ia do Poder Judiciário, que por meio de ação judicial, em sede liminar, poderia determinar o pagamento das parcelas retidas pela contratante o que, se descumprido injustificadamente pela contratada, daria ensejo ao cumprimento forçado da liminar, mediante a tomada das medidas, legais, para tanto necessárias, como a previsão de multa astreinte. Por este motivo, entendo que a execução da decisão arbitral em testilha não pode ser equiparada ao cumprimento de obrigação de não fazer, sujeita a regime de precatórios. A decisão arbitral (que poderia ser, como dito, uma liminar judicial em ação ordinária) deve ser cumprida de imediato, até porque não implica em oneração imprevista ao Poder Público, que firmou um contrato administrativo, sabedor dos valores que deveria arcar no curso do contrato, o que para tanto se exige previsão orçamentária. Note-se, ainda, que não se trata de pleito indenizatório, formulado posteriormente ao contrato, e sim pretensão versando sobre adimplemento, oportuno tempore, de cláusula contratual (pagamento devido à contratada, cuja retenção revela-se ilícita), não se justificando, portanto, a adoção do regime de precatórios na espécie. Sendo assim, determino que a Fazenda libere à CAF os valores retidos (contraprestação pela obrigação contratual adimplida pela contratante, calculada na forma do contrato, até o ajuizamento desta execução, aplicando sobre o valor nominal apurado, dali em diante, os encargos legais, para fins de correção monetária e juros de mora). Prazo de 15 dias, sob pena de multa, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Em atenção ao disposto no art. 85, §1º, do CPC, arbitro honorários sucumbenciais em dez por cento sobre o valor da causa.” (g.n).
Trata-se, como se vê, de uma questão de interpretação do juiz togado a respeito da forma como foi proferida a sentença arbitral, seguindo a mesma linha de raciocínio explanada pela parte interessada.
O Estado interpôs recurso de agravo de instrumento, distribuído sob nº 3003450-36.2019.8.26.0000[15] no E. Tribunal de Justiça Bandeirante; no entanto, a decisão não foi positiva para São Paulo.
A MM. Relatora Maria Olivia Alves, que manteve a decisão agravada, entendeu no v. acórdão que “não foi imposta qualquer condenação a ser retirada dos cofres públicos, mas tão somente se determinou a continuidade de uma relação contratual pré-existente que, no caso, envolve o dispêndio de valores já previstos em orçamento, os quais foram propositalmente retidos pelo Estado em razão de questões específicas posteriormente resolvidas através de procedimento arbitral expressamente previsto em contrato”.
Assim, por uma questão de como o dispositivo da sentença arbitral foi redigido e como foi interpretado – pelas partes e pelos magistrados – nesse caso em particular, o Estado não deverá pagar o altíssimo débito mediante a sistemática do regime de precatório, considerando que as possibilidades de reversão da decisão acima referida em instância superior são remotas.
Desta feita, em que se pese tudo o quanto foi exposto, é de se pensar que as perspectivas em relação à execução de laudo arbitral devem contar, também, com o fator humano – composição e interpretação dos laudos em si – já que a redação dos dispositivos poderá exercer um papel fundamental na condução do cumprimento – judicial ou espontâneo, por meio de precatório, acordo ou fundo de participação – das sentenças arbitrais em face da Administração Pública.
3. CONCLUSÃO
Esmiuçando as questões relativas ao cumprimento de obrigações decorrentes da sentença arbitral face à Administração Pública, este trabalho procurou, ainda que superficialmente, demonstrar a controvérsia doutrinária a respeito das questões relativas à obrigação de pagar, notadamente, em relação à obediência ou não ao regime de precatórios constitucionalmente previsto.
Partindo da perspectiva da obrigatória observância ao artigo 100 da Constituição Federal, este trabalho demonstrou as prerrogativas que indicam o regime de precatórios como o meio mais justo de quitação de condenações de obrigação de pagar decorrentes de laudo arbitral, a fim de preservar não só a saúde financeira do Estado, como também, o princípio da isonomia entre todos os credores, evitando-se, assim, a criação de uma “fila de credores privilegiados”.
