Ismael Nedehf do Vale Corrêa[1]
RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar, à luz do Direito e Economia, a responsabilidade civil do Estado por intervenção no domínio econômico, com especial enfoque no controle de preços. A Constituição da República de 1988, ao adotar um sistema de dirigismo econômico, autoriza a intervenção do Estado na economia, o que pode dar azo a uma atuação causadora de dano a particulares, gerando dever de indenizar. Procura-se realizar uma breve leitura econômica da responsabilidade civil e das formas de intervenção estatal no ordenamento jurídico pátrio. Estudam-se os principais casos relativos ao tema julgados pelos Tribunais Superiores: RE 571.969/DF (Varig), RE 422.941/DF, REsp 1.347.136/DF e Repercussão Geral 826 (setor sucroalcooleiro). Conclui-se que a ordem constitucional atual, que prevê os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, não deixa qualquer margem à introdução de políticas públicas que conduzam o mercado ao congelamento de preços.
Palavras-chave: Direito e Economia. Responsabilidade Civil do Estado. Intervenção do Estado no Domínio Econômico. Controle de preços. Setor sucroalcooleiro.
1. INTRODUÇÃO.
O presente estudo tem por escopo geral realizar uma análise, à luz do Direito e Economia, acerca da responsabilidade civil do Estado por intervenção no domínio econômico, com especial enfoque no controle de preços.
A Constituição da República de 1988 reflete o dirigismo econômico de um Estado interventivo, que, após diversas crises cujas causas são comumente atribuídas ao liberalismo clássico, passou a ganhar força no mundo ocidental.
Além de atuar como garantidor das liberdades individuais, o Estado passou a ter papel de destaque no domínio econômico, principalmente, na posição fiscalizadora e no cumprimento de certas funções distributivas, buscando proporcionar uma alocação de riqueza mais equânime. Impende frisar, nesse ponto, que eventuais críticas ao modelo interventivo não constituem objeto deste trabalho.
Dessa forma, a intervenção no domínio econômico, embora constitucionalmente admitida, pode dar azo a uma atuação estatal causadora de dano a particulares, gerando o dever de indenizar.
A obrigação de reparar danos causados a terceiros consiste em regra básica para a convivência em sociedade. A restituição à realidade fática e jurídica anterior à ocorrência do dano revela-se essencial para o alcance de paz e justiça social.
Nesse aspecto, embora persista a importância da compensação na responsabilidade civil, vem ganhando destaque a função normativa ou de desestímulo, cuja dimensão social é notória, eis que ultrapassa a relação entre o causador do dano e a vítima. Não há ranço acentuadamente patrimonialista, pois, que impeça a responsabilidade civil de cumprir a função de tutelar os mais diversos interesses, inclusive os públicos (FRAZÃO, 2011).
No que diz respeito ao Estado, parte-se da teoria da irresponsabilidade, própria dos Estados absolutistas, passando pelas teorias civilistas, centradas na culpa, até as teorias publicistas.
No atual Estado Democrático de Direito, os entes públicos não fogem ao dever de indenizar, independentemente da responsabilidade do agente pessoa física que atua.
A indenização fundamenta-se no princípio da restituição integral, segundo o qual o valor deve restabelecer em favor da vítima a situação anterior à conduta prejudicial, reparando o desequilíbrio jurídico.
Destarte, o presente trabalho segue os métodos dedutivo e bibliográfico, com pesquisa de legislação, doutrina e jurisprudência.
No capítulo 2, é traçado um panorama geral, à luz do Direito e Economia, sobre responsabilidade civil do Estado, que, do ponto de vista econômico, trata da internalização de externalidades criadas por elevados custos de transação decorrentes de dano (COOTER; ULLEN, 2010).
Na medida em que o Estado intervém na economia, há a possibilidade de causar danos a terceiros, pelo que se mostra relevante o estudo dos requisitos para o surgimento do dever de indenizar.
Na intervenção indireta no domínio econômico por direção, o Estado emite comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômica, inclusive, pelas próprias empresas estatais que a exploram (GRAU, 2015).
Um exemplo evidente desse tipo de intervenção é o controle de preços, discutido no capítulo 3, assim como a constitucionalidade de atos do Poder Público que determinem o congelamento, segundo a ordem constitucional vigente, que garante a livre iniciativa e a livre concorrência.
O STJ, em inúmeros precedentes, atestou a validade da política de congelamento de preços, enfatizando que normas de ordem pública que instituíram planos de estabilização econômica têm eficácia imediata e geral e, por conseguinte, alcançam as relações jurídicas estabelecidas antes de sua edição. Referido entendimento é objeto de debate neste trabalho.
Em seguida, é estudado o Caso Varig, em que restou definida a responsabilidade da União em indenizar prejuízos sofridos pela Viação Aérea Riograndense, decorrentes de política econômica implementada pelo Governo por meio do Plano Cruzado, o qual determinava o congelamento de preços de bens e serviços (art. 5º do Decreto n. 91.149, de 15.3.1985[2]), vigente de outubro de 1985 a janeiro de 1992.
Em 2005, a situação financeira da companhia aérea se tornou insustentável, levando a empresa a entrar com pedido de recuperação judicial.
Após longas negociações, compras, vendas, manobras políticas e pressões das empresas de aviação, o resultado final foi a divisão da Varig em duas partes: a Nova Varig, que foi adquirida pela Gol por US$ 320 milhões, composta da marca empresarial, de aeronaves e de boa parte dos funcionários, além de R$ 100 milhões em dívidas; e a Varig Velha, que manteve os passivos e a recuperação judicial, com uma dívida que totalizava R$ 7 bilhões em 2007. Entre os maiores prejudicados pela quebra da empresa estão aposentados e ex-funcionários da companhia (fundo de pensão Aerus)[3].
Referido julgado é de suma importância para a compreensão do tema, tendo servido de base para a análise da questão sob a ótica do setor sucroalcooleiro, cujos casos emblemáticos são estudados no capítulo 5.
Impende consignar, no ponto, que os preços do açúcar e do álcool foram, durante dez anos, controlados em todo o país pelo governo, que os entendia estratégicos para a economia nacional. Os valores dos produtos vinham fixados pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (autarquia federal).
Para estabelecer os custos, observados os critérios fixados na lei, o IAA firmou convênio com a Fundação Getúlio Vargas para proceder aos levantamentos e apurar os custos de produção do setor sucroalcooleiro.
Segundo as empresas produtoras, entre as décadas de 1980 e 1990, o Poder Executivo, por questões políticas, passou a não acatar o índice de preços estipulado com base nas planilhas da FGV, obrigando os produtores de açúcar e de álcool a vender o produto com preços abaixo dos custos apurados por aquela Fundação.
Em 18 de agosto de 2020, decidiu o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (Tema 826), que é imprescindível, para fins de reconhecimento da responsabilidade civil do Estado em decorrência da fixação de preços no setor sucroalcooleiro, a comprovação de efetivo prejuízo econômico, mediante perícia técnica em cada caso concreto.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO SOB A ÓTICA DO DIREITO E ECONOMIA.
No presente capítulo, abordamos conceitos relativos à disciplina Direito e Economia, bem como buscamos trazer uma visão econômica da responsabilidade civil do Estado.
2.1. Direito e Economia.
Tanto o Direito quanto a Economia lidam com problemas de coordenação, estabilidade e eficiência na sociedade. A formação de linhas complementares de análise e pesquisa, porém, não é simples, eis que suas metodologias diferem de modo bastante agudo. Enquanto o Direito é exclusivamente verbal, a Economia é também matemática; o Direito é marcadamente hermenêutico, a Economia é marcadamente empírica; enquanto o Direito aspira ser justo, a Economia aspira ser científica; a crítica econômica se dá pelo custo, a jurídica se dá pela legalidade. Isso torna o diálogo entre economistas e juristas, inevitavelmente, turbulento, e, geralmente, bastante destrutivo (SALAMA, 2009).
Segundo Charles Rowley (1989), Direito e Economia consiste em um movimento de diferentes doutrinas que buscam a interdisciplinaridade para o estudo dos fenômenos jurídicos, tendo por base a racionalidade individual e a utilização do aparato instrumental microeconômico para examinar a formação, a estrutura, os processos e o impacto social das instituições jurídicas (apud CAMINHA; ROCHA, 2015).
Em outras palavras, a disciplina consiste em um corpo teórico fundado na aplicação da Economia às normas e instituições jurídico-políticas (SALAMA, 2009). Na síntese de Richard Posner (1975), compreende a aplicação das teorias e métodos empíricos da economia para as instituições centrais do sistema jurídico.
Pode-se vislumbrar um modelo econômico para a responsabilidade civil baseado na análise do custo do dano e do custo de se evitar o dano, além da precaução – essa entendida, sob a ótica econômica, como comportamentos e atitudes que reduzam a probabilidade ou magnitude de um acidente (COOTER; ULLEN, 2010).
Segundo referidos autores, a responsabilidade civil pressupõe que: ocorra o dano; a ação ou omissão do réu cause o dano; o ato ou omissão do réu constitua a violação de um dever de cuidado que o réu tinha para com a vítima.
As concepções clássicas de Direito e Economia costumam ser associadas à suposição metodológica relativa à racionalidade dos indivíduos e à tendência de maximização de suas utilidades por meio de ações, sendo o direito e as normas jurídicas mecanismos de influência e estímulos desses comportamentos. Essa percepção de racionalidade individual é, pois, extremamente útil para o Direito, principalmente, quando da análise dos efeitos de determinada legislação (CAMINHA; ROCHA, 2015).
