Resumo:
Macbeth foi considerada a mais tenebrosas das tramas shakespearianas. Traz excelente oportunidade para refletir sobre aspectos sombrios e atemporais do comportamento humano, tais como ganância, traição e culpa. Toda a história se desenrola na Escócia do século XI. Ao longo da história, Macbeth vai ser tornando cada vez mais insensível, sujando as mãos de sangue. E, Lady Macbeth[1] tomada pela culpa, passa a ter alucinações que a conduzem ao suicídio. Pode-se explorar o conceito de determinismo e livre-arbítrio. Afinal, nascemos com um destino traçado ou temos a real possibilidade de escolha? Eis, o tribunal da consciência.
Palavras- Chave: Traição. Ambição. Inglaterra. Parlamento. Poder. Processo legal. Absolutismo. Abuso de Poder.
Abstract:
Macbeth is considered the darkest of the shakeperian plays. It brings the excelente opportunity of reflection of dark and timeless aspects of human behavior as greed, betrayal and guilty. The story takes place in the 11th Century Scotland. During the narrative, Macbeth becames more and more insensitive, getting blood in his hands. And Lady Macbeth, feeling guilty, starts allucinatinig that lead her to commit suicide. We may explore the concept of determinismo and free will. After all, we are born with a plotted fate or with a real possibility of choice? That is the court of conscience.
Keywords: Betrayal. Ambition. England. Parliament. Power. Legal Process. Absolutism. Power Abuse.
A obra Macbeth nasceu inserida de um contexto político. Ao final de 1605, foi desbarata uma conspiração contra o Rei Jaime I. Trata-se de um plano ousado e havia um grupo de opositores que cavou um túnel por debaixo da Câmara dos Lordes e alocou diversos barris de pólvora no subsolo do Parlamento inglês. Implodiria a monarquia constitucional inglesa.
Os desgostosos e descontentes pretendiam detonar a carga mortífera no dia 05 de novembro de 1605, exatamente quando o Rei estivesse abrindo os trabalhos do Parlamento. Afinal, com a explosão não apenas o rei, mas boa parte da nobreza britânica morreria.
Os conspiradores, em sua maioria, eram ingleses e católicos[2] e foram descobertos pouco antes da execução macabra de seu plano, o que ficou conhecido como Gunpowder Plot, ou seja, a conspiração da pólvora.
Também chamada de Traição da Pólvora e representou uma tentativa de assassinato do Rei Jaime I por um grupo provinciano de católicos[3] ingleses, liderados por Robert Catesby. O plano pretendia explodir os trinta e seis barris de pólvora, armazenados estrategicamente no porão do Palácio de Westminster, a Câmara dos Lordes.
Afinal, para Jaime I, o rei poderia fazer o que melhor aprouvesse, afinal, um bom rei deveria limitar-se, de boa vontade, pela lei. Porém, calcado em fundamentos bíblicos, o monarca escocês defendia que toda autoridade instituída assim o era, justamente pela vontade de Deus e, que na escolha divina não caberia intervenção do homem. Até um mau rei era justificável pois era enviado por Deus tal como uma maldição ao seu povo e uma praga por seus pecados.
Desta forma, o Rei se colocava acima do Parlamento. E, os representantes, por sua vez, carregava ora uma concepção de soberania enquanto bem herdado e propenso a revisão, quando assim o povo determinasse. Noutro momento, prevalecia a ideia de que se o rei teria origem divina, todo mecanismo necessário à execução de seu poder, igualmente, se revestia do caráter sagrado e, portanto, caso alguma instituição política tivesse que prevalecer, deveria ser a Assembleia Nacional, a principal arma de luta contra o despotismo e em prol das liberdades sagradas do povo (súditos do Rei).
Lorde Monteagle que pertencia à geração de Catesby, também esteve presente na rebelião comandada pelo Conde de Essex ainda no Reinado de Elizabeth I. Sua participação iniciou-se em 26 de outubro de 1605, quando recebeu misteriosa missiva de cunho sombrio e duvidoso que mudaria todo o rumo da Conspiração da Pólvora.
Aterrorizado com o teor da carta, Monteagle levou-a ao Ministro, Conde de Salisbury. Existem muitos indícios de que a referida missiva fora escrita pelo próprio Monteagle, ao saber da conspiração, e assim o fez com o fim de se livrar de alguma possível implicação no ato.
No dia 2 de novembro, enquanto os católicos guardavam o Dia dos Finados, o conselho do Rei Jaime I se reuniu e tomou conhecimento da carte e, do possível ataque que sofreriam na abertura do Parlamento. Em 4 de novembro, um dia da data marcada para a planejada explosão, realizaram uma inspeção meticulosa nas Câmaras. E, o primeiro achado veio do porão de John Whinniard, alugado por Thomas Percy, onde encontraram incomum quantidade de lenha.
Já outro grupo de busca indo aos porões de Westminster, comandado por Sir Thomas Knevett, por volta da meia-noite, descobriu um vulto de botas, capa e chapéu escuro que se esquivava nas instalações, preparando-se para fugir, porém, fora capturado. Era Guy Fawkes[4], quando o plano finalmente havia fracassado.
Assim que souberam da descoberta, o grupo fugira para o norte, cerca de trinta e seis homens, e buscaram apoio para formar resistência armada contra o governo. O bando de conspiradores havia saqueado significativa quantidade de pólvora de Whewell Grange e, tendo a pólvora molhado com chuva durante o trajeto, decidiram, então, colocá-la para secar perto do fogo, numa desesperada medida que resultou na explosão que Catesby tanto desejava.
Nesse ínterim, a tropa de duzentos homens sob o comando de Sir Richard Walsh seguia o bando e, em pouco tempo, seriam apanhados, e teriam morte certa fosse no embate com a tropa ou nas mãos de carrascos.
Catesby, então, tomando e beijando o crucifixo disse que tudo que fizera fora por honra e glória daquela cruz, e que não se arrependia de seus atos. Com a espada em punho, demonstrou coragem, e estava disposto a morrer por seus ideais.
No embate com a tropa, Tom Wintour, foi ferido no ombro, o que lhe custou o movimento do braço, mas sobreviveu para contar a história da Traição da Pólvora. Os próximos a caírem foram: Jack Wright e Kit Wright. Ambrose Rookwood que fora ferido na explosão da pólvora na noite anterior, foi capturado e açoitado. Wright e Percy tiveram seus corpos dilacerados com extrema brutalidade. Grant e Morgan, também feridos no incêndio da pólvora, acabaram facilmente capturados.
Robin Catesby, ainda sobreviveu o bastante, para rastejar superando sua agonia para o interior da casa, onde conseguiu encontrar um quadro da virgem Maria, e morrer segurando-o nos braços[5]. Como desfecho trágico, todos os revoltosos, até mesmo os que se arrependeram de participar na conspiração, não se revoltaram contra sua fé católica. Tanto que se mantiveram católicos e realizaram suas preces até o fim de suas vidas. O trouxe motivo para novos debates na Inglaterra do século XVII.
Muitos dos conjurados eram pessoas conhecidas por William Shakespeare e, um destes, era de Stratford-upon-Avon e, era conterrâneo do bardo. E, tal fato abalou a Inglaterra, traduzindo que o Rei Jaime I não era querido pelo povo, além de ser escocês.
Em certa feita, Churchill narrou que Jaime I fora proclamado Rei em 1603, veio de Edimburgo, e a caminho de Londres quando cruzou a fronteira, determinou que um meliante, um coitado preso em flagrante furtando carteiras, fosse logo enforcado.
Todavia, as leis inglesas existentes à época já previam adequado processo legal para qualquer acusado, dando-lhe oportunidade, inclusive de defesa. Assim, a execução do meliante não ocorrera conforme ordenou o Rei.