Por outro lado, também apontamos as premissas que consideram ser possível o pagamento de condenações arbitrais por outro meio que não o regime constitucional de precatório – não só pela exceção que a expressão “sentença judiciária” pode ocasionar, mas principalmente, para preservar a finalidade do instituto arbitral – principalmente no que concerne a celeridade e eficácia do processo, como o uso do Fundo Garantidor, previsto no artigo 8º, V da Lei Federal nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004.
Por fim, fizemos uma análise de um caso concreto em que a mera redação do dispositivo da sentença arbitral foi capaz de afastar a incidência do artigo 100 da Constituição Federal, o que nos leva a crer que a despeito de toda discussão doutrinária sobre o meio mais justo e correto de execução de sentenças arbitrais no que tange à obrigação de pagar, o caminho da arbitragem passa muito pela questão humana – seja no quesito da redação literal dos dispositivos condenatórios, seja na questão interpretativa das partes e dos próprios juízes que enfrentarão a questão na via do Poder Judiciário.
4. REFERÊNCIAS
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[1] Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Procuradora do Estado de São Paulo. Especialista em Direito do Estado.
[2] Arbitragem e Administração Pública: o processo arbitral devido e adequado ao regime jurídico administrativo. Dissertação (Mestrado). São Paulo. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2017.
[3] Constituição Federal de 1988.
[4] Nessa linha, alguns exemplos: Leonardo Carneiro da Cunha, Leonardo Licio Couto e Marcus Vinicius Armani Alves.
[5] Em oposição: Gustavo Shmidt, Flavio Willeman.
[6] ALVES, Marcus Vinicius Armani. Fazenda Pública na Arbitragem. São Paulo: Singular, 2019.
[7]Art. 534. No cumprimento de sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo:
I – o nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente;
II – o índice de correção monetária adotado;
III – os juros aplicados e as respectivas taxas;
IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;
V – a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
VI – a especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.
[8] MEGNA, Bruno. Arbitragem e Administração Pública: o processo arbitral devido e adequado ao regime jurídico administrativo. Dissertação (Mestrado). São Paulo. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2017.
[9] Art. 167. São vedados:
I – o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
[10] WILLEMAN, Flávio de Araújo. Acordos Administrativos, Decisões Arbitrais e Pagamentos de Condenações Pecuniárias Por Precatórios Judiciais.
[11] Fazenda Pública na Arbitragem. São Paulo: Singular, 2019
[12] Curso de Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2013.
[13] Idem 42.
[14] § 5º O parceiro privado poderá acionar o FGP nos casos de:
I – crédito líquido e certo, constante de título exigível aceito e não pago pelo parceiro público após 15 (quinze) dias contados da data de vencimento; e
II – débitos constantes de faturas emitidas e não aceitas pelo parceiro público após 45 (quarenta e cinco) dias contados da data de vencimento, desde que não tenha havido rejeição expressa por ato motivado;
[15] Disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do;jsessionid=3B3EC102DA41C6D41609F5ED71C5EC0D.cposg3?conversationId=&paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=-1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=3003450-36.2019.8.26.0000&uuidCaptcha=sajcaptcha_6d143c59d3bb424bb2e24638c9c7bb42&g-recaptcha-response=03AOLTBLTmkF3o5AXrh8SFp9xPXw77M0Hei-LoGkOEfthwOwk5s6LKbPzkesmTvo17LSwuF_orAIevBp0otj3SIUnzpmB9O9oTN5vansH18qZSNY97WikTYDigWiHq4sIGSoRiIKx58D1z2ywwY2Y2kyygMRKQD_TM5eBLutj1AGZ9T5ZPnPGUt8RlQ3sESed1erX-cpRBtAMPc0uIiecxBQ1kWWnLTs-U9nDhf-lS34YG_gKjT7YHwap5JL-f92fd9487bLtIwxjMwMqW5I03g4IzyTZzTWSyl7dArL7w6ETz8nJUed4XQk4TkFzgJmc19WSUh2IW8EurNSJ3YFpAnTLk220-ggKVd_Tf7rqh4sgTdvcHgkxKWQuLumiEUk5gXNbUqQqLTu59Rlcu0pNk73NBe0doNoWsoU56qtAZ-uFNC66jMAXUmGJqHI7WWqYH1tmVn5_G2lupjkl2Z0VI1JJ4pTGXDHFI0VG2VNRO6HPu1NP3TffoVUA.