Nesse quadro, o ideal é enxergar a responsabilidade civil em termos instrumentais, ou seja, como uma das ferramentas disponíveis para a concretização de determinados objetivos, tais como a dissuasão ou a compensação (POSNER, 2007).
2.2. Leitura econômica da responsabilidade civil do Estado.
A obrigação de reparar danos causados a terceiros consiste em regra básica para a convivência em sociedade. A restituição à realidade fática e jurídica anterior à ocorrência do dano revela-se essencial para o alcance de paz e justiça social.
Nesse aspecto, embora persista a importância da compensação na responsabilidade civil, vem ganhando destaque a função normativa ou de desestímulo, cuja dimensão social é notória, eis que ultrapassa a relação entre o causador do dano e a vítima. Não há ranço acentuadamente patrimonialista, pois, que impeça a responsabilidade civil de cumprir a função de tutelar os mais diversos interesses, inclusive os públicos (FRAZÃO, 2011).
A leitura econômica da responsabilidade civil extracontratual evidencia a lógica preventiva de que estão impregnados os fundamentos do instituto. A responsabilidade protege os direitos exclusivos sobre os bens escassos, procura desencorajar danos, internalizar as externalidades e, assim, impor que todos suportem o custo integral de seu comportamento (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015).
O instituto serve, ao mesmo tempo, para indenizar a vítima. Tal objetivo não pode, porém, ser o único a informar a responsabilidade civil, pois, nesse caso, há o risco de se deslizar para a lógica do deep pocket (responsabilidade medida pela solvabilidade do réu). Esse equívoco pode aumentar, sem limites, os custos derivados de acidentes e necessários à sua prevenção (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015).
De acordo com a qualidade da violação, a responsabilidade civil pode ser classificada em contratual e extracontratual:
Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 16).
Como a temática do presente trabalho restringe-se à intervenção do Estado no domínio econômico, tratamos da responsabilidade extracontratual.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado consiste na obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, lícitos ou ilícitos, materiais ou jurídicos, imputáveis aos agentes públicos (DI PIETRO, 2017).
Do ponto de vista econômico, a responsabilidade civil trata da internalização de externalidades criadas por elevados custos de transação decorrentes de dano (COOTER; ULLEN, 2010).
Nessa linha, deve-se estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado.
Se o elemento subjetivo (dolo ou culpa) mostra-se essencial para o reconhecimento do dever de indenizar, trata-se da responsabilidade subjetiva. Caso contrário, está-se diante da responsabilidade objetiva.
A responsabilidade objetiva fundamenta-se nos princípios da primazia do interesse da vítima, da máxima reparação do dano e da solidariedade social, constituindo fruto da evolução do próprio Estado de Direito e da dinâmica das relações socioeconômicas (LÔBO, 2013).
Como é cediço, a ordem jurídica pátria adota a da teoria da responsabilidade objetiva do Estado com base no risco administrativo, segundo a qual se revelam suficientes a configuração do dano e a verificação do nexo de causalidade entre aquele e a ação estatal, conforme disposto no art. 37, § 6º, da Constituição da República[4].
Sob esse prisma, a noção de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre a prestação do serviço público e o prejuízo sofrido pelo particular. Parte-se da ideia de que a atuação estatal envolve um inerente risco de dano.
Nesse sentido, a adoção da teoria objetiva do risco, a partir da Constituição de 1946, deslocou o respaldo da obrigação de indenizar do Estado para os ditames da teoria da solidariedade patrimonial da coletividade frente ao dano sofrido por certo administrado, em decorrência de atividade ou omissão do Estado – que da coletividade é a síntese. Desta feita, mesmo sendo lícito o ato, o Poder Público não pode se eximir de indenizar o prejuízo ocasionado, exceto na hipótese da ocorrência de alguma excludente de responsabilidade (ARAÚJO, 2009).
Tendo em vista que os encargos sociais devem se sustentar por todos os administrados, não se poderia afastar a pretensão indenizatória do prejudicado nas situações em que esse acaba sobrecarregado – sofrendo um ônus maior do que os demais administrados –, sob pena de se romper o equilíbrio social (BANDEIRA DE MELLO, 2014; DI PIETRO, 2015; TORRES, 1995).
Em outras palavras, além do risco oriundo das atividades estatais em geral, constitui também fundamento da responsabilidade objetiva do Estado o princípio da repartição dos encargos. O Estado, uma vez condenado a reparar os prejuízos do lesado, não figura como sujeito pagador direto: os valores indenizatórios resultam da contribuição feita por cada um dos demais integrantes da sociedade, a qual, em última análise, é a beneficiária dos poderes e das prerrogativas estatais.
Os postulados que geram a responsabilidade objetiva do Estado buscam seus fundamentos na justiça social, atenuando as dificuldades e impedimentos que o indivíduo teria de suportar quando prejudicado por condutas de agentes estatais (CARVALHO FILHO, 2014).
A responsabilidade civil extracontratual do Estado configura-se, portanto, como uma das garantias fundamentais individuais do administrado, protegida pelo art. 60 § 4º, IV, da Constituição Federal[5], de modo que qualquer medida legislativa que tenha por objeto restringi-la ou eliminá-la é passível de ser reconhecida como inconstitucional (MENDONÇA, 2003).
3. CONTROLE DE PREÇOS.
Neste capítulo, traçamos um panorama geral acerca da intervenção do Estado no domínio econômico, abordamos o conceito de preço, bem como discutimos a constitucionalidade de atos do Poder Público que determinem o congelamento de preços, segundo a ordem constitucional vigente, que garante a livre iniciativa e a livre concorrência.
3.1. Intervenção do Estado no Domínio Econômico na Constituição de 1988.
A Constituição da República de 1988 reflete o dirigismo econômico de um Estado interventivo, que, após diversas crises cujas causas são comumente atribuídas ao liberalismo clássico, passou a ganhar força no mundo ocidental.
Além de atuar como garantidor das liberdades individuais, o Estado passou a ter papel de destaque no domínio econômico, principalmente, na posição fiscalizadora e no cumprimento de certas funções distributivas e alocativas, buscando proporcionar uma distribuição de riqueza mais equânime. Essencial consignar, nesse ponto, que eventuais críticas ao modelo interventivo não constituem objeto deste trabalho.
O sistema do dirigismo econômico implantado pelo Estado no fim do século passado e no início do século atual propiciou o estabelecimento de regras jurídicas reguladoras da ordem econômica em várias Constituições. Cuida-se do fenômeno da constitucionalização normativa, no qual regras jurídicas insculpidas em leis são guindadas ao plano político e inseridas na Constituição. Com a elevação da estatura das normas, os princípios que contêm passam a ser obrigatórios a toda a sociedade e ao próprio Estado que as introduziu na Carta Política, constituindo capítulos de regulação específica e formando postulados sobre a matéria (CARVALHO FILHO, 2014).
Embora o constituinte de 1988 haja reunido em um título próprio as normas que formam a ordem econômica brasileira (Título VII – Da ordem econômica e financeira), existem diversas outras espalhadas pelo texto constitucional tratando do processo de produção e distribuição de riquezas no país. Os fins republicanos (art. 3º)[6] e os fundamentos elencados no art. 1º[7] consubstanciam exemplos claros disso (NOGUEIRA, 2011).
O direcionamento mais imediato e específico da economia é realizado através de normas e valores abstratos e aparentemente conflitantes, como liberdade de iniciativa e função social da propriedade, cuja efetivação está sujeita a algum tipo de subjetivismo do intérprete. Desse modo, o embate entre os elementos conformadores impositivos da ordem econômica requer um exercício de harmonização constante para que se compreenda o seu significado e real amplitude, pois a simples leitura do art. 170[8] não permite precisar o seu conteúdo específico (POSSAMAI, 2014).
Mencionado Título VII (arts. 170 a 192) divide-se em quatro capítulos: o primeiro destinado aos princípios gerais da atividade econômica (arts. 170 a 181); o segundo, à política urbana (arts. 182 e 183); o terceiro, à política agrícola e fundiária e à reforma agrária (arts. 184 a 191); e o quarto, ao sistema financeiro nacional (art. 192).
Essas normas compõem um sistema geral da ordem econômica. Dentro de suas várias disciplinas, algumas indicam formas de atuação e de intervenção do Estado no domínio econômico. Modificações nesse conjunto normativo já foram introduzidas através de emenda constitucional, denotando, como regra, uma postura de menor ímpeto interventivo, comumente denominada de desregulamentação da economia (CARVALHO FILHO, 2014).
3.2. Classificações doutrinárias.
Existem diversas classificações doutrinárias relativas à intervenção do Estado no domínio econômico.
Certos autores dividem as formas de intervenção em: i) regulatória, em que o Estado, por meio de leis e normas cunho setorial, atua disciplinando a ordem econômica, de forma genérica e abstrata; ii) concorrencial, na qual o ente público, nos casos expressos e devidamente autorizados no ordenamento jurídico, age em regime de igualdade com o particular em determinada atividade econômica; iii) monopolista, em que reserva para si a exploração exclusiva de atividade econômica; e iv) sancionatória, na qual visa reprimir e punir abusos econômicos, no exercício de suas atividades de polícia administrativa na ordem econômica (MOREIRA NETO, 2005).