O povo inglês tomou ciência de tudo, afinal, o Rei desconhecia completamente a lei inglesa bem como seu poder era muito relativo, pois suas ordens não foram cumpridas. Nem o Parlamento, nem o povo queriam um rei absolutista[6].
O autor finalizou a peça Macbeth em 1606, sob o título “The tragedy of Macbeth” e que fora marcada pelos ecos dessa conjuração da pólvora. Afinal, matar o rei, ou seja, o regicídio era imperdoável, porém, os conspiradores não eram delinquentes.
E, Nesbit, uma famosa contadora de histórias introduziu no século XIX, a peça Macbeth[7] da seguinte forma, in litteris: “Quando se pede a alguém que conte uma história de Macbeth, a pessoa pode contar duas versões diferentes. Na primeira temos um homem chamado Macbeth que, recorrendo aos meios criminosos, subiu ao trono da Escócia no ano de 1039. Que reinou com justiça e generosidade por quinze anos, ou mais. E, esse reinado é parte da história da Escócia. A outra história, surge de um lugar chamado imaginação; é lúgubre e maravilhosa e, é esta que você vai ler adiante.”
Primeiramente, para cogitar sobre o enredo da peça, deve-se imaginar a escuridão. A peça inteira passa pela penumbra, e os momentos decisivos da trama ocorrem à noite. Embora o protagonista diga literalmente: “Não há noite tão longa que não encontre o dia”, na peça esse dia parece não chegar.
Macbeth é valoroso general escocês, tal como o Rei Jaime I. Retornando da batalha, num encontro casual com três feiticeiras, estas vaticinam que o general ainda se tornará rei.
O encontro de Macbeth com as bruxas espalha a mística no ar, demostra que vacilante o general, já não sabe discernir entre o bem e o mal, o certo e o errado. E, na sequência, as bruxas preveem que irá reinar e, tal premonição enfeitiça completamente o nobre general. Mas, Banquo, um nobre que o acompanha, o adverte: “cuidado com a sedução que nos pode levar até consequências incalculáveis.”.
É a partir desse mote metafísico que Macbeth passa a cultivar o grande desejo de ser rei. Não era incomum reis e rainhas consultarem bruxas, videntes, magos e médiuns. Aliás, o Rei Jaime I tinha obsessão por bruxaria, tanto que até publicou um livro sobre o tema em 1597. E, também publicou outra obra “The true laws of free monarchies” (As verdadeiras leis das monarquias livres) na qual enaltecia o poder absoluto do Rei, tido como Chefe Supremo do Estado.
Geraldo Prado, em seu precioso artigo, aduz: “Em “Demonologia” Jaime I lança mão da estrutura dialética para opor suas convicções mágicas ao ceticismo racionalista quanto aos poderes nefastos do Diabo. A tese do Rei afirmava a influência demoníaca sobre mulheres, convertidas em bruxas e feiticeiras, e estava apoiada na interpretação das Sagradas Escrituras. Às objeções de Filomates sobre a credibilidade de algo como a “bruxaria”, o personagem Epistemon responde com a lógica fundada nas palavras da Bíblia, exercitando um tipo de raciocínio que controvertia com o materialismo a partir da ideia do transcendente como estrutura e função da consciência humana.” (In: PRADO, Geraldo. O ódio irracional às garantias do processo, Salem e a “Santa Inquisição nas Minas. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/08/09/o-odio-irracional-as-garantias-do-processo-salem-e-santa-inquisicao-nas-minas/ Acesso em 23.11.2021).
O protagonista, por sua voraz ambição, desejava tomar o lugar do rei, muito embora gostasse dele, que é até seu parente e, lhe seja fiel. Em seu íntimo, Macbeth sabia que não usurpar o trono e trair seu rei, porém, sucumbe aos seus propósitos menores.
Segundo Van Doren[8], um dos maiores especialistas em Shakespeare, o vilão precisa ser herói também. Deve ser um homem melhor que nós e, também o pior.
As mais primorosas histórias sobre assassinato são aquelas de homens que não poderia ter cometido o crime, mas, mesmo assim, o fizeram. Não são assassinos peculiares e contumazes, mas são homens. Por isso, nos identificamos e encontramos o elo nessa humanidade em comum.
Aproveitando-se de visita real, quando rei se hospeda em seu castelo, Macbeth, com a ajuda da mulher, mata-o, covardemente, ainda dormindo. O protagonista era o mesmo homem que antes guerreou em nome do rei, arriscando a sua própria vida, por lealdade e honra, é também o mesmo homem que assassina. E, ainda mata um parente e uma hóspede, livrando-se de eventuais testemunhas indesejáveis.
Violou uma regra religiosa e, ainda, transgrediu uma regra legal na medida que o regicídio é um dos mais condenáveis delitos do mundo. Venenos e poções são as armas escolhidas por várias das mais famosas personagens de Shakespeare. Usadas para seduzir amantes, matar inimigos ou conquistar o poder, nenhuma substância era nefasta demais para Shakespeare.
O ato do regicídio e a representação do mal em Macbeth nos desloca para a dimensão política, como instrumento que deflagra a desordem. Reconheçamos que Shakespeare é mestre da recuperação moderna do gênero trágico, e estabeleceu discurso político dentro de sua obra. Nota-se que Macbeth é uma peça curta dotada de ritmo acelerado. É praticamente a metade da peça intitulada Hamlet e, especula-se que tal característica se deve, aparentemente, ao fato de sido composta para a apresentação na corte.
Aliás, o grupo de Shakespeare era chamado de The King’s Men (Os homens do Rei) realizava performances de dramas escritos pelo bardo e seus pares, tal com Ben Johnson e John Fletcher, diretamente na presença do Rei. Que, na época era Rei Jaime I, escocês de nascimento e demonólogo, o que levou o bardo usar multiplicidade de recursos e simbologias sobre a natureza do mal e a corrupção da alma em Macbeth. Convém lembrar ainda que o contexto foi baseado nas Crônicas de Raphael Holinshed[9], apear de profundamente alterado pelo bardo na criação da tragédia.
A peça trata da usurpação do trono escocês e o assassinato do rei legítimo, cujo enredo aponta nos trágicos efeitos que se abatem não apenas sobre o protagonista e seu cúmplice, mas também, sobre todo país e o povo. Somente com a morte de Macbeth é que o equilíbrio é restabelecido.
Todo o enredo é útil para se debater questões políticas e jurídicas, sendo rica em questionamentos. Afinal, reúne muitas das indagações que o homem urbano faz diante de um mundo que se transforma rapidamente que a sua própria sensibilidade. Discute-se ainda
o que seria o governante ideal e a tirania, e o constante atrito entre o indivíduo e a instituição, a guerra[10] e o papel da aristocracia na monarquia, a necessidade de temperança, as intercorrências do excesso, e, ainda, a presença do acaso e do livre-arbítrio.
É verdade que a Inglaterra do bardo experimentou a urbanização, o crescimento populacional e o desenvolvimento comercial no século XVII, o que tornou Londres num centro em ebulição. E, o espetáculo abrange diversos setores da sociedade como sendo o mais relevante espaço de socialização, bem ao lado da Igreja e do mercado.
A contextualização política da peça de Shakespeare nos remete à ascensão da dinastia Tudor, com Henrique VII, que após a batalha de Bosworth Field, encerra a Guerra das Duas Rosas[11] (1455-1487) derrotando o então Rei Ricardo III[12] de York. A partir daí, Henrique VII trabalhou pela sistemática eliminação de nobres partidários das facções que disputavam o poder com o Rei.
E, com o enfraquecimento da nobreza, a dinastia Tudor[13] assegura-se no trono municiada de forte discurso da salvação, a mesma que tinha estancado o rio de sangue produzido pela guerra civil. Afinal, o perigo real ou suposto de nova guerra civil foi a todos os momentos a pedra de toque para qual os Tudors apelaram para a princípio consolidar e, posteriormente, ampliar ao máximo sua posição no poder.