No clássico entendimento de Eros Roberto Grau (2015), o Estado pode intervir na economia das seguintes maneiras: i) absorção, atuando em regime de monopólio, avocando para si a iniciativa de exploração de determinada atividade econômica; ii) participação, agindo paralelamente aos particulares, empreendendo atividades econômicas ou, ainda, prestando serviço público economicamente explorável, concomitantemente com a iniciativa privada; iii) direção, por meio de instrumentos normativos de pressão, seja através de leis ou de outros atos normativos; e iv) indução, incentivando, por meio de benesses creditícias, a prática de determinadas atividades econômicas, seja através de benefícios fiscais, abertura de linhas de crédito para fins de incentivo ou por instituições financeiras públicas ou privadas de fomento.
Pode-se afirmar que as intervenções por meio de absorção e participação caracterizam-se como diretas, ao passo que direção e indução são formas indiretas de intervenção na economia.
A Constituição da República de 1988 prevê, como regra, a intervenção indireta do Estado na Ordem Econômica, e, excepcionalmente, a direta, nas hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional.
3.3. Preço.
Não se pode mensurar o valor de um bem senão à luz de um acordo livremente aceito pelas partes, cada uma levando em consideração as outras opções possíveis. Duas valorizações subjetivas harmonizam-se relativamente ao preço no momento da conclusão do acordo. Depois os contratantes tomam seus caminhos, separados, cada um fazendo planos sobre o bem adquirido (ou o dinheiro) que podem levar a novas valorizações. Essas considerações aparecem na fórmula lapidar de David Friedman preço = valor-custo (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015).
Nesse sentido, pode-se afirmar que os preços são formados pela combinação de duas variáveis: a demanda subjetiva relacionada à utilidade marginal e a quantidade ofertada relacionada à escassez.
Os preços se constituem, em última instância, por julgamentos de valor dos consumidores. São o resultado da valoração, do ato de preferir a a b. Consistem em um fenômeno social, na medida em que resultam da interação das valorizações de todos os indivíduos que participam do funcionamento do mercado. Cada indivíduo, ao comprar ou não comprar e ao vender ou não vender, dá a sua contribuição para a formação dos preços de mercado. Quanto mais amplo o mercado, menor o peso de cada contribuição individual. Por isso, a estrutura dos preços de mercado parece, ao indivíduo, um dado ao qual ele deve ajustar sua própria conduta. (MISES, 2010).
3.4 Controle de preços.
Na intervenção indireta no domínio econômico por direção, o Estado emite comandos imperativos, dotados de cogência, impositivos de certos comportamentos a serem necessariamente cumpridos pelos agentes que atuam no campo da atividade econômica, inclusive, pelas próprias empresas estatais que a exploram. Em outras palavras, exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito (GRAU, 2015). Um exemplo evidente é o do controle de preços.
Tabelamento de preços consiste na fixação dos preços privados de bens e produtos pelo Estado quando a iniciativa privada não apresenta condições de mantê-los nas regulares condições de mercado. Tem sido denominado por alguns analistas de congelamento – o que não deixa de configurar um tabelamento protraído no tempo (CARVALHO FILHO, 2014).
Na história recente do Brasil, impende citar o congelamento geral de preços, previsto no art. 36 do Decreto-Lei 2.283/86 (Plano Cruzado):
Art .36. Todos os preços, inclusive aluguéis residenciais, são expressos em cruzados e ficam, a partir desta data, congelados nos níveis do dia 27 de fevereiro de 1986, admitida a revisão setorial e temporária pelos órgãos federais competentes, em função da estabilidade da nova moeda ou de fenômenos conjunturais.
No ano seguinte, o Decreto-Lei 2.335/87 (Plano Bresser), em seu art. 1º, determinou novo congelamento de preços por noventa dias:
Art. 1º Ficam congelados, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias, prestações de serviços e tarifas, nos níveis dos preços já autorizados ou dos preços à vista efetivamente praticados no dia 12 de junho de 1987.
[…]
Art. 15. O Ministro de Estado da Fazenda poderá, para os efeitos deste decreto-lei, em ato próprio:
[…]
II – suspender ou rever, total ou parcialmente, o congelamento de preços;
A MP 32/89 (Plano Verão), convertida na Lei 7.730/89, revogou o DL 2.335/87, estabelecendo novo congelamento de preços, dessa vez, por prazo indeterminado:
Art. 8º Ficam congelados, por prazo indeterminados, todos os preços, inclusive os referentes a mercadorias, prestação de serviços e tarifas, nos níveis dos preços já autorizados pelos órgãos oficiais competentes ou dos preços efetivamente praticados no dia 14 de janeiro de 1989.
O tabelamento de preços está previsto expressamente no art. 2º, II, da Lei Delegada nº 4/1962, e retrata uma das formas de atuação interventiva do Estado do domínio econômico. A competência para essa atuação é privativa da União ou de entidades a ela vinculadas, às quais haja sido delegada essa atribuição. Estão excluídos, portanto, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (CARVALHO FILHO, 2014):
Art. 2º A intervenção consistirá:
[…]
II – na fixação de preços e no contrôle do abastecimento, neste compreendidos a produção, transporte, armazenamento e comercialização;
O Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros precedentes, atestou a validade da política de congelamento de preços, inclusive, enfatizando que as normas de ordem pública que instituíram planos de estabilização econômica têm eficácia imediata e geral e, por conseguinte, alcançam as relações jurídicas estabelecidas antes de sua edição.[9]
Dessa forma, após o congelamento de preços instituído pelos Planos Cruzado, Bresser e Verão, outras inúmeras leis conferiram ao Ministro da Fazenda a atribuição para reajustar preços de todos os setores da economia, como se infere da leitura do art. 1º da Lei 7.769/89, do art. 1º da Lei 8.030/90, e do art. 1º da Lei 8.178/91, abaixo transcritos:
Lei 7.769/89:
Art. 1º Fica o Ministro da Fazenda, em caráter especial, autorizado a rever o congelamento e a liberar os preços de produtos, serviços e contratos de qualquer natureza, inclusive setorialmente, bem assim os salários, vencimentos, soldos, proventos, aposentadorias e demais remunerações de assalariados, a que se referem os artigos 5º e 18, § 1º, da Lei nº 7.730, de 31 de janeiro de 1989.
Lei 8.030/90:
Art. 1º Ficam vedados, por tempo indeterminado, a partir da data de publicação da Medida Provisória n° 154, de 15 de março de 1990, quaisquer reajustes de preços de mercadorias e serviços em geral, sem a prévia autorização em portaria do Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento.
Lei 8.178/91:
Art. 1° Os preços de bens e serviços efetivamente praticados em 30 de janeiro de 1991 somente poderão ser majorados mediante prévia e expressa autorização do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.
3.5 Controle de preços e a Constituição de 1988.
Questiona-se se, na ordem constitucional vigente, uma política de congelamento de preços de bens e serviços se coadunaria com a Carta Magna, que prevê a livre inciativa e a livre concorrência (art. 170, caput, e inciso IV).
Urge enfatizar que a livre fixação de preços decorre do princípio da livre iniciativa, de modo que o controle prévio viola frontalmente a Constituição da República. [10]
Parte da doutrina entende, todavia, que o controle prévio de preços se afiguraria legítimo diante da ocorrência de situação de anormalidade, de grave deterioração das condições de mercado, com ausência de livre concorrência e colapso da própria livre iniciativa. A intervenção estatal se justificaria pela necessidade de restabelecimento dos próprios fundamentos constitucionais da ordem econômica. Ainda quando excepcionalmente admitido, o controle prévio estaria sujeito aos pressupostos constitucionais e encontraria três limitações insuperáveis: a) princípio da razoabilidade; b) tempo definido; c) impossibilidade de imposição de venda de bens e serviços abaixo do preço de custo, acrescido do lucro mínimo compatível com o reinvestimento (BARROSO, 2001).
Não coadunamos com a excepcionalidade admitida. Com efeito, o articulista citado sequer menciona qualquer possibilidade concreta em que se permitiria o controle prévio, apenas tratando hipoteticamente da possibilidade de “anormalidade de mercado”.
O Poder Público possui diversos instrumentos aptos à correção de falhas de mercado (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, por exemplo), dentre os quais não se acha o controle de preços, por notória incompatibilidade com a Constituição.
Na ordem constitucional atual, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência não deixam qualquer margem à introdução de políticas públicas que conduzam o mercado ao congelamento de preços, ainda que se trate, como na época do Plano Cruzado, de situação excepcional de hiperinflação. Os danos causados implicariam, pois, responsabilidade civil do Estado por ato ilícito.
4. CASO VARIG (RE 571.969/DF).
Neste capítulo, estudaremos o emblemático caso da Varig, de suma importância para a compreensão do tema objeto deste trabalho.
4.1. Contexto histórico.
A Viação Aérea Riograndense (Varig) era a maior companhia aérea brasileira até no início dos anos 1990. Em 1991, a Varig alcançou seu auge e passou a entrar no processo de declínio que a levou à falência menos de duas décadas depois. Naquele ponto, ela transportava cerca de 6,4 milhões de passageiros por ano, voando para 45 cidades brasileiras e 41 estrangeiras. O faturamento anual era da ordem de US$ 2 bilhões[11].
Em 2005, a situação financeira se tornou insustentável e levou a empresa a entrar com um pedido de recuperação judicial. Após longas negociações, compras, vendas, manobras políticas e pressões das empresas de aviação, o resultado final foi a divisão da Varig em duas partes: a Nova Varig, que foi adquirida pela Gol por US$ 320 milhões, composta da marca empresarial, de aeronaves e de boa parte dos funcionários, além de R$ 100 milhões em dívidas; e a Varig Velha, que manteve os passivos e a recuperação judicial, com uma dívida que totalizava R$ 7 bilhões em 2007. Entre os maiores prejudicados pela quebra da empresa, estão aposentados e ex-funcionários da companhia (fundo de pensão Aerus)[12].
Todo esse processo de declínio teve início com o Plano Cruzado, lançado pelo então Presidente José Sarney, que substituiu a moeda nacional e, dentre outras medidas, determinou o congelamento de preços de bens e serviços (art. 5º do Decreto n. 91.149, de 15.3.1985).
Na década de 1980, a inflação consistia no principal problema da economia nacional. Em virtude disso, diversas políticas públicas impuseram severas medidas suportadas por empresas e consumidores.
Sem autorização do governo, as companhias aéreas não podiam reajustar o valor das tarifas, que permaneceram congeladas de outubro de 1985 a janeiro de 1992.
A Varig foi a mais impactada com a medida. Dessa forma, em fevereiro de 1993, ajuizou ação ordinária de indenização contra a União na 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, alegando que a diminuição do seu patrimônio líquido seria decorrente da política de congelamento tarifário vigente, pelo que haveria tido de adotar providências que resultariam em danos incontornáveis.
4.2. O processo judicial ajuizado pela companhia aérea.
Segundo a companhia, a insuficiência tarifária decorrente daquele plano adotado haveria provocado enorme endividamento de seu capital de giro, agravado pela política de juros elevados praticada pelo Governo, os quais incidiam sobre o financiamento dos valores tomados exatamente em razão daquelas perdas. Pediu, pois, o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de serviço de transporte aéreo, com o ressarcimento dos prejuízos suportados em razão do congelamento.
A AGU defendeu, como principal tese, que a União, ao instituir os planos econômicos e determinar o congelamento de preços, estava atuando de forma legítima, buscando melhorar a economia do país e regular o serviço público em prol de toda a coletividade, com fundamento no art. 175, parágrafo único, III, da Constituição da República.
O Ministério Público Federal, a seu turno, opinou de forma contrária ao pleito da Varig, afirmando que toda a coletividade sofreu prejuízos e teve de arcar com os ônus decorrentes do congelamento de preços determinado pelo plano econômico, de modo que não haveria sentido em somente a Varig ser indenizada.
4.2.1. A decisão do Supremo Tribunal Federal.
Entendeu o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 571.969/DF, cujo julgamento foi concluído em março de 2014, pela responsabilidade da União em indenizar prejuízos sofridos pela concessionária de serviço público, decorrentes de política econômica implementada pelo Governo:
EMENTA: RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR DANOS CAUSADOS À CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO (VARIG S/A). RUPTURA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO DECORRENTE DOS EFEITOS DOS PLANOS “FUNARO” E “CRUZADO”. DEVER DE INDENIZAR. RESPONSABILIDADE POR ATOS LÍCITOS QUANDO DELES DECORREREM PREJUÍZOS PARA OS PARTICULARES EM CONDIÇÕES DE DESIGUALDADE COM OS DEMAIS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DO DIREITO ADQUIRIDO E DO ATO JURÍDICO PERFEITO. 1. Recurso extraordinário da União contra acórdão em embargos infringentes. Intervenção do Ministério Público na ação. Legitimidade do Ministério Público para interpor recurso extraordinário, como custos legis (§ 2º do art. 499 do Código de Processo Civil), harmoniza-se com as funções institucionais previstas nos arts. 127 e 129 da Constituição da República. 2. Recurso do Ministério Público não conhecido na parte relativa aos arts. 21, inc. XII, alínea e, 170, parágrafo único, 173 e 174 da Constituição da República. Ausência de prequestionamento. 3. Recurso da União não conhecido quanto à alegada carência de elementos para a comprovação da quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório em recurso extraordinário (Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal). 4. Responsabilidade da União em indenizar prejuízos sofridos pela concessionária de serviço público, decorrentes de política econômica implementada pelo Governo, comprovados nos termos do acórdão recorrido. Precedentes: RE 183.180, Relator o Ministro Octavio Gallotti, Primeira Turma, DJ 1.8.1997. 5. A estabilidade econômico-financeira do contrato administrativo é expressão jurídica do princípio da segurança jurídica, pelo qual se busca conferir estabilidade àquele ajuste, inerente ao contrato de concessão, no qual se garante à concessionária viabilidade para a execução dos serviços, nos moldes licitados. 6. A manutenção da qualidade na prestação dos serviços concedidos (exploração de transporte aéreo) impõe a adoção de medidas garantidoras do reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato administrativo, seja pela repactuação, reajuste, revisão ou indenização dos prejuízos. 7. Instituição de nova moeda (Cruzado) e implementação, pelo Poder Público, dos planos de combate à inflação denominados ‘Plano Funaro’ ou ‘Plano Cruzado’, que congelaram os preços e as tarifas aéreas nos valores prevalecentes em 27.2.1986 (art. 5º do Decreto n. 91.149, de 15.3.1985). 8. Comprovação nos autos de que os reajustes efetivados, no período do controle de preços, foram insuficientes para cobrir a variação dos custos suportados pela concessionária. 9. Indenização que se impõe: teoria da responsabilidade objetiva do Estado com base no risco administrativo. Dano e nexo de causalidade comprovados, nos termos do acórdão recorrido. 10. O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais. Impossibilidade de a concessionária cumprir as exigências contratuais com o público, sem prejuízos extensivos aos seus funcionários, aposentados e pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados. 11. Apesar de toda a sociedade ter sido submetida aos planos econômicos, impuseram-se à concessionária prejuízos especiais, pela sua condição de concessionária de serviço, vinculada às inovações contratuais ditadas pelo poder concedente, sem poder atuar para evitar o colapso econômico-financeiro. Não é juridicamente aceitável sujeitar-se determinado grupo de pessoas – funcionários, aposentados, pensionistas e a própria concessionária – às específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes das políticas adotadas, sem contrapartida indenizatória objetiva, para minimizar os prejuízos sofridos, segundo determina a Constituição. Precedente: RE 422.941, Relator o Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 24.3.2006. 12. Não conhecimento do recurso extraordinário da União interposto contra o acórdão proferido no julgamento dos embargos infringentes. 13. Conhecimento parcial do recurso extraordinário da União, e na parte conhecida, provimento negado. 14. Conhecimento parcial do recurso extraordinário do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, desprovido, mantendo-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, conclusivo quanto à responsabilidade da União pelos prejuízos suportados pela Recorrida, decorrentes dos planos econômicos.
(RE 571969, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 12/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014)
Da análise do julgado, verifica-se que a Corte levou em consideração a situação peculiar da empresa, concessionária de serviço público, sem liberdade para atuar segundo sua própria conveniência, eis que vinculada aos termos do contrato de concessão que foram pré-determinados pela União, autora das medidas econômicas de congelamento.
Restou salientado pela Ministra Cármen Lúcia[13], relatora do caso, que a licitude das medidas adotadas pelo governo federal não elidiria a responsabilidade civil decorrente dos prejuízos causados à empresa, resultantes da quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.
Segundo a relatora, como concessionária de serviço público, a Varig foi obrigada a cumprir o tabelamento de preços, mantendo a continuidade do serviço por obrigação contratual, mas suportando um ônus novo, não previsto contratualmente, qual seja, a impossibilidade de que as tarifas fossem reajustadas da maneira correta. O caso demonstraria que os reajustes efetivados teriam sido insuficientes para cobrir a variação de custos, consoante afirmado por perito oficial em laudo técnico.
A companhia passou, pois, a atuar de forma deficitária, pois elevavam-se os custos inerentes à prestação de serviço, sem possibilidade legal de reajuste tarifário real.
Vislumbram-se, portanto, dois principais fundamentos favoráveis à indenização: necessidade de garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, mantidas as condições efetivas da proposta (art. 37, XXI[14]); responsabilidade civil do Estado também pode ser por atos lícitos que causem prejuízos (art. 37, § 6º).
Um importante precedente citado diz respeito ao RE 422.941/DF (Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 24/03/2006, que será tratado no próximo capítulo), em que se entendeu pelo dever da União de indenizar empresa sucroalcooleira pela fixação de preços dos seus produtos em valores inferiores aos custos de produção. Ficou assentado que os danos patrimoniais gerados pela intervenção estatal no setor imporiam a indenização.
4.2.2. Votos divergentes.
Os votos divergentes contêm interessantes abordagens sobre o tema.
Os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa consignaram que o congelamento de preços não afetara de modo exclusivo a Varig, haja vista que as consequências do ajuste tiveram impacto em vários setores da economia, bem como em cidadãos economicamente ativos no País no período. Rejeitavam, pois, o pleiteado reequacionamento do contrato administrativo, visto que a adoção de medidas para a manutenção do equilíbrio exigiria anterior alteração unilateral, pela Administração, das condições de prestação do serviço, enquanto que, na situação em tela, a suposta quebra decorreria somente de atos legislativos editados pelo governo federal para combater a hiperinflação. Afastavam, ainda, a incidência da teoria da imprevisão, porque a recorrida, quando celebrara o contrato, estaria ciente da situação econômica do País, bem como das tentativas governamentais de controle inflacionário.
O Ministro Gilmar Mendes acrescentou, ademais, a inadequação de se acolher a responsabilidade da União por fato do legislador, em se tratando de medida genérica, sob o risco de se transformar o ente federativo em uma espécie de seguradora universal.
Com raciocínio semelhante, o Ministro Herman Benjamin, em trecho de voto vencido no REsp 1.347.136/DF, julgado em 11/12/2013, asseverou:
Basta imaginar o caos econômico, fiscal e social que se instauraria no Brasil se o Estado fosse condenado a indenizar todas as empresas brasileiras por todos os planos econômicos que congelaram ou tabelaram preços em nossa história recente. Pior, imagine-se se o cálculo dessas indenizações fosse realizado pela diferença entre o preço congelado (ou tabelado) e aquele que cada empresa entendesse devido, ou seja, que cada empresa tivesse indenizada sua “expectativa de lucro” frustrada por um ou outro plano econômico. Certamente, as finanças estatais e o próprio Estado estariam absolutamente inviabilizados.