A própria origem da dinastia já justificava tal posição, já que com a ascensão de Henrique Tudor, conde de Richmond, ao trono inglês encontro apoio, ao menos parcialmente, pelo fato de ser ele solteiro e estar apto a casar-se com Elizabeth de York, terminando assim a Guerra das Rosas. (In: HELIODORA, Bárbara. A Expressão Dramática do Homem Político em Shakespeare. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009).
Em 1509, Henrique VII morre, legando a coroa ao seu segundo filho, Henrique VIII, tão famoso por seus inúmeros casamentos, o total fora de seis, e o afastamento de Roma e, ainda, a fundação da Igreja Anglicana. Firmando-se tanto como Pontífice e Rei, afinal a noção medieva que o Papa estava acima da autoridade temporal do rei é, finalmente, golpeada na aurora da modernidade, a reforma de Henrique VIII foi decisiva para o estabelecimento da monarquia absoluta na Inglaterra, cujo ápice e esplendor seria somente alcançado com reinado da Rainha Virgem, Rainha Elizabeth I.
Entre 1558 a 1603 viveu-se estabilidade econômica, fortalecimento da autoridade monárquica e a afirmação da Igreja Anglicana que constituem o tripé de toda simbologia real do governo absolutista.
A política da época quedava-se apenas diante duas preocupações, que estão constantes no drama shakespeariano, particularmente em Macbeth, a garantia da sucessão legítima e o temor permanente de nova guerra civil.
Aliás, o cruzamento da estética com a política foi abordado por Jacques Rancière como partilha do sensível. Ou sistema de evidências sensíveis que tanto revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas (…) É um recorte sensível e invisível, da palavra e do ruído que define, simultaneamente, o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência.
Já para Aristóteles, a mimesis[14] é definida como representação e tem sua função na pólis, possuindo normatividade que a torna mais apreciável pelo conjunto de cidadãos. A inerência do regime da arte e da experiência política estabelece uma analogia com a hierarquia social e política dos papéis em comunidade.
Também uma concepção teológica do cosmos sofreu progressivamente fortes golpes do racionalismo de ferro que se difundiu a partir dos escritos de Descartes, Maquiavel, Copérnico, Montaigne e toda sorte de tratadistas italianos, ingleses, holandeses e alemães. A chamada intelligentsia renascentista possuía marcas profundas do pensamento medieval e, foi coexistindo com o racionalismo moderno. Afinal, fortaleceu-se uma visão de mundo calcada na necessidade de ordem que estabeleça posição natural para cada um dentro da hierarquia divinamente planejada.
Portanto, a sociedade humana é tal qual um organismo vivo, um corpo humano, e dentro de sua anatomia, a cabeça é o soberano, de modo que o poder do monarca está na ordem natural e necessária das coisas. E, a cabeça reage conforme o restante do corpo. Constrói-se, portanto, correspondência entre o mundo físico (a natureza) e o mundo político (sociedade) e, o corpo humano.
Tal arranjo metafísico delineado em degraus, quanto mais distantes se encontrem os seres do primeiro dos seres, seriam mais imperfeitos. A perfeição situa-se no último degrau acima, a eternidade é o predicado dos corpos celeste e dos anjos. E, abaixo, o mundo sublunar, o tempo consome os corpos tão imperfeitos e animalescos.
Rosenfeld apud Eleutério esclarece que o poder emana de cima. No clero, desde o papa, detentor da palavra de Deus, até a base, composta de diversos graus inferiores da Igreja. No mundo secular, a partir do imperador, a escala descende dos príncipes, duques, condes, marqueses e demais vassalos até a plebe rude.
O monarca situado à cabeça da sociedade como Deus, à cabeça do universo. A ordem é o príncipe da natureza e da sociedade. Tal como comanda a trajetória dos corpos celestes e sua hierarquia. Deus prescreve o lugar dos corpos na sociedade humana e, coloca no comando do Estado um homem cujo corpo torna-se sagrado. A teoria do corpo duplo do rei estabelece a distinção entre o monarca como indivíduo privado e como persona ficta.
Os atos do monarca sendo a imanência da justiça e do saber divinos, a visão hierárquica condenava, como o pior dos crimes, a rebelião. A insurreição é, afinal, o crime dos crimes, o pecado de Lúcifer. Sobretudo, a rebeldia contra o monarca, imagem do pai, rebelião do corpo contra a cabeça.
Há de se considerar o enfoque político no ensino religioso ministrado pela Igreja Anglicana durante a formação do jovem bardo. Portanto, o teatro de Shakespeare é tributário dessa influência e sensibilidade e da política absolutista inglesa.
O esqueleto da intriga trágica não exige muito para compreendê-lo, o general Macbeth, o melhor em qualidades entre todos os súditos do Rei Duncan[15], em seu heroísmo, após suprimir uma rebelião, é confrontado por feiticeiras, ao que projetarem que no futuro será o rei. O que lhe desperta e aguça a ambição, desencadeando a agonia do protagonista, esmagada entre a pretensão e a insegurança.
Sua esposa, Lady Macbeth é cúmplice no atuar ao desbaratar suas dúvidas. E, o feito crucial tem lugar justamente no leito, onde o general assassina o seu rei, parente e hóspede, iniciando uma tormenta de acontecimentos que o conduzirá ao declínio moral, psíquico e, por fim, o leva à morte.
Afinal, para manter a coroa e o poder, o herói trágico precisa empreender uma sucessão de outros crimes[16], processo que redunda em banhos de sangue em todo o reino.
Macbeth é, enfim, uma ponderação sobre o rompimento e o restabelecimento da ordem política e suas reverberações cósmicas, uma reflexão sobre a possibilidade de o humano atentar contra a natureza e sobre a essência do mal como manifestação de um desequilíbrio na cadeia dos seres.
A perturbação da ordem cósmica e a instauração da tirania. Enfim, basta recordar sobre as revoltas camponesas anabatistas, a execução de Mary Stuart, a Conspiração da Pólvora, entre outros movimentos de grande repercussão que durante a vida do bardo misturaram motivações políticas, econômicas, jurídicas e sociais à crise de consciência que a fragmentação da fé católica representou na Inglaterra.
O historiador Christopher Hill[17], em seus estudos sobre as versões da Bíblia e as revoluções inglesas no século XVII, aponta que, até 1660, quando da restauração do governo após a Revolução Gloriosa, a Bíblia era o centro de sustentação de todo discurso sobre o poder e base de toda legitimidade política. E, isto levaria muito tempo para que o paradigma da ordem do Estado deixasse de ser religioso, e, por conseguinte, figurado em termos de bem e mal como topos de ordem e caos.
A quebra da ordem em Macbeth, portanto, é imprescindível para entender a deflagração do mal que a tirania de Macbeth caracteriza. Na peça, o Rei Duncan é rei publicamente reconhecido por suas virtudes. E, ao conceder a Macbeth o título de thane de Cawdor, revela generosidade e, demonstra confiança ao hospedar-se na morada deste súdito.
As virtudes particulares da pessoa do Rei Duncan convergem para as virtudes públicas da persona real. E, assim o rei incorpóreo, a encarnação do Estado, da Justiça e do Saber encontram convergência em Duncan. Afinal, o assassinato de um rei injusto não teria o menor efeito tão desejado na tragédia.
O assombro sofrido por Macbeth é profético. Apesar de estar consciente de que a justiça conduz nossos lábios ao cálice que envenenamos, expõe a ambição sem limites e a falta de medo sobre as consequências. O que torna a rebelião um ato voluntário e uma escolha consciente do próprio erro. Em verdade, é a angústia da escolha que atravessa por toda tragédia e questiona: “E, se falharmos?”.