As mencionadas divergências parecem se coadunar com as lições do Ronald Coase (1960, p. 19), segundo o qual:
It would therefore seem desirable that the courts should understand the economic consequences of their decisions and should, insofar as this is possible without creating too much uncertainty about the legal position itself, take these consequences into account when making their decisions.[15]
4.2.3. A responsabilidade civil da União.
Não se olvida a possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico, nos termos previstos na Constituição, que, conforme visto do capítulo anterior, pode ocorrer: diretamente (absorção e participação); indiretamente (direção e indução).
Todavia, evidenciado prejuízo ao particular, ainda que se considere o congelamento de preços como ato estatal lícito, diante da ordem constitucional anterior, bem como comprovado o nexo de causalidade, cabe ao Estado o dever de indenizar, em razão da responsabilidade objetiva com base no risco administrativo.
Nesse sentido, a adoção da teoria objetiva do risco, a partir da Constituição de 1946, deslocou o respaldo da obrigação de indenizar do Estado para os ditames da teoria da solidariedade patrimonial da coletividade frente ao dano sofrido por certo administrado, em decorrência de atividade ou omissão do Estado, que da coletividade é a síntese. Dessa forma, mesmo que se trate de ato lícito, o Poder Público não pode se eximir de indenizar o prejuízo decorrente, exceto na hipótese da ocorrência de alguma excludente de responsabilidade (ARAÚJO, 2009).
Nesta senda, o Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais.
Quanto ao fato de que toda a sociedade haveria suportado os prejuízos advindos das medidas de combate à hiperinflação, importa enfatizar que à Varig foram impostos danos especiais, oriundos da própria qualidade de concessionária de serviço público de transporte aéreo, impossibilitada de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro, em detrimento de funcionários, aposentados, pensionistas, bem como da própria pessoa jurídica.
Associados ao fundo de pensão Aerus viram a companhia aérea diminuir os valores de suas aposentadorias, recebendo, em alguns casos, apenas 8% do que contribuíram. Apenas em 2015, voltaram a receber o valor integral, por conta de uma antecipação de tutela deferida em desfavor da União, que foi multada por não fiscalizar a Aerus anteriormente[16].
No que atine ao valor da indenização devida pela União, ainda se faz necessária a realização do cálculo pela Justiça Federal de Brasília, em primeira instância, em liquidação da sentença. Estima-se que a quantia gira em torno de 3 e 8 bilhões de reais, a depender do índice de atualização monetária utilizado[17].
5. SETOR SUCROALCOOLEIRO.
Os preços do açúcar e do álcool foram, durante dez anos, controlados em todo o País pelo Governo, que os entendia estratégicos para a economia nacional. Os valores dos produtos eram fixados pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (autarquia federal).
Para estabelecer os custos, observados os critérios fixados na lei, o IAA firmou convênio com a Fundação Getúlio Vargas para proceder aos levantamentos e apurar os custos de produção do setor sucroalcooleiro.
Segundo as empresas produtoras, entre as décadas de 1980 e 1990, o Poder Executivo, por questões políticas, passou a não acatar o índice de preços estipulado com base nas planilhas da FGV, obrigando os produtores de açúcar e de álcool a vender o produto com preços abaixo dos custos apurados por aquela Fundação.
Em 6 de fevereiro de 2001, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou decisão que condenara a União a indenizar os prejuízos advindos da intervenção do Poder Público no domínio econômico, a qual resultara na fixação de preços, no setor sucroalcooleiro, abaixo dos valores apurados e propostos pelo Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool[18].
Conforme previsão da Lei 4.870, de 1º.12.1965, a União estava vinculada aos critérios e determinações ali contidos, quanto ao levantamento dos custos da produção e fixação de preços da cana-de-açúcar e seus derivados, nos seguintes termos:
Lei 4.870/1965
Art 9º O I.A.A., quando do levantamento dos custos de produção agrícola e industrial, apurará, em relação às usinas das regiões Centro-Sul e Norte-Nordeste, as funções custo dos respectivos fatôres de produção, para vigorarem no triênio posterior.
§ 1º As funções custo a que se refere êste artigo serão valorizadas anualmente, através de pesquisas contábeis e de outras técnicas complementares, estimados, em cada caso, os fatôres que não possam ser objeto de mensuração física.
§ 2º Após o levantamento dos custos estaduais, serão apurados o custo médio nacional ponderado e custos médios regionais ponderados, observados sempre que possível, índices mínimos de produtividade.
§ 3º O I.A.A. promoverá, permanentemente, o levantamento de custos de produção, para o conhecimento de suas variações, ficando a cargo do seu órgão especializado a padronização obrigatória da contabilidade das usinas de açúcar.
Art 10. O preço da tonelada de cana fornecida às usinas será fixado, para cada Estado, por ocasião do Plano de Safra, tendo-se em vista a apuração dos custos de produção referidos no artigo anterior.
Art 11. Ao valor básico do pagamento da cana, fixado na forma do artigo anterior, será acrescida a parcela correspondente a percentagem da participação do fornecedor no rendimento industrial situado acima do rendimento médio do Estado, considerado, para esse fim, o teor de sacarose e pureza da cana que fornecer.
§ 1º A matéria-prima entregue pelo fornecedor com o teor de sacarose na cana e pureza no caldo, inferior ao que fôr fixado pela Comissão Executiva do I.A.A., sofrerá o desconto que êsse órgão estabelecer.
§ 2º Para a fixação dos rendimentos industriais, o I.A.A. tomará em consideração os que forem apurados no triênio imediatamente anterior, tomando-se por base os primeiros cento e cinqüenta dias de moagem.
§ 3º O teor de sacarose e pureza da cana, para os fins de pagamento, será apurado na usina recebedora, podendo os fornecedores ou os seus órgãos de representação manter fiscalização nos respectivos locais de inspeção.
§ 4º A entrega da cana pelo fornecedor, em condições de moagem, far-se-á dentro de (48) quarenta e oito horas do respectivo corte.
§ 5º No caso em que o retardamento da moagem, além do prazo referido no parágrafo anterior, ocorrer por culpa da usina recebedora, será considerado válido o teor máximo de sacarose e pureza da cana do fornecedor, apurado na usina até a data do fornecimento.
§ 6º Não estando a usina habilitada à determinação dos índices de sacarose e pureza de que trata êste artigo, nenhuma dedução poderá ser feita, a êste título, dos fornecedores, até que seja apurada, pelo I.A.A., a existência de condições técnicas adequadas àquele fim.
§ 7º Para os efeitos do § 3º dêste artigo, fica o I.A.A. com podêres para fixar critérios e métodos de apuração do teor de sacarose e pureza contido na cana recebida pelas usinas.
Conforme decidido à época pelo STJ, o exercício da atividade estatal na intervenção no domínio econômico não estaria vinculado ao levantamento de preços efetuado por órgão técnico de sua estrutura administrativa ou terceiro contratado para esse fim específico.
Ademais, haveria discricionariedade do Estado na adequação das necessidades públicas ao contexto econômico estatal, restando imprescindível a conjugação de critérios essencialmente técnicos com a valoração de outros elementos de economia pública.
5.1. RE 422.941/DF.
Em 6 de dezembro de 2005, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário interposto por destilaria em face do mencionado acórdão do STJ.
Alegava a recorrente ofensa ao art. 37, § 6º, da CF, sustentando que, não obstante o referido ato houvesse decorrido de legítima atividade estatal, deveria ela ser indenizada pelo dano patrimonial sofrido.
Entendeu a maioria dos ministros que a intervenção estatal na economia encontra limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa e que a responsabilidade objetiva do Estado decorre da existência de dano atribuível à atuação deste. Nesse sentido, afirmou-se que a fixação, por parte do Estado, de preços a serem praticados pela recorrente em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor constitui óbice ao livre exercício da atividade econômica, em desconsideração ao princípio da liberdade de iniciativa. Assim, não é possível ao Estado intervir no domínio econômico, com base na discricionariedade quanto à adequação das necessidades públicas ao seu contexto econômico, de modo a desrespeitar liberdades públicas e causar prejuízos aos particulares. Vencido, em parte, o Min. Joaquim Barbosa, que dava parcial provimento ao recurso, para que a condenação somente recaísse sobre o período compreendido entre março de 1985 e maio de 1987 (Informativo 412 do STF)[19].
O julgado restou assim ementado:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ECONÔMICO. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA: REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DE SETORES ECONÔMICOS: NORMAS DE INTERVENÇÃO. LIBERDADE DE INICIATIVA. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. – A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. – Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. – RE conhecido e provido.
(RE 422941, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 06/12/2005, DJ 24-03-2006)
A decisão em epígrafe consiste em precedente importantíssimo no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado por intervenção no domínio econômico, conforme mencionado no capítulo anterior, que tratou do Caso Varig.
O controle de preços, como forma indireta de atuação, gera o dever de indenizar do ente público, caso comprovado o prejuízo a particulares, ainda que se compreenda por sua licitude e constitucionalidade.
No caso em comento, a União, por meio do Instituto de Açúcar e do Álcool, fixava preços dos produtos derivados da cana-de-açúcar abaixo daqueles estabelecidos pela Fundação Getúlio Vargas.
Comprovou-se, nas instâncias ordinárias, mediante perícia, que os preços fixados foram inferiores ao preço de custo, impondo-se, de antemão, dano à destilaria, em flagrante óbice à livre iniciativa, bem como sério empecilho ao livre exercício da atividade econômica.
Importa registrar, ainda, que a própria União celebrou contrato com instituição privada (FGV) para que se fizessem levantamentos que funcionariam como base para a correta aferição de preços, mas deixou de observá-los.
O lucro é objetivo básico da atividade econômica, jamais podendo o Estado intervir de forma a fixar preços incompatíveis com os custos de produção.
Inadmissível valer-se da suposta discricionariedade administrativa para intervir no domínio econômico causando comprovados prejuízos aos agentes econômicos.
Como sabido, a regulamentação da atividade econômica, malgrado permitida, está adstrita à legalidade e não pode representar um obstáculo à livre iniciativa. A fixação de preços do açúcar e do álcool em patamares inferiores aos levantados pela FGV reduziu indevidamente as receitas das empresas do setor e impôs verdadeiro obstáculo à livre iniciativa. Os substanciais prejuízos resultantes de anos de ilegalidade na política de preços do IAA devem ser indenizados – o que já ocorreu em alguns casos.
5.2 Recurso Representativo de Controvérsia 1.347.136/DF do STJ.
Outra importantíssima discussão que envolve responsabilidade civil por intervenção no domínio econômico e setor sucroalcooleiro refere-se à quantificação do dano causado pelo controle de preços: debate-se se o dano haveria de ser comprovado por perícia que apontasse o efetivo prejuízo contábil ou se a mera demonstração da obediência aos preços determinados pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, em desacordo com os preços calculados pela Fundação Getúlio Vargas, ensejariam a indenização.
O STJ, em sede do Recurso Representativo de Controvérsia 1.347.136/DF (Rel. Min. Eliana Calmon), reviu seu entendimento e acolheu a tese da União, posicionando-se pela necessidade da comprovação dos custos individuais de produção e da demonstração do prejuízo contábil:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SETOR SUCROALCOOLEIRO. INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL – IAA. FIXAÇÃO DE PREÇOS. LEI 4.870/1965. LEVANTAMENTO DE CUSTOS DE PRODUÇÃO. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CF/1988. COMPROVAÇÃO DO DANO.
NECESSIDADE. APURAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR. LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO. CABIMENTO. INDENIZAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. LIQUIDAÇÃO COM “DANO ZERO” OU “SEM RESULTADO POSITIVO”. POSSIBILIDADE.
EFICÁCIA DA LEI 4.870/1965. RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART.
543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
1. A União Federal é responsável por prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo governo federal para o setor sucroalcooleiro, em desacordo com os critérios previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 4.870/1965, uma vez que teriam sido estabelecidos pelo Instituto do Açúcar e Álcool – IAA, em descompasso do levantamento de custos de produção apurados pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.
Precedentes.
2. Tratando-se de hipótese de responsabilidade civil objetiva do Estado, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, necessária a demonstração da ação governamental, nexo de causalidade e dano.
3. Não é admissível a utilização do simples cálculo da diferença entre o preço praticado pelas empresas e os valores estipulados pelo IAA/FGV, como único parâmetro de definição do quantum debeatur.
4. O suposto prejuízo sofrido pelas empresas possui natureza jurídica dupla: danos emergentes (dano positivo) e lucros cessantes (dano negativo). Ambos exigem efetiva comprovação, não se admitindo indenização em caráter hipotético, ou presumido, dissociada da realidade efetivamente provada. Precedentes.
5. Quando reconhecido o direito à indenização (an debeatur), o quantum debeatur pode ser discutido em liquidação da sentença por arbitramento, em conformidade com o art. 475-C do CPC.
6. Não comprovada a extensão do dano (quantum debeatur), possível enquadrar-se em liquidação com “dano zero”, ou “sem resultado positivo”, ainda que reconhecido o dever da União em indenizar (an debeatur).
7. A eficácia da Lei 4.870/1965, que previa a sistemática de tabelamento de preços promovida pelo IAA, estendeu-se ate o até o advento da Lei 8.178/1991, que instituiu nova política nacional de congelamento de preços.
8. Resolução do caso concreto: inexistência de ofensa ao art. 333, I, do CPC, na medida em que o autor não comprovou a ocorrência de efetivo dano, necessário para fins de responsabilidade civil do Estado, por descumprimento dos critérios estabelecidos nos arts. 9º e 10 da Lei 4.870/1965.
9. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(REsp 1347136/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 07/03/2014)
Segundo entendimento da Primeira Seção, não se pode impor ao Estado o dever de indenizar sem que haja efetiva comprovação do dano, uma vez que esse representa elemento fundamental para a apuração da suposta ilicitude do ato estatal.
Para fim de liquidação do quantum debeatur, existem precedentes do STJ sustentando que, diante do reconhecimento, por perícia judicial, de que os valores praticados pelas usinas, em obediência à determinação governamental, seriam inferiores aos preços calculados com base nos custos de produção levantados pela FGV, bastaria o simples cálculo aritmético dessas diferenças, multiplicadas pelo período da intervenção estatal no setor, respeitada a prescrição[20].
Restou assentado, no julgamento do repetitivo, contudo, que não há espaço para lucros cessantes ou prejuízo hipotético, nos moldes preconizados, porquanto a própria lei fornece os parâmetros para a fixação do preço, e esse não é definido por unidade, mas por cálculo do custo da produtividade de cada empresa, por suas características de situação geográfica, otimização de produção, custos de matéria prima e outros insumos de produção. Assim, a indenização devida diria respeito ao que a empresa consumiu e produziu, gastando além do preço fixado pela autarquia, com reflexo no seu resultado econômico como um todo.
Far-se-ia imprescindível, portanto, a análise da contabilidade da empresa, em que se encontram os registros dos elementos necessários à estimativa do prejuízo.
Aduziu a relatora, ainda, que o Poder Judiciário, ao reconhecer o dever de indenização às empresas do setor sucroalcooleiro, não pretendeu premiá-las pelo sacrifício do controle estatal de preços: buscou, naturalmente, dentro dos parâmetros da tese, recompor os reais e efetivos prejuízos.
Assim sendo, a prova pericial seria indispensável, não apenas para se ter a fixação do preço de cada produto, mas também para se identificar o prejuízo efetivo. Afinal, nem todas as empresas tiveram otimização de produção ou prejuízo, mesmo com a venda dos produtos pelos preços fixados pelo governo.
Na hipótese dos autos, em fase cognitiva, o perito judicial concluiu pela não ocorrência de dano contábil, pelo que se considerou indevida a condenação da União.
Os embargos de declaração opostos pela demandante foram parcialmente acolhidos para “esclarecer que, nos casos em que já há sentença transitada em julgado, no processo de conhecimento, a forma de apuração do valor devido deve observar o respectivo título executivo” (eSTJ, fl. 2810). Os aclaratórios da União foram acolhidos para “esclarecer que a eficácia da Lei 4.870/65 findou em 31/01/1991, em virtude da publicação, em 01/02/1991, da Medida Provisória 295, de 31/01/1991, posteriormente convertida na Lei 8.178, de 01/03/1991” (e-STJ, fl. 2810).
Em voto vencido, o Ministro Mauro Campbell Marques traz interessante abordagem divergente sobre o tema:
Decerto, segundo a metodologia de cálculo utilizada pela perícia, obtém-se o total dos danos sofridos mediante a verificação da diferença entre os custos de produção apurados pela FGV e os preços fixados pelo IAA e sua posterior multiplicação pelas quantidades vendidas verificada na contabilidade das empresas. Com efeito, indenizável é todo o dano sofrido (danos emergentes e lucros cessantes) e não apenas o prejuízo contábil (danos emergentes). Também de observar que esse dano não diz respeito à existência de prejuízo ou inviabilidade da atividade econômica realizada pelo setor sucroalcooleiro, mas em prejuízo objetivo oriundo da diferença entre o que a legislação de regência determinava como preço a ser percebido e a indevida atuação do Estado na economia, que não respeitou o que fora determinado em lei (obrigatoriedade de observância dos valores fixados pela FGV).
[…]
No trecho transcrito, deixei claro naquela ocasião que não deveria ser afastada a necessidade de perícia, mas a indenização a ser concedida pelo Poder Judiciário às empresas do setor sucroalcooleiro deve sempre abarcar danos emergentes e, principalmente, lucros cessantes. Razão pela qual não deve cingir-se apenas ao PREJUÍZO CONTÁBIL que espelha tão somente os valores referentes aos danos emergentes. É preciso compreender-se que o preço praticado não só na entrada da cana como na saída dos produtos das Usinas (açúcar e álcool) foi fixado pelo governo. Nessa toada, basta comprovar que a venda dos produtos para o mercado o foi feita com preço artificialmente menor que aquele que seria naturalmente adotado consoante a demanda econômica, e este preço, por força de lei, é aquele proveniente de estudo da FGV. Sendo assim, verificando-se que o governo fixou preços inferiores aos apontados nos estudos da FGV, é inegável a existência de lucros cessantes, indiferente para tanto que as empresas tenham efetivamente obtido lucros no período, pois o que importa é que não obtiveram o lucro que teriam obtido caso a fixação de preços ao menos obedecesse efetivamente aos estudos feitos pela FGV como patamar mínimo, consoante o determinou a lei.
Segundo o Ministro, a jurisprudência da Corte Superior era firme no sentido de se mostrar desnecessária a demonstração de prejuízo contábil, pois se esse fosse o requisito essencial, poder-se-ia chegar à absurda conclusão de que empresas com má gestão teriam direito à indenização, enquanto que aquelas bem administradas não o teriam.