Lady Macbeth que também é portadora de uma ambição inconsequente, roga aos espíritos para se livrar da própria consciência. Shakespeare demonstra que o regicídio não é ato cego, e que um guerreiro, com seu parco intelecto, apesar de fértil imaginação, não tem sólida noção suficiente da hierarquia política e da sacralidade do rei.
Quando Macduff[18] descobre o cadáver do Rei Duncan foi preciso na caracterização do rei como investido por Deus. A referência do corpo do rei como templo de Deus é bastante significativa na criação da ruptura da ordem sagrada através do assassinato. O caos realizou sua obra-prima. Há também um atentado contra Deus.
O confessor na peça, Eduardo é figura de referência para a conjunção entre a autoridade política e religiosa. E, sua santidade fora reconhecida pela Igreja Católica com sua canonização em 1161, aproximadamente cem anos após seu falecimento. Foi o primeiro monarca inglês que se tem registro a utilizar-se do toque régio com a intenção de curar seus súditos e tornou-se paradigma da imagem do rei com habilidades metafísicas, isto é, o rei dotado de capacidade de operar milagres.
O confessor na peça não possui falas, nem aparece em cena, sua importância está em fornecer a Malcolm, filho de Duncan, as hostes de soldados ingleses que desbaratarão as forças de Macbeth, além de servir de antítese do tirano escocês.
Enfim, o rei ungido da Inglaterra intervirá para restabelecer o equilíbrio rompido na Escócia[19]. A desordem generalizada provocada pelo regicídio é caracterizada por produzir fome, violência e uma vigilância insone. Os espíritos escoceses também se mostram corrompidos, não é possível fazer juras leais. E, todos os níveis da vida humana estão corrompidos pelo atentado de um homem à ordem natural.
Importante ressaltar que o clima da Escócia é deletério desde o início da obra, parece estar infectado pela desordem cósmica que se manifesta através da morte de Duncan e, a partir dali, deflagrará o mal que toma toda a tragédia. Se o bom é mau, e o mau é bom, conforme dizem as bruxas e, se o dia é lindo e feio ao mesmo tempo, conforme diz Macbeth, a peça já começa com a ordem hierárquica em estado de dissolução.
Enfim, a quebra da ordem, a inversão de valores, a desordem do homem, no Estado e na natureza são a própria tônica em Macbeth. É a dissolução das fronteiras entre bem o mal declarada logo no começo revela que a tragédia escapa do maniqueísmo, há um estado de contaminação generalista. Apesar do rei ungido ser morto, Macbeth não sofre a retaliação divina. Sua tirania é exercida livremente, contando inclusive com assassinato de crianças e mulheres, sem que Deus interfira ou puna. Há a ausência da providência divina nas tragédias do bardo.
Em sua narrativa, não há nada paradoxal no sofrimento do inocente, é o resultado da maldade humana, da dura sorte, da infeliz coincidência de fatores heterogêneos. A punição veio da espada de Macduff, auxiliada pelas tropas lideradas por Malcolm. O pêndulo trágico que determina o erro do herói retorne a ele, em forma de punição, não disparado por Deus, mas sim, por homens.
Assim, Macbeth sofre a consequência de seu crime, e nas mãos dos antagonistas munidos de valores e virtudes ideais. Traduz uma visão menos religiosa do que se poderia esperar, tomando como base as relações humanos desapropriadas de qualquer intervenção divina. Afinal, enfatiza Bárbara Heliodora que Shakespeare era um poeta dramático, não um teólogo ou político.
Deus não está presente em Macbeth, mas certamente, não se pode cogitar o mesmo sobre o mal. O desfecho não concede uma retribuição juste aos crimes de Macbeth. E, a tragicidade de toda peça resulta do embate entre a materialidade do mal sob forma de corrupção e valores como lealdade, ordem e justiça tão encarnados por seus opositores.
Aliás, a ausência de sono é bem característica do estado de desequilíbrio. E, o protagonista mata o sono, no exato momento em que comete seu crime noturno. A insônia acompanhada da escassez de luz conduz todo o humor do drama. E, a noite será referida em diversas passagens, como sendo o palco de ações horrendas dos homens, que à luz do dia não têm lugar.
O falcão que é morto por uma coruja acena como presságio do súdito que destrona o rei, e ainda é a reprodução cosmológica perfeita da rebelião de Macbeth. É a melhor exposição na peça do encadeamento entre os fenômenos políticos e naturais, a relação entre o microcosmo e o macrocosmo, de acordo com a consagrada hierarquia de mundo em situação de rompimento da ordem.
Afinal, a natureza corrompida é figurada, em seguida, como a visão horrorosa de animais portadores de força devoradora, que devora a si mesma. O regicídio, portanto, não é um ato condenável a priori para Shakespeare. Macbeth perde o direito no momento em que ascende ao trono ferindo a ordem ideal e, conserva-se ilegítimo, por sistematicamente, violar seus súditos. Shakespeare, mais consciente dos processos de poder do que se pode imaginar, discerne perfeitamente que o bom e o mau governo são atributos decisivos para a legitimidade real.
Assim, o protagonista reúne em si as características do anti-rei diabólico, em conluio com entidades não-cristãs. E, no derradeiro ato, pode-se verificar, repetidas vezes, que o protagonista é referido como demônio, comandante das hordas infernais e outros referentes do anticristo.
No entanto, o herói shakespeariano foge à mera caracterização como vilão digno de ódio por conservar em si, em agonia, sua antiga humanidade, constantemente torturada, tanto que diz: “tenho a alma cheia de escorpiões”. Seu lado cruel e desumano, matando sistematicamente procura enterrar a dor da perda de seus antigos valores, sem jamais conseguir até que venha finalmente perecer.
A instrumentalização política do regicídio tornava possível sua veiculação na tragédia, sob a forma de tiranicídio. E, a visão do direito divino[20] dos reis, torna possível a Shakespeare exibir sem hesitar a morte de um rei transfigurado. E, tirano que era, a morte de Macbeth é violenta e completa-se com a exposição de sua cabeça, a destruição do mal pela cabeça que está próprio com a hierarquia das partes sobre o todo.
Enfim, a restauração do equilíbrio cósmico e político é sugerida na frase final de Macduff, portando a cabeça do tirano, e quando afirma: o tempo agora é livre. A legitimidade do poder é reassegurada na consagração do filho de Duncan, Malcolm, anunciada ao final da peça. Assim, o bardo leva o desfecho à glorificação de um antepassado de Jaime I, seu rei e protetor de sua companhia de teatro.
Nesses contemporâneos tempos em que há uma banalidade vigente da violência, o que se pode fazer é refletir sobre os limites entre a ordem e o caos. Macbeth é quase tão contemporâneo quanto qualquer ditadura que se impõe pelo crime e pela tortura, provocando desordem política e o caos social.
Há duas situações opostos na drama, de um lado, o Estado que tenta manter uma ordem harmônica e estável, que, para isso, necessita criar mecanismos punitivos que regem e determinam a conduta e a consciência do indivíduo, com as ideias de ordem, de justiça retributiva, pregadas nas homilias, e da mística dos dois corpos do rei.
De outro lado, percebe-se o indivíduo, cujo desejo entra em conflito com o Estado e sua necessidade de ordem, a fim de tentar sobrepô-los para satisfazer sua vontade. Nesse embate, há um acentuamento de tensões psicológicas devido aos problemas políticos e históricos subjacentes ao contexto da peça teatral, que são usados como artifícios estéticos. Interessante é observar a distorção da obra de Maquiavel na Renascença inglesa, conforme aludiu Fluchère, pode ter sido um traço que alterou, de algum modo, a percepção das figuras de desordem no teatro elisabetano.
Shakespeare altera a profundidade das dimensões do mal em seus heróis, tornando-os mais humanos. Suas peças não eram uma representação estanque e plano sobre esses problemas, mas fundia problemas políticos com problemas psicológicos de suas personagens. Hamlet, Macbeth, Brutus e Richard III sofrem não apenas por meras questões pessoais como fraqueza, angústia e desespero, mas porque estão encurralados em dilemas e paradoxos irreconciliáveis, criados por eles mesmos.
No embate entre o Estado e o indivíduo, entre o dever e vontade, as figuras femininas perpassam essas relações e conflitos, de um lado, tidas como catalisadoras ou intensificadoras desse conflito, como é o caso de Macbeth e Coriolanus[21], em que Lady Macbeth e Volumnia determinam a ação dos heróis.
De outro viés, elas atuam como núcleos que projetam os fantasmas e angústias masculinas, resultantes da consciência e da reação contra essa ordem pré-estabelecida, como foi o caso de Ofélia e Gertrudes em Hamlet.
No caso de Lady Macbeth, ela age intrigantemente no sentido de impor em Macbeth um padrão de conduta que dissimule as aparências. Pois teme, pois que sua consciência e sua bondade interfiram no plano de matar Duncan.
Há um estranhamento patente de Macbeth com relação a seu ato, logo após o regicídio. Não se reconhece mais depois de cometer o assassinato. No fim, o general apenas vê o sentido da vida e na condição humana como transitória e terrena e que não permite ficar registrada na memória, a não ser através da transcendência, mas que é breve como a luz de uma vela.
No exato instante da punhalada[22] fatal, Macbeth hesita, é quando Lady Macbeth toma-lhe a arma e grita, incentivando-o. O casal executa o crime com as próprias mãos. Descoberto o corpo do Rei morto, Macbeth finge simulada indignação.
Ainda fingindo-se irado, mata os guardas que supostamente protegiam o soberano. Os filhos do rei alarmados fogem. Macbeth, então, toma a coroa. A consciência de Macbeth não o abandona e, ele vê fantasmas que o acusam de assassinato.
Lady Macbeth, por sua vez, enlouquece. Afinal, havia ajudado o marido a matar o rei. E, não consegue limpar suas mãos do sangue.
Assim, como em Rei Lear, a loucura aparece como sendo um castigo punido o espírito. Michel Foucault examinando a insanidade mental, analisa que a justiça é feita através da loucura que tem que ser verídica, pois é através dela que se chega à verdade.
Em 1605 é o mesmo ano em que Miguel de Cervantes[23] lançava sua obra intitulada Dom Quixote[24], personagem tão universal como Macbeth que perde o juízo. Mas, a falência da razão é uma forma de redenção e de encontro com a realidade.
Enlouquecer conforme elucida o lamento poético de Glócester é quando os pensamentos abandonam de vez as suas angústias. Quem perde a razão, não sabe que a perdeu.
Os espectros perseguem a Macbeth e Lady Macbeth que não consegue tirar o sangue das mãos e, eles próprios se condenam. E, do inconsciente dos dois a verdade emerge plena para o acerto de contas.
O direito, em Shakespeare pode ser apontado como um complexo ideológico e serve de cenário, sendo quase um aspecto invisível nas peças teatrais. É a forma inconsciente das instituições que se inscrevem nos discursos dos personagens nas leis inconscientes que regem seus movimentos.
Questiona-se Macbeth como vai respirar com a camisa de pedra. O casal recebeu como punição vinda da própria consciência. Tanto que o general chega a amaldiçoar as bruxas que lhe incutiram o desejo e ambição com promessas falsas de poder e luxúria.
A história de Macbeth assusta porque ele era bom e valoroso guerreiro que fora corrompido pela ambição de poder. Enfim, seremos sempre os nossos primeiros e maiores julgadores.
“A vida nada mais é do que uma sombra que passa, um pobre histrião que se pavoneia e se agita uma hora em cena e, depois, nada mais se ouve dele”
Quando Macbeth ascende ao trono, é consumido pela culpa e se torna naturalmente tão suspeito como tirânico. Já Lady Macbeth começa manifestar sua culpa através de sonambulismo noturno, seguido de alucinações onde suas mãos ensanguentadas jamais conseguem ficar limpas.
Em sua batalha final com Macduff, o protagonista descobre que seu opositor foi cortado do ventre, era o não-nascido e, mais uma vez, percebe que as bruxas estavam certas. E, Macduff corta a cabeça de Macbeth e, os descendentes de Banquo se tornam reis através de Jaime I em 1603.
Macbeth cometera crime de homicídio duplamente qualificado[25], por ser contra a autoridade, além de ser feito à traição. São qualificadoras do crime aquelas circunstâncias que: revelam determinados motivos, interesses, meios ou modos de execução; produzem resultados graves ou gravíssimos para o bem jurídico afetado; expõem a vítima ao maior poder de ação do agente, seja em razão da idade, de parentesco ou outra relação de confiança.
As circunstâncias qualificadoras do crime apresentam-se sob dois tipos: objetivos e subjetivos. São objetivos quando o meio e o modo de execução e a condição da vítima (criança, adolescente, velho, enfermo ou gestante); são subjetivos o que dizem respeito aos motivos (fútil torpe, dissimulação e, etc.).
Ao lermos a peça, nos aparece mais uma possibilidade de explorar a noção de determinismo[26] e livre-arbítrio[27]. Afinal, nascemos com um destino traçado ou temos mesmo a possibilidade de escolha? Apesar da profecia, ele não é o maior responsável pelas decisões que tomou. Tramaram as circunstâncias e a vetusta ambição humana pelo poder.
Para o filósofo francês contemporâneo e existencialista Jean-Paul Sartre, defensor da liberdade incondicional como elemento primordial do ser humano, não pode haver qualquer tipo de determinismo, pois, do contrário, não haveria liberdade, e a única certeza do ser humano é a liberdade[28].
São notáveis algumas frases, da peça tais como: “O poder é a escola do crime”; “Acontece o que acontecer, o tempo e as horas sempre chegam ao fim, mesmo o dia mais furo dentre todos os dias”; “A dor que não fala termina por sussurrar a um coração sobrecarregado, pedindo-lhe explosão”.
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[1] Lady Macbeth também é um personagem brilhante. Shakespeare enfatizou repetidamente que ela era muito bonita, fascinante e atraente. Macbeth e Lady Macbeth são um ótimo casal, digno um do outro. Costuma-se supor que é a ambição de Lady Macbeth que levou o marido ao primeiro crime cometido por ele, mas não é bem verdade. Eles são parceiros iguais em ambições. Mas, ao contrário de seu marido, Lady Macbeth, não sabe nem dúvida nem hesitação, não conhece compaixão. Ela é a verdadeira Dama de Ferro, porque ela não é capaz de entender que o crime que ela cometeu crime é um pecado. O arrependimento é estranho para ela. Ela entende seus crimes apenas quando está perdendo a cabeça, quando ele vê manchas de sangue nas mãos com as quais ela não consegue lavar nada. No final da peça, no calor da batalha, Macbeth recebeu a notícia de sua morte.
[2] Relativo à religiosidade, conforme visto anteriormente, seu reinado também carregou polêmicas, dada a incerteza de se finalmente sob seu governo a Inglaterra retomaria o catolicismo em sua completude ou acirraria a perseguição vigente aos seus ritos. Visto que haviam tantos posicionamentos adversos relativos às posturas religiosas e políticas que seriam assumidas pela coroa perante seus súditos, denota-se como uma fragilidade implicava na outra, fosse a questão religiosa, como também a financeira e bem como a que se refere aos posicionamentos conturbados do rei frente ao parlamento que, em conjunto, conformariam as condições que denotaram dada instabilidade política enfrentada por Jaime I no período em que se procede à Conspiração da Pólvora.
[3] A Rainha Virgem não poupou violência para manter-se no poder e reduzir a cinzas o ressurgimento do Catolicismo que Filipe II e sua esposa inglesa, Maria Tudor, sonharam em meados do século XVI. Toda uma série de supostos complôs católicos, sempre confusos e baseados em rumores, justificaram que a Coroa recrudescesse a repressão de forma periódica. O grande incêndio de Londres em 1666 foi imputado aos católicos e desencadeou uma nova perseguição. Entre 1678 e 1681, uma suposta conjuração atribuída a Titus Oates deu lugar a ferozes caças.
[4] A máscara inspirada em Guy Fawkes, serve de símbolo moderno da anarquia. Mas a influência da imagem de revolucionário de Fawkes, ultrapassou os limites da ficção. Através das ações de grupos ativistas como os hackers do “Anonymous”, que se utilizam da máscara criada por David Lloyd, desenhista do quadrinho “V de Vendetta”, e inspirada nas imagens que retratam Fawkes, tomou as ruas de diversas partes do mundo como um sinal de resistência e busca pela liberdade. O uso da máscara com rosto do personagem “V”, inspirado em Fawkes, se tornou presente nas principais manifestações populares em diversos países, inclusive durante os eventos da Primavera Árabe, e durante as manifestações no Brasil em 2013, sendo associada como símbolo da anarquia, da luta pelos direitos civis, pela liberdade e pela justiça.
[5] A Conspiração da Pólvora nasceu das estruturas governamentais inglesas que, proibindo a religião católica, fez com que o povo cristão se organizasse revoltado com as perseguições e proibições aos seus cultos religiosos. A conspiração foi descoberta, impedindo que tal ato prosseguisse. Após a falha do ataque a Coroa e ao Parlamento e com a morte dos principais nomes da conspiração, todos aqueles que sabiam ou não sobre esta traição se apresentaram ao rei. O Rei, Jaime I, um homem culto e virtuoso, apresenta-se ao Parlamento e em discurso se coloca como o “descobridor da conspiração” e, por ser astuto se mostrou, a princípio, misericordioso aos católicos ingleses. O envolvimento dos padres jesuítas aconteceu de forma indireta, pois, sabendo sobre o fato que viria a ocorrer, em regime confessional, não os permitia revelar a ninguém essa trama. O padre Tesimond foi o primeiro que soube sobre a conspiração, após a confissão de Catesby. Por sua vez, o padre, se sentindo incomodado com tal informação recorreu ao padre Henry Garnet para compartilhar o que lhe fora revelado. “Em 15 de janeiro de 1606, decidiu-se que já se acumulara material suficiente para instaurar processo contra alguns padres.
[6] Jaime Stuart (1566-1625) Foi rei da Escócia, com nome de Jaime VI, entre 1567 a 1625, e da Inglaterra entre 1603 até o ano de sua morte. Era filho de Maria Stuart e com apenas um ano de idade fora aclamado Rei da Escócia por nobres em descontentes com sua mãe. Aproximou-se, então, de sua prima Elizabeth I, a Rainha Virgem, em 1586, e recebeu a notícia da execução de sua mãe, nada fazendo para salvá-la, apesar de ter plena posse de autoridade. Em 1603 sucedeu a prima, unindo, ainda que de modo pessoal, a Inglaterra e a Escócia. Era absolutista convicto, tanto que se perfilou como teórico do direito divino da realeza. E, veio a constranger o Parlamento, tendo dificuldades para adaptar-se à essa situação. Por outro viés, Jaime I apoiou-se no Anglicanismo, pois esse ainda lhe reforçava ainda mais os poderes de soberano, ao conferir também a chefia da Igreja na Inglaterra. Os católicos não se sentiram felizes, mesmo porque o Rei tentou que a Inglaterra tivesse uma só religião, o que deu origem à Conspiração de Poudres em novembro de 1605. Também os puritanos lhe promoveram oposição, e alguns destes, os Pilgrim Fathers, preferiram emigrar para a América, em 1620, a bordo do navio Mayflower. Além dessa forte polêmica religiosa, o Parlamento inglês crispou-se progressivamente com a prática política tipicamente absolutista do monarca e seus seguidores. Entre estes, Robert Carr e George Billiers, duque de Buckingham, confiscaram o poder. Assim, Jaime I ia se tornando cada vez mais impopular. Contraiu matrimônio com Henrique Maria de França, a irmã do Rei Luís XIII, de cuja união nascera Carlos I, o sucessor de Jaime. (In: Porto Editora. Jaime Stuart. Infopédia. Acesso em 23.11.2021, Disponível em: https://www.infopedia.pt/$jaime-stuart ).
[7] No mundo teatral, muitos acreditam que a referida peça é amaldiçoada, nem mesmo ousam mencionar seu nome em voz alta, referindo-se à esta como The Scottish play, ou seja, a peça escocesa. Ao longo dos séculos a peça atraiu a atenção dos maiores atores de seu tempo. A obra já foi adaptada para o cinema, televisão, ópera e quadrinhos. No teatro brasileiro, a peça ganhou adaptação de Aderbal Freire-Filho e João Dantas e foi interpretada por elenco contando com Daniel Dantas, como Macbeth e Renata Sorrah como Lady Macbeth. Etimologicamente, Macbeth significa o filho de Beth.
[8] Mark Van Doren (1894-1972) foi poeta e crítico literário norte-americano e ganhador do Prêmio Pulitzer. Em sua obra intitulada Shakespeare, o professor católico Mark, analisou cada peça apreciando os temas em vez de analisá-los. Vide ainda: In: Theodore Spencer e M. Van Doren: Studies in Metaphysical Poetry. New York, 1939. Disponível em: https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.186054 Acesso 24.11.2021.
Outros escritos estão disponíveis em: http://www.columbia.edu/cu/lweb/digital/collections/cul/texts/ldpd_6309312_009/ldpd_6309312_009.pdf Acesso em 24.11.2021. The Possible importance of poetry, Mark Van Doren. Disponível em:https://lsa.umich.edu/content/dam/hopwoodassets/documents/Hopwood%20Lectures/HopwoodLecture-1951%20Mark%20Van%20Doren.pdf Acesso em 24.11.2021.
[9] As Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda (em inglês: Chronicles of England, Scotland, and Ireland), também conhecidas como Crônicas de Holinshed (Holinshed’s Chronicles) é uma crônica historiográfica sobre as Ilhas Britânicas publicada em finais do século XVI. A origem da Crônica remonta ao editor Reyner Wolfe, que pretendia criar uma ambiciosa História Universal que nunca foi completada. Para a compilação da obra, Wolfe contava com alguns colaboradores, entre os quais figurava Raphael Holinshed (c. 1525-1570). Após a morte de Wolfe, ocorrida por volta de 1574, Holinshed assumiu a direção e reduziu a abrangência da crônica, concentrando-se na história das Ilhas Britânicas. Para a redação, contratou Richard Stanihurst (1547-1618) e William Harrison (1535-1593). A obra foi finalmente publicada em 1577 e resultou ser um êxito editorial, atraindo elogios e críticas dos seus contemporâneos. Uma nova edição, muito ampliada, foi publicada em 1587, após a morte de Holinshed, sob a direção de Abraham Fleming (c. 1552-1602). Entre os assistentes de Fleming estavam novamente William Harrison, John Hooker (c. 1527-1601), John Stow (1524/5-1605) e Francis Thynne (c. 1545-1608).
[10] As Guerras dos Bispos também chamadas Bellum episcopale foram conflitos, em nível político como militar, que ocorreram entre 1639 a 1641 por questões de poder da Igreja na Escócia e na Irlanda, e os direitos sobre ela da coroa da Inglaterra. Fazem parte de longo conflito político-religioso em todo Reino Unido e, é considerada um prelúdio da Guerra Civil Inglesa (1642-1649). O nome é atribuído ao conflito entre o Rei Jaime VI, futuro Jaime I da Inglaterra que defendeu sistema episcopal de comando do governo da Escócia com os bispos católicos e o desejo dos calvinistas da Escócia em ter um sistema protestante de governo (sem bispos católicos). O filho de Jaime I, Carlos I acirrou ainda mais os ânimos ao tentar unificar os cultos religiosos no Reino Unido.
[11] A Guerra das Rosas foi uma guerra civil que dividiu York e Lancaster na disputa pelo trono da Inglaterra entre os anos de 1455 e 1485 e encerrou-se a com a ascensão dos Tudor. … A Guerra das Rosas foi um conflito que aconteceu na Inglaterra, durante os anos passados entre 1455 e 1485, entre duas famílias nobres do país. Foi uma série de lutas dinásticas pelo trono da Inglaterra, ocorridas ao longo de trinta anos (entre 1455 e 1485) de forma intermitente, durante os reinados de Henrique VI, Eduardo IV e Ricardo III. Em campos opostos encontravam-se as casas de Iorque (ou York) e de Lencastre (ou Lancaster), ambas originárias da dinastia Plantageneta e descendentes de Eduardo III, rei da Inglaterra entre 1327 e 1377. A Guerra das Rosas foi resultado dos problemas sociais e financeiros decorrentes da Guerra dos Cem Anos, combinados com o reinado considerado fraco de Henrique VI, que perdeu muitas das terras francesas conquistadas por seu pai, o rei Henrique V de Inglaterra, e foi severamente questionado pela nobreza. Seu final ocorreu quando um candidato Lencastre relativamente remoto, Henrique Tudor, derrotou o último rei de Iorque, Ricardo III, e assumiu o trono, casando-se com Isabel de Iorque, filha de Eduardo IV, e sobrinha de Ricardo III, para unir as duas casas. O nome do conflito deve-se aos símbolos das duas facções — a rosa branca da casa de Iorque e a rosa vermelha da de Lancaster, embora a última tenha sido adotada apenas mais tarde. Essa denominação passou a ser usada anos depois da guerra, por historiadores.
[12] O drama histórico disposto em cinco atos escrito por Shakespeare, o qual se baseou na verdadeira história do Rei Ricardo III da Inglaterra. Retrata a ascensão maquiavélica do rei e sua iminente queda. É classificado como uma das peças do First Folio de Shakespeare. Entretanto, na sua quarta edição, a peça assume o caráter de tragédia. como é conhecida nos países lusófonos, concluiu a primeira tetralogia shakespeariana. É a peça que possui o maior solilóquio inicial e, também a segunda mais extensa, superada apenas por Hamlet, e a mais longa. A peça é raramente apresentada integralmente, sendo que alguns personagens periféricos são retirados nas adaptações.
[13] Nesta altura, a Casa de Lencastre apoiou as pretensões ao trono de Henrique Tudor, senhor de Richmond, mais tarde Henrique VII, que fugira ainda adolescente para a Bretanha. As disputas terminaram em 1485, quando Henrique desembarcou na Inglaterra com 5 mil homens e marchou para depor o rei. Os dois se encontraram em Bosworth. O exército dos Iorque tinha 10 mil soldados, o dobro da armada adversária. Ricardo III foi morto no campo de batalha. Apesar da disparidade, Henrique Tudor venceu a célebre Batalha de Bosworth Field e foi coroado como Henrique VII. Nos primeiros anos de seu reinado, Henrique VII eliminou todos os seus rivais. Com a intenção de unir as duas facções rivais e fortalecer sua posição, Henrique VII casou-se com a filha mais velha de Eduardo IV, Isabel de Iorque.
[14] Em oposição ao seu mestre Platão, Aristóteles vê a imitação (mímesis) de modo positivo. Assim, em lugar de associar a imitação ao falso e enganoso, a imitação da natureza por parte da arte não é um retratar, realizar uma simples cópia do real, mas um fazer como, produzir à maneira de (imitar um processo). Mimese, mímesis ou mimésis (em grego: ???????, mímesis), é um termo crítico e filosófico que abarca uma variedade de significados, incluindo a imitação, representação, mímica, imitatio, a receptividade, o ato de se assemelhar, o ato de expressão e a apresentação do eu. Figura de retórica que se baseia no emprego do discurso direto e essencialmente na imitação do gesto, voz e palavras de outrem. Imitação verosímil da natureza que constitui, segundo a estética aristotélica e clássica, o fundamento de toda a arte. Tanto Platão quanto Aristóteles viam na mímesis a representação do universo perceptível. Contudo, para Platão, toda a criação era vista como uma imitação. Até mesmo a criação do mundo era como uma imitação da natureza verdadeira (o mundo das ideias). Sendo assim, a representação artística do mundo físico seria uma imitação de segunda mão.
[15] Duncan: Significa “o de cabelo marrom que batalha”, “o de olhos castanhos que vai para o combate”. Esse nome masculino é a forma anglicizada do gaélico Donnchadh, o qual é formado pelos termos donn, que significa “marrom”, “castanho”, e cath, que quer dizer “batalha”, “combate”.
[16] Na atualidade, há quem sustente que os crimes políticos não foram regulamentados pelo ordenamento infraconstitucional, ou que a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) não foi recepcionada pela CR/88. Há ainda quem sustente que os crimes políticos possuem natureza jurídica de infração administrativa (NICOLITT, 2010, p. 184). A doutrina e a jurisprudência majoritárias entendem que os crimes políticos estão tipificados na Lei 7.170/83, que prevê os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. No que se refere à definição dos crimes políticos, o STF segue atualmente e de forma majoritária a doutrina subjetiva, entendendo necessário o dolo específico – especial fim de agir, consubstanciado no desiderato político – para que se aperfeiçoe a infração política.
[17] John Edward Christopher Hill (1912-2003) sua produção é relacionada ao grupo de historiadores marxistas ingleses dos quais se destacam Eric Hobsbawm e Edward Palmer Thompson. A maior parte de sua pesquisa concentra-se na compreensão da Revolução Inglesa, ocorrida no século XVII, sendo considerado o maior historiador sobre a Inglaterra do século XVII. Em 1940, publicou o ensaio The English Revolution? 1640, criando nova visão sobre a Revolução Puritana, antes vista como uma aberração dentro da história inglesa. Também foi autor de importante biografia de Oliver Cromwell, chamada God’s Englishman.
[18] Macduff também pode ser lido como um precursor da filosofia ética. A fuga de Macduff da Escócia é um “despertar espiritual”, com uma espiritualidade baseada na verdade, seja ela qual for. Macduff examina constantemente seus valores. Ao decidir deixar sua família, Macduff abandona esses valores e paga amargamente por isso. Macduff ecoa os sentimentos de escritores como Platão e o posterior Thomas Hobbes, que afirmam que a moral só pode ser julgada na medida em que uma pessoa assume a responsabilidade por suas ações. Portanto, por aceitar o peso de sua decisão de deixar sua família para exploração política, as ações de Macduff podem ser justificadas.
[19] A Escócia é uma das quatro nações que integram o Reino Unido, além de ter mantido intensa relação de amor e ódio com sua grande e dominante vizinha do sul, a Inglaterra. A Escócia representa um terço do território do Reino Unido, Os mais de três séculos de união entre Escócia e a Inglaterra desde o Tratado da União de 1707. A Escócia persiste em reivindicar suas raízes célticas e o inglês convive com o escocês e o gaélico escocês.
[20] Quanto à soberania política, no século XVII havia basicamente duas grandes teorias, a saber: a teoria do direito divino dos reis e a teoria da transmissão sendo a primeira exposta e adotada por teóricos como Jaime I e Robert Filmer (autor inglês de Patriarcha or the Natural Power of the Kings de 1680) e, a segunda, a adotada invariavelmente pelos escolásticos hispânicos e, exposta principalmente pelo cardeal Caetano, pelo cardeal Belarmino e pelo padre Suárez.
[21] É uma tragédia de 1608 de Shakespeare que seguiu a biografia de Plutarco de Queroneia, célebre biógrafo de diversos gregos antigos. Caio Márcio fica conhecido como Coriolanus após vencer a batalha contra os volscos. A tragédia parece inspirada por violento ódio contra o povo e a democracia, mas também por domável espírito de revolta e de liberdade do indivíduo.
[22] Cumpre elucidar que o homicídio qualificado é crime hediondo, qualquer que seja a qualificadora. Essa modificação ocorreu em face da Lei 8.930/1994, a Lei Glória Perez. Assim o rol de homicídio qualificado cresceu, adicionando-se mais dois incisos, a saber: 1. 13.104/2015, inseriu a figura do feminicídio; e a Lei 13.142/2015 que inseriu nova qualificadora, quando o homicídio é cometido contra autoridade ou agente das Forças Armadas e da Segurança Pública, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até o terceiro grau. Existem sete qualificadoras de homicídio, a saber: Pelos motivos (Incisos I e II): Paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe, e pelo motivo fútil. Natureza subjetiva; Meio empregado (Inciso III): Veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar em perigo comum. Natureza objetiva; Modo de execução (Inciso IV): Traição, emboscada, dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Natureza objetiva; Por conexão (Inciso V): Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Natureza subjetiva; Pelo sexo da vítima (Inciso VI): Contra mulher por razões da condição de sexo feminino. Natureza objetiva; Pela função ou parentesco da vítima (Inciso VII): Contra integrantes do sistema prisional ou da Força Nacional de Segurança Pública, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo. Natureza objetiva. Macbeth utilizou meio insidioso que resulta de estratagema ou perfídia (deslealdade ou traição). A traição é conduta praticada de forma inesperada e pode ser física ou moral. Ou que torne impossível a defesa do ofendido (afinal, o Rei estava dormindo quando fora apunhalado por Macbeth).
[23] A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela não podem igualar-se os tesouros que a terra encerra nem que o mar cobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida… Parte 2, Capítulo LVIII.
[24] Dom Quixote De La Mancha (El Ingenioso Hidalgo Don Quixote de La Mancha) é obra de Miguel Cervantes que foi publicada em duas partes. A primeira surgiu em 1605 e, a segundo dez anos depois. A obra narra as aventuras e desventuras de um homem de meia-idade que resolveu se tornar cavaleiro andante depois ter lido muitos romances de cavalaria. Providenciou cavalo e armadura, e resolveu lutar para provar seu amor por Dulcineia de Toboso, uma mulher imaginária. E, consegue também um fiel escudeiro, Sancho Pança, que resolve acompanhá-lo, acreditando que será recompensado. Mistura-se realidade e fantasia e transforma obstáculos banais, como os moinhos ou ovelhas em gigantes e exércitos inimigos. É derrotado e espancado inúmeras vezes, sendo batizado de Cavaleiro da Fraca Figura, mas sempre se recupera e, ainda insiste em seus objetivos. Nos seus momentos finais, recupera a consciência e pede perdão aos seus amigos e familiares.
[25] Na hipótese da incidência de duas ou mais circunstâncias que qualifiquem o delito, em que momento do sistema trifásico elas deverão ser valoradas pelo julgador para a definição da pena em concreto? (…), surgem duas correntes na doutrina e jurisprudência: 1ª corrente: na hipótese das circunstâncias que qualificam o crime e que não foram empregadas pelo julgador para a sua definição (crime qualificado) terem previsão como circunstâncias agravantes, elas deverão ser aplicadas (valoradas) na segunda fase do sistema trifásico, diante da existência de previsão legal expressa como agravantes (rol taxativo); ao revés, na hipótese de não possuírem previsão legal expressa como circunstâncias agravantes, somente nessa situação é que deverão ser aplicadas (valoradas) na primeira fase do sistema trifásico, incidindo na circunstância judicial que melhor se amoldar (adequar); 2ª corrente: as circunstâncias que qualificam o crime e que não foram empregadas pelo julgador para a sua definição (crime qualificado) sempre deverão ser aplicadas (valoradas) na primeira fase do sistema trifásico, incidindo na circunstância judicial que melhor se amoldar (adequar) à definição da pena-base, diante da existência de vedação legal expressa quanto à possibilidade de agravar a pena provisória ou intermediária (art. 61 do CP).
Atualmente, a posição dominante encontra assento na primeira corrente, (…), situação com que estamos plenamente de acordo. (…).
[26] Determinismo é um conceito filosófico que define que todos os fatos que acontecem no presente são determinados por causas anteriores, ou seja, tudo aquilo que acontece ao homem ou no mundo é determinado por acontecimentos passados e que podem ser de caráter natural ou sobrenatural.
Vejamos os tipos de determinismos existentes:
Pré-determinismo: Todo efeito está contido na causa, ou seja, as ações iniciais do Universo promoveram toda uma cadeia causal sobre tudo o que acontecerá. O pré-determinismo encontra ecos na teoria deísta de Universo, que entende que ele foi criado por uma inteligência superior, que pode ou não ser Deus, e que somente é entendida por meio da razão, e não da religião. Também há elemento pré-determinista na psicologia behaviorista, que afirma que a mente do ser humano é formada por um sistema mecânico, em que estímulos desencadeiam reações precisas.
[27] O livre-arbítrio ou livre-alvedrio são expressões que denotam a vontade livre de escolha. Há várias visões a respeito da existência da liberdade metafísica, isto é, se as pessoas têm o poder de escolhe entre alternativas genuínas. Em oposição ao determinismo, tem-se o libertarianismo que concorda parcialmente com o determinismo, posto que conceba que os fatos e acontecimentos causais ocorrem de forma necessária, porém, não suficiente, guardando assim, algum lugar para a liberdade. Entre os libertários encontramos Thomas Reid, Peter Van Inwagen e Robert Kane. Já o indeterminismo é uma forma de libertarianismo que defende a visão que as pessoas têm livre-arbítrio e, que as ações apoiadas no livre-arbítrio são efeitos sem causas. Mas, há os que acreditam que ao invés da volição ser um efeito sem causa, defendem que o livre-arbítrio e a ação do agente sempre produzem o evento. Esse último conceito é mais usado em economia. Já o compatibilismo é a visão que o livre-arbítrio emerge mesmo em um universo sem incerteza metafísica. Entre os compatibilistas há Thomas Hobbes e David Hume. O compatibilismo nada mais é que uma versão leve do determinismo, pois aceita a hipótese de que eventos (mentais e físicos) são causados de modo necessário e suficiente. No entanto, a noção de liberdade adotada é de ausência de restrições ou coações e não de determinação causal. Compatibilistas podem definir o livre-arbítrio como emergindo de uma causa interior, por exemplo os pensamentos, as crenças e os desejos. Seria resumidamente o livre-arbítrio que respeita as ações, ou pressões, internas e externas.
[28] Para Hans Welzel, toda ação humana, em geral, possui finalidade, que se encerra no momento da tomada da decisão de vontade da ação, sendo que todo comportamento humano livre e consciente tem uma estrutura finalística porque dirigido por uma vontade. E, o objeto de interesse do Direito Penal é, exatamente, a finalidade e a intencionalidade de uma ação humana. Esse ponto da dogmática penal entende que o comportamento humano pode ser dirigido pela vontade de ação, exame que nos levar ao livre-arbítrio é necessário, tem em vista que ser a premissa inicial e o fundamento da culpabilidade e, ipso facto, imputabilidade e da responsabilidade jurídica.