Embora não tenha se caracterizado o chamado dano contábil, houve clara demonstração pericial quanto ao dano econômico da ordem de R$ 10.869.878,61.
Conclui, destarte, que a jurisprudência deste STJ, há muito, estava firmada no sentido da ocorrência do dano por ocasião da simples fixação dos preços em patamares inferiores aos apontados pela FGV, da quantificação do dano pela apuração dessa diferença, havendo precedentes de ambas as Turmas no sentido de que a modalidade de liquidação aplicável é a mera apresentação de cálculos.
O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho também levantou, em divergência, importantes aspectos atinentes ao tema.
Consignou que não se deveria impor às partes indenizandas ônus que terminassem por reduzir, obstar ou impedir a fruição integral do direito que a justiça lhes reconheceu, sob pena de se olvidar a efetiva eficácia da sentença que condenou a União Federal ao pagamento de indenização.
Acrescenta o julgador que a indenização se fundamenta no princípio da restituição integral, segundo o qual o valor da indenização deve restabelecer, em favor da vítima (tanto quanto possível), a situação anterior à conduta prejudicial, reparando o desequilíbrio jurídico.
Por fim, arremata:
16. Creio que, se os preços deveriam ter sido fixados em um determinado nível ou patamar (essa palavra tão em moda), mas o foram em outro inferior, segue-se que a indenização desse dano, para ser integral, deve corresponder à diferença entre um e outro desses níveis ou patamares; essa conclusão, com a devida vênia de outros entendimentos, me parece ser de uma clareza perceptiva que beira a obviedade, com a devida vênia – repito – dos que entendem de modo diferente.
17. Reconhecer-se a ocorrência do dano e determinar que o seu causador, neste caso a União Federal, por ter agido ilegalmente, ao não observar – como não observou – o critério para fixação de preços previsto na Lei 4.870/65, mas condená-la a pagar ao particular prejudicado valor indenizatório a se apurar mediante critério diverso, implicaria, ao meu ver, em perpetuar a ilegalidade já reconhecida pelo Poder Judiciário, porque se elegeria, de modo injustificável, um método de cálculo indenizatório avesso à realidade do dano verificado.
[…]
Em tema de indenização, o timbre é o de que ela (a indenização) há de ser justa, e isso supõe – como corolário indispensável – a recomposição (às completas, como se dizia antigamente) do patrimônio particular indevidamente desfalcado pelo ato ilícito, neste caso, à razão da diferença entre os preços pelos quais deveriam ter sido vendidos os produtos e aqueles que foram ilegalmente fixados; isso também me parece, como todo o respeito devido, faiscante como um sol andaluz , para usar essa sedutora imagem de Eça de Queiroz.[21]
5.3 Repercussão Geral 826 do STF.
Em 2015, reconheceu o Supremo Tribunal Federal a repercussão geral do tema referente à quantificação do dano causado pela atuação do Instituto do Açúcar e do Álcool:
CONSTITUCIONAL. ECONÔMICO. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA. NORMAS DE INTERVENÇÃO. LIBERDADE DE INICIATIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SETOR SUCROALCOOLEIRO. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DO DANO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. Tem repercussão geral a questão relativa à responsabilidade objetiva da União e à qualificação jurídica do dano causado ao setor sucroalcooleiro, em virtude da fixação dos preços dos produtos do setor em valores inferiores ao levantamento de custos realizados pela Fundação Getúlio Vargas, levando-se em conta o valor constitucional da livre iniciativa e a intervenção do Estado no domínio econômico.
(ARE 884325 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, julgado em 26/06/2015)
Para a usina, a indenização deve corresponder à diferença entre os preços fixados pelo IAA e aquele apurado tecnicamente pela Fundação Getúlio Vargas à época, multiplicada pela qualidade de derivados de cana comercializados pela autora. Sustenta a existência de repercussão geral, argumentando a notória relevância econômica e social da matéria. Por fim, alega que as decisões do TRF-1 e do STJ ofendem os artigos 37, parágrafo 6º (responsabilidade civil da União); 170, caput e inciso II (ordem econômica e livre iniciativa); 173, parágrafo 4º (abuso de poder econômico pelo Estado) e 174 da Constituição Federal.
A União, por sua vez, invoca a prescrição da pretensão indenizatória, em razão do transcurso do prazo de cinco anos. Sustenta, ainda, que, para ter direito à indenização, a usina precisaria demonstrar a efetiva ocorrência do dano e a relação de causalidade entre a ação governamental de administração dos preços dos produtos e o resultado danoso. Além disso, explica que os resultados dos negócios da usina não dependem somente dos preços finais dos produtos, mas de inúmeros fatores ligados à produtividade da empresa[22].
Analisando o caso concreto e a decisão do Superior Tribunal de Justiça, ressaltou o Ministro Luís Roberto Barroso que, embora o Supremo possa rever seu entendimento, até mesmo à luz das reflexões feitas pelo STJ, parece claro que os acórdãos recorridos, ainda que a título de liquidação do dano, adotaram raciocínio diverso daquele consolidado pela jurisprudência dominante do STF.
O Ministro Fachin, a seu turno, registrou:
O juízo acerca de possível ofensa ao Texto Constitucional, a ensejar a admissão do recurso, funda-se no exame da proporcionalidade da intervenção do Estado na Economia. Com efeito, no julgamento do RE 422.941, o Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, afirmou que a Constituição autoriza a intervenção no domínio econômico, desde que se respeitem os parâmetros constitucionais. No caso dos autos, embora já se tenha reconhecido que, por ser desproporcional a intervenção promovida pela União no setor sucroalcooleiro, a permitir a responsabilização objetiva do Estado, não se examinou se a desproporção reside na fixação dos preços abaixo do valor indicado pela FGV ou dos custos de produção individualmente apurados. A questão é, portanto, como atestam os precedentes desta Corte, constitucional e a extensão do dano, especialmente considerada a importância do setor sucroalcooleiro para economia nacional, tem repercussão geral. Tendo em vista que a decisão recorrida, além de examinar discussão sobre o prisma de incidente repetitivo, fez uma distinção em relação aos precedentes desta Corte, não há falar-se em reafirmação de jurisprudência. Dada a complexidade do tema, é indispensável que a matéria tenha regular instrução, razão pela qual, por ora, deve-se reconhecer a constitucionalidade do tema e a repercussão geral da controvérsia.
A responsabilidade objetiva do Estado decorreu de atos normativos do IAA, que tinha atribuição para fixar os preços do açúcar e do álcool no período, mas estava legalmente vinculado aos custos de produção levantados pela FGV.
A discussão que persiste é a de que se seria necessário demonstrar o prejuízo contábil sofrido pela empresa.
Entendemos, no ponto, que a existência de prejuízos contábeis ou fiscais não é condição necessária nem critério adequado para o cálculo da indenização em comento. Eventual inexistência dessas espécies de prejuízo no período histórico não elide a ocorrência de dano material sofrido pelas empresas do setor sucroalcooleiro, em função da ilegal e inconstitucional fixação de preços.
Em sede de parecer, o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot opinou:
Não se trata, portanto, de possível compensação pela ausência de lucros ideais, como defendido nas instâncias ordinárias. Trata-se, em verdade, de efetivo dano econômico causado às empresas do setor que foram obrigadas a praticar preços inferiores àqueles tidos pelo próprio Estado como minimamente suficientes para cobrir os custos de produção.
Não se pode exigir, também, como afirmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que o dano somente seja reconhecido àquela empresa que, por meio de perícia, demonstre que o preço fixado causou-lhe prejuízo contábil, levando-se em consideração o seu desempenho econômico.
[…]
O dano indenizável tem por essência a diferença entre os preços praticados e aqueles decorrentes dos custos médios de produção apurados pela FGV, conforme os critérios previstos na Lei 4.870/1965.
De fato, se o preço estabelecido deveria ser maior, considerados os estudos realizados pela instituição conveniada à autarquia federal, as empresas do setor tiveram uma redução indevida nos seus resultados, o que poderia representar prejuízo menor ou lucro maior.
Em 18 de agosto de 2020, decidiu o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (Tema 826), que é imprescindível, para fins de reconhecimento da responsabilidade civil do Estado em decorrência da fixação de preços no setor sucroalcooleiro, a comprovação de efetivo prejuízo econômico, mediante perícia técnica em cada caso concreto:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. POLÍTICA DE FIXAÇÃO DE PREÇOS PELO SETOR SUCROALCOOLEIRO. DANO. PREJUIZO ECONÔMICO. NÃO OCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. 1. A responsabilidade civil do Estado ocorre sempre que preenchidos os seguintes requisitos: a) dano; b) ação administrativa; c) nexo causal entre o dano e ação administrativa. Precedentes. 2. A atuação do Estado sobre o domínio econômico por meio de normas de direção pode, potencialmente, atingir a lucratividade dos agentes econômicos. A política de fixação de preços constitui, em si mesma, uma limitação de lucros, razão pela qual a indenizabilidade de eventual dano atinge somente o efetivo prejuízo econômico, apurado por meio de perícia técnica. 3. Hipótese em que não se demonstrou o efetivo prejuízo causado pela atuação estatal. 4. Recurso extraordinário com agravo e recurso extraordinário aos quais se nega provimento. Fixação de tese: “é imprescindível para o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado em decorrência da fixação de preços no setor sucroalcooleiro a comprovação de efetivo prejuízo econômico, mediante perícia técnica em cada caso concreto”.
(ARE 884325, Relator Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2020).
De acordo com o relator, o dano causado pela política de fixação de preços refere-se ao prejuízo econômico sofrido pelos agentes: “a indenizabilidade do dano deve, por conseguinte, ser materialmente comprovada. A mera limitação do lucro não consubstancia dano injusto e, como tal, não dá direito à indenização”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Em face de todo o exposto, pode-se concluir que o entendimento jurisprudencial dominante imputa ao Estado a responsabilidade civil por intervenção no domínio econômico, desde que comprovado o nexo de causalidade entra a atuação estatal (lícita ou não) e o dano diretamente causado, em razão da responsabilidade objetiva com base no risco administrativo.
A leitura econômica da responsabilidade civil extracontratual evidencia a lógica preventiva de que estão impregnados os fundamentos do instituto. A responsabilidade protege os direitos exclusivos sobre os bens escassos, procura desencorajar danos, internalizar as externalidades e, assim, impor que todos suportem o custo integral de seu comportamento (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015).
O instituto serve, ao mesmo tempo, para indenizar a vítima. Tal objetivo não pode, porém, ser o único a informar a responsabilidade civil, pois, nesse caso, há o risco de se deslizar para a lógica do deep pocket (responsabilidade medida pela solvabilidade do réu). Esse equívoco pode aumentar, sem limites, os custos derivados de acidentes e necessários à sua prevenção (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015).
Nessa esteira, do ponto de vista econômico, a responsabilidade civil trata da internalização de externalidades criadas por elevados custos de transação decorrentes de dano (COOTER; ULLEN, 2010).
No que tange à política de controle prévio de preços, verifica-se que a livre fixação decorre do princípio da livre iniciativa, de modo que o controle prévio viola frontalmente a Constituição da República.
Na ordem constitucional atual, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (art. 170, caput e inciso IV) não deixam qualquer margem à introdução de políticas públicas que conduzam o mercado ao congelamento de preços, ainda que se trate, como na época do Plano Cruzado, de situação excepcional de hiperinflação. Os danos causados implicariam, pois, responsabilidade civil do Estado por ato ilícito.
No caso da Varig, o STF (RE 571.969/DF) vislumbrou dois principais fundamentos favoráveis à indenização: garantia da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, mantidas as condições efetivas da proposta (art. 37, XXI); responsabilidade civil do Estado por atos lícitos que causem prejuízos (art. 37, § 6º). Enfatizou, ainda, que à companhia foram impostos danos especiais, oriundos da própria qualidade de concessionária de serviço público de transporte aéreo, impossibilitada de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro, em detrimento de funcionários, aposentados, pensionistas, bem como da própria pessoa jurídica.
No RE 422.941/DF (setor sucroalcooleiro), entendeu a maioria dos ministros que a intervenção estatal na economia encontra limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa e que a responsabilidade objetiva do Estado decorre da existência de dano atribuível à atuação deste. Nesse sentido, afirmou-se que a fixação, por parte do Estado, de preços a serem praticados pela recorrente em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor constitui-se em óbice ao livre exercício da atividade econômica, em desconsideração ao princípio da liberdade de iniciativa. Assim, não é possível ao Estado intervir no domínio econômico, com base na discricionariedade quanto à adequação das necessidades públicas ao seu contexto econômico, de modo a desrespeitar liberdades públicas e causar prejuízos aos particulares.
Em sede de repercussão geral (Tema 826), decidirá o Supremo Tribunal Federal se o dano há de ser comprovado por perícia que demonstre o efetivo prejuízo contábil (entendimento do STJ) ou se a mera demonstração da obediência aos preços determinados pelo IAA, em desacordo com os preços calculados pela FGV, deve gerar o dever de indenizar.
Conforme entendimento da Primeira Seção do STJ (Recurso Representativo de Controvérsia 1.347.136/DF), não há espaço para lucros cessantes ou prejuízo hipotético, porque a própria lei fornece os parâmetros para a fixação do preço, e este não é por unidade, mas por cálculo do custo da produtividade de cada empresa, pelas suas características de situação geográfica, otimização de produção, custos de matéria prima e outros insumos de produção. Nessa esteira, a indenização devida diria respeito ao que a empresa consumiu e produziu, gastando além do preço fixado pela autarquia, com reflexo no seu resultado econômico como um todo.
Far-se-ia imprescindível, pois, a análise da contabilidade da empresa, em que estão os registros dos elementos necessários à estimativa do prejuízo. Assim sendo, a prova pericial contábil seria indispensável, não apenas para se ter a fixação do preço de cada produto, mas também para se identificar o prejuízo efetivo.
Não concordamos, todavia, com referido entendimento.
A existência de prejuízos contábeis ou fiscais não deve ser condição necessária para a indenização. Se o preço estabelecido deveria ser maior, considerados os estudos realizados pela instituição conveniada à autarquia federal, as empresas do setor tiveram uma redução indevida nos seus resultados, o que poderia representar prejuízo menor ou lucro maior. Caso contrário, poder-se-ia chegar à absurda conclusão de que empresas com má gestão teriam direito à indenização, enquanto que aquelas bem administradas não o teriam. Ainda que não se comprove o chamado dano contábil, a demonstração do dano econômico revela-se suficiente.
Precedentes do STF indicavam que a indenização deveria ser calculada com base no dano material sofrido, a partir da divergência entre os índices apurados pela FGV e aqueles que foram estabelecidos pelo IAA.
Em 18 de agosto de 2020, decidiu o Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (Tema 826), que é imprescindível, para fins de reconhecimento da responsabilidade civil do Estado em decorrência da fixação de preços no setor sucroalcooleiro, a comprovação de efetivo prejuízo econômico, mediante perícia técnica em cada caso concreto. De acordo com o relator, o dano causado pela política de fixação de preços refere-se ao prejuízo econômico sofrido pelos agentes: “a indenizabilidade do dano deve, por conseguinte, ser materialmente comprovada. A mera limitação do lucro não consubstancia dano injusto e, como tal, não dá direito à indenização”.
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[1] Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito e Economia pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Procurador do Estado de São Paulo.
E-mail: ismaelnedehf@gmail.com.
[2] Art. 5º O artigo 1º do Decreto nº 79.706, de 18 de maio de 1977, passa a vigorar com a seguinte redação:
”Art. 1º O ato de fixação ou reajustamento de qualquer preço ou tarifa por órgãos ou entidades da Administração Federal, Direta ou Indireta, mesmo nos casos em que o poder para tal fixação seja decorrente de lei, dependera, para sua publicação e efetiva aplicação, de prévia aprovação do Ministro da Fazenda”.
[3] Idem.
[4] Art. 37, § 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[5] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[…]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[…]
IV – os direitos e garantias individuais.
[6] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
[7] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
[8] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
[9] STJ, EREsp 40629-SP, Rel. Min. Vicente Leal, DJ 01.07.2002.
[10] Nesse sentido: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Ordem econômica e desenvolvimento na Constituição de 1988. Associação Promotora de Estudos da Economia, 1989. BASTOS, Celso Ribeiro; DA SILVA MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Saraiva, 1988. JÚNIOR, Miguel Reale. Casos de direito constitucional. Editora Revista dos Tribunais, 1992.
[11] O Globo. Criada em 1927, Varig foi a maior empresa aérea da AL, levou presidentes e até Papa. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/criada-em-1927-varig-foi-maior-empresa-aerea-da-al-levou-presidentes-ate-papa-21273017>. Acesso em 3 jul. 2017.
[12] Idem.
[13] “[…] repita-se: não se está a discutir a legalidade da decisão política pela qual se instituiu o Plano Cruzado; resultou ele de ato do Poder Executivo – Decreto-Lei n. 2.283, de 27.2.1986 e Decreto-Lei n. 2.284, de 10.3.1986 – e, obviamente expresso, seu objetivo era combater a inflação e resguardar a ordem econômica e financeira em benefício de toda a sociedade […] Não seriam, portanto, meros atos administrativos, mas medidas legislativas emergenciais do Estado em busca do atendimento ao interesse social maior, editados e adotados de forma geral e abstrata.” – trecho do voto da relatora.
[14] “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
[15] “Seria aparentemente desejável que os tribunais devessem entender as consequências econômicas de suas decisões e devessem, na medida em que fosse possível, sem criação de muita incerteza acerca da própria solução emanada da lei, levar em consideração tais consequências quando fossem tomar as suas decisões” (tradução livre).
[16] O Globo. Criada em 1927, Varig foi a maior empresa aérea da AL, levou presidentes e até Papa. Disponível em: <http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/criada-em-1927-varig-foi-maior-empresa-aerea-da-al-levou-presidentes-ate-papa-21273017>. Acesso em 3 jul. 2017.
[17] Jornal do Comércio. Credores da Varig começam a receber os primeiros valores. Disponível em: < http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/06/economia/570629-credores-da-varig-comecam-a-receber-primeiros-valores.html>. Acesso em 3 jul. 2017.
[18] REsp 79.937/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2001, DJ 10/09/2001, p. 366.
[19] Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo412.htm>. Acesso em 11 mar. 2018.
[20] REsp 783.192-DF, Primeira Turma, DJ 3/12/2007; REsp 1.110.005-DF, Primeira Turma, DJe 5/10/2010; REsp 1.066.831-DF, Segunda Turma, DJe 23/11/2011; e REsp 1.186.685-DF, Segunda Turma, DJe 24/5/2011.
[21] Trecho do voto vencido do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no julgamento do REsp 1347136/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 07/03/2014.
[22] Disponível em: < http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=295755>. Acesso em 9 fev. 2